quinta-feira, 30 de setembro de 2010

As ovelhas e a Justiça

Portugal devia ter um tribunal em cada concelho do país. Se um determinado território tem condições para ser concelho então devia ter um tribunal para que a justiça, esse símbolo máximo da soberania, pudesse ser exercido com celeridade e em igualdade de circunstâncias para com todos os portugueses.
As palavras são de António Marinho e Pinto, bastonário da Ordem dos Advogados, e foram proferidas em Santarém recentemente. Curiosamente não atraíram a atenção dos jornalistas que acompanharam a conferência e, por isso, não mereceram notícia nos vários jornais que fizeram eco das suas palavras.
A agenda mediática é feita de outros assuntos que servem melhor a especulação jornalística, ou seja, a criação de novos tribunais, o estado medieval da nossa Justiça e dos nossos tribunais, a farsa dos rituais, a incompatibilidade entre o exercício da advocacia e o cargo de deputado, o estatuto dos juízes, entre muitos outros.
Reivindicar um tribunal para cada concelho do país parece uma utopia se tivermos em conta os interesses instalados. Com a descentralização da Justiça, a influência dos poderosos seria muito menor, e lá se ia o país medieval que Marinho e Pinto não se cansa de denunciar. Com um tribunal em cada concelho a justiça teria que ser obrigatoriamente mais célere e mais justa.
A verdade é que a ideia parece impossível de levar à prática até para aqueles que todos os dias repetem na comunicação social as mesmas lamúrias de sempre.
Na semana em que Marinho e Pinto esteve em Santarém fui parte em julgamento num tribunal da região. Fomos chamados em rebanho. Éramos mais de duas dezenas de testemunhas vindas das mais variadas partes do Ribatejo. Na hora da chamada só ficaram quatro das cerca de duas dezenas. Dessas quatro pessoas só foram ouvidas duas. O resto regressou a casa depois de uma manhã perdida ao serviço de uma Justiça que é lenta e acima de tudo desorganizada.
Situações como esta acontecem todos os dias nos tribunais portugueses. E não há políticos que nos defendam; não há juízes que dêem um murro na mesa; não há povo que se revolte em associações que defendam o direito a uma melhor e mais justa cidadania.
Na mesma semana respondi num outro processo perante o Ministério Público como arguido antes sequer de ser ouvido. Bastou que um cidadão melindrado com uma notícia, daquelas que fazem o “prato do dia”, se sentisse ofendido e fizesse queixa, e lá fui eu como uma ovelha responder perante factos e acusações que nem lembravam ao diabo.
Isto está bom é para quem vive à custa do Estado e se refugia nos partidos políticos para garantir o futuro. Custa caro andar por aqui de espinha direita e não dever nada, como ovelha, a todos os cabrões do rebanho.

quarta-feira, 22 de setembro de 2010

A teia de aranha

Em Portugal há uma justiça para pobres e uma justiça para os ricos. Não é só ao nível dos tribunais e do acesso aos grandes gabinetes de advogados. É também nas questões culturais. Os portugueses regra geral têm medo das fardas e muito medo das togas. Neste capítulo vivemos quase todos como na idade da pedra.
Nos últimos tempos os governos socialistas aumentaram ainda mais a injustiça no acesso à justiça. Um cidadão que se queira defender até à última instância pode ter que gastar nas custas judiciais o equivalente a seis meses de ordenado. Mais de um terço da população portuguesa, contas por alto, é descriminada devido à sua situação social e económica num serviço público que faz toda a diferença numa sociedade verdadeiramente democrática. Em Portugal, por causa do estado da nossa Justiça, há muita gente a clamar por Salazar. Dói ouvir e dói ainda mais escrever. Mas quem anda por aí e ouve os cidadãos sabe com que nomes eles baptizam os nossos governantes que hoje dizem uma coisa e amanhã fazem outra. E, no entanto, o resultado é sempre o mesmo; os ricos ficam mais ricos e os pobres continuam a empobrecer.
Não há na sociedade portuguesa, nestas últimas dezenas de anos, um caso de provocação ao estado de desgraça em que estamos metidos como a eleição de António Marinho e Pinto para bastonário da Ordem dos Advogados. O livro que recentemente Marinho e Pinto publicou, contando aquilo que foi o seu mandato destes últimos três anos, é um relato que todos deviam conhecer para perceberem como este homem foi capaz, está a ser capaz, de mexer com os interesses mais obscuros e milionários que lixam a democracia em que vivemos. “Um combate desigual”, assim se chama o livro, vai ficar na história e ser matéria de estudo daqui a muitos anos quando as pessoas puderem interrogar-se como foi possível viver nos tempos de hoje num país tão triste e colonizado, tão corrupto e decadente, numa época em que a grande maioria dos países da Europa já resolveu há muitos anos, e em grande parte, as grandes questões, como a da Justiça, que fazem a diferença entre a nossa civilização e os tempos da barbárie.
No livro “Um combate desigual” Marinho e Pinto não só afronta os grandes interesses instalados como torna ridículas as calúnias e as infâmias que foram levantadas contra si depois de ganhar as eleições com um resultado histórico que deixou a concorrência em estado de choque.
O exercício do cargo de Bastonário, ou o exercício da cidadania, que neste livro se pode ler nas mais variadas formas, desde os textos que fazem a história do exercício de Bastonário até aos textos de opinião e discursos oficiais, todos eles são exercícios de luta e de uma grande coragem no combate por uma Justiça que não seja apenas uma teia de aranha que os fortes rompem facilmente e onde os fracos ficam presos e enredados, às vezes para toda a vida.

