quinta-feira, 26 de março de 2015

Os mentirosos

A vida política entre quatro paredes no Largo do Rato ou na rua de S. Caetano (à Lapa), sedes do PS e PSD, respectivamente, está cheia de memórias tão dramáticas quanto hilariantes. Basta pensar em Mário Soares com os seus 90 anos de vida e em Sá Carneiro que já desapareceu há 34 anos para imaginarmos quantas centenas de figurinhas e figurões já circularam pelas salas cor-de-rosa e laranja destes dois prédios de Lisboa.
Um dia ouvi contar que Marcelo Rebelo de Sousa mijava da janela do seu gabinete para o quintal quando não podia desperdiçar tempo. Uns meses antes da eleição de António Costa ouvi António José Seguro no Largo do Rato falando em família. Começou assim o seu discurso: “o que vos vou dizer hoje e aqui é tudo mentira. Estou a gozar com as minhas próprias palavras pois já ninguém acredita nos políticos quando eles usam da palavra”. A sala ficou em silêncio e só se via, e ouvia, o sorriso amarelo de António José Seguro.
Não sou a pessoa certa para contar histórias da vida partidária. No dia em que morreu Sá Carneiro a minha memória ainda estava cheia de histórias da vida interna no PCP mas já passaram tantos anos que só de as lembrar fico parecido com o jarreta do Jerónimo de Sousa.
Tenho um amigo que um dia destes, já no tempo de António Costa, falou com o Largo do Rato onde agora também trabalha a Maria da Luz Rosinha que pertence ao núcleo duro de Costa. A história que ele me contou é muito parecida com aquelas que lembro do tempo da pedra lascada.
Os partidos políticos são máquinas de gente que apodrece debaixo das mesas, nos fundos das jarras, morrem e reproduzem-se como os bichos da madeira, os ratos dos sótãos e das garagens.  
De vez em quando tentam reinventar-se, como é agora o caso do PS com António Costa e Maria da Luz Rosinha que só pode estar em missão de serviço. Mas a maioria silenciosa fica lá dentro a minar, a manter o emprego, a cuidar da vidinha, a vigiar e a alimentar o sistema para que a vida deles nunca deixe de ser essa coisa podre e miserável que assenta na mentira e nas mal feitorias. JAE

quinta-feira, 19 de março de 2015

Encher os Jardins da Liberdade

Não conheço a maioria dos engenheiros e arquitectos das câmaras municipais da nossa região mas tenho má opinião sobre o trabalho de muitos deles. Nunca digeri a azia que me provocam as últimas obras no Largo do Seminário, em Santarém. Nem imagino quem foram os engenheiros que assinaram as obras naquele espaço e não aceito que os políticos que as aprovaram sejam gente de bom juízo. O chão é demasiado escorregadio quando chove e no Verão atravessar o Largo do Seminário é uma experiência parecida com a de fazermos uma sauna ou banho turco na via pública.
Nos últimos anos fizeram-se obras em algumas ruas de Santarém que merecem o mesmo reparo critico pela falta de engenheiros inteligentes para pensarem esta cidade. As obras em causa têm passeios da largura daqueles que ladeiam os Campos Elísios, em Paris, já que os passeios da Avenida da Liberdade, em Lisboa, são bem mais pequenos e ajustados à realidade. Os engenheiros burros desenham as estradas à medida de dois carros e depois o resto que se lixe. Não importa se há estabelecimentos comerciais à beira da estrada e se esse comércio é abastecido por via terrestre com a necessidade evidente de os carros estacionarem em cima do passeio. O que torna ainda mais burras estas engenharias é o traço contínuo nas estradas que é para ser desrespeitado a cada vez que um carro estaciona ou pára em frente de um estabelecimento comercial para descarregar ou carregar mercadoria.
Como é evidente quem mora e trabalha em cidades como Santarém tem quase sempre a polícia à perna pois cada obra de engenharia parece feita em parceria com os interesses das autoridades que nos multam e ofendem a cada multa.
Não conheço a maioria dos engenheiros que desenharam as últimas obras em Santarém nem quero saber dos políticos que as aprovaram mas gostava de ver na presidência da câmara alguém que, num futuro a médio prazo, tivesse coragem política para desfazer as ovo-rotundas e abrisse as estradas para os carros circularem já que sem carros uma cidade não ganha pessoas para encher os Jardins da Liberdade.
Eu sei que criticar é fácil. E que este exercício pode ser injusto para muita gente que merece o título de engenheiro de obras. Mas a realidade está aí para quem tiver olhos na cara. Os engenheiros parece que desconhecem as necessidades dos cidadãos e, pior do que isso, parece que nunca viram como crescem e evoluem as cidades modelos da Europa. JAE

