quinta-feira, 25 de março de 2010

Duas conversas olhos nos olhos

Das mil conversas e das dezenas de pessoas com quem falamos ao longo de uma semana de trabalho registei em dias separados dois encontros olhos nos olhos com duas pessoas que, logo, tive a certeza que deveriam preencher o espaço desta crónica.
O primeiro foi com José António Carmo, presidente do CEBI, a maior instituição de solidariedades social do Ribatejo e certamente uma das mais importantes do país. José António Carmo dirige uma instituição que tem a marca de José Vidal, um homem que ainda é muito recordado na instituição. Apesar da memória ainda fresca da Obra de José Vidal, José António Carmo leva já onze anos de liderança à frente do CEBI. Trabalho não remunerado, dirigindo uma instituição gigantesca, com projectos que marcam a vida de milhares de pessoas do concelho de Vila Franca de Xira.
José António Carmo confirmou-me pessoalmente aquilo que já tinha ouvido falar dele várias vezes: um homem bom, com um grande espírito solidário, empresário de sucesso mas acima de tudo um homem com um grande sentido crítico deste mundo egoísta e ricalhaço que se esconde por aí em cada político manhoso, em cada administrador público inchado de mordomias, em cada juiz ou advogado que tresanda ao cheiro mais miserável da vaidade desse “bicho da terra tão pequeno” como um dia escreveu Camões.

Um quarto de paredes nuas, uma cama, uma mesa e duas cadeiras, um sofá e uma televisão; eis o verdadeiro palácio de um homem. Tinha acabado de ler um texto onde estava estampada esta ideia quando, daí a poucos minutos, me encontrei no meio do campo da Chamusca com o Leandro Valério ( 81 anos). Recordo-me dele há quase meio século, quando em Portugal ainda se acreditava mais na Bíblia do que no “progresso”, e espanto-me por o ouvir falar nas lições dos livros da sua terceira classe, e por perceber que embora os da minha geração saibam mil vezes mais da realidade do que os sábios dos nossos antepassados, nada nos foi dado de mão beijada. E o que sabemos e temos hoje teve um preço que alguém pagou muito para além do que seria razoável.
No meio do campo, numa terra lavrada para ser semeada de milho, junto a um tractor com o reboque carregado do que restava de uma árvore, ouço o Leandro Valério falar do passado e das memórias dos filhos e dos netos, e lembro-me outra vez que aprendi mais sobre a vida no convívio com os homens do campo e das oficinas que nas dezenas de livros que na altura procurava na biblioteca itinerante da Gulbenkian.
Mas não sou ingrato. Ando a reler Aquilino Ribeiro: “Nada mais estranho e poético que o rio a correr na terra silenciosa. E a fanica coisa fora do mundo animal que anda e se vê andar. Corre o vento, mas não se vê correr. Abana a árvore, mas o seu tremor não constituiu motivo de deleite. A água que vai regando o agro, tagarela se encontra um seixinho no caminho, melopaica se cai do talude, tecendo endeixas entre encher e não encher o cântaro das moças (:)”.

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