quinta-feira, 25 de abril de 2024

A liberdade dá trabalho

Ainda hoje sou um pouco esquerdista, tenho aquele sentimento do homem de trabalho que sabe que, sem luta, não há um capitalista endinheirado que salve um pobre de morrer à fome, seja de comida ou conhecimento.


Esta edição de O MIRANTE vai para as bancas e os assinantes no dia em que comemoramos os 50 anos do 25 de Abril. Tinha 18 anos quando se deu a Revolução dos Cravos; era um dos muitos homens que tinha chegado à idade adulta sem nunca ter sido menino; na altura a norma era aproveitar o trabalho infantil seguindo a regra de que “o trabalho da criança é pouco, mas quem não o aproveita é louco”. Tinha sete anos e já fazia as campanhas de tomate na Spalil, as campanhas da cortiça nas fábricas do José Martins e do José “Prior”, e quando não tinha escola nem trabalho, acompanhava o meu avô materno que roçava mato nas propriedades da casa Amaral Neto, e muitas vezes fui com a minha avó materna ao rabisco da azeitona, do milho e das uvas, com tanta alegria por poder ajudar no orçamento familiar como hoje sinto alegria por ter onde escrever esta crónica.

Não posso queixar-me de nada, nem por ser um desastrado e andar sempre com os dedos dos pés em sangue das topadas nas pedras da calçada. Embora não tenha crescido com os livros debaixo do braço, na idade em que os meus colegas da escola tiveram esse privilégio mais tarde nas universidades, fiz-me homem como eles; e se não estudei pelos livros deles, muito sinceramente acho que estudei por outros que me deram o dobro do conhecimento e da experiência de vida.

No dia 25 de Abril de 1974 era um rapaz de 18 anos, meio politizado, que frequentava a sede do MDP/CDE, que ouvia pessoas em grupo a conspirarem contra o regime, que me indignava por ver o presidente da câmara da minha terra a mandar cortar o cabelo à força a pessoas que queriam ser diferentes e não podiam, que chorava de raiva por me sentir escravo, aliás, escravizado, que é como agora se diz, até no seio da minha própria família que se aproveitou de mim até eu dar o litro.

Tenho uma dívida enorme para com os militares que fizeram o 25 de Abril e ajudaram a construir uma democracia em Portugal. Ainda hoje sou um pouco esquerdista, tenho aquele sentimento do homem de trabalho que sabe que, sem luta, não há um capitalista endinheirado que salve um pobre de morrer à fome, seja de comida ou conhecimento. Apesar de hoje uma lata de sardinha, ou de atum, custar menos de um euro, e um pão apenas alguns cêntimos, o conhecimento e a educação custam fortunas e não estão acessíveis a toda a gente. Aliás, há muita gente que acha que já nasceu politizada, que viver à custa dos pais é que é ter uma boa profissão, que escarrar para o chão é um direito, que levar o cão para cagar no jardim é um acto de cidadania, que ficar a dever aos comerciantes onde ainda conseguem comprar fiado é uma acto revolucionário.

Tenho muita sorte em ter nascido num tempo em que eu próprio fui um dos actores; primeiro por conspirar, embora sem saber ler nem escrever, depois por ter feito parte de uma sociedade que começou a usar a liberdade e a cidadania sabendo desde o princípio que a liberdade dá trabalho; “nada é tão maravilhoso que a arte de ser livre, mas nada é mais difícil de aprender a usar do que a liberdade”. Se não morrer senil vou morrer a chorar de penas e saudades por não poder ajudar mais as pessoas que não tiveram a sorte que eu tive. JAE.

quinta-feira, 18 de abril de 2024

Santarém mete Óbidos a um canto em termos de património e importância histórica

Santarém mete Óbidos a um canto em termos de história, de património e de interesse turístico para quem viaja do Brasil ou de outro qualquer país do mundo. A verdade é que Óbidos teve autarcas visionários que fizeram de uma muralha e de um pequeníssimo centro histórico uma verdadeira atracção turística.

O Museu Passos Canavarro é uma jóia da coroa de Santarém. Revisitei o museu com alguns amigos que estiveram na semana passada em Santarém, para o lançamento da biografia de Estácio de Sá e de Musa Praguejadora de Ana Miranda, e mesmo conhecendo o espaço voltei a acender a fascinação pelo lugar de cultura e de memórias que é a antiga casa de Passos Manuel, “um parlamentar brilhante e um democrata ardente”, como se pode ler na sua biografia. A casa de Passos Manuel ficou imortalizada na História também por ter sido durante alguns dias a casa de Almeida Garret, no final de uma viagem especial pelo Ribatejo, que está na origem do livro “Viagens na Minha Terra”. Pedro Canavarro juntou as heranças com as recordações de uma longa vida de político, professor, diplomata e amigo de escritores, pintores e homens de cultura, para abrir ao público um espaço que é um dos melhores cartões de visita da cidade.

Já disse milhares de vezes que considero Óbidos um lugar mágico com uma afluência de turistas que me desafia a imaginação. Sempre que posso desvio amigos e conhecidos para Santarém, e afasto-os, nem que seja por um dia, dos roteiros no litoral para os roteiros do centro que inclui Tomar e a linha do Tejo até Abrantes. Quando posso mostro-lhes por dentro uma capela da Chamusca com azulejos do século XVII, que desta vez entusiasmou tanto um dos meus amigos que prometeu escrever um livro sobre a capela e o que ela representa. Sempre ouço a mesma conversa quando visitamos o castelo de Almourol, Constância, a Igreja do Senhor do Bonfim na Chamusca, que está desprezada, como se a Chamusca fosse uma terra de pastores pobres, o castelo de Torres Novas e por aí fora. E o que é que eles dizem: que lindo Joaquim, e depois começam a contar aquilo que todos nós sabemos que não inclui a sopa da pedra, a visita às Portas do Sol, a tigelada de Abrantes e o passeio nas margens iluminadas do Nabão, e muito menos a visita a um castelo no meio de um rio. A verdade é que é difícil contrariar por muito tempo a vontade dos amigos que depois não querem regressar a casa sem passar pela vergonha de dizerem no regresso a casa que não tiveram tempo de visitar Óbidos, Mafra e Nazaré.

Desta vez a viagem com o meu grupo de amigos era mais especial e nem falámos em Óbidos, como seria normal, porque fomos até ao Porto dormir duas noites onde também havia lançamento de livro e homenagem à grande escritora Ana Miranda de quem publicamos por estes dias “Musa Praguejadora - A vida de Gregório de Matos”, que é um livro fascinante sobre uma figura única da cultura luso brasileira do século XVII. Aproveito o pretexto para deixar aqui testemunho daquilo que vou dizendo há décadas: Santarém mete Óbidos a um canto em termos de história, de património e de interesse turístico para quem viaja do Brasil ou de outro qualquer país do mundo. A verdade é que Óbidos teve autarcas visionários que fizeram de uma muralha e de um pequeníssimo centro histórico uma verdadeira atracção turística. E Santarém falhou até agora todos os esforços que, verdade seja escrita, alguns ainda tentaram mas falharam redondamente. Ricardo Gonçalves e o seu executivo já deram um passo significativo mantendo os monumentos abertos fora de horas, todos os dias da semana, mas vai deixar para o seu sucessor muito do que está prometido há décadas. E nada contra Óbidos. Escrevo mais para valorizar Óbidos, e o que a vila representa para o turismo português, do que para desvalorizar quem não conseguiu fazer por Santarém o que parece tão fácil, pelo seu património e pela economia da cidade e da região. JAE.

quinta-feira, 11 de abril de 2024

Trabalhar até de madrugada e ter sempre tudo por fazer

Uma crónica que podia ter ficado por escrever onde se conta da vidinha do autor que nem sempre é um mar de rosas mas para lá caminha.


Esta semana não há crónica, dizia eu para mim mesmo no último sábado à noite depois de andar meia dúzia de dias a deitar-me de madrugada para conseguir ter dois livros prontos para serem apresentados no Porto e em Santarém, a planear viagens, hospedagens, almoços e encontros culturais com os amigos e conhecidos que envolvi nesta aventura, que nunca foi tão ousada para o autor destas linhas. De repente, depois de despachar um longo texto sobre a minha leitura de “Musa Praguejadora, a vida de Gregório de Matos por Ana Miranda”, usando o programa de voz da Google, disse para comigo: quem faz um cesto faz um cento. E assim comecei a passar a limpo os meus textos literários dos últimos meses, recomecei a procurar reforços para a equipa comercial do jornal, organizei o meu arquivo de textos literários para um novo livro que vive de adiamentos sucessivos, tenho quase no prelo o melhor livro de Lêdo Ivo, que comemora o centenário em 2024, e mais umas miudezas de um trabalho que só dá trabalho e prazer, que é aquilo que nos mantém vivos desde que haja dinheiro para pagar as despesas e, quem sabe, ainda trocar de carro antes de não me renovarem a carta e ter que viajar de comboio ou de autocarro.

