quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

A igreja, o PCP e a homossexualidade


Quando tinha mais ou menos dez anos de idade o padre da minha paróquia perguntava-me em confissão pelos meus pecados e pedia-me para lhos contar de forma a ser perdoado. Lembro-me como se fosse hoje do prazer e do medo que sentia a contar-lhe as aventuras que, na altura, eram prática corrente entre rapazes e raparigas da mesma idade e onde eu não era, de certo, o mais pecador. Prazer porquê? Por que era uma criança normal e como todas as crianças normais da época via no sexo uma perversidade. Medo por que estávamos todos de acordo em que o padre gostava de ouvir as nossas histórias picantes mas eu não era de arriscar muito e também nunca tive as costas quentes.
Conheci e conheço muitos homossexuais que fazem actividade política nos partidos desde a esquerda à direita. Conheço e conheci gente de família respeitada cujas opções sexuais são tudo menos ortodoxas.
Uma vez, numa noite de convívio numa colectividade da minha terra, passei uma hora a observar um velho homossexual a olhar para um buraco que as calças de um amigo meu faziam ao fundo das costas permitindo ver o rego do seu rabo. Foi, neste capítulo, das coisas mais espantosas e delirantes a que assisti até hoje. Havia no olhar daquele homem, e nos gestos disfarçados que compunha, uma verdadeira aventura na conquista por um bocado de nudez que a mim não me aquece nem arrefece se for de um homem.
Fico indignado por ver na sociedade portuguesa um debate sobre uma questão que é tão velha como o homem. Acho um escândalo o Partido Comunista Português continuar a marginalizar os homossexuais quando alguns dos seus militantes mais prestigiados foram, ou são, homossexuais assumidos. Envergonha ver a igreja a condenar a homossexualidade quando muitos padres são uns depravados e muita boa gente que vai à missa ou é homossexual ou tem um homossexual na família.
Um dos filhos do homem que era o mais rico da minha terra é homossexual assumido. Uma das famílias mais pobres que eu conheço, pobre no verdadeiro sentido da palavra, tem um filho homossexual. Havendo tantos e de condições sociais tão diferentes como é que podemos ser ainda tão fascistas quando julgamos as opções sexuais de cada um?
Quando era rapaz ia ao cinema da minha terra e ao meu lado sentava-se um parente, que era invisual desde criança, e a quem eu ia contando as partes do filme que ele não “via”. O José Augusto já morreu há uns anos e nunca tive coragem para lhe perguntar como é que ele, apesar da sua cegueira, conseguia emocionar-se da mesma forma que eu com a história e as personagens dos filmes que víamos lado a lado em condições tão diferentes que nem preciso voltar a explicar.
Acho que nunca lhe perguntei porque sempre soube que nunca compreenderia a sua resposta. No fundo no fundo também acho que, quanto às opções sexuais de cada um de nós, o Natal nunca será um tempo de paz e amor para todos por muito que Deus seja bondoso e tolerante.

