quinta-feira, 24 de setembro de 2020

Confinado em Lisboa mas sempre a vêr o Ribatejo do cimo de um Mirante

A livraria é a minha melhor praia de verão ou de inverno. Crónica de uma tarde na Gulbenkian, onde bebo café ao lado de alguns dos meus escritores preferidos, mas onde também já fui assaltado numa cena digna de filme.

A Fundação Gulbenkian, em Lisboa, tem o jardim mais bonito do mundo para compensar um provinciano desterrado do ambiente do campo e da charneca. Há mais de quatro décadas que frequento aquele espaço, e vejo-o sempre com novos olhos e sentimentos. Um dia destes passei a manhã na livraria, para onde consegui entrar fugindo a algumas condicionantes pelo facto de andarem em filmagens nos jardins. Dentro da livraria, uma hora depois de ter folheado meia dúzia de livros( a minha melhor praia de verão e de inverno é o ambiente de uma livraria), comecei a ver do lado de lá do vidro as cenas para a série “Crónica dos Bons Malandros”, mais uma adaptaçao do livro com o mesmo título de Mário Zambujal, que a RTP está a produzir. Fiquei ali mais uma hora a ver uma dúzia de actores a repetirem uma cena, um deles empurrando uma cadeira de rodas e os outros todos em rebanho. A cena parecia a coisa mais banal do mundo, não tinha falas, e o realizador mandou repetir uma dúzia de vezes. Ninguém imagina o peso daqueles microfones no ar a acompanharem as cenas e a cara de enfado dos artistas e dos técnicos depois de cada repetição.

Quando resolvi voltar aos livros, sem outras distrações, comecei a ouvir a voz do Mário Zambujal. Espreitei até o encontrar fora da livraria, mas dentro do edifício, a conversar com uma jornalista. Posicionei-me de forma a ficar a ouvir a conversa do jornalista e escritor que está com 84 anos mas mantém uma clareza de espírito e uma qualidade na escrita que faz inveja aos santos.

Embora não tenha frequentado, como jornalista, as redacções onde trabalharam os grandes jornalistas do tempo em que comecei a escrever, convivi e fui amigo de muitos que me proporcionaram o contacto directo com a realidade. Cito dois que já morreram; Luís de Miranda Rocha, no Diário de Lisboa, e Baptista Bastos, que trabalhou no Diário Popular e, mais tarde, ajudou a fundar O Ponto, um jornal de vida curta mas que muito me inspirou. Duas figuras distintas mas igualmente homens de talento, que se entregaram ao trabalho de alma e coração, a quem ouvi contar muitas vezes alguns segredos da profissão de jornalista/escritor de quando eu nascia para a vida.

Do quanto consegui ouvir, fiquei a saber que Mário Zambujal precisou de reescrever algumas crónicas para que algumas personagens tenham história que caiba no filme, para mais ou para menos, conforme os casos, já que “os malandros hoje são muito mais sofisticados”, e “aquelas histórias tiveram o seu tempo”, segundo palavras do autor. Mas o que retenho acima de tudo foi a forma como ele contou o ambiente nas redacções dos jornais nos anos 70: “Havia sempre uma nuvem de fumo nas salas, um vozear constante entre camaradas a trocarem informação e a fazerem perguntas, que os motores de busca hoje resolvem em segundos, e aquele batuque das máquinas de escrever, que ainda hoje parece que ouço, um batuque constante, que parecia uma música de orquestra”.

Não tenho a certeza que este episódio de um sábado à tarde na livraria da Gulbenkian sirva os leitores desta coluna. Por isso acrescento duas notas que podem ajudar a minorar o textinho de uma semana de muito trabalho com os dentes cerrados e pouca inspiração. Já fui assaltado, com uma faca de cozinha a centímetros do meu nariz, nos jardins da Gulbenkian, mas só conto a história completa do assalto a um realizador de cinema.