A meio destas notas lembrei-me que tenho duas motas que também não vou poder usar porque a carta que serve para o carro não serve para as motas de alta cilindrada. Nesse meio tempo recebi um telefonema da oficina de um amigo a informar-me que a Zundap da minha adolescência estava recuperada e pronta a ir para a estrada; e cresci meio palmo e voltei a pensar que tenho futuro, mesmo que envelheça depressa e deixe de poder continuar a trabalhar até de madrugada, embora não resista a contar que, quando posso, durmo uma sesta a meio da tarde para a cabeça não dar o estouro a meio da noite.

Faço tudo isto, que é trabalhar até dar o berro, porque tenho duas casas vazias na terrinha, onde ainda quero dormir muitas noites de Verão e de Inverno, e ainda tenho por empréstimo cinco hectares de terra à beira Tejo que são o meu orgulho enquanto não alugo um cabana à beira-mar. É exactamente por ainda me sentir dividido entre a aldeia e a cidade, entre a beira do rio e a beira do mar, que me meto em trabalhos arriscados com a energia que tinha aos trinta anos, embora agora com mais calma e produzindo o dobro do que produzia dantes. A diferença, a grande diferença, é que dantes queria ganhar dinheiro, e agora o dinheiro já me serve para pouca coisa, que não para comprar a comida para a mesa, o que não é nada por aí além, porque, entretanto, sagrei-me vegetariano. Ou quase. Mas não posso deixar de negociar preços de livros, jornais, gasóleo, carros de trabalho, comunicações, avenças com dezenas de empresas de serviços e tantas coisas mais que só um verdadeiro capitalista sabe avaliar, por que só os capitalistas sabem dar valor aos cêntimos e à diferença que fazem em certos orçamentos.


Como gosto de ser verdadeiro com os leitores devo confessar, já em jeito de nota de rodapé, que tinha uma crónica pensada e anotada que não foi em frente. Tinha pouca matéria para preencher o espaço. Rezava assim: o deputado João Moura foi premiado com uma secretaria de Estado no novo Governo do país porque nos partidos políticos o costume é premiar-se a incompetência, ou seja, agarram-se pelo rabo os animais políticos que não têm cabeça; e secretariar os ministros do Governo do país em determinadas pastas é tão importante que qualquer negociante de gado dá conta do recado e ainda ganha uns trocos.


Agora, mesmo para acabar: ainda tenho que viver muitos anos para me habituar a trabalhar menos e a viver mais à Agostinho da Silva. JAE.

quinta-feira, 4 de abril de 2024

As “milícias” e as “falsas razões ambientais” de Oliveira e Sousa

A coligação AD que ganhou as eleições legislativas, e que acaba de formar Governo, escolheu como cabeça-de-lista por Santarém um homem conservador até aos cabelos, um senhor monárquico de coração e estilo, um homem que nos últimos anos governou o CNEMA sem alma, sem autoridade, sem ter mudado uma palha ao desastre que é para Santarém ter um espaço tão mal aproveitado como o CNEMA.

A coligação AD que ganhou as eleições legislativas, e que acaba de formar Governo, escolheu como cabeça-de-lista por Santarém um homem conservador até aos cabelos, um senhor monárquico de coração e estilo, um homem que nos últimos anos governou o CNEMA sem alma, sem autoridade, sem ter mudado uma palha ao desastre que é para Santarém ter um espaço como o CNEMA que serve uma vez por ano para a realização da Feira do Ribatejo.

Numa altura em que Portugal está cada vez mais na cauda da Europa em termos de política ambiental, de casos de corrupção, greves que podem tornar o país ingovernável, Oliveira e Sousa fez campanha política falando aos gritos em “milícias nos campos” e “falsas razões climáticas”. Só uma região pobre de gente com massa cinzenta escolhia Oliveira e Sousa para nos representar na casa da democracia que é o Parlamento. Mas o PSD não se ficou pela pobreza das escolhas nas listas. João Moura vai voltar ao Parlamento para continuar, aos 52 anos, a viver do orçamento de Estado numa cadeira dourada que lhe permite somar contactos e ter tempo para fazer lóbi para os negócios da família e dos amigos. João Moura leva 52 anos de boa vida, que se saiba nunca trabalhou que não fosse a fazer política, os seus dentes de leite da política ainda não caíram, e, aparentemente, vai morrer com eles. O seu grande objectivo de vida é aprender a jogar golfe, ter uma casa rica com muitos cavalos no largo da Feira de São Martinho, viver e mostrar que tem uma vida endinheirada e que poderá ser o primeiro homem do mundo a levar para a cova a sua vaidade e arrogância. Para sermos justos com João Moura devemos reconhecer que em bons tempos defendeu com unhas e dentes um aeroporto civil em Tancos. Mas a sua importância política nunca lhe granjeou uma única solidariedade, nem dentro do seu partido nem fora dele. Um cobrador de imposto é como alguns amigos do próprio PSD gostam de lhe chamar embora todos saibamos que ele vive é dos impostos que manda cobrar na sua missão de deputado.  

João Moura é tão importante politicamente para a região junto dos poderes de Lisboa que teve a coragem de se solidarizar com um antigo deputado do PS, seu conterrâneo e amigo, que foi obrigado a afastar-se da política por suspeitas de corrupção; se lhe dessem importância alguém do PSD tinha encomendado uma forca para lhe oferecer. Como o seu estatuto é o do pobre diabo endinheirado, ninguém dá por ele e quem paga é a região, os empresários e as instituições que não têm quem as defenda.

Oliveira e Sousa recuperou com o discurso das “milícias” e as “falsas razões ambientais” o tempo da Moca de Rio Maior. Com uma diferença: a Moca tornou-se popular e ainda hoje existe como recordação para levar da cidade do desporto. É quase certo que o discurso de Oliveira e Sousa, e os trabalhos dos seus colegas deputados no próximo Parlamento, prometem ser a tábua de cima do caixão que vai levar os agricultores, os policias, os professores, os médicos, e tantos outros portugueses a fugirem para o estrangeiro, ou para o litoral do país, que é onde ainda se consegue viver da brisa do mar e manter a esperança de que nunca ficaremos em terra com esta gente a governar os nossos destinos.

Poupo neste artigo a deputada Isaura Morais, que foi a terceira eleita pelo partido, não por achar que faz a diferença política no conjunto dos três deputados, mas por lhe dar o direito à dúvida, embora já comece a ser tarde para a ouvir dar um gemido, um gritinho político em defesa da região sem ser naqueles artigos sem conteúdo que vai publicando só para se ver na fotografia. O Ribatejo ainda é uma terra de marialvas e pobretanas que pegam toiros, mas o tempo do Nuno Salvação Barreto remonta ao ano de 1950 e o António Melo Correia já cantou “o selim e a mulher” nos anos sessenta. Não está na altura do PSD mudar a agulha e deitar o olho aos jovens que João Moura e Oliveira e Sousa acham que fazem bem em emigrar?


Nota: Num artigo recente as minhas previsões de que o PSD ia desaparecer bateram na trave. Quem perdeu quase metade dos votos em relação às eleições anteriores foi o PS. Com a AD o PSD teve um ligeiro aumento, mas com a eleição de três deputados o Chega deu um bigode ao PS e ao PSD. Só não tira conclusões quem é burro, monárquico ou anda na política para se servir. JAE.

quinta-feira, 28 de março de 2024

André Ventura e a recordação do "Portugal Amordaçado" de Mário Soares

Este é o país de André Ventura mas também de Montenegro e de Pedro Nuno Santos, só que mais para o interior, onde é mais difícil chamar a GNR para fazer cumprir a lei, e é possível ver porcos a andar de bicicleta, elefantes a tomar banho no Tejo, golfinhos no rio Almonda, sereias no rio Nabão e marcianos a 200 à hora dentro de aeronaves com quatro rodas numa auto-estrada que liga Lisboa ao Porto.

Quem trabalha como jornalista e leva a sério a sua profissão tem que moderar a sua revolta para conseguir trabalhar segundo o código ético e deontológico que está obrigado a cumprir. Mas não faltam razões para os jornalistas portugueses afiarem a caneta e baterem nos políticos de carreira que governam de olhos fechados e cabeça fria. A história da falta de creches pelo país fora é um drama que está longe de merecer a repercussão pública que deveria ter na comunicação social. Num país onde à baixa de natalidade se pode acrescentar que um em cada quatro (24,0%) nascimentos em Portugal foi de bebés de mães estrangeiras, a falta de creches públicas ou a falta do apoio do Estado às creches privadas, é uma boa razão para nos revoltarmos com estes políticos mentirosos do PS e do PSD; e neste momento só há uma forma de os combater que é votar em André Ventura porque ele promete levar o país ao caos e como todos sabemos é das cinzas que se renasce.