quarta-feira, 23 de dezembro de 2009

O cadáver do primeiro-ministro


Tu és como eles. Tu és como eles. A frase ficou a martelar na minha cabeça até à hora em que resolvi escrever esta crónica. Depois desapareceu como uma abelha na chuva.
Tenho o privilégio de ler diariamente os cronistas da nossa praça que falam dos grandes temas da actualidade. Escrevem todos sobre o mesmo e da mesma forma. Regra geral cada cronista cada mensageiro da desgraça. As palavras e as ideias são certeiras e inteligentes. Do Sousa Tavares ao Pulido Valente, do Baptista-Bastos ao Moita Flores, é ver quem melhor disseca o cadáver do primeiro-ministro; do banqueiro gatuno; do politico falsário. Não falta na sociedade portuguesa ingredientes para os grandes senhores do jornalismo de opinião nos guiarem no meio do pântano.
Eles escrevem sobre o Face Oculta, as negociatas da PT e da Caixa Geral de Depósitos; o Freeport; a Casa Pia; o BPN; a Operação Furacão; os concursos públicos; as fundações manhosas que servem para lavar dinheiro, os projectos PIN; etc. etc. A ideia que fica a cada dia que passa é que somos um país de sucateiros ricos e de gestores de luxo pagos a peso de ouro.
Como há outro mundo para além do Portugal das primeiras páginas dos jornais nacionais e dos noticiários das televisões procuro escrever neste espaço sobre a vidinha fora dos grandes circuitos do Poder e das influências dos barões do regime. E a minha caixa de comentários são as conversas que vou fazendo entre o caminho de casa e a redacção do jornal.
Em Santarém ou na Chamusca, em Tomar ou na Azambuja, como em Lisboa, o mais fácil é encontrarmos amigos a mandarem o país à merda.
No passado domingo saí de casa para o campo a meio da tarde e encontrei um agricultor quase falido a podar oliveiras a troco da lenha. No regresso a casa encontrei outro a lavrar a terra para as novas sementeiras com a garganta inflamada de tanto gritar que o ano passado fez 30 hectares de milho e não sobrou um cêntimo depois de pagar as despesas. Hoje atravessei a vila e quando parei num café para beber a bica fui abordado por um amigo que sempre trabalhou no campo para me pedir emprego atrás de uma secretária. Não lhe disse que não mas tentei explicar-lhe que não tenho trabalho para lhe dar. Quando percebeu que o pedido ia acabar em nada aproveitou para me contar a sua crónica à Pulido Valente: somos um país de corruptos e continuamos a ser governados como antigamente por gente miúda e incompetente que numa próxima oportunidade vai comer-nos os ossos; e tu és como eles, tu és como eles…


A Tatiana, o Filipe e a Soraia estão ao colo da mãe numa foto que publicamos nesta edição de O MIRANTE. A jornalista que conta a história e tem acompanhado o caso diz que se comoveu com os abraços e os mimos que as crianças lhe dispensaram. Falta contar que o director de O MIRANTE recebeu recentemente carta do Ministério Público que o intima a dar conta dos nomes de quem tem produzido informação sobre este caso. Para bom entendedor meia palavra basta.

quarta-feira, 16 de dezembro de 2009

“Peregrinos de Fátima”


Recentemente os jornais de Lisboa ditos de referência queixaram-se nas páginas uns dos outros do boicote à colocação de publicidade nos órgãos de informação que o Governo considera que exageram nas más notícias.
O caso não é inédito mas merece reflexão. A grande maioria dos jornais de Lisboa vive em boa parte da publicidade do Estado ou dos grandes grupos económicos. Se a conjuntura política e económica é desfavorável e eles têm que ser os mensageiros da desgraça basta que lhes calhe um primeiro-ministro hipersensível às notícias e às críticas para eles não se fazerem rogados e escreverem o que lhes vai na alma.
A excessiva concentração de jornais na cada vez menos populosa Lisboa, e a missão que todos querem continuar a praticar fazendo jornalismo de proximidade, ou seja, à porta dos membros do governo e das instituições governamentais sedeadas na capital, só pode acabar um dia à batatada ou, na melhor das hipóteses, na falência das empresas e no desemprego.
É certo e sabido que o Governo vai atender a algumas queixas. Mas não é menos certo que outros para chegarem aos seus objectivos e salvarem os seus jornais vão ter que dobrar a espinha. Outros morrerão no seu posto e desses o futuro um dia dirá se ficaram na história.
O que é vergonhoso é a promiscuidade do sistema. Com os jornais regionais e com as empresas de comunicação social regional vale tudo menos tirar olhos. Os jornalistas da cidade (leia-se Lisboa) olham para os jornalistas do campo (leia-se província) como se fossem todos marroquinos. E o Governo tem na lei obrigações com a comunicação social regional que nunca cumpriu nem pouco mais ou menos. Mas, como vozes de burro não chegam ao céu, há-de continuar a não cumprir sem que isso ofusque o voo de um pirilampo.
Concentrados entre a Assembleia da República e os degraus da porta do primeiro-ministro, os jornais e os jornalistas de Lisboa vivem momentos difíceis. Mas o pior ainda está para vir. Estejamos atentos porque é bem possível que este Governo, a exemplo de outros, consiga continuar a conquistar os melhores jornalistas para assessorias nos vários ministérios enquanto os patrões da comunicação social vão tentar a cada dia que passa continuar a editar os seus jornais recorrendo a estagiários e a um ou outro jornalista sénior desalinhado.
A fazer fé no país que os últimos governantes têm vindo a afundar, e continuando a acreditar nos mesmos jornalistas de sempre que vão fazendo o papel de “peregrinos de Fátima”, juntemo-nos todos, ribatejanos e alentejanos, beirões e algarvios e cantemos em uníssono: “de pé ó vítimas da fome….”
Este texto foi escrito no dia da imprensa (15 de Dezembro) depois de ter assistido em Lisboa à homenagem a António Pedro Ruella Ramos director do extinto Diário de Lisboa. Apesar de não ter sido convidado, mas sabendo do que a casa gasta, apareci e não me arrependo. Francisco Pinto Balsemão, que fez o elogio do seu amigo, confirmou mais uma vez as razões que fazem dele a figura mais prestigiada e influente do mundo dos media.