A Fundação tem uma biblioteca onde se passa uma manhã, ou uma tarde, sem darmos conta do tempo; e mesmo ao lado tem um café com esplanada para o jardim, onde é possível encontrarmos o nosso escritor de eleição a beber um café ao lado da nossa mesa; sempre a dois passos da água do lago, dos patos e dos peixes, e também com um barulho de fundo dos carros da Avenida de Berna, e agora também das obras na Praça de Espanha. Sonho todas as noites com viagens a Estocolmo, Budapeste, Copenhaga, Berlim, etc, etc, mas, de verdade, se conseguir esquecer-me do trabalho que tenho á minha espera em Santarém ou na Chamusca, ligar o telemóvel em modo de silêncio, mesmo com os pés no chão, e confinado em Lisboa, viajo mais do que alguma vez pensei ser possível. JAE.

quinta-feira, 17 de setembro de 2020

Os empresários já não são um exemplo como eram dantes

Faltam mais empresários preocupados com o associativismo, que se substituam aos políticos na organização da sociedade. Quatro décadas depois da revolução vivemos os maiores escândalos financeiros cujos rostos são em grande maioria os dos dirigentes do pós 25 de Abril.


Nas últimas décadas desapareceu em Portugal, definitivamente, uma elite empresarial que faz falta ao país e ao futuro do país. Portugal perdeu empresários que noutros tempos pensavam o país e substituíam-se à classe política na organização da sociedade, naquilo que sempre souberam fazer melhor que é participar na vida colectiva das populações de proximidade.

As empresas eram escolas de engenharia, de gestão, etc, etc, muito melhores que universidades; eram os empresários ligados a vários grupos, e a vários ramos da economia, das mais variadas classes, que criavam modelos de gestão que tinham impacto na vida do país e na qualidade de vida dos trabalhadores e das suas famílias.

O 25 de Abril de 1974 em Portugal, e o ano de 1975 em Espanha, só para dar dois exemplos, trouxeram-nos liberdade e democracia, certamente as conquistas mais importantes do mundo dos últimos cem anos. Ao contrário do que seria de esperar, perdemos os grandes líderes do passado e herdamos alguns dos maiores falsários da história da humanidade que fazem lembrar os grandes facínoras dos tempos das barbáries. Não é por acaso que, só para falarmos de Portugal, temos o caso Marquês e o caso BES, que envolvem uma parte muito significativa de dirigentes políticos e empresariais do pós 25 de Abril.

A maioria dos grandes empresários de hoje já não é um exemplo para ninguém como foi Alfredo da Silva há 150 anos. Hoje os empresários de referência da região ribatejana, por exemplo, têm carros de marca escondidos nas garagens das vivendas, ganham milhões todos os anos, fazem obras nas suas mansões à custa dos apoios do Estado para o turismo, entre outras manhas, mas culturalmente e no exercício da cidadania são uns analfabetos, que correm todos os dias de Lisboa para Madrid, de Madrid para Berlim, solitários como lobos na serra, fugindo aos seus deveres sociais, como os animais em extinção fogem dos caçadores furtivos, vivendo e isolando-se para não morrerem apoplécticos nos resorts ou nas suas mansões com muros altos e longe dos lugares mais povoados.

Sou desde sempre um aliado dos empresários e também um deles; admito com orgulho que foi com os pequenos empresários que aprendi quase tudo o que sei de melhor. Tive esse privilégio de conviver com pequenos empresários que me fizeram perceber o valor da palavra dada e o mérito da honradez. Não posso negar, no entanto, que sou testemunha de um tempo em que muitos empresários se divorciam do seu estatuto de cidadãos e de agentes de transformação sócio-económicae cultural. As associações são um espelho desse divórcio. A falta de dimensão humana e cultural de muitos empresários, que só pensam no lucro e no estatuto; a falta de líderes com credibilidade, que saibam liderar homens e não só estruturas produtivas, é um dos problemas dos nossos tempos que não vamos conseguir resolver sem outra revolução de mentalidades.

O que muitos dos nossos empresários têm a mais nas contas bancárias e nos investimentos em carros de marca e imobiliário, têm a menos em ousadia, frontalidade, coragem e solidariedade. Só dão para a sopa dos pobres porque é barato e não causa chatice. Quando lhes cheira a trabalho colectivo, a política de proximidade, fogem de circulação como se vivessem, não no Entroncamento, em Abrantes ou Benavente, mas num palacete de Sintra.

Não é por vivermos em tempo de pandemia que vamos aliviar o valor das palavras que precisam ser escritas, e repetidas, se for caso disso. A pandemia devia ser uma oportunidade para nos questionarmos sobre o nosso papel em sociedade. Se a pandemia durar uma década, alguns de nós, que tiveram sorte no negócio ou no emprego que escolheram, vão morrer pelo caminho mais ricos do que estão agora. A grande questão é esta: de que lhes serviu terem enriquecido num tempo em que não puderam viajar, conviver, viver em família e em paz espiritual com os amigos e os familiares? JAE.

quarta-feira, 16 de setembro de 2020

Os CTT são uma empresa que nos envergonha

A administração dos CTT não tem rosto na relação com os seus clientes. Mais grave ainda: a administração dos CTT não tem estruturas intermédias que falem com os clientes, que dêem justificações formais sobre o mau serviço que prestam, que eventualmente se disponham a devolver o dinheiro pelo serviço que cobraram e que não foi realizado, entre tantos casos que são de bradar aos céus para quem não tem outro remédio senão trabalhar com os CTT. 