Um país que não tem médicos de família para metade dos seus habitantes, não trata bem os seus imigrantes e não tem creches para as suas crianças, para que os pais possam trabalhar e ganhar a sua vida, é um país amordaçado fazendo lembrar o livro de Mário Soares, escrito no exílio entre 1968 e 1972, onde o antigo político “mostra uma agilidade literária, uma exigência moral, uma lucidez ideológica, uma vontade incessante e uma vitalidade política que o futuro viria a confirmar e engrandecer. Portugal amordaçado é um retrato esmagador, em tom de denúncia e manifesto, contra o regime do Estado Novo, que só viria a ser publicado, em Portugal, meses após a Revolução dos Cravos, em 1974”.

Está na hora de confrontar os democratas do PS e do PSD, enquanto se extinguem como dinossauros os democratas do CDS e do PCP, partidos fundadores da nossa democracia, como é que vamos sobreviver “sem uma exigência moral, uma lucidez ideológica, uma vontade incessante e uma vitalidade política “à Mário Soares do tempo do exílio, sem um verdadeiro ataque à corrupção, às políticas seguidas na gestão da TAP, às privatizações lesa majestade da ANA, da EDP e dos CTT, à falta de capacidade para gerir as empresas públicas que ainda existem e, acima de tudo, à falta de capacidade democrática para fazerem funcionar a Justiça e castigar os criminosos que traficam droga e seres humanos e fazem voar a riqueza nacional para paraísos fiscais com a mesma impunidade que um homem mata uma mulher por ciúmes e leva 25 anos de cadeia, mas sai em liberdade ao fim de 10 anos com um doutoramento e a possibilidade de agradecer a Deus por lhe ter dado uma nova vida já que a anterior era uma miséria franciscana.

Na passada semana fiz férias em Tomar durante metade da semana e na outra fui de água acima até chegar ao Porto e cumprir a missão de comprar livros para um estudo que ando a escrever sobre a velhice. Estreei o novo Vila Galé e a classificação é nota máxima. Na quarta-feira, já depois de ter classificado o hotel onde dormi quatro noites, dei um saltinho a Torres Novas para participar numa assembleia de uma associação de que sou sócio, com as quotas em dia, há 28 anos. Para meu espanto soube que tinha sido expulso e assim regressei mais cedo a Tomar onde ainda aproveitei o resto da tarde para me dedicar ao estudo que me há-de consagrar como o melhor estudioso da minha rua. A experiência vivida em Torres Novas serviu para alimentar os sonhos da última noite no Vila Galé: sonhei que vivia num país governado por André Ventura, mas também por Luís Montenegro e Pedro Nuno Santos, mas cujos efeitos de governação não passavam as pontes sobre o Tejo, onde é impossível encontrar policiais para fazer cumprir as leis da República, e é normal ver porcos a andar de bicicleta, elefantes a tomar banho no Tejo, golfinhos no Rio Almonda, sereias no Rio Nabão e marcianos a 200 à hora dentro de aeronaves com quatro rodas numa auto-estrada que liga Lisboa ao Porto). JAE.

quinta-feira, 14 de março de 2024

1 em cada 5 eleitores votou no Chega no 50 anos do 25 de Abril

É muito provável que o dinheiro encontrado no gabinete de Vítor Escária tenha contribuído para o descrédito do Partido Socialista e dos seus dirigentes. Ninguém diria que no melhor pano ia cair esta nódoa. António Costa não merecia, mas a verdade é que ninguém tem um chefe de gabinete enviado num pacote sem endereço.  


Um em cada cinco eleitores votou no Chega. Ninguém esperava. É muito provável que o dinheiro encontrado no gabinete de Vítor Escária tenha contribuído para o descrédito do Partido Socialista e dos seus dirigentes. Ninguém diria que no melhor pano ia cair esta nódoa. António Costa não merecia, mas a verdade é que ninguém tem um chefe de gabinete enviado num pacote sem endereço. António Costa tinha obrigação de vigiar quem escolheu para o apoiar nas decisões sobre os destinos do país.

Com as eleições recordam-se números estranhos para quem confia no sistema político que vivemos desde o 25 de Abril. O Chega com esta votação vai receber cerca de quatro milhões de euros por ano de subvenção do Estado, mais 1,4 milhões que lhe calharam dos 8,1 milhões que vão ser distribuídos pelos partidos que concorreram, no mínimo, a 51% dos lugares sujeitos a sufrágio para a Assembleia da República. O sucesso do Chega trouxe a lume ainda o facto de um em cada nove votos não ter servido para nada, ou seja, em alguns distritos somaram-se mais de seiscentos mil votos que não serviram para eleger deputados devido ao facto do país estar dividido em círculos eleitorais em que uns valem mais que outros. Dando como exemplo as eleições de 2015 no distrito de Portalegre, mais de 20% dos votos em vários partidos não elegeram qualquer deputado (apenas o PS e o PSD elegeram). Já em Lisboa, só cerca de 7% dos votos é que não resultaram na eleição de um deputado para um partido. Todos os votos são iguais e têm o mesmo valor, mas, tal como na ficção de George Orwell em "O Triunfo dos Porcos", todos os eleitores são iguais, mas uns são mais iguais que outros.

Assim como no Brasil os taxistas perguntam uns aos outros como é que é possível que a grande maioria vote Bolsonaro, em Lisboa acontece exactamente a mesma coisa: é muito raro entrar num táxi onde o condutor não seja apoiante do Chega. Nos livros O Mundo de Ontem e O Mundo que eu Vi, Stefan Zweig conta episódios da sua vida em que se lembra de ver Hitler a discursar para meia centena de pessoas e outras tantas a verem e a desvalorizarem o seu discurso e a sua importância política. Muitos anos depois Stefan Zweig estava a fugir da Áustria para França tentando escapar à primeira guerra mundial, depois de França para os EUA e depois para o Brasil escapando da segunda guerra mundial. A sua Obra é talvez o maior testemunho dos intelectuais do seu tempo, já que entre o seu círculo de amizades incluíam-se Rimbaud, Romain Rolland, Rainer Maria Rilke, Thomas Mann, Émile Verhaeren e Sigmund Freud, com o qual se correspondeu entre 1908 e 1939. A família de Stefan tinha uma biblioteca onde havia livros com os cabelos de Mozart. O célebre compositor tem um diário digitalizado na Internet escrito entre Fevereiro de 1784 e Dezembro de 1791, que foi retirado de um manuscrito que se chama Verzeichnüss aller meiner Werke (Catálogo de todos os meus trabalhos) doado à Biblioteca Britânica pela família do escritor austríaco em 1986. Nada desta importância impediu que Stefan Zweig se considerasse o único homem no mundo que teve que construir três casas de família em partes diferentes do mundo e que resolvesse suicidar-se por já não acreditar no futuro da Europa.

Misturei aqui resultados eleitorais com leituras e saberes enciclopédicos mas foi com intenção. Não me interessa desvalorizar o trabalho de André Ventura porque ele merece este resultado eleitoral tendo em conta o demérito dos seus adversários. Todos lhe fizeram a caminha como se diz na gíria. A começar em António Costa e Vítor Escária e a acabar em José Sócrates que vive um pesadelo na vida real como alguns actores vivem diariamente em palco do génio criativo de alguns escritores que escrevem ficção para ser encenada.

A minha esperança é que ainda viva o tempo suficiente para ver um primeiro-ministro português a governar a partir do Porto, uma dúzia de ministros em carro próprio a visitar as obras pelo país, a demitirem-se assim que um pássaro lhes cague em cima da cabeça e quem sabe, uma administração central onde já não habitem os velhos lobos que estão ao serviço dos DDT com o beneplácito dos socialistas, social-democratas e outras aves raras. Pode ser pedir muito, mas nestes tempos de pobreza de espírito aposto em não baixar as minhas expectativas. JAE.

quinta-feira, 7 de março de 2024

A região do Ribatejo e a sorte grande chamada José Saramago

Metade do mundo sabe que muito do vinho alentejano engarrafado é feito de uvas de vinhas ribatejanas. O Ribatejo acabou como marca e o Alentejo é cada vez mais uma marca internacionalizada e famosa. Oportunidade para voltarmos a José Saramago e à sorte grande de termos um escritor que é mais comemorado em Lanzarote, Mafra e Lisboa que na terra onde nasceu.


Quem ler as Pequenas Memórias de José Saramago fica a saber que a história de vida do autor de Memorial do Convento passa também pela Chamusca quando ele atravessava o rio e ia ao encontro de um familiar que guardava gado nos campos da Chamusca. O que me leva a falar do assunto é o facto de receber durante o ano vários convites para acompanhar visitas a vários caminhos de Saramago, de Lisboa a Lanzarote, de Mafra ao grande Alentejo. Foi neste último território, hoje cada vez mais desertificado, que Saramago se escondeu do mundo para escrever Levantado do Chão que o catapultou para o êxito e a conquista de milhões de leitores. O génio do escritor da Azinhaga levantou voo e poucos anos depois surgiram as obras que deixaram de ser só novidade no trato da escrita e da composição dos textos, para serem também literatura de génio, prosa de um grande espírito criador.