quinta-feira, 12 de março de 2015

A importância de se chamar Pombeiro

O rio Tejo, que é o rio da minha aldeia, continua a ser para mim um ilustre desconhecido. Não só nunca o desci desde a nascente até à foz como não conheço o rio para lá de Abrantes. E embora seja um apaixonado pelas suas margens e pelas suas marachas nunca encontrei com quem partilhar as minhas alegrias e preocupações.
Curiosamente, no dia em que almocei pela primeira vez com três desses militantes apaixonados pelo rio, que o conhecem como eu conheço os portos da minha área de residência, ouvi no rádio do carro, a caminho do almoço, a presidente da Câmara de Abrantes numa entrevista na Antena 1 anunciando ao mundo que a Associação de Municípios do Médio Tejo estava a protestar contra aquilo que para os autarcas do Médio Tejo é um verdadeiro atentado ao rio e aos interesses das populações.
Foi um tempo de antena e pêras. Cheguei à doca de Lisboa onde tinha o almoço marcado e ainda fiquei no carro para não perder nada da conversa. Depois liguei para 
O MIRANTE e dei a novidade. Ninguém tinha ouvido ou sabido de qualquer comunicado. A conversa era séria e Maria do Céu Albuquerque não é gaga a falar de coisas sérias. Dizia, entre muitas verdades cruéis, que o rio em tempo de Inverno nem sequer leva um caudal ecologicamente sustentável. Coisa que nós vemos todos os dias e que nos angustia mas que não podemos resolver nem tão pouco sabemos como mostrar indignação.
É evidente que fiz do assunto tema de conversa ao almoço. E comecei logo ali a perguntar quem é que na Associação de Municípios do Médio Tejo acha que resolve o assunto da falta de água no rio sem o envolvimento das populações e das suas associações, dos seus órgãos de comunicação social e dos políticos de toda uma região que não só do Médio Tejo. 
Passaram mais de cinco semanas sobre esta tomada de posição dos autarcas. Tempo suficiente para que o assunto já tenha sido esquecido depois de um comunicado muito bem elaborado cujo original deve estar num arquivo do chefe de gabinete de Passos Coelho e o respectivo duplicado na pasta de arquivo do Senhor Pombeiro, que é uma espécie de manga de alpaca da Associação de Municípios do Médio Tejo.
Por último: conheço o documento por me ter sido enviado por um amigo de Lisboa e foi com essa informação que fizemos notícia na altura. Pelo que percebo nem o site da associação fez notícia ou publicou o comunicado.  JAE

quinta-feira, 5 de março de 2015

Lídia Jorge é uma descamisada

Há escritores que me fascinam. Lídia Jorge é um deles. Gosto da autora de O Dia dos Prodígios pela originalidade da sua escrita e pela coerência da sua voz. É dos grandes escritores portugueses vivos que não aceita fretes dos jornais ou das revistas para dizer banalidades como esses escritores da moda analfabetos que devem a venda dos seus livros à propaganda enganadora. No dia em que a autora de O Vale da Paixão esteve em Vila Franca de Xira andei por outros caminhos onde me cruzei com a última edição da Colóquio Letras onde Lídia Jorge fala em entrevista com a jornalista Ana Marques Gastão. Fica aqui um resumo de uma conversa no papel que a meio da tarde me encheu a alma.
“Sinto esperança no colectivo, que nunca me é abstracto. Nesse aspecto pertenço ao grupo dos prostitutos da esperança ( : ) Acho que sou uma pessoa de combate.
Existem degraus imprecisos onde todos os homens se sentam. Por alguma coisa escolhi para epígrafe de um dos meu livros os versos de Dylan Thomas que falam dessa simbiose entre o carrasco e o inocente. “ Eu não tenho jeito para dizer ao homem enforcado/ Como da minha argila é feito o lodo do carrasco”.
Eu não aspiro à paz. Ela não é deste mundo. A menos que nos refiramos ao intervalo de sossego que acontece entre o desassossego. Aí sim, a paz transforma-se num armistício prolongado (:).
É preciso dizer que a felicidade existe. Experimenta-se e é objetiva. Mas não é narrável. Já a infelicidade é narrável (:).
Sei que sou uma caçadora atrás de uma presa inalcançável (:) Quando inicio um livro sou uma descamisada.
Os anos passam, a sociedade moderniza-se, e no entanto continua a existir um país indolente e amedrontado, que não se expressa. Um país que não encontra os gestos certos para acenar na rua, nem a voz própria para dizer o que lhe vai na alma (:) não deixa de ser extraordinário como somos ainda uma sociedade que voltou a ter um medo salazarista quando culturalmente nos tornamos cosmopolitas e modernos (:).
Quero entregar ao leitor o melhor texto possível. Como uma prenda fechada. Por isso ele não me é indiferente, nem está ausente, mas não cedo, nem concedo, porque o respeito. Quero que o nosso jogo seja limpo (:) se não nos entendemos paciência (:) Entre escritor e leitor o texto não é negociável”. JAE