quinta-feira, 1 de junho de 2023

Políticos que não valem um cu

Não fui à Feira de Maio, na Azambuja, assim como não fui à Ascensão, na Chamusca, e à Festa do Bodo, na Azinhaga. Já não vou em cantigas e muito menos em touradas, embora ainda frequente algumas fadistices, dispensei, definitivamente, a companhia de toureiros.


Há quase um século que sou visitante da Feira do Livro de Lisboa no dia da inauguração. Este ano ainda não pisei aquele chão. Dei por isso no domingo com uma criança pela mão e uma pizza para o almoço na outra enquanto ela me cantava canções em inglês, língua que preciso de aprender e que hei-de adiar até morrer.

Descobri à porta de casa o segredo mais mal guardado do mundo que é um antigo quartel da GNR transformado num centro de residências artísticas e palco de múltiplas actividades. Foi lá, no terceiro dia da feira do livro, que fui ouvir a Miss Tea e Pedro Castanheira, num espectáculo quase a sair de cena, chamado Burla da Velha Lisboa, com jantar incluído, que demorou duas horas e meia e recomendo para quem gosta de sair do sério. 

Não fui à Feira de Maio, na Azambuja, assim como não fui à Ascensão, na Chamusca, e à Festa do Bodo, na Azinhaga. Já não vou em cantigas e muito menos em touradas, embora ainda frequente algumas fadistices, dispensei, definitivamente, a companhia de toureiros. Mas gosto de saber que a tradição ainda é o que era.

A menina de quase cinco anos que levei pela mão até ao sítio das pizzas, e depois de volta a casa, tem os pés tortos, mas nem se nota; há quase 40 anos caminhei para a Rua de Angola, em Lisboa, para mandar fazer sapatos para uma filha que tinha os pés tortos, segundo dizia a pediatra. Hoje, pelos vistos, os pediatras estão mais avançados no tempo.

Foi nesta viagem de mão dada que resolvi, pela primeira vez na vida, mudar a data do meu aniversário. No dia da saída deste jornal para as bancas faço anos e vou comemorar com umas braçadas na piscina, uma massagem, uma visita à feira do livro (finalmente) e, quem sabe, duas refeições vegetarianas regadas a chá de ervas, com uma cigarrada pelo meio que Homem que não é pecador não é Homem nem é nada.

Agora que já contei um pouco da minha vidinha sem interesse vou meter a colher numa medida do Governo de António Costa muito parecida com aquela de proibir a venda de tabaco que deveria ter servido para desviar as atenções que tentavam afundar o ministro João Galamba: "a Direção-Geral da Saúde publicou uma norma este mês a dar conta de novas regras de saúde pública para eventos de massas com mais de mil pessoas. Festas passam a ter de contar com o apoio de médicos, enfermeiros, bombeiros e ambulâncias com suporte básico e avançado de vida". Vivemos num país onde não há maternidades suficientes para acudir às necessidades; o Hospital da Estefânia, em Lisboa, só para dar um exemplo, demora quase um dia a atender uma criança que procura apoio médico. Vivemos num país onde os políticos já não sentem que são almas do outro mundo de tão anestesiados que ficaram com a conquista da maioria absoluta. António Costa bem podia descer à terra e obrigar a sua equipa, numa reunião de conselho de ministros, a frequentar a praia do Meco para todos se verem nus como Deus os deu ao mundo. Quem sabe sairiam de lá mais conscientes que governam um país de enfezados, que mesmo assim alimenta com milhões a TAP a RTP e a CP, só para falar de três empresas públicas que não valem um cu comparadas com a EDP, que há muitos anos foi vendida aos chineses e que deveria ser a nossa jóia da coroa. JAE.

quinta-feira, 25 de maio de 2023

A “porra” da política e a incompetência

Que ministra é esta que vai à Chamusca e em vez de pegar o boi pelos cornos, mostrando trabalho feito, faz uma festa às ovelhas do rebanho sabendo que são mansas por natureza? Aparentemente Paulo Queimado não tem feito o trabalho de casa relativamente aos problemas na Ponte da Chamusca.