O MIRANTE é um dos grandes clientes dos Correios. Desde a privatização que nos queixamos dos serviços. A nossa política de empresa, a exemplo da maioria da imprensa em Portugal, foi sempre seguida confiando no bom trabalho dos Correios para a fidelização dos assinantes. Quando os CTT eram empresa pública tínhamos sempre alguém do outro lado a dar a cara e a tentar remediar as situações mais complicadas. Desde que a empresa foi privatizada a relação é... tu precisas, então põe-te no teu lugar: paga e não bufes. Quem achar a linguagem demasiado chula não entende o que é editar um jornal para ser distribuído pelos CTT e, três dias depois, saber que o jornal ainda não chegou a casa dos assinantes quando há tão poucos anos chegava no dia a seguir.  

Só a cobrar a nova administração é severa. Um dia de atraso no pagamento da factura e carta na hora a informar que o contrato pode ser suspenso e que vão ser lançados os juros do atraso de um dia. 

O leitor está admirado com este tratamento de uma grande empresa na relação com os seus clientes? É bem pior do que aqui vai descrito. O Governo e os autarcas de todo o país sabem desta pouca vergonha. Mas veremos se o Governo de António Costa tem coragem de actuar em função dos números vergonhosos que a Anacom acaba de divulgar sobre a qualidade do trabalho dos CTT.

Comentário à notícia: https://omirante.pt/sociedade/2020-09-12-CTT-falham-servico-publico-de-qualidade-ha-4-anos-seguidos

Santarém é uma terra com pouca memória

Os 500 anos de Pedro Álvares Cabral são pretexto para recordarmos a fundação da Casa do Brasil em Santarém  e as guerras intestinas que os socialistas travaram na cidade que a fez ficar parada no tempo.   


O melhor presidente da câmara de Santarém a seguir ao 25 de Abril foi José Miguel Noras. Se não foi, o homem fez tudo para ser. Uma das suas iniciativas mais meritórias foi a fundação da Casa do Brasil em Santarém, que teve honras de visita do chefe de Estado brasileiro Fernando Henrique Cardoso. Só quem não percebe nada de política, e anda nisto para tratar dos seus interesses pessoais em primeiro lugar, é que passa ao lado destes assuntos sérios que fazem a diferença entre cidades prósperas e cidades moribundas. O trabalho de José Miguel Noras com a fundação da Casa do Brasil esfumou-se assim que Rui Barreiro assaltou o poder em Santarém. O espaço foi transformado no gabinete da vereadora Idália Moniz e, adeus Casa do Brasil. Estamos a falar de políticos do mesmo partido (PS) mas, nesta altura, a briga foi tão grande que José Miguel Noras só não recebeu ordem de prisão de Rui Barreiro porque o senhor era político e não chefe da polícia. Rui Barreiro só não desviou o curso do rio Tejo ali junto à Ribeira de Santarém, onde José Miguel Noras foi lavar a cara quando era criança, porque a obra era para um século e Barreiro, na altura, já sabia que não vivia tanto tempo para ver. Um dia alguém vai ter que contar estas histórias, algumas delas documentadas em crónicas de jornal, outras ainda na memória de todos os escalabitanos, ou de alguns, porque Santarém é definitivamente uma terra com memória muito, muito curta.

Indo ao que interessa: ainda em 2019 alertei os responsáveis políticos de Santarém para a data dos 500 anos da morte de Pedro Álvares Cabral. Pus-me várias vezes a jeito durante 2020 para dar corpo a uma iniciativa editorial que fizesse jus ao descobridor do Brasil e dos quatro cantos do mundo. Falei com quem de direito mas, como sempre, em Santarém manda quem pode e obedece quem quer.