Falo do assunto porque a Chamusca e a Golegã podiam juntar-se para organizarem os caminhos de Saramago na terra onde o escritor nasceu e conheceu o mundo. Do lado da Chamusca governa um político, Paulo Queimado, que é uma ave rara que provavelmente nunca leu um livro depois de ter acabado a escola; do outro lado está um novo presidente, António Camilo, ainda a apalpar terreno e pelo que sei a estudar o assunto, mas sem coragem de dar o passo em frente.

 A região do Ribatejo está quase a deixar de ter campinos, toiros e qualquer dia só tem a memória das tradições. Aliás, a região do Ribatejo já nem se chama Ribatejo para alguns produtos, como, por exemplo, os vinhos que passaram a denominar-se como marca "Vinhos do Tejo", considerado pelos seus autores “uma evolução”, porque “os vinhos ribatejanos tinham fama de baixa qualidade”. Enfim, quando se tem tudo, como uma marca famosa chamada Ribatejo, os vinhos escolhem a marca Tejo e mandam o Ribatejo às urtigas porque os vinhos de antigamente tinham má fama (embora metade do mundo saiba que metade dos vinhos engarrafados alentejanos são desde há séculos feitos com uvas compradas no Ribatejo, onde sempre houve mais fartura e variedade. E eles mantiveram a marca porque os alentejanos são tudo menos parvos). Para ser verdadeiro acho que o autor desta ideia tem os fusíveis queimados e quem foi na cantiga para lá caminha.

A Chamusca é cada vez mais uma terrinha que vive das festas da Ascensão e dos cantores pimbas e do romance, sem ficção, entre dois políticos que devem dormir mais do que governam. O resto é charneca, terra do campo e casas em ruínas. A Golegã sempre tem o museu do grande Martins Correia, mal divulgado, diga-se de passagem, a Casa Estúdio Carlos Relvas, um centro cívico ganho à custa de uma feira secular, e é sobretudo morada do grande José Saramago, que tem um Nobel na Obra que vai ficar para sempre.


Como estamos em tempo de eleições lembrei-me de desafiar os leitores a procurarem nos tempos de antena dos partidos políticos o testemunho de figuras públicas ligadas à cultura, à economia e à sociedade civil. Já agora tentem ver se aparece algum militar de Abril a fazer campanha eleitoral em nome dos partidos do arco do poder. Népia. Agora o Álvaro Cunhal é um tipo que parece que saiu ontem do colégio; Mário Soares é um rapaz barbudo que diz como José Sócrates que as dívidas do Estado não são para pagar; o PSD tem um advogado como líder a quem António Costa pregou a partida de obrigar a disputar eleições em tempo recorde, sem lhe dar tempo de arrumar a casa laranja, o que lhe pode custar muito caro. JAE .

quinta-feira, 29 de fevereiro de 2024

Conheço melhor Paris que Massamá

Uma crónica para partilhar que conheci Jorge O Mourão numa esquina de um bairro famoso, que aprendi a podar figueiras, que tenho a biblioteca mais desarrumada do que as ideias e que cada vez falho mais os meus compromissos de agenda incluindo a ida ao médico.


Na acção de formação de poda de figueiras que se realizou recentemente em Torres Novas (ver edição de O MIRANTE da passada semana) o almoço do engenheiro formador Rui Maia de Sousa foi passado a trabalhar. Como o dia era curto, e a prática no terreno não dava para conversas prolongadas, o almoço serviu às mil maravilhas para os formandos roubarem teoria ao mestre.

O que ninguém esperava era que a meio da tarde, numa demonstração junto de uma figueira, o mestre Rui Maia de Sousa respondesse a uma dúvida de uma formanda nos seguintes termos: “olhe, dez anos a aprender a podar podem ser poucos e ao fim desse tempo a sua conclusão pode ser a de que tem que voltar a aprender tudo de novo durante mais dez anos”. A frase pode não estar como foi dita mas está lá perto certamente.

Em tempo de campanha eleitoral dá para perceber que o engenheiro Rui Maia de Sousa não é candidato a nenhum cargo. Se fosse estava tramado. Quem reconhece que está sempre tudo por fazer, e só sabemos que nada sabemos, não pode ser político. Mas merece certamente a admiração que o pessoal de Torres Novas tem por ele, pelos seus conhecimentos e pela dedicação à causa do figueiral que dantes era uma indústria e hoje é uma das culturas que exige mais investimento e dedicação, assim como dimensão para poder ser rentável.


Esta semana falhei mais uma vez a inauguração da Cartoon Xira, voltei a atrasar a leitura dos jornais, tanto em papel como digitais, ainda não curei as minhas árvores nem acabei a poda, não consegui encontrar nas estantes da minha biblioteca um livrinho autografado do Professor Joaquim Veríssimo Serrão, que preciso para um trabalho urgente, não marquei duas consultas que ando a adiar desde o início do ano quando deixei de ter médico de família e descobri que conheço melhor a cidade de Paris que Massamá, uma localidade da Área Metropolitana de Lisboa, concelho de Sintra, que fica entre Queluz e Cacém. Foi lá que encontrei um café cheio de gente, onde prolonguei a tarde, depois de uma massagem terapêutica, a beber café e a comer um doce regional, com a curiosidade aguçada pelo ambiente que me conquistou. Num outro café, que é ao mesmo tempo cervejaria e casa de petiscos, encontrei a decorar uma parede o cachecol do Real (de Massamá) que o dono do estabelecimento diz que é o único emblema da casa juntamente com o da selecção nacional.

É claro que deixei muito mais agenda por cumprir, já que quanto mais trabalho mais trabalho deixo por fazer. Mas essa é a sina de quem vai descobrindo ao longo dos anos que “o caminho faz-se andando”, que “a verdadeira viagem é a do regresso” e que “o único caminho na vida é aquele que já caminhamos”.

Escrevo directamente no computador que cheira a IA, mas tenho ao meu lado um livrinho antigo a cheirar a mofo, de Rainer Maria Rilke, que escreve sobre Rodin, que trouxe de oferta da biblioteca de um amigo que visitei recentemente. Estou de tal modo vidrado com a sua leitura que bloqueei e perdi a vontade de acabar o artigo que comecei a escrever, para desespero de um novo amigo que conheci na viagem, que se chama Jorge O Mourão, um cineasta que já faz parte da história do cinema brasileiro, que passou uma tarde comigo e com mais dois amigos numa esplanada de rua do Bairro da Glória, no Rio de Janeiro, enquanto centenas de corpos quase nus, outros nem tanto, desfilavam à nossa volta brincando ao Carnaval. JAE.

quinta-feira, 22 de fevereiro de 2024

Personalidades do Ano: o jornalismo de proximidade que é a marca de O MIRANTE

O MIRANTE é um jornal que edita livros quase desde a sua fundação; levamos o nome da região aos quatro cantos do mundo, somos a melhor redacção descentralizada dos jornais e das televisões de Lisboa e do Porto, que têm no nosso trabalho referências para valorizarem o seu, e disso também nos orgulhamos, por que ao trabalho de jornalista pode aplicar-se, sem vaidade, o provérbio que ensina que "a mão que dá está sempre acima da mão que recebe".


Na próxima semana realiza-se em Santarém a 19ª edição da cerimónia das Personalidades do Ano organizada por O MIRANTE. A minha memória é fraca para algumas coisas, mas para outras é forte e não desarma. Quando tenho o azar de esquecer, e de gastar as reservas da memória RAM, tenho a Joana, e agora também o Bernardo, que para minha sorte aceitaram o desafio de trabalharem comigo.

Diz a Joana que assim que se sentou à secretária, ainda no Beco dos Agulheiros, eu lhe disse: “agora que chegaste vamos começar a organizar as Personalidades do Ano para concorrermos com o Galardão Empresa do Ano cuja iniciativa tínhamos proposto três anos antes ao presidente da Nersant e que foi aceite de imediato.

Não sou capaz de diferenciar o meu interesse e entusiasmo tanto na organização do Galardão Empresa do Ano como na organização das Personalidades do Ano. É quase como perguntar a um pai que tem vários filhos de qual é que gosta mais. Hoje, nesta data, a poucos dias de editarmos um suplemento com treze entrevistas às treze personalidades do ano, é difícil não tomar partido sabendo que vamos mexer com a comunidade, que os nossos premiados não se ficaram pela satisfação de saberem que vão ser reconhecidos publicamente, como aceitaram falar e assumir em entrevista aquilo que os fez merecer a escolha dos jornalistas da redacção de O MIRANTE. Uns mais do que outros, por razões também díspares, já que os distinguidos têm diferentes papéis na sua intervenção na comunidade e na sociedade em geral.