As declarações mais ou menos divertidas e indignadas da ministra da Coesão Territorial, Ana Abrunhosa, de visita à Chamusca para inaugurar a Semana da Ascensão, são a prova da incompetência dos políticos que governam o concelho da Chamusca e da sua pouca ou nenhuma capacidade para gerir (ver notícia pag.27). “Façam, porra”, disse a ministra desabafando sobre o drama que a circulação na Ponte da Chamusca causa em termos sociais e económicos a quem vive nesta região e precisa de chegar a horas ao emprego, ao hospital, ao tribunal e, resumindo, de fazer render o dia de trabalho. “Façam, porra” é uma frase forte que causa impacto. Os autarcas devem ter chorado de comoção. Mas vamos ao que interessa: uma ministra não se senta com muita regularidade com os seus colegas de Governo onde está incluído o seu chefe, que é primeiro-ministro? Não é ela que tem que levar o recado e, olhos nos olhos, dizer aos seus camaradas ministros, “façam, porra”? Não é só levar para a Chamusca a merda do lixo perigoso que mais ninguém quer e tudo aquilo que não sabemos e que entope a ponte, causa mau ambiente e empobrece o território? Que ministra é esta que vai à Chamusca e em vez de pegar o boi pelos cornos, mostrando trabalho feito, faz uma festa às ovelhas do rebanho sabendo que são mansas por natureza?

Ministra e presidente da Câmara da Chamusca são do mesmo partido do Governo. Não era normal que falassem do assunto em privado e que cuidassem de se entender e reivindicar aquilo que é do interesse superior das populações? Aparentemente Paulo Queimado não tem feito o trabalho de casa relativamente aos problemas na Ponte da Chamusca e teve que convidar a ministra da Coesão Territorial para a inauguração de uma festa para ouvir um desabafo que mais parece de um político da oposição. É preciso muita pouca vergonha para tanto teatro e tão fraca encenação. JAE.

quinta-feira, 18 de maio de 2023

Roubar em tempo de pobreza sem ser confundido com os gatunos

Quando os pobres mais precisam de ajuda é quando certos organismos dos governos compram mais fardas e contratam mais gente para as vestir de forma a poderem roubar sem serem confundidos com os gatunos.

“Entre o pecado e o limiar/da pureza passa um fio/de espada, invisível, para/melhor ser visto.” Recebi este pequeno poema incluído numa dedicatória de um  livro do poeta Vergílio Alberto Vieira (Oratória do Vento). Já me aproveitei dele duas vezes para dois textos diferentes que me pediram para outras tantas publicações. 

Sou amigo do poeta de Amares há cerca de quatro décadas mas a nossa amizade nunca foi tão alimentada como nos últimos anos. Tivemos amigos comuns que já morreram, ainda temos amigos comuns que nos convidam para antologias, ou para colaborações em revistas cuja memória se perde na barafunda da vida; temos ainda alguns amigos comuns que vamos reencontrando por aí muitas vezes em intervalos de dezenas de anos. Foi o que aconteceu, recentemente, na terra do poeta no lançamento da sua foto-biografia com o título de “Meu teatro de papel”.

A actual vida política portuguesa é um nojo desde Durão Barroso e José Sócrates, só para falar de dois ex-primeiros-ministros que acho que foram para a política para enriquecer. A classe política acomodou-se, nivelou tudo por baixo, e quem nasceu mais alto do que a média dos portugueses ou anda baixinho na vida pública ou leva a cabeça cortada, caso não aceite andar por aí de pernas para o ar como anda a maioria dos políticos e dos seus assessores. O debate à volta do novo aeroporto, provocado pela constituição de uma Comissão que vai andar por aí a badalar o assunto só para encher chouriços, serve que nem ginjas aos políticos para, um dia destes, optarem por uma solução de recurso que nos vai deixar a chuchar no dedo. Depois de uma geringonça, com uma maioria absoluta para governar, António Costa teve algures no tempo um AVC político e anda por aí a governar como um doente crónico, sempre de cama, sem saber para que lado se há-de virar.