O Filipe a Soraia e a Tatiana vão passar o Natal a casa dos pais. Depois vão ter que voltar ao Centro de Acolhimento da Barquinha. Para eles o Natal é a Justiça divina. Pobre país que não sabe amar as suas crianças.

quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

O futuro é dos explorados


As ruas de Santarém são um bom ponto de encontro. Ontem cruzei-me com um velho empresário da construção civil que tem a sua empresa na falência. Com as marcas dos oitenta anos bem vincadas no rosto a conversa não podia ser mais cruel. Uma vida inteira a trabalhar para chegar a esta idade e ver ir tudo por água abaixo. Foram as instituições sérias que me levaram ao fundo. Não pagavam. Não pagavam. Não pagavam. Quando vinha algum dinheiro era para os juros da banca. Foram muitos anos nisto. Enfim…o pior há-de ser morrer. E com um sorriso triste e cinzento lá nos despedimos a meio da rua Serpa Pinto.


Quando Moita Flores ganhou a Câmara de Santarém há quatro anos toda a gente ficou à espera de saber o que valia o PS como oposição. Passado todo este tempo provou-se que não vale nada. Nas últimas eleições Moita Flores deu o golpe fatal e passou a sua votação de 9 mil votos para 22 mil. Rui Barreiro, durante o seu mandato como vereador, limitou-se a servir os interesses do actual presidente da câmara. E, no final do mandato, até colaborou dividindo com Moita Flores a honrosa missão de medalhar Cavaco Silva e José Sócrates. Entretanto, na luta política em Santarém, o PS tem apenas os militantes da terceira linha. São eles que são “massacrados” nos órgãos autárquicos onde o PS ainda tem representação.
E como é que os socialistas portugueses resolvem o problema dos autarcas acomodados, inaptos e pouco dotados como é o caso de Rui Barreiro? Nomeiam-nos para secretários do Governo. Rui Barreiro é um caso entre muitos. Seria um facto medonho não registar aqui a sua ascensão nos cargos importantes dos governos do nosso país. O homem é esperto politicamente. Não serve como presidente de Câmara de Santarém nem como vereador na oposição! Então é bom para ajudar a governar o país!.