Há uma situação que quero partilhar com os leitores desta página que acho pertinente e que merece ficar registado. Não há ano nenhum que não digamos, depois de cada cerimónia, tentando apanhar o que resta dos cacos que partimos ao longo do nosso trabalho de premiar, elogiar e criticar, que não digamos, repito, "este foi o melhor ano de todos, e a melhor cerimónia", e as razões são quase sempre as mesmas: a presença dos nossos ilustres convidados que enchem as salas onde nos juntamos e a excelência dos nossos premiados que nunca se fazem rogados a receberem a distinção nem deixam por mãos alheias o mérito que têm e que lhes reconhecemos.

No dia 29 de Fevereiro a cerimónia das Personalidades do Ano inaugura uma nova etapa anunciada em Novembro na cerimónia da entrega dos prémios Galardão Empresa do Ano.

A Joana vai assumir o seu papel de líder, como é justo e já vem acontecendo há muito tempo noutras situações, e o Bernardo, que neste momento é coordenador editorial, vai assumir a apresentação e direcção da cerimónia em cima do palco onde vamos reconhecer uma a uma todas as personalidades do ano de 2023.

O MIRANTE é um jornal que edita livros quase desde a sua fundação, premeia empresários e personalidades da vida pública ligadas às mais diferentes áreas da nossa sociedade, somos escolhidos por algumas entidades para entregarmos donativos às pessoas que são notícia no nosso jornal e disso nos orgulhamos; levamos o nome da região aos quatro cantos do mundo, somos a melhor redacção descentralizada dos jornais e das televisões de Lisboa e do Porto, que têm no nosso trabalho referências para valorizarem o seu, e disso também nos orgulhamos, por que ao trabalho de jornalista pode aplicar-se, sem vaidade, o provérbio que ensina que "a mão que dá está sempre acima da mão que recebe".

O jornalismo regional tem um lugar na democracia portuguesa que O MIRANTE representa há 36 anos sempre em crescendo, com muita luta e uma firmeza inabalável. O lema desta iniciativa é igual desde o primeiro dia: "Qualquer momento é bom para dizer isto é justo". JAE.

quarta-feira, 14 de fevereiro de 2024

A campanha eleitoral e os novos actores do circo

É triste ver e perceber como os políticos são os novos actores do circo, os palhaços de serviço, os animais amestrados que em vez de actuarem num palco dão espectáculo sentados à volta de uma mesa usando a arte de falarem todos ao mesmo tempo de assuntos que só interessam aos empresários do circo.


Em plena campanha eleitoral devo confessar que tenho evitado ao máximo ligar a televisão para acompanhar os debates. Como é sabido vivemos uma democracia amputada. Quanto mais a democracia portuguesa, nascida no dia 25 de Abril de 1974, vai ficando velha, mais problemas vai criando aos novos democratas. Recordo palavras e sentimentos do presidente da Câmara de Mação, que andou dois anos a caminho do tribunal por causa de uma publicação na sua página pessoal; e de uma condenação recente do ex-presidente da Câmara do Cartaxo, Pedro Miguel Ribeiro, por ter permitido uma publicação em tempo de campanha eleitoral no site da câmara municipal de uma iniciativa que deveria ser entendida como trabalho de divulgação. Os partidos políticos podem endividar-se a divulgarem o que quiserem em cartazes espalhados por tudo o que é avenida, rotunda, praça, beco, árvores e postes de electricidade; não há limites para a distribuição de publicidade no espaço público, assim como não há limites para o tamanho dos cartazes. Chega a ser pornográfico ver cartazes em cima de cartazes, em lugares onde o diabo não chegaria, e o olhar humano só vê e consegue ler uma pequena parte. Apesar de toda esta prática política, que na maioria dos casos é abusiva e contrária a tudo aquilo que são as boas práticas ambientais, continua a ser proibido aos partidos políticos usarem a comunicação social para publicitarem as suas ideias e propostas eleitorais. Há uma excepção para o anúncio de comícios ou iniciativas partidárias, mas não podem exceder determinados tamanhos e menos ainda fazerem apelo ao voto.

Escrito e contado ninguém acredita. Os políticos criam condições para que a publicidade tenha regras na comunicação social, regras bem definidas que não permitem qualquer tentativa de esclarecimento sobre situações que interessam às populações, nomeadamente nas áreas sociais, culturais e económicas; mas permitem o livre arbítrio a toda e qualquer publicidade de rua, mesmo que seja numa situação de crime ambiental, ponha em perigo o trânsito e seja um atentado aos bons costumes. 

Este ano comemoram-se os 50 anos do 25 de Abril. Meio século não foi suficiente para amadurecermos como povo e como país. Estamos a subir na classificação dos países da Europa onde não se investe no combate à corrupção. Na rua, em protesto, estão os funcionários dos tribunais, os médicos e enfermeiros, professores, polícias, inspectores de organismos do Estado como a ASAE, agricultores e etc; há um descontentamento generalizado sobre a actuação dos políticos e, em alguns casos, parece de propósito para gerar descontentamento. 

Como é fácil de constatar os partidos que tradicionalmente ocupam os cargos de poder começam a ficar pelo caminho por falta de renovação dos seus quadros porque se deixam minar por gente menos apta e alguns homens de negócios que são os Donos Disto Tudo.

Os debates nas televisões são a cara da nossa democracia: todos contra todos e ninguém mete o dedo na ferida porque a campanha eleitoral é para exercitar argumentos falasiosos e vender sorrisos e frases feitas em tempo recorde. Os políticos que aceitam participar neste tipo de debates estão reféns de um sistema que eles próprios criaram e alimentam. É triste ver e perceber como os políticos são os novos actores do circo, os palhaços de serviço, os animais amestrados que em vez de actuarem num palco dão espectáculo sentados à volta de uma mesa usando a arte de falarem todos ao mesmo tempo de assuntos que só interessam aos empresários do circo. JAE.

quinta-feira, 8 de fevereiro de 2024

André Seffrin: o escritor, crítico e editor que ainda organiza tertúlias na sua casa



André Seffrin é crítico literário e de artes plásticas, editor, ensaísta, faz de tudo e mais umas botas se lhe pedirem para organizar um livro ou valorizar um autor; e deve ser o único homem ligado às artes que ainda se dá ao trabalho de convidar os seus amigos para tertúlias na sua casa.

Há cerca de três dezenas de anos levaram-me no início da noite, a medo, porque eu era novo nestas andanças e podia sair-me mal, para o bairro das Laranjeiras, no Rio de Janeiro, para casa de um escritor, crítico literário e editor que habitualmente promovia tertúlias convidando gente do mesmo ofício.

Chama-se André Seffrin e ainda hoje é meu amigo e eu sou visita de sua casa como aconteceu recentemente.
Esta última estadia no Rio de Janeiro, o último dia de tertúlia com o André e a sua família, deram-se balanço para escrever este texto e provavelmente surpreender os meus leitores. Sou assumidamente um suicida tanto no convívio familiar como no trabalho e nos meus encargos com as coisas do corpo e do espírito. Nunca faço nada pela metade e se o faço é por razões da minha falta de inteligência ou força física. O eu que sou nunca me dá descanso nem a dormir. Sonho todas as noites e é raro que não goste dos meus sonhos. No meu dia a dia estou sempre a inventar mesmo depois de já ter passado os 68 anos e o meu coração ter reclamado dentro do peito. Sou incapaz de viajar para Cabo Verde, Brasil, França, Espanha, Chile ou Argentina, talvez os países que mais gosto, sem levar comigo o trabalho, os textos literários inacabados, uma pilha de livros, uma agenda de pequenos biscates que sei que posso resolver entre o café da manhã e o descanso num banco de jardim, a meio de um mergulho no mar, depois de uma sesta, enquanto dou uma mordidela numa nuvem ou engulo um bando de aves raras que me levam o que resta do cabelo que ainda tenho na cabeça.