quinta-feira, 16 de setembro de 2010

Chapa 8

O Castelo de Almourol é o edifício número 8 do património das Forças Armadas Portuguesas. É assim que ele é conhecido e referido nos serviços e é assim, chapa 8, que o Castelo de Almourol tem sido valorizado e cuidado nestas últimas dezenas de anos.
Não se percebe como é que um monumento ímpar do património português está entregue às Forças Armadas. Percebe-se, aliás, se formos coniventes com os trapalhões/farsantes dos políticos que passam pelos governos do país como cão por vinha vindimada. Está justificado, pelo menos para mim, o estado de abandono do Castelo de Almourol que é, mesmo assim, pasme-se, um dos lugares mais visitados pelos turistas estrangeiros depois do Santuário de Fátima e do Convento de Cristo.
Imagine-se o que vão dizer de nós, para as suas conversas de café, os ingleses, os franceses, os alemães, que chegam à beira do Tejo e ficam a ver o Castelo de Almourol da beira do rio da mesma forma que olham um boi se por acaso a visita guiada à região do Ribatejo incluir uma ganadaria onde os bois pastam no meio da charneca ou da lezíria.
Bois sentados é como eu vejo às suas secretárias todos os responsáveis que permitem que um monumento como o Castelo de Almourol seja um monte de pedras no meio do rio à guarda dos excelentíssimos coronéis das Forças Armadas. Só quem não sabe como funcionam as Forças Armadas, como a instituição é velha e tem falta de meios, não percebe o ridículo que é ter à sua guarda um dos símbolos do património português.
Só existe uma razão para esta distracção dos doutos responsáveis pela preservação e valorização dos monumentos portugueses; ficaram todos senis, ou vão querer fazer do interior do país um jardim zoológico, com novas espécies, que somos todos nós que aqui vivemos e trabalhamos.
Não acabo sem deixar claro que soube recentemente que há um projecto de revitalização do Castelo de Almourol, e da pequena ilha, graças à iniciativa e à paciência e perseverança de instituições da região. Mas eu sou daqueles que só acredito quando puder ver. Desde que me conheço que nas minhas visitas à ilha o que mais me marcou foi sempre a constatação do número de pessoas que vão lá arrear a calça (diz-se cagar em português vernáculo).