Esta semana, excepcionalmente, dois artigos de opinião de O MIRANTE tiveram cerca de 100 mil visualizações no online, o que demonstra bem o alcance do jornal junto dos leitores que vivem fora da região. O MIRANTE trabalha em 23 concelhos que têm uma população de cerca de meio milhão de habitantes, mas o número de leitores únicos na edição online ultrapassa em muito os quatro milhões. E no papel também há muitos anos que lideramos à frente de todos os jornais ditos de circulação nacional.

Nem por isso o Governo sabe que existimos; não há campanhas de publicidade para os jornais, nem sequer sobre saúde pública quando mais de metade da população não tem médico de família. Vamos tendo a ajuda ao Porte Pago e é um pau. Mas está escrito nas estrelas que até isso um dia destes vai acabar; basta que um Arons de Carvalho do PS se levante mal disposto com os jornalistas e a imprensa local e regional leva um último chuto no cu.

O 13 de Maio deste ano em Fátima foi-me relatado como o ano em que se roubaram mais carteiras. Uma vizinha contou que só levou uma carteirinha debaixo do braço, com dinheiro e cartões, e ficou sem ela enquanto segurava na vela e se comovia em lágrimas na altura em que o som da oração mais ecoava no recinto do Santuário. Na cidade onde vivo os fiscais do estacionamento aumentaram para o dobro. O aumento dos pequenos roubos em ajuntamentos e em carros, durante a noite, está sempre ligado ao aumento da pobreza, da falta de rendimento familiar, e é nestas alturas, precisamente, que as autoridades de farda, a mando dos dirigentes e políticos, também saem mais para a rua para engrossarem os orçamentos depauperados das instituições do Estado. Quando os pobres mais precisam de ajuda é quando certos organismos dos governos compram mais fardas, e contratam mais gente para as vestir, de forma a poderem roubar sem serem confundidos com os gatunos. JAE.

quinta-feira, 11 de maio de 2023

O novo aeroporto internacional será em Santarém ou Benavente

O novo aeroporto internacional de Lisboa será em Benavente ou em Santarém. São as únicas opções que servem o país e os interesses dos portugueses. O MIRANTE toma opção por Santarém mas a garrafa de champanhe que compraremos para festejar a decisão do aeroporto em Santarém será a mesma com que festejaremos a decisão do aeroporto no Campo de Tiro de Alcochete.


O MIRANTE trabalha e é líder da informação nos dois concelhos do país onde deverá ser construído o novo aeroporto internacional de Lisboa.  Benavente e Santarém são as únicas opções que servem o país e os interesses dos portugueses. Para além disso são os dois únicos territórios onde é possível reunir a maioria das condições exigidas para um aeroporto que respeite o ambiente, possa crescer sem limitações e cumprir os desígnios de uma grande região metropolitana e de um país que, embora se faça de carro de norte a sul em menos de 9 horas, não é dos mais pequenos da Europa, mas é um território onde cabe uma das mais pequenas regiões do Brasil, só para dar um exemplo de um outro país irmão com quem a maioria dos portugueses se identifica.

Vai por aí um burburinho, que também já alimentei e alimento, garantindo que o lóbi do ex-ministro Pedro Nuno Santos jamais ficará pelo caminho. Dizem e justificam que a força do socialista e dos seus amigos fará com que a lógica se torne numa batata e que outra solução surgirá pelo pretexto mais mesquinho que houver ao cimo da terra; e é quase certo que o Estado vai voltar a pagar a despesa de adiamento do futuro aeroporto, e os aviões vão continuar a sobrevoar o casario dos bairros de Lisboa, quem sabe até ao dia em que morram pessoas e sejamos notícia no mundo pelas piores razões.