Conversar a ouvir fado e MPB

O André Seffrin é jornalista cultural tal como eu também gostava de ser. Mas somos tão diferentes um do outro que nos entendemos às mil maravilhas. Dantes durante uma noite de convívio, só à minha parte despejava dois litros de vinho entre as 7 da tarde e as 6 da madrugada; quando era cerveja nunca soube bem quantos litros bebia. Agora estou mais moderado e bebo mais água que vinho ou cerveja. Ele não. Continua em forma. A beber e a escrever. André Seffrin é daqueles escribas que gosta do que faz. Detesta assinar os seus textos e com 58 anos de vida discursou poucas vezes e já não aceita subir a uma tribuna para botar faladura. O que ele mais gosta é de trabalhar para editores que não querem textos assinados para as contracapas dos livros, as badanas ou para outra qualquer valorização do livro feito por quem vive e trabalha de ler e julgar o que os outros escrevem.
Nesta última vez que tertuliamos tivemos tempo de ver na televisão a gravação completa do Festival da Cancão Brasileira de 1966. Antes disso ouvimos a Marisa e a Amália a cantar o fado. Nunca na minha vida, na minha casa, liguei a televisão para ouvir fados ou fadistas, e muito menos espetáculos tão antigos, do tempo da Maria Cachucha. Quando saí da casa do André Seffrin e desci a rua Mário Portela, eram cerca de três da matina, disse para mim mesmo: preciso disto mais vezes para não morrer dentro de um carro de Fórmula1 sem saber se sou piloto ou copiloto suicida. Mesmo enquanto os artistas brasileiros famosos da época cantavam as canções que ainda hoje marcam a MPB brasileira, não deixamos de falar do Lêdo Ivo, do António Torres, da poesia do Alexei Bueno, dos diários inéditos do Walmir Ayala, da pintura do Gonçalo Ivo, da equipa do Fluminense, jogo que também vimos na íntegra, que nessa noite jogava em Saquarema, onde tínhamos passado uns dias antes, ele na sua casa de férias e eu numa Pousada onde fui reviver outros tempos. Falamos ainda da antologia de poesia erótica que haveremos de reunir a quatro mãos, das Obras de Octávio de Faria e do Baú de Ossos de Pedro Nava, que o André disse para não comprar que ia trazer um exemplar de Saquarema. 

Os livros como uma obrigação

André Seffrin não é maldizente como eu; não é tão cruel como eu a julgar pessoas, mas que ninguém o julgue só pelo que parece. Tem um humor fino e mortífero, ao contrário do meu, que só tem bala para atordoar.
Alguns dos melhores livros que ele leu, eu também já li depois de nos conhecermos. Nisso continuo igual ao que era aos 20 anos. Lia quase tudo o que eram sugestões de leitura do Manuel Alegre, do Baptista Bastos, do David Mourão Ferreira, Jorge de Sena, Piteira Santos, entre tantos outros que correspondiam aos pedidos dos jornais em tempos de feiras do livro ou de listagens de fim de ano. Embora esteja velho e cansado, não perco a mania de procurar os livros que, antes de morrer, tenho obrigação de ler. Diz-se que o escritor alemão Johann Wolfgang von Goethe, o autor de Fausto, chamou um padre minutos antes de morrer para se confessar. “Padre, confesso que vou morrer sem ter lido a Divina Comédia. É pecado”, perguntou. Só quem vive entre livros, viagens e fantasias percebe que há livros que até na hora da morte devem ser boa companhia. Nem que seja para os renegar. E tal como dizia Sócrates, horas antes de morrer questionado pelos seus discípulos sobre a razão porque não tirava os olhos de um livro, se a morte estava por breves horas, “devemos aprender até morrer”.

Escrever por favor e de borla

Nesta última tertúlia o André confessou que quando chegou ao Rio de Janeiro vindo do sul, assistiu a muitas conversas do Walmir Ayala com músicos, escritores e artísticas plásticos da época, mas só guarda de memória o ambiente, nunca pensou em tirar apontamentos, sequer imaginava que a sua vida ir ser ler e escrever até morrer.
Quando conto as vezes que estivemos juntos, e os episódios que já vivemos, e as histórias que nunca irei contar desses encontros, porque me falta já o pormenor, fico danado e ainda mais suicida do que acho que merecia. A matéria de trabalho de um jornalista é a memória; quando a memória se vai são os apontamentos a que podemos recorrer que nos salvam a vida, ou seja, que nos dão material de trabalho para adiarmos a morte cerebral, doença que persegue qualquer pessoa que vive da arte da escrita, da música ou de qualquer outra actividade intelectual.

Muitos dos amigos e amigas de há cerca de 30 anos que se juntavam a nós em tertúlia, já morreram e desses ainda reza a história, embora não sejam para aqui chamados. O André tem mais opinião literária dos amigos e conhecidos do que sobre eles próprios. Por isso quando fala dos grandes nomes da literatura brasileira que conheceu, e sobre quem escreveu, é como se falasse de família, de gente com quem bebeu um copo e trocou umas ideias sobre o assunto.
Embora tenha trabalhado para dezenas de editoras, poucas vezes o fez como funcionário. André Seffrin é dos poucos escritores do mundo que aceita viver no fio da navalha para fazer só o que gosta. Por isso admite que raramente escreve por favor e muito menos de borla. A escrita é o seu trabalho, e escrever exige tempo de estudo e, mais ainda, de habilidade intelectual que para pôr em prática é preciso fazer muitos abdominais e saltos mortais. 
Quem quer prefácios do André Seffrin não fica a chuchar no dedo mas tem que merecê-lo. 


O Demónio da Inquietude

É minha convicção que os escritores vivem da abundância da sua memória, por isso leem muito, colecionam grandes bibliotecas, são regra geral ratos de sebos, interessam-se desalmadamente por jornais e revistas, notícias sobre tudo o que mexe no mundo das artes, da política e de sociedade, raramente sobre economia.
Recentemente perguntei ao autor de “O Demónio da Inquietude“, quem, depois de Carlos Drummond de Andrade, a quem chamou o Camões do nosso tempo, podíamos nomear seu herdeiro no Brasil. A pergunta complementava um desabado recente sobre a poesia que se publica actualmente. Não vejo ninguém, desabafou o mais arguto dos críticos brasileiros, mas também o menos cruel, eventualmente o mais afetivo dos escrutinadores da literatura brasileira dos últimos anos.
André Seffrin conviveu desde muito cedo com Walmir Ayala. Quando chegou ao Rio de Janeiro com 21 anos, e começou a conviver com Ayala e os seus amigos e conhecidos, tudo gente ligada às artes e às letras, André Seffrin fez-se crítico literário encantado pelas possibilidades de ser visitado pelas musas, ao contrário dos seus interlocutores que não faziam mais nada que andar no seu encalço, muitas vezes com a ajuda da bebida, do fumo e de algumas loucuras inomináveis.

A minha memória está povoada de artistas que nunca precisaram de procurar trabalho: encadernadores, correeiros, alfaiates, marceneiros, jardineiros, torneiros, canalizadores, entre muitas outras profissões. O trabalho chegava porque eles eram únicos, já tinham sido aprendizes, herdaram a profissão dos seus mestres, mas também as oficinas e os clientes dedicados. André Seffrin lembra-me os mestres da arte e da vida que tenho como referências. Nunca o ouvi fazer queixinhas do trabalho ou de alguma desfeita, jamais o ouvi clamar por justiça como fazem as vedetas e como se houvesse justiça para quem trabalha por sua conta. Fizeram dele guardião de uma grande biblioteca e de um grande autor, e ele não enjeita esforços para continuar a valorizar quem nele confiou.

O desejo de ser dono de editora

O que guardo dos seus segredos de escritor e editor profissional são episódios de falta de tesouraria, e o recurso à venda de revistas e jornais antigos que lhe serviram de material de trabalho por valores que deram para sobreviver durante dois anos. Mas também ouvi contar que gastou num só livro, que queria ter na biblioteca, o valor de um cordão de ouro.

No ano em que se comemoram os 500 anos do nascimento de Luís Vaz de Camões, comemorações que estão longe de terem a dignidade que merecem, por culpa dos políticos analfabetos, Isabel Rio Novo vai publicar uma biografia do poeta que lhe consumiu seis anos de trabalho. Ao contrário dos políticos, os editores ainda arriscam. E os biógrafos fazem jus à sua profissão, trabalhando por pouco mas semeando em terra boa, esperando pela hora da colheita. André Seffrin trabalha como um poeta mas recebe como um biógrafo; esforça-se como um romancista mas é pago como revisor de texto. O seu sonho era fundar uma editora, e não trabalhar só para os editores, mas para isso precisava de duas vidas, pois é como escritor que sabe ganhar o pão para a boca. E um crítico também precisa de dormir e descansar e não tem que ser nem pode ser homem de negócios a tempo inteiro, que é o que são os editores que arriscam pedir uma biografia sobre um poeta, que morreu há 500 anos, e que terá sido enterrado em vala comum, embrulhado num lençol, numa data que nunca se irá saber ao certo.

