quarta-feira, 31 de março de 2010

O Clube de Leitores de O MIRANTE

Transformem-se em pássaros e subam as árvores com as vossas crianças ao lado e adiem até poderem as idas ao fim-de-semana aos grandes espaços comerciais. Era mais ou menos assim que me apetecia dirigir a palavra a um pai e a uma mãe que vi recentemente numa grande superfície comercial com o filho pela mão no meio de uma grande birra. Eu estava de passagem por causa da visita à livraria. Mas pelo caminho e até chegar à rua quase sufocava no meio da multidão.
E ao olhar a criança, que se arrastava pelo chão, lembrei-me do prazer de fazer o mesmo mas sujando as calças no barro, picando as pernas no tojo, enterrando as botas na lama, esfolando os joelhos nas pedras, batendo com o nariz no chão ao saltar do ramo mais alto de uma árvore. É mais fácil praticar a ida ao centro comercial que uma viagem pela charneca ou pela lezíria durante uma manhã, ou uma tarde, mas devia fazer parte dos hábitos de quem se considera um bom educador. O que se aprende subindo as árvores, e desfrutando dos caminhos do campo e da charneca, fica para mais tarde recordar. O que fica de uma tarde numa grande superfície comercial é, regra geral, uma grande canseira e a frustração do dinheiro mal gasto. E às crianças não lhes resta outra alternativa que protestar fazendo birra.

O Museu do Neo-Realismo, em Vila Franca de Xira, inaugurou recentemente uma exposição sobre a vida e a obra de António Borges Coelho. O Professor e Historiador, com 82 anos, acaba de lançar o seu primeiro volume da História de Portugal com o título “Donde Viemos”, uma obra a uma só mão, anunciada há três décadas, desde que nasceu a História de Portugal do (nosso) Professor Joaquim Veríssimo Serrão.
Em Portugal a vida literária e intelectual é uma feira de vaidades. Por isso passam despercebidos em vida as grandes figuras da ciência e das artes. Os outros, a arraia-miúda, sobra-lhes em influência e na arte de aparecerem nos jornais e na televisão o que lhes falta em génio e sabedoria. Uma exposição para ver até Setembro e um primeiro volume de uma nova História de Portugal, escrita, como avisa neste primeiro volume Borges Coelho, “ao rés da fala ( .) Não sigo o cânone. Persigo o rigor e o prazer da palavra”.

O Clube de Leitores de O MIRANTE é uma boa ideia que precisa ser posta em prática. Não sei se é boa ideia partilhar as emoções que surgem a meio de uma crónica. Mas apetece-me deixar aqui o desafio de reunirmos brevemente em Vila Franca de Xira para visitarmos esta exposição da vida e obra de António Borges Coelho, “o homem que se entregou a nós”, título de um texto de opinião de Baptista Bastos na sua coluna do Jornal de Negócios à sexta-feira.

quinta-feira, 25 de março de 2010

Duas conversas olhos nos olhos

Das mil conversas e das dezenas de pessoas com quem falamos ao longo de uma semana de trabalho registei em dias separados dois encontros olhos nos olhos com duas pessoas que, logo, tive a certeza que deveriam preencher o espaço desta crónica.
O primeiro foi com José António Carmo, presidente do CEBI, a maior instituição de solidariedades social do Ribatejo e certamente uma das mais importantes do país. José António Carmo dirige uma instituição que tem a marca de José Vidal, um homem que ainda é muito recordado na instituição. Apesar da memória ainda fresca da Obra de José Vidal, José António Carmo leva já onze anos de liderança à frente do CEBI. Trabalho não remunerado, dirigindo uma instituição gigantesca, com projectos que marcam a vida de milhares de pessoas do concelho de Vila Franca de Xira.
José António Carmo confirmou-me pessoalmente aquilo que já tinha ouvido falar dele várias vezes: um homem bom, com um grande espírito solidário, empresário de sucesso mas acima de tudo um homem com um grande sentido crítico deste mundo egoísta e ricalhaço que se esconde por aí em cada político manhoso, em cada administrador público inchado de mordomias, em cada juiz ou advogado que tresanda ao cheiro mais miserável da vaidade desse “bicho da terra tão pequeno” como um dia escreveu Camões.