Em Benavente ou em Santarém seremos a redacção mais perto do novo aeroporto se os interesses dos políticos não se sobrepuserem aos interesses do país. Nada de novo. Falo do assunto para deixar claro que tomamos partido por Santarém por acharmos que o país tem mais a ganhar. Mas se os políticos continuarem a saga de fazer gemer o dinheiro dos contribuintes até ao tutano, a garrafa de champanhe que compraremos para festejar a decisão do aeroporto em Santarém será a mesma com que festejaremos a decisão do aeroporto no Campo de Tiro de Alcochete.

Os jornalistas e os jornais devem ser imparciais a escrever, mas nós existimos para defender o nosso território. Por isso não se admirem que estejamos aqui a tomar posição por um aeroporto internacional em Santarém com investimento privado, em vez de optarmos por Benavente, que terá custos exorbitantes, terá que incluir mais uma ponte sobre o Tejo, e tem restrições ambientais que não são de somenos importância. Terá ainda um problema que salta à vista e que encarece e dificulta ainda mais o projecto: enquanto em Santarém as obras estarão prontas em quatro anos, em Benavente, no mínimo demoram o dobro. E é aqui que a porca torce o rabo; se a escolha recair em Benavente é mais que certo que o Governo vai sugerir uma solução intermédia que custará milhões, e que de provisório é muito possível que passe a definitiva, e que, como todos sabemos, vai aumentar o número de aviões no céu de Lisboa, redobrar a poluição sonora e aumentar os riscos de acidentes.

Somos um país de trolhas e de badamecos a confiar no que José Sócrates achava do pagamento das dívidas do Estado (para mim basta este exemplo para classificar a classe política que se acha acima da lei). Mesmo assim sou daqueles que não desiste de trabalhar e de contribuir para uma sociedade mais justa e solidária. Neste caso não é até que a voz me doa, mas até que tenha papel para escrever, o que vai sendo cada vez mais raro e difícil nos tempos que correm; e neste capítulo a culpa não é dos políticos, mas alguns deles são os mais beneficiados. JAE.

quinta-feira, 4 de maio de 2023

Ir para a cama com a República e dormir como um monarca

Tinha 18 anos no dia 25 de Abril de 1974 e era muito mais politizado que a grande maioria dos jovens de hoje, mas paguei caro esses anos duros; e o meu 25 de Abril só aconteceu quatro anos depois da revolução.

Devo os meus 15 minutos de fama na televisão ao jornalista e escritor Armando Baptista-Bastos, autor de “O Secreto Adeus” e de muitos outros romances e livros de crónicas e entrevistas que li na altura certa, de forma rendida, e ainda hoje leio e releio. Apesar da entrevista ter sido extensa o jornalista que na altura tinha um programa na SIC não me fez a célebre pergunta: “onde é que estavas no 25 de Abril”, talvez porque nessa altura ainda não a tinha incluído na sua agenda.

Baptista-Bastos não perguntou, mas quero responder a mim próprio, embora fora de data, já que nesta coluna mando eu e quem, às vezes, me corrige as gralhas e a pontuação e até muda o sentido de algumas frases.

No dia 25 de Abril de 1974 estava a trabalhar atrás de um balcão desde os 11 anos e o meu pai era quem mais facturava na vila da Chamusca a vender vinho, cervejas, pregos e peixe frito. Nesse dia, a meio da tarde, junto ao mercado municipal, ouvi o presidente da câmara, António J. Lopes da Costa, saudar algumas pessoas e dizer-lhes com toda a serenidade e convicção que o que se estava a passar não era para levar a sério; que devíamos continuar a nossa vida sem sobressaltos. Nesse dia o filho mais velho de uma família pobre mas bem conhecida na terra, estava por perto a ouvir a conversa e a rir-se como eu, já que todos sabíamos que tinha chegado a hora. Ele tinha uma história bem diferente da minha, mas não deixa de ser até mais interessante; como era de uma família que na altura tinha que estender a mão à caridade, o presidente da câmara obrigava-o a cortar o cabelo quando já lhe caía pelas costas. Não sei contar toda a história porque ele era mais velho que eu, de poucas conversas, e o tempo vai apagando as memórias e a noção de alguns interesses da juventude.