Enquanto a maioria das cidades do mundo retoma a normalidade, Santarém tem o pessoal na toca, a começar nos homens que mandam nos assuntos da cultura. É uma tristeza franciscana, porque é a continuação da política de terra queimada que vem do tempo do senhor Rui Barreiro. Ele acabou com a Casa do Brasil mais a sua vereadora Idália Moniz, e agora podem passar mais 500 anos que o trabalho de José Miguel Noras nunca mais vai ter visibilidade ou cumprir o seu desígnio. É assim que se trabalha em Santarém quando se trata dos interesses dos cidadãos e das comunidades e do seu património físico e espiritual. Tiveste a ousadia de pôr em prática uma boa ideia que pode dar muitos frutos e queres ficar na História à minha custa se eu der andamento ao teu trabalho? Então já vais ver como elas te mordem; toma lá uma vereadora espertalhona, cega de ambições, a precisar de protagonismo, e vai lá montar a tenda na Casa do Brasil que um dia ainda chegas a banqueira. E não é que chegou mesmo?

É assim a vida. Um dia destes Idália Moniz ainda convida Rui Barreiro para assessor do Banco Montepio e as contas ficam saldadas. Entretanto Pedro Álvares Cabral fará mais um ano de morto, e a Igreja da Graça continuará a ser lugar de culto, mas só para uma minoria, à memória de um dos mais valorosos portugueses de todos os tempos. JAE.


Comentário à notícia: https://omirante.pt/cultura-e-lazer/2020-09-14-Nao-sabia-que-Santarem-tambem-tinha-uma-Casa-do-Brasil

quinta-feira, 10 de setembro de 2020

Os papéis de fumar do Vergílio Alberto Vieira

Enquanto enrolava um cigarro lembrei-me dos “Papéis de fumar” de Vergílio Alberto Vieira, um grande poeta que, como todos os grandes escritores, escreve todos os dias para “não falhar ser”. 

O mercado do tabaco deixou de comercializar cigarros com filtro de mentol. Confesso que sou consumidor de dois cigarros por dia, certos dias, quando, depois do jantar, tento manter-me inspirado para adiantar trabalho para o dia seguinte. É um prazer que sei pouco recomendável mas garanto que me sabe pela vida. Com o fim do tabaco de mentol comecei a comprar filtros de mentol e a fazer o cigarro à unha. De um dia para o outro recuperei a memória do meu avô paterno a quem vi enrolar milhares de cigarros durante toda a minha infância e adolescência. O meu avô morava numa casa no fundo do meu quintal, e foi o homem que, à chaminé, me iniciou no mundo mágico da literatura, contando dezenas de vezes, sempre de forma diferente, a história do Touro Azul e do Menino da Mata e do seu cão piloto, entre outros contos infantis.

Um dia destes, enquanto fumava um cigarro mal enrolado, lembrei-me dos “Papéis de fumar”, uma antologia da poesia do meu amigo Vergílio Alberto Vieira, com quem almocei recentemente em Esposende para pormos a conversa em dia. Tenho mais de três dezenas de livros do Vergílio Alberto Vieira, todos com as dedicatórias que honram a nossa amizade, que não é muito antiga mas cimenta-se em anos de convívio, frequentando os mesmos lugares de tertúlia literária embora cada um no seu lugar.

Vergílio Alberto Vieira é um perfeccionista da palavra; um poeta culto, de culto também com os seus 70 anos, que escreve para ser lido sem a preocupação de ser compreendido por todos os seus leitores. A sua poesia atravessa o último meio século, desde “A margem do silêncio” de 1971, até “Todo o trabalho toda a pena”, que é a nova reunião da sua poesia, livro editado em 2016 pela “Crescente Branco”. É um autor que ao longo de meio século experimentou, sempre com êxito, a escrita diarística, teatro, romance,  poesia, literatura infantil, para além de ter escrito durante muitos anos crítica literária em vários jornais e revistas de referência. Os “Papéis de fumar”, que não tenho na minha biblioteca, e de que me lembrei agora a fumar um cigarro mal enrolado, são a prova da minha dedicação como leitor e amigo de confidências, que não excluem a má língua, e se fixam em memórias de experiências vividas em Terras do Demo, Amares, São Miguel de Ceide, Melo, São Martinho da Anta, Lisboa, Braga e Coimbra, entre tantos outros lugares, chão de poetas e romancistas cujas leituras marcaram e marcam a viagem da nossa vida que, no caso do Vergílio Alberto Vieira vai sempre desaguar na foz do Rio Cávado e, no meu caso, numa ribeira que nasce na charneca e vai desaguar no Tejo, na Chamusca, noutros tempos bem distantes o meu mar da Figueira da Foz.

