quinta-feira, 26 de fevereiro de 2015

Uma grande maioria

Num texto de apresentação de um livro chamado “O Bordel das Musas”, João Cutileiro conta que “há pouco mais de 150 anos, na Praça do Giraldo, havia autos de fé e execuções com palco e tudo. Ainda hoje se pode ver que do palco dos Condes de Murça sai uma plataforma de ferro adossada à igreja de Santo Antão (onde meus pais casaram) para que os então nobres e os seus amigos tivessem regalias de primeiro balcão: )”. Só em 1957 um editor francês conseguiu publicar, sem correr o risco de ser preso, os primeiros livros do Marquês de Sade, esse sublime energúmeno que recentemente fez furor em Paris numa exposição no Museu d´Orsay 200 anos depois da sua morte.  A instituição da Inquisição persistiu até ao início do século XIX. O filósofo alemão Theodor Adorno perguntou, em 1949, se era possível escrever poesia depois de Auschwitz.
Tomei algumas notas que ficaram esquecidas no computador e recupero-as agora para dizer como Ortega y Gasset nas suas Meditações do Quixote: Cada dia menos me interessa sentenciar; a ser juiz das coisas vou preferindo ser seu amante”.
Falar é fácil. Escrever é um pouco mais difícil mas facilita-se falando para o gravador e depois mandando transcrever. Quem anda na faina como nós sabe que ainda há muita gente por aí com comportamentos e mentalidades dos tempos de antanho. Os banqueiros aproveitam-se dos políticos, e os políticos aproveitam-se dos banqueiros, e o mundo continua a ser sustentado por uma grande maioria que trabalha todos os dias de sol a sol. A minoria, esses excelsos energúmenos que regra geral são banqueiros ou donos de grandes empresas, são o próprio sol e só descansam quando a noite cai e engolem a lua. JAE

quinta-feira, 5 de fevereiro de 2015

O encontro do século em Vila Franca de Xira

À mesma hora em que se discutia matemática e poesia no Museu do Neo-Realismo, com Eugénio Lisboa, o toureiro José Júlio era alvo de uma festa de homenagem no dia dos seus 80 anos.
Uma boa parte dos homens dos touros são iletrados. Sabem quem foi Ernest Hemingway e Pablo Picasso, por razões especiais, mas não pescam nada sobre poesia ou literatura ou pintura, para falarmos apenas das artes mais convencionais. Se falarmos de alguns empresários, repito, de alguns empresários, iletrados é uma palavra elogiosa. De verdade são uns pequenos trafulhas.
Teria sido uma boa “tourada” juntar as duas iniciativas e enquanto Eugénio Lisboa falava da escola pitagórica, da beleza dos tetrassílabos nos versos de João de Deus ou de Henrique Segurado, dos matemáticos poetas como Paul Valery ou Mira Fernandes, ao mesmo tempo José Júlio pudesse falar dos seus passes de mágico com o capote, da forma como o sangue circula nas veias de um toureiro quando olha de peito descoberto os cornos afiados de um toiro, da arte de mostrar no chão da arena aquilo que um poeta ou matemático deixa escrito no papel.
Juntar Eugénio Lisboa e José Júlio a meio da tarde, em Vila Franca de Xira, para falarem de poesia, matemática e touradas, seria certamente o encontro e o acontecimento do século à beira Tejo em terras lusas. Certamente que seria uma grande honra para todos menos para aqueles que vivem com a alma e os olhos no passado e passam a vida na gosma, de língua afiada a pedirem estátuas e nomes de ruas aos políticos, quando não é o caso de exigirem que a cidade acorde todos os dias de manhã curvada e rendida aos génios da má-língua. JAE

Comentário à noticia: http://semanal.omirante.pt/index.asp?idEdicao=690&id=106809&idSeccao=12323&Action=noticia#.VNosPvmsXh4