Tinha 18 anos nessa altura e era mais politizado que muitos jovens de hoje. Já contei isso noutras crónicas. A cervejaria do meu pai era um dos locais de encontro do José Júlio, Carlos “Cochicho”, Gonçalo Cabaço, do senhor Moreira, entre outros, a maioria tipográficos de “A Persistente”, que era o grande ninho de víboras da Chamusca no que toca a opositores do antigo regime. O meu 25 de Abril só aconteceu quatro anos depois quando me libertei do balcão e consegui fugir de casa, embora com uma mão à frente e outra atrás.

Neste último dia 25 de Abril ouvi Lula da Silva na televisão e depois desliguei o aparelho. Editei um texto de um colaborador do jornal e durante toda a tarde estive a trabalhar num texto que saiu na edição online e por lá vai morrer como tudo na vida. A seguir ao almoço reli um livro de John Milton, “Aeropagística - Discurso Sobre a Liberdade de Expressão”, que foi escrito em meados do ano de 1600 e que amanhã mesmo vou oferecer a um jovem que trabalha comigo. Curiosamente o livro tem uma dedicatória de Jónatas Machado, o ilustre prefaciador, que é professor universitário e um dos mais respeitados constitucionalistas do nosso tempo. Não me lembro de lhe ter agradecido o envio do livro e estou a tentar perceber se fiz má figura e se ainda vou a tempo de me redimir. O livro tem cem páginas, mas uma dimensão que não passa pela cabeça da maioria dos políticos da nossa praça. E foi escrito em 1644 como desafio à censura parlamentar inglesa. Devia ser de leitura obrigatória para todos os políticos que se candidatam a cargos públicos.

O dia foi tão grande que ainda consegui ir dar um mergulho na piscina e gozar meia hora de sauna e banho turco. Ao cair da noite fui ao cinema e no regresso a casa comi uma sandes mista e um sumo de laranja num lugar especial. Dantes era um prego e uma cerveja, mas agora estou a mudar de hábitos para não dar por mim a ver sempre as mesmas caras e a fazer os mesmos caminhos fora de horas. Em casa, já depois da meia-noite, fui logo para a cama com a velha República, mas já nada é como dantes; assim que a cabeça caiu na almofada dormi que nem um monarca falido de barriga cheia e vida descansada. JAE.

quinta-feira, 27 de abril de 2023

O chão da terra e o 25 de Abril

Se não fosse o 25 de Abril hoje seria um emigrante, ou ex-emigrante, pobre como muitos milhões de portugueses. Sou pobre na mesma porque não enriqueci com o 25 de Abril. Mas ninguém me leva preso por exercer uma profissão onde posso chamar habilidoso a um advogado e idiota a um político.


Para o bem (jamais para o mal, mesmo nas situações difíceis) o 25 de Abril de 1974 foi a vitória da democracia em Portugal e a vingança contra um mundo de pessoas bafientas que mandavam na nossa vida como se alguns de nós fossemos animais de palheiro. Antes de 1974 o mundo em Portugal era a preto e branco. Depois foi ganhando um colorido que cada um pode contar à sua maneira; o caminho não tem sido fácil e a prova é este Governo de António Costa que nos governa cheio de rapazes atrevidos que fazem do Estado uma pensão de segunda, onde se encontram à noite com as/os  amantes antes de chegarem ao lar doce lar.