Um quarto de paredes nuas, uma cama, uma mesa e duas cadeiras, um sofá e uma televisão; eis o verdadeiro palácio de um homem. Tinha acabado de ler um texto onde estava estampada esta ideia quando, daí a poucos minutos, me encontrei no meio do campo da Chamusca com o Leandro Valério ( 81 anos). Recordo-me dele há quase meio século, quando em Portugal ainda se acreditava mais na Bíblia do que no “progresso”, e espanto-me por o ouvir falar nas lições dos livros da sua terceira classe, e por perceber que embora os da minha geração saibam mil vezes mais da realidade do que os sábios dos nossos antepassados, nada nos foi dado de mão beijada. E o que sabemos e temos hoje teve um preço que alguém pagou muito para além do que seria razoável.
No meio do campo, numa terra lavrada para ser semeada de milho, junto a um tractor com o reboque carregado do que restava de uma árvore, ouço o Leandro Valério falar do passado e das memórias dos filhos e dos netos, e lembro-me outra vez que aprendi mais sobre a vida no convívio com os homens do campo e das oficinas que nas dezenas de livros que na altura procurava na biblioteca itinerante da Gulbenkian.
Mas não sou ingrato. Ando a reler Aquilino Ribeiro: “Nada mais estranho e poético que o rio a correr na terra silenciosa. E a fanica coisa fora do mundo animal que anda e se vê andar. Corre o vento, mas não se vê correr. Abana a árvore, mas o seu tremor não constituiu motivo de deleite. A água que vai regando o agro, tagarela se encontra um seixinho no caminho, melopaica se cai do talude, tecendo endeixas entre encher e não encher o cântaro das moças (:)”.

quinta-feira, 18 de março de 2010

Animais de rebanho

Três vezes, ao longo da minha vida, não estendi a mão a outras tantas pessoas recusando um cumprimento. Confesso que não senti prazer, ou tive sentimentos de vingança, em qualquer dos casos. Pelo que me lembro devo ter ficado mais magoado do que as pessoas que viram recusado o meu cumprimento. Na vida só encontro outro exemplo, que também vivi muitas vezes, que se assemelha em termos práticos e psicológicos, que é pedir a alguém que pague aquilo que nos deve e perceber que é maior a vergonha que se sente ao pedir que a vergonha de quem não pagou a tempo e horas o que pediu emprestado.
Leio O MIRANTE à distância nos ciber-cafés por onde passo em viagem e tomo notas da falta de vergonha das grandes promessas políticas da nossa praça. Recuso-me a citar nomes como recusei em tempos estender a mão a certas pessoas.
Há uma classe dirigente que está aí nos gabinetes do poder, ou na calha para ocupar certos lugares importantes na vida pública, que têm tanta vergonha na cara como aqueles que pedem emprestado e já sabem que é para não pagar. É gente que se considera superior, a maior parte deles com muitos anos de estudo oficial, mas a generalidade vive em rebanho e como animais de rebanho têm sempre as mesmas necessidades, as mesmas ânsias, os mesmos desejos, sempre a mesma fácil voracidade pelo Poder.
“Os dias felizes estão entre as árvores, como os pássaros”. “A felicidade é a única coisa que se pode dar sem ter”. “Os verdadeiros poetas não lêem os outros poetas; os verdadeiros poetas lêem os pequenos anúncios de jornal”; “O importante é usar as mãos. Às vezes com certa dificuldade, mas sempre com a alegria, se temos paciência de ir até ao fim”. “No entanto, também os animais têm medo. E se os animais têm medo, já perderam, como os homens, a inocência. Porque a inocência seria confiar em Deus, cegamente, e deixar que tudo acontecesse. Os animais não podem mudar o rumo das coisas, nem os homens”.
No final de cada dia, lendo os meus autores preferidos, devorando livros como quem precisa de reaprender as lições que pareciam definitivas, passo pelo cibercafé e leio O MIRANTE carregando no link de cada notícia como quem abre cartas de amor que chegam da sua terra distante. O jornal, todo o jornal que nos oferece as notícias de proximidade, tem esse lado mágico de nos devolver a cada leitura o amor e a beleza do mundo que habitamos. Mesmo as notícias que são dramáticas, como a daquela jovem promessa da política que recorreu ao subsídio de desemprego para poder sobreviver com dignidade, aproveitando, afinal, aquilo a que tem direito e não é vergonha nenhuma reconhecer publicamente quando se tem humildade e grandeza moral, mesmo essas notícias, escritas por homens que não usam as palavras como balas, fazem de nós pessoas mais tolerantes e receptivas ao que é humano.