Faltam poucos dias para o Natal. O Filipe, a Soraia e a Tatiana continuam no centro de acolhimento da Barquinha. Este caso devia ser do conhecimento do gabinete do senhor primeiro-ministro e devia ser ele, lembrando-se dos privilégios que pode proporcionar aos seus filhos, a resolver o assunto de um dia para o outro. Mas não resolve. Nem tem ninguém a seu lado a secretariar o Governo com competência para ajudar a corrigir uma injustiça. A secretária do governo, Idália Moniz, não é melhor que Rui Barreiro. Os dois juntos somam a derrota dos direitos humanos em Portugal no que respeita ao programa de governo do PS. Isto não se resolve com outro 25 de Abril porque o sistema agora é mais astuto. Mas eu sou dos que acreditam que, um dia, quando a Tatiana, o Filipe e a Soraia forem adultos, Portugal será um país melhor e mais fraterno; porque o futuro é dos explorados e das vítimas do Sistema.

quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

Uma espécie de empresários


Há duas dezenas de grandes empresários na nossa região que construíram tudo a partir do quase nada. São gente na casa dos setenta anos e a grande maioria é um exemplo a seguir. Eles são ricos mas continuam a fazer vida de pobres. Já não têm a agilidade e a força física dos trinta anos mas continuam a ser os carregadores de todas as maçadas das suas empresas. E não é difícil encontrá-los numa feira a varrer o chão de uma sala de exposições, a mudar os móveis, a limpar o pó, a assumirem o lugar atrás de um balcão ou de uma secretária como se a vida empresarial, para eles, estivesse agora a começar. Conheço muita gente desta raça que trabalha 16 horas por dia e continua a recusar mais do que alguns dias de férias por ano e ainda trabalha ao sábado e ao domingo. E não é por ganância; é vício pelo trabalho; orgulho de quem não quer perder a face; satisfação de ver a sua empresa a crescer e a dar emprego aos da sua terra. Muitas vezes é trabalhar, trabalhar, trabalhar, com medo que se perca de um dia para o outro aquilo que demorou anos a construir e, em cima disso, a vergonha pública do insucesso que leva muitos ao suicídio ou a uma vida desregrada que quase sempre acaba pior que num suicídio.
Conheço muitos destes empresários e conheço alguns dos seus filhos. Estes últimos, sem excepção, são o inverso dos pais. Atendem do lado de trás de um telefone. Falam com pessoas que têm a idade dos seus pais como se estivessem a falar com miúdos da escola. Cantam de galo enquanto demoram semanas, e às vezes meses, a responderem a uma simples solicitação. Do outro lado do telefone, sempre do outro lado do telefone, dizem que não gostam de dar a cara, que têm mais que fazer, que não têm tempo a perder, que vão daqui a pouco para o estrangeiro. Claro que muitas destas respostas chegam através das suas secretárias. Eles são pessoas muito importantes e estão muito ocupados a tratarem de assuntos inadiáveis. De verdade na maior parte dos casos estão ao telefone com as namoradas, a verem revistas de carros, a consultarem sítios na internet com informações que vão desde as financeiras até aos lugares mais indicados para namorar com meninas de programa.
Todos os dias devo uma homenagem a muitos homens empresários que conheço que me serviram ou servem de referência. Não conheço, pelo menos que me lembre, na altura em que escrevo este texto, um dos filhos deles que me mereça uma palavra de elogio. Ao contrário: a imagem e a informação que tenho deles é a de meninos ricos, soberbos, vaidosos, que vestem roupa de marca mas por debaixo da roupa cara têm sempre umas cuecas cagádas.


Passou uma eternidade desde que a população de Foros de Salvaterra começou e acabou de construir uma casa nova para a Marília e os seus filhos. “Pedimos desculpa por não termos construído um palácio”, escreveram num comunicado distribuído à população os voluntários que se substituíram ao Estado e aos organismos que têm a obrigação de ajudar os mais desprotegidos. A Segurança Social, a CPCJ e o Governo, todos representados em parte por uma técnica chamada Clara Carregado e uma governante de seu nome Idália Moniz, devem ser as pessoas mais felizes do mundo na companhia dos seus queridos filhotes.