Ando a ler apaixonadamente um ensaio biográfico de Pina Bausch, que só vi dançar uma vez, cuja vida e obra me fascina, mas não vou encher esta coluna com citações nem sequer falar do livro. Estou de regresso de uma pequena viagem e, ao chegar a casa, mergulhei no livro durante cerca de uma hora e já quase madrugada mergulhei no sono. 

Chegar de viagem e pegar num livro que conta a nossa viagem parece um pouco estranho, mas foi isso que aconteceu. Em três dias por Coimbra e Braga almocei à beira do Mondego com duas jovens mulheres ligadas à literatura, que me deram uma lição sobre o quanto é importante não desistir de aprender a ver sempre mais, a ver mais e a sentir mais, como Susan Sontag clamava nos anos sessenta quando Portugal ainda era um país de gente a pão e água.

Depois deste encontro fui revisitar Coimbra com um amigo que nasceu e vive lá, sempre encantado com a sua cidade de nascimento, como eu pelos recantos da minha terra, pelo respeito que sinto ao pisar o chão do Convento de S. Francisco onde foram enterradas dezenas ou centenas de almas há cerca de mil anos.

Em Braga dormi pela primeira vez no Convento de Tibães, onde já tinha ido mas de onde fugi em tempos como um monge fugia da sua cela. Almocei no centro da cidade com um jornalista amigo que conheço há mais de 40 anos e com quem mantenho uma ligação afectiva de quase irmandade. Ele preocupa-se comigo como se fosse da sua família, e vou ao seu encontro como se sentisse obrigação de o abraçar de vez em quando para não me deixar conquistar pelo excesso de cultura e de vida, pela sobreposição de interesses, pela permanente perda de agudeza da experiência sensorial que tanto se pode aplicar naquilo que nos liga a um livro como ao que nos liga a uma pessoa que é nossa amiga, embora não entre na nossa casa de família, e vice-versa, embora habitemos uma casa comum onde não moramos: “vemos e já é muito”, como disse o Mestre de Santa Marta.

Nesses breves dias comi e dormi por terras de Viriato, fui jantar a casa de uma família que conheço mais com o coração que com os olhos. Fui tão bem tratado que, pela primeira vez na vida, achei que podia ter uma casa a Norte onde certamente seria tão feliz como sou nas minhas casas a Sul. Reencontrei uma pessoa, que não me conheceu olhando-me nos olhos, mas a quem abri a memória com as seguintes palavras do livro de Pina Bausch: fomos amigos comuns de uma pessoa que enterramos há muitos anos, que “num mundo de desatenção e alheamento era alguém que viu mais, ouviu mais e sentiu mais”. E o abraço que demos na despedida, sobre o olhar atento do amigo comum que nos reuniu na sua casa de família, com toda a família, trouxe à lembrança a seguinte frase: no dia em que pensarmos que sabemos como as coisas funcionam devemos evaporar-nos imediatamente porque certamente já seremos uns grandes chatos junto de quem nos rodeia.

Esta crónica é sobre o 25 de Abril e o dia da Liberdade, embora não pareça. Se não fosse o 25 de Abril eu hoje seria um emigrante, ou ex-emigrante, pobre como muitos milhões de portugueses. Sou pobre na mesma porque não enriqueci com o 25 de Abril. Mas ninguém me leva preso por exercer uma profissão onde posso chamar habilidoso a um advogado, idiota a um político e, mais importante que isso, posso continuar a denunciar os que se servem da democracia e se fazerem de parvos para beneficiarem impunemente das grandes e bondosas liberdades permitidas pela Revolução dos Cravos, que permitem uma corrupção rasteira que muitas vezes é tão prejudicial ao país como a do colarinho branco. JAE.

quinta-feira, 20 de abril de 2023

Há casas desocupadas que só serão arrendadas por cima dos cadáveres dos seus donos

A Constituição da República diz que "todos têm direito, para si e para a sua família, a uma habitação de dimensão adequada, em condições de higiene e conforto e que preserve a intimidade pessoal e a privacidade familiar". O Governo de António Costa prepara-se para que a classe média abra mão das casas de família para resolver o problema que os políticos varrem para debaixo da mesa há meio século.