quinta-feira, 11 de março de 2010

As cheias do Tejo

Tenho recordações espectaculares das cheias do Tejo nos campos da Lezíria. Em criança andava de jangada nas águas da cheia; atávamos com arame de fardo três molhos de canas de valado e fazíamos uma jangada com a qual experimentávamos o prazer de navegar nas águas onde a corrente não nos parecia perigosa.
Por razões de saúde de um familiar atravessei de barco desde a ponta da Chamusca até à vizinha Golegã a maior cheia de que tenho memória. Francisco Salter Cid, que na altura era o meu chefe de trabalho, registou por acaso em fotografia essa aventura que o barqueiro resolveu também assumir num gesto de solidariedade.
Viver em tempos de cheia no campo é para mim uma emoção; saber que o rio saltou as margens e que a água derrubou os arbustos; que atravessou a maracha pela cintura; que derrubou valados e não respeitou as extremas das propriedades.
Quando a água do Tejo salta as margens e inunda os campos da Lezíria o meu sono volta a ser de criança sobressaltada que só quer dormir depressa para no outro dia poder saber tudo sobre como o tractor foi salvar a tempo as ovelhas ou os porcos; como os bombeiros resgataram as últimas pessoas e animais; quem é que andou com água pela cintura por se ter metido à estrada de forma irresponsável; É impossível saber quantos animais sobem as árvores para não morrerem afogados; mas do ponto mais alto da minha terra, de onde se avista a Lezíria como em mais nenhum lugar do Ribatejo, lembro-me de olhar os campos alagados ouvindo as mulheres do campo rogarem a Deus para que fosse misericordioso para com os homens e os animais e acalmasse as águas de forma a que a terra do milho e do trigo voltasse a sorrir depois da cara lavada.
Há um lado de tragédia associado às cheias do rio Tejo que está longe de corresponder à realidade. O que não quer dizer que não conheça bem o desconforto e as situações difíceis que vivem as famílias que moram à beira do Tejo.
Por boas razões ando por outras paragens a ver outras cheias de outros rios noutras aldeias e cidades. E quase sinto remorsos por não poder ser testemunha das alegrias da água do meu rio quando salta as margens.

quinta-feira, 4 de março de 2010

Viva a República!

Tenho dois ou três amigos que são figuras públicas que a qualquer momento, se eu precisar, me põem a falar com as pessoas mais importantes e influentes do país. Enquanto desempenhar uma profissão que me dá algum poder posso contar com eles. Se um dia me calarem a boca, ou deixar de ter um espaço para escrever, ou eu próprio optar por mudar de vida, nesse dia alguns dos meus amigos influentes estarão preocupados em dar atenção a outras pessoas de quem também são amigos por terem interesses comuns. E eu serei, aos olhos deles, mais uma alma como tantas outras que foram luminosas e depois ficaram simples pirilampos.

Há dez anos viajei para Porto Alegre, no sul do Brasil, para ver como funcionava uma feira do livro a céu aberto. Tinha a ilusão de que era capaz de organizar uma feira do género em Santarém e por influência de um amigo estive metido por três dias na organização do evento que se realiza desde 1955. Foi tudo pura ilusão. Santarém não precisava nem precisa de feiras do livro melhor do que aquelas que já tem e está muito bem entregue às velhas raposas que fazem da actividade política e cultural a sua vidinha.

O MIRANTE continua a ser o único órgão de comunicação social a denunciar a possível incompatibilidade de Rosa do Céu e David Catarino à frente das regiões de Turismo de Lisboa e Vale do Tejo e Leiria / Fátima. A prova de que eles não dormem em serviço foi-me lida da caixa de mensagens do telemóvel de um outro político surpreendido com a falta de vergonha de Rosa do Céu: “Meu caro. Em nome dos ideais da República, e para o caso de ser contactado pelo jornal O MIRANTE por causa da minha nomeação para a região de Turismo, lembro que...”, etc etc. Não há dúvida de que esta gente da política acredita mesmo nos ideais da República. Pudera!

Os meninos de Foros de Salvaterra ainda não regressaram a casa. E os responsáveis continuam sem dar a cara e as explicações que são mais do que justificadas depois dos episódios dramáticos, e alguns deles também caricatos, à volta deste caso. Há uma Idália Moniz e uma Clara Carregado em cada sistema injusto que continua a tratar mal as crianças deste país.  JAE