O escritor que a vaidade não perturba

André Seffrin guarda livros como um médico guarda amostras de medicamentos. O último livro que me ofereceu andava na minha lista de compras há mais de 10 anos e foi-me sugerido por uma amiga do Porto que tem um fraquinho por Rodin e Rainer Maria Rilke. O segundo foi secretário do primeiro e escreveu uma pequena biografia que é uma preciosidade. André Seffrin, tal como Rodin, amadureceu enclausurado na sua oficina, escondendo-se do público que o lia, dos artistas que precisavam dele, dos editores com quem tratava só de forma profissional, falando pouco e poucas vezes.
A segurança da sua escrita foi conquistada em silêncio, sem deslumbramentos, sem se deixar perturbar pelos elogios, sabendo de outras vidas que a grande segurança de um escritor é a sua independência.
André Seffrin é um daqueles escritores em que todos podem bater, o que não é o caso, mas que nenhum elogio o desconcerta ou perturba. 
O crítico de mão implacável, sem ser carrasco, já escreveu sobre centenas de escritores, artistas plásticos e ensaístas. Só recentemente reuniu em livro alguns, poucos, desses textos que ajudaram alguns autores a deixarem de duvidar de si mesmos e dos seus recursos literários.
JAE

Nota de interesses; “O Demónio da Inquietude” é uma edição portuguesa da editora Rosmaninho, uma chancela de O MIRANTE, que está em todas as livrarias portuguesas. O livro tem uma folha de rosto com a seguinte epígrafe que abre a secção de Poetas Brasileiros: “…essa estranha terra natal chamada língua portuguesa. Augusto Meyer, A forma secreta / “Epístola a Porfírio”.
Embora tenha sido eu o editor, o livro vai-se lendo e relendo aos trancos e barrancos, e de vez em quando falha a memória sobre um autor que faz parte do livro, sobre um texto que volta a ser tema de conversa. Só a epígrafe fica, porque no Brasil há sangue português até nas raízes das árvores.
Graças ao André, ou por causa da amizade com o André, editei no Brasil, também com a Rosmaninho "Rio, da Glória à Piedade", um livro de crónicas e memórias de homenagem ao Rio de Janeiro, escrito por um colectivo de autores em que também estou incluído. Recentemente André Seffrin organizou para a Editora Nova Fronteira uma reedição de uma Antologia de Poemas de Amor, trabalho iniciado há muitos anos por Walmir Ayala, e fez o favor de me incluir, embora eu não o merecesse. 
 

quinta-feira, 1 de fevereiro de 2024

Renova pode ser alvo de uma acção internacional de repúdio

A Renova é uma marca internacional de prestígio que tem um caso sério com o concelho de Torres Novas e com as instituições da região. Um movimento internacional de repúdio pela apropriação da nascente do Almonda pode ser um caso sério para a marca que faz publicidade no Museu do Louvre, em Paris, mas não oferece um rolo de papel higiénico para uma quermesse de uma festa local.


O MIRANTE distingue-se na região por organizar o Galardão Empresa do Ano e publicar todas os dias e todas as semanas, em plataformas diferentes, notícias e matéria editorial diversificada com e sobre empresas e empresários. Quase sempre a favor uma vez que as empresas, regra geral, são fonte de boas notícias. Há excepções. A Renova é uma delas. O que a sua administração está a fazer na nascente do rio Almonda não vai acabar bem para a empresa. Ninguém com juízo, mesmo que tenha muito dinheiro e seja muito influente, pode proibir a população de uma região de ter acesso à nascente de um rio. Ainda por cima um rio que é o ex-líbris da cidade de Torres Novas.

Infelizmente a Renova tem um historial na região que não abona nada a favor dos seus administradores. Ouvi um dia a um deles que o melhor da nossa região é a auto-estrada para Lisboa. Sei que já nessa altura morava em Cascais, mas que tinha, e ainda terá, um quarto na fábrica, para não fazer o caminho de ida e volta nas alturas em que o trabalho aperta. Conto o episódio, não para lhe chamar forreta e pobretana, por não usar os hotéis da cidade, mas para acentuar o espírito de quem faz a gestão de uma marca que paga milhares em publicidade para ter uma montra no Museu do Louvre, mas depois poupa na dormida. Pode escrever-se que a Renova é património da região e um sucesso empresarial, mas não se nota ao nível da interacção com as instituições locais e regionais. Não conheço associação ou colectividade que seja apoiada pela Renova, sequer com uma taça para um concurso de pesca ou uma caixa de papel higiénico para uma quermesse. A Renova, pelo que sei, é uma empresa fechada à comunidade. Para os seus administradores só a nascente do Almonda é que é importante. E certamente a mão-de-obra de proximidade.

Não me custa admitir que a empresa que aluga montras no Museu do Louvre, e quer proibir a população de uma região de ter acesso à nascente de um rio, que sempre foi pública e deve continuar a ser custe o que custar a quem de direito, não me admira que um dia destes não se seja alvo de um movimento internacional de repúdio e de boicote à marca. Há casos recentes que deitaram abaixo marcas mais prestigiadas. Certamente que não é isso que todos nós queremos, nem tão pouco desejamos, mesmo que saibamos que o que nasce torto tarde ou nunca se endireita.

Portugal, o país do respeitinho, foi abalado até aos alicerces com os anúncios do Ikea que ainda vão dar muito que falar se os políticos não forem todos iguais.

A publicidade promete marcar a campanha eleitoral até ao dia das eleições, principalmente o outdoor que anuncia uma estante onde se podem guardar 75 mil euros, valor em dinheiro encontrado no gabinete de Vítor Escária, ex-chefe de gabinete do primeiro-ministro António Costa.

Em termos públicos e de enxovalho da classe política portuguesa nunca se tinha ido tão longe. Só os episódios com José Sócrates, a viver dos envelopes de dinheiro entregues pelo condutor da sua viatura oficial, João Perna, podem comparar-se à situação vergonhosa vivida por Vítor Escária, seus chefes e subordinados. O facto de António Costa ter continuado como primeiro-ministro ainda justifica mais esta campanha de publicidade sensacionalista. Vítor Escária não terá justificado a existência do dinheiro no seu gabinete e, num país desenvolvido com uma democracia mais vigiada, um chefe de gabinete apanhado com quase 80 mil euros no seu gabinete tinha desaparecido de cena no dia a seguir ao escândalo e o primeiro-ministro tinha ido com ele. António Costa preferiu ignorar que Escária era o seu principal interlocutor no Governo do país e que o comportamento dele pode muito bem ser confundido com o do seu chefe. Nunca uma empresa, ou sequer um dirigente político da oposição política mais extremista, pôs em causa a idoneidade dos políticos portugueses como acaba de fazer o Ikea. Eu não comprava no Ikea mas vou começar a comprar. JAE.

quinta-feira, 25 de janeiro de 2024

A nota de cinco contos e a recordação que fica da Dª. Ricardina Vital

Morreu recentemente a Dª. Ricardina do Café Vital, esposa do António Vital, mãe do Jorge e do Rui, que teve um café, mais tarde também restaurante, onde eu quando era rapaz ia ver na televisão as corridas de touros e os jogos do Sporting.


Há histórias que não podem morrer connosco. Não é para nos imortalizarmos porque no resto tudo são borras; é só para correspondermos a quem espera de nós atitude, perseverança, boa memória, bairrismo, postura na vida, pelo menos enquanto cá andamos somos respeitados e respeitamos.

Morreu recentemente a D. Ricardina do Café Vital, esposa do António Vital, mãe do Jorge e do Rui, que teve um café, mais tarde também restaurante, onde eu quando era rapaz ia ver na televisão as corridas de touros e os jogos do Sporting. A Dª. Ricardina foi minha vizinha durante muitos anos e assim pôde testemunhar o crescimento dos meus filhos. Um dia o mais novo, talvez com sete anos, foi à carteira da mãe, tirou uma nota de cinco contos, fez o caminho de casa até ao restaurante que fica a duas dezenas de metros da minha casa, e entrou para encomendar e pagar um frango assado para o almoço.  A Dª. Ricardina não estranhou a encomenda mas perguntou ao Bernardo onde é que ele tinha ido desencantar a nota de cinco contos. A resposta foi pronta e rápida; “não se preocupe; a minha mãe tem na carteira muitas notas iguais a esta”.

Conto esta história porque a Dª. Ricardina era uma mulher que podia ser minha mãe.  E muitas vezes conversou comigo como se eu fosse seu filho, mas também um homem com quem ela podia desabafar as alegrias e as misérias da vida sabendo que eu era de confiança. Dificilmente uma pessoa que trabalha uma vida inteira atrás de um balcão, como foi o caso da Dª. Ricardina Vital, não deixa marcas naqueles com quem convive mais de perto ao longo de dezenas de anos. Foi o caso.

Eu próprio, entre os 11 e os 22 anos, fiz-me homem atrás de um balcão. E muito cedo comecei a ser confidente de homens que passavam o dia na taberna ou na cervejaria do meu pai, alguns viciados no álcool, amparo na conversa das suas mães e esposas que me pediam ajuda, dos segredos de alcova de uns e outros, dos dramas de todos os dias das pessoas mais pobres, mas também das remediadas, que isto de viver angústias, dificuldades financeiras e problemas sentimentais não é exclusivo dos menos sortudos e afortunados da vida. 