A população portuguesa está a gritar por uma política de habitação que lhe permita arrendar ou comprar casa a preços decentes, isto é, de acordo com o que ganha e a economia do país em que vive. Infelizmente a habitação deixou de ser um problema do Governo a seguir ao 25 de Abril de 1974 como demonstra a história da nossa democracia. As autarquias, que tinham um papel fundamental na política de habitação, demitiram-se das suas responsabilidades e gastam o dinheiro em festas e touradas como se vivêssemos no melhor dos mundos. Ninguém investe em habitação social com o dinheiro fácil que recebe do Estado e dos contribuintes. Bem mais de metade do orçamento das autarquias é para gastar em recursos humanos, embora uma boa parte dos serviços tenham sido entregues a empresas intermunicipais como é o caso da recolha do lixo e do abastecimento de água. O problema é que muitas das autarquias não se reformaram, não fazem planos para o futuro, não cumprem o seu papel de guardiões da sua população; limitam-se a gerir o dinheiro como se fossem os Donos Disto Tudo. As obras que se vêem por aí são alcatrão em cima de alcatrão. Há orçamentos em festas anuais, repito, anuais, que davam para construir todos os anos uma dezena ou duas de casas a preços acessíveis para arrendar a famílias mais carenciadas. Em vez disso, o dinheiro gasta-se num quadro de pessoal que, em muitos casos, é o dobro do que era preciso; noutros casos em obras de fachada.

Sou do tempo em que comprar casa era um objectivo de vida; já nessa altura, há meio século, se sabia que nos países da Europa desenvolvida, os jovens, assim que atingiam a maioridade, tinham o apoio do Governo para comprar uma casa e tornarem-se independentes. Meio século depois do 25 de Abril Portugal continua um país de políticos trapalhões que, em alguns casos, começam a pôr em causa os valores da liberdade como acontecia no tempo de Salazar. As autarquias mais pobres são aquelas que mais gastam em festas e festarolas e investem menos no tecido social para fixar população. Os socialistas que estão no Poder, que agora querem acabar com o excesso de alojamento local, são os mesmos que aprovaram e vão aprovar a construção de dezenas de hotéis nas grandes cidades, subjugados aos grandes interesses dos grupos económicos estrangeiros que dominam a actividade turística.

Obrigar as famílias a arrendar as casas que têm vagas, ou que só utilizam esporadicamente, é uma política muito mais ousada e autoritária que no tempo de António de Oliveira Salazar. O homem deve estar a rir-se no túmulo. Os socialistas portugueses que nos governam querem que o problema da habitação em Portugal se resolva obrigando os proprietários a arrendar as casas que futuramente vão pertencer aos seus filhos e netos; não aproveitam os fundos comunitários para construir habitação em conjunto com as autarquias; não apoiam os jovens no pagamento dos juros junto do banco público para a construção de casa própria; não criam políticas de incentivo como se faz em todo o mundo; deixam a cada entidade bancária a possibilidade de explorar os empréstimos bancários para casa própria como se vivêssemos todos em Miami ou num qualquer território das grandes Américas onde as desigualdades são pornográficas.

É minha convicção que a lei que o Governo vai criar nunca será implementada. Há pessoas que preferem que passem por cima do seu cadáver que abrirem mão da casa dos avós ou dos pais que está vazia, mas é lugar de memórias e de férias ao longo do ano.

Nota final: esta edição de O MIRANTE conta duas histórias que envolvem o Serviço Nacional de Saúde que mereciam entrar pela casa de família de todos os que ganham a vida na política e com a política. É inadmíssivel que vivamos num país que trata assim os seus cidadãos. JAE.