O último livro de Vergílio Alberto Vieira é um diário; “Minha ex-mulher a solidão”, Editora Crescente Branco, 2020, de onde copiei este poema que é um dos mais belos que já li em língua portuguesa:

AS MÃES;
De as não terem já só os filhos sabem
Que céus invocam, quando a noite cai;
Na terra estreita em silêncio cabem
Perdida ‘strelas de que a luz se esvai.

P’lo olhar ausente a que infinitas abrem
Passagem a caminhos de quem vai
Hão-de voltar que, das mães, o maior bem
Foi ser homem da casa sem ser pai.


Se nada teve o que não teve amor,
E o amor foi tudo o que do mundo quis
Quem do mundo só teve desamor,
Que jamais seja arrancada pela raiz
 A árvore, que nasceu para ser dor.
E, nem abatida, deixou de ser feliz.

JAE.

quinta-feira, 3 de setembro de 2020

A pandemia, a justiça e o novo filme de Carlos Reygadas

O advogado João Correia anda a publicar textos sobre justiça que são de leitura obrigatória. Oportunidade para recordarmos  “O Processo”, de Orlando Raimundo, e o último filme do realizador mexicano Carlos Reygadas. 


O estado de pandemia em que vivemos também serve para percebermos que o mundo pode voltar ao tempo da pedra lascada em poucos anos se começar a faltar em casa o essencial para nos alimentarmos em família.

No meu bairro, que tem mais população que todas as cidades maiores do Ribatejo, trato por vizinho o sapateiro que tem loja e oficina a 10 minutos a pé de minha casa. Fui lá com umas sandálias para consertar e uma mala com o fecho meio arrombado. Coisa para uma agulha e dois centímetros de linha. “São 20 euros vizinho. Se pagar já, daqui a duas horas pode vir buscar. Tenho muito trabalho mas dou prioridade a quem paga à cabeça”. E assim foi. Sem factura, e sem remorsos, porque os mais ricos têm as empresas nos paraísos fiscais e quando querem lavar dinheiro são mais habilidosos que os traficantes de droga.


Em tempo de Feira do Livro, em Lisboa e no Porto, tiro o chapéu a um filme que ainda está nas salas de cinema: “O nosso tempo”, de Carlos Reygadas; são três horas de rendição absoluta pelo cinema de autor. O filme é quase todo rodado num rancho onde se criam touros bravos, que são parte importante para compreendermos a magnitude da trama do filme. 

Por ter mamado nos últimos meses muitos filmes sem qualidade nos canais tradicionais rendi-me à Netflix, embora saiba que há outros bons canais de filmes por assinatura. Nos últimos dias vi dois documentários; um sobre a vida da directora da Vogue italiana, Franca Sozzani, e outro sobre Cuba, que visitei durante quase um mês há 20 anos, do americano Jon Alpert, que me deixaram sem palavras e sem sono. O cinema documental é o meu género preferido; faço jus também à literatura autobiográfica que prefiro a todos os outros géneros, incluindo agora também a poesia.


Quem anda distraído sobre o exercício da Justiça em tempo de pandemia devia estar atento aos textos de opinião que o advogado João Correia escreve no jornal Público. É um sério aviso à navegação. Alguns jornalistas de O MIRANTE sentiram na pele durante sete anos, pelo menos, todos os problemas que ele aflora sobre a Justiça, que “não é a manifestação da vontade dos titulares do direito de decidir”, mas sim “o resultado da actividade de uma comunidade de trabalho reunida em tribunal para obter uma decisão justa e em prazo razoável”. Os jornalistas de O MIRANTE foram vítimas durante sete anos de um advogado da nossa praça, Oliveira Domingos, que respondeu a uma notícia que dava conta do seu pedido de quase meio milhão de euros de indemnização à Câmara de Santarém, com providências cautelares que nos proibiram de escrever sobre ele durante todo o tempo que decorreu o processo, que só acabou no Supremo com a nossa absolvição. Oliveira Domingos gastou uma pipa de massa nos tribunais a acusar os jornalistas de O MIRANTE; mas para quem, aparentemente, ganhou dinheiro fácil da Câmara de Santarém, o que teve de pagar foram trocos. O jornalista Orlando Raimundo conta todo o esquema kafkiano num livro com o título “O Processo”, editado em Setembro de 2018, que pode ser adquirido em qualquer livraria por quem se interessa por estes assuntos. JAE.