quarta-feira, 8 de setembro de 2010

O mundo está perigoso

Só há uma forma de viver mais ou menos tranquilo neste país que nos deu o berço; não abraçar cegamente a não ser os nossos filhos e as pessoas que amamos.
O mundo está perigoso em África, na Ásia e na América Latina. Mas na Europa, para além de perigoso, está infrequentável.
Conto uma história que me foi contada na primeira pessoa, e por quem a viveu, na véspera do tribunal ler a sentença desse processo monstruoso para a justiça portuguesa chamado Casa Pia.
Um homem de cerca de 60 anos, casado de fresco, com filhos quase quarentões, estava a cuidar do seu filho bebé quando um pequeno incidente originou uma ferida na região do ânus. Sozinho em casa, desesperado por ver sangue, recorreu ao hospital da sua terra. Com o bebé nos braços esperou cerca de meia hora frente a um médico de serviço nas urgências que falava ao telemóvel como se estivesse no seu consultório particular. Bebé na marquesa de rabo para o ar, perguntas e algumas observações maliciosas para o pai, que na altura ele não entendeu muito bem, e ordem para seguir para um hospital central.
De novo nas urgências algumas horas depois, o homem ficou a perceber, pela forma como o médico o tratou, e questionou, que era suspeito de ter abusado do filho. Não o avisaram, perguntaram-lhe como se não acreditassem que ele não sabia que era suspeito de ter violado o filho com alguns meses de idade. Não, respondeu o homem, e isto só pode ser um pesadelo, ia acrescentando, enquanto se sujeitava a análises e a perguntas e também foi falando do seu estado mental e contando como tudo tinha acontecido. Foi um azar que eu não consegui evitar. Estava a tratar dele na ausência da mãe que chega mais tarde do trabalho e o que aconteceu não pode parecer uma violação. Eu sou pai na idade de ser avô mas sinto-me no meu perfeito juízo, disse, talvez de outra forma mas com todas estas palavras.
De volta às urgências do hospital da sua terra, depois da humilhação no hospital central, o homem, que na altura já estava acompanhado pela mulher e por um contingente de familiares, viu-se confrontado com a obrigação de se separar do filho já que os médicos lhe anunciaram que o bebé ia ser entregue à comissão de protecção de menores.
Resistindo até onde lhe foi possível, o homem acabou por levar o filho para casa, não sem antes ter percebido, e sentido, no mais fundo do seu ser, que para a maioria dos médicos que falaram com ele e o interrogaram e cuidaram do filho durante o acto da urgência hospital, ele era suspeito de ser, não exactamente o pai da criança mas o monstro que há uns meses tinha infectado com sémen a vagina da sua jovem companheira.
O bebé está bem, a ferida sarou depressa sem que tenha sido necessário voltar ao hospital, mas o homem ainda vai ser ouvido pelo Ministério Público e os resultados da recolha da saliva e do sangue ainda não são conhecidos.

quarta-feira, 1 de setembro de 2010

O vereador analfabeto da cultura de Tomar

O vereador da Cultura da Câmara de Tomar, Luís Ferreira, é um senhor de 43 anos que nunca exerceu longamente uma profissão. A sua vida, depois de ter acabado o tempo de andar de livros debaixo do braço, foi ser adjunto deste e daquele político, secretário e tudo o mais que a política permite nesta e naquela instituição. Luís Ferreira faz parte de uma geração de políticos que, graças ao 25 de Abril, conseguem hoje mandar no país sem nunca terem passado pela escola da vida exercendo uma profissão.
Se Luís Ferreira fosse um político sério, capaz, intelectualmente bem formado, já tinha pedido a demissão de vereador da Cultura da Câmara de Tomar depois dos disparates que escreveu sobre o escritor António Lobo Antunes e sobre os cidadãos do seu concelho.
O caso é público, volta às páginas desta edição de O MIRANTE, e não preciso de recordar aqui as calinadas e a forma infantil como o senhor vereador da cultura resolveu comentar, de forma a que o público tivesse acesso, um caso triste que pôs Tomar na imprensa pelas piores razões.
Tomar é a segunda cidade mais importante da Região Centro. Tomar, logo a seguir a Fátima, é o concelho mais visitado do país pelos turistas que saem de Lisboa ou do Porto. Tomar tem uma História e uma vida cultural ligada a nomes como José Augusto França, Lopes Graça, etc etc etc. Uma cidade com a importância de Tomar não pode ter um vereador da Cultura tão irresponsável e iletrado como o senhor Luís Ferreira.
Alguém no seu perfeito juízo devia chamar este senhor à razão e confrontá-lo com os disparates que escreveu e depois confirmou no meio da grande barafunda que foi a polémica à volta do convite a António Lobo Antunes.
Eu sei que na opinião da maioria dos meus leitores estarei a exagerar. Haverá até muitos deles que dirão: este tipo que escreve é maluco. Está a sugerir que o vereador se demita quando ele está na vereação a representar o Partido Socialista para ser o futuro presidente da câmara. Talvez os leitores tenham razão. E no fundo no fundo o Luís Ferreira até nem é má pessoa. E deve ser um excelente chefe de família. Mas este texto é sobre o anão político em que Luís Ferreira se transformou, muito mais do que já era, e não sobre a pessoa e os seus méritos enquanto homem de bom coração.
Nem daqui por um século Portugal terá uma classe política distinta, sabedora e com estatuto para merecer a honra de governar o país e as instituições da República. Falo de Luís Ferreira mas também poderia falar de camaradas do seu partido que são da mesma escola e que passam pelo mesmo crivo. Se Luís Ferreira não pedir a demissão do cargo, o que é mais que certo e sabido, tal é a falta de vergonha desta gente que faz da política profissão, pelo menos que ganhe juízo. Tomar merece um vereador da Cultura que, no mínimo, seja uma pessoa culta.