Aos 14 anos pedi namoro a uma rapariga porque alguém me deu a dica que tinha caminho aberto, porque o meu pai era comerciante e vivia em casa própria, e ela vivia com a família numa casa de paredes de terra com boa parte do telhado em chapas de zinco.  Acho que foi a primeira vez que percebi o drama da existência de classes e como funcionava a cabeça de quem achava que riqueza era beber água por um copo e pobreza era beber directamente da torneira. Cinco anos antes deste episódio a cozinha da minha casa era de chão de barro, tomávamos banho num alguidar e a sanita era um buraco ao fundo do quintal atravessado por uma tábua onde nos agachávamos. E as divisões da minha casa, construídas com tijolo de burro, eram tão modernas que eu tinha que tapar a cabeça com a roupa da cama para não ouvir os meus pais no truca truca.

A Dª. Ricardina Vital fica certamente na memória de centenas de pessoas, como ficam alguns dos nossos familiares mais chegados. Há pessoas das nossas comunidades que muitas vezes nos marcam mais que as pessoas da família. Não precisaram de ter andado connosco ao colo, ou de nos terem matado a fome, sequer de nos ampararem nos maus momentos; bastou que nos tivessem aberto os olhos de forma a crescermos como Homens e sabermos diferenciar-nos. JAE.

quinta-feira, 18 de janeiro de 2024

Portugal é o país das pessoas mais tristes do mundo

Portugal, o país da palavra saudade, é o lugar onde vivem as pessoas mais tristes do mundo, a confiar no que conhecemos, vemos e não podemos ignorar.

Sempre que a política se mete à minha frente e me rouba a possibilidade de ler um livro com atenção, ver um bom filme, conversar em casa sobre o que me interessa desabafar, desligo a televisão ou tiro-lhe o som. Foi o que fiz este fim-de-semana em que as televisões voltaram a preencher horas e horas de programação a custo zero, já que os actores foram os políticos do Chega, reunidos em Congresso. Foi assim também quando reuniu o PS e elegeu o seu novo timoneiro. Para quem não sabe quanto custa produzir uma hora de televisão, imaginemos o que poupam as empresas quando têm o espectáculo da política para produzirem, sem terem que pagar a actores, realizadores, maquilhadores, aluguer de instalações, enfim, um nunca mais acabar de despesas que fazem da televisão a máquina mais cara do mundo, mas que elege presidentes da República.

As condenações que saíram do Tribunal de Santarém para os envolvidos no acidente da artista Sara Carreira fariam corar de vergonha os responsáveis pela Justiça, se houvesse quem respondesse pelo que se passa nos tribunais portugueses. Um condutor com excesso de álcool no sangue, a conduzir a uma velocidade abaixo do permitido na auto-estrada, provocou um acidente que resultou numa tragédia. Os envolvidos no acidente (provocado por uma pessoa irresponsável, sem estar no seu perfeito juízo), que podiam ter morrido como aconteceu a Sara Carreira, sobreviveram para irem a tribunal e serem condenados a uma pena quase comparada à do condutor irresponsável que provocou a tragédia. Uma vergonha. Os portugueses não merecem os políticos que temos e muito menos a Justiça que nos julga. É verdade que tudo funciona, e que podemos escrever “Aqui Del’Rei” sem sermos presos ou mortos na forca, mas pelo meio há muita gente que sofre, que é obrigada a viver medicamentada porque sem químicos não aguenta as injustiças do sistema político e judiciário.

A grande notícia desta semana foi a manchete do jornal Expresso: “30% dos jovens nascidos em Portugal vivem fora do país”. Li o artigo e apesar de me considerar uma pessoa bem informada estava longe desta realidade. É por isso que não há juízes suficientes para que a Justiça não seja controlada pelo poder político como acontece em muitos tribunais, onde o Administrativo é um bom e pornográfico exemplo;  é por isso que não há médicos suficientes; é também por isso que a crise de professores, onde se formam os homens de amanhã, vai ser um drama para o futuro; é por isso que os cretinos sobem na hierarquia dos partidos políticos e facilmente seguem o exemplo de Vítor Escária, que, apesar de ser chefe de gabinete do primeiro ministro de Portugal, tinha mais dinheiro vivo no seu gabinete de trabalho que todas as dependências dos bancos em Santarém.

Portugal, o país da palavra saudade, é o lugar onde vivem as pessoas mais tristes do mundo, a confiar no que conhecemos, vemos e não podemos ignorar. No ano em que comemoramos meio século da revolução dos cravos, a Justiça (os funcionários dos tribunais), a Autoridade (a PSP, GNR e a ACT), o Ensino (os professores e os funcionários das escolas), a Saúde (os médicos e os enfermeiros), estão na rua a gritar protestando melhores condições para poderem trabalhar, para além de pedirem também melhores remunerações. Entretanto os políticos do regime, PS e PSD, deixam falir as instituições e desmotivam os trabalhadores do Estado, abrindo caminho a um novo Messias que promete eliminar a corrupção e o desvario em Portugal enquanto o Diabo esfrega um olho.

Se tivesse 20 ou 30 anos não hesitava e juntava-me aos 30% dos jovens que fugiram do país e dos políticos mentirosos e trapaceiros. JAE.

quinta-feira, 11 de janeiro de 2024

Não escrevo sobre política nem que me matem

Vi e ouvi António Costa no congresso do PS e não quis acreditar; em Burgos há uma estátua ao leitor de jornais que revi num jornal onde o colunista cita Mário Quintana: “Os verdadeiros analfabetos são aqueles que aprenderam a ler e não lêem”.

Comecei o ano a reler livros e a passar os olhos pelos jornais que se acumulavam na minha secretária de trabalho. De tanto ler fico de espírito cheio, incapaz de escrever uma linha ou dedicar-me ao trabalho de escrutinar o que se passa à minha volta. A leitura aperfeiçoa a escrita mas é para quem vive de escrever. Não é já o meu caso. Escrevo cada vez menos e leio cada vez mais. Nada me cega mais que a leitura de livros e de artigos de revistas e jornais que me dão de volta aquilo que já esqueci ou de que me lembro só em parte.

Em Burgos, a cidade que tem uma das catedrais mais lindas do mundo, há uma estátua na Plaza Mayor dedicada ao leitor de jornais. Revi a imagem num jornal daqueles que chegam pela Internet e tomei nota da frase do colunista, roubada a Mário Quintana, que me avivou a memória: “Os verdadeiros analfabetos são aqueles que aprenderam a ler e não lêem”.

Não vou voltar a escrever sobre a crise na imprensa, da nacional à local e regional, mas não deixo passar o pretexto para lembrar que a maioria dos jornais locais, regionais, e até alguns nacionais, estão com tiragens e vendas de mil exemplares. Como é evidente há um clamor por aí mas não chega para iluminar o santo padroeiro da imprensa. Quem tiver que morrer já tem o seu destino traçado, como foi o caso recente do jornal Nova Verdade, um jornal da Igreja que chegou aos 91 anos mas não resistiu ao ano velho. Neste meio tempo o senhor Arons de Carvalho, que é uma das personagens mais sinistras dos governos democráticos, escreveu no jornal Público aquilo que nem o Diabo se atreveria, como se ele não fosse um dos maiores responsáveis pelo facto de Portugal ser um dos poucos países da Europa que não tem um plano para ajudar a imprensa.

Não escrevo sobre política nem que me matem. Escrevo só sobre Pedro Nuno Santos e António Costa porque vi, enquanto jantava, umas imagens na televisão que me doeram. António Costa foi enxovalhado enquanto primeiro-ministro ao ponto de ter que se demitir dois anos antes do seu Governo acabar o mandato de maioria absoluta. Foi ontem mesmo que saiu do Governo de Portugal envergonhado e enxovalhado pelo seu chefe de gabinete que num processo que também o envolve foi apanhado com 80 mil euros em dinheiro vivo escondidos no seu gabinete. Nada disto o motivou a ficar no seu cantinho e a deixar os seus sucessores abraçarem-se e beijarem-se e festejarem nova vida no PS sem o cheiro dele por perto. “Os homens jamais fazem o mal tão completamente e com tanta alegria como quando o fazem a partir de uma convicção religiosa”, disse Pascal, que em vez de “religiosa” podia ter escrito “política”. JAE.

quinta-feira, 4 de janeiro de 2024

Terrorismo de Estado e a luta na Justiça

Vou começar o ano em tribunal a defender o jornal e o nosso trabalho contra gente que acha que o dinheiro lhes dá poder e lhes permite arbitrariedades sem escrutínio. Entretanto o país vai para eleições, mas até agora ninguém garante que o socialismo ou a social democracia nos livram do terrorismo de Estado.

A primeira crónica do ano novo é para pedir meças a mim mesmo. Estive envolvido num texto em que as fontes do jornalista eram figuras importantes da nossa vida associativa, mas a quem O MIRANTE não dá tréguas por serem manhosos nas suas decisões, um pouco facínoras nas suas vidas pessoais e profissionais. Devia começar o ano a partir a loiça, mas tenho a certeza que me ia acontecer o mesmo que aquele que respondeu à cuspidela de uma criança com outra cuspidela; se o adulto não desse parte de fraco perante a criança ainda hoje estavam os dois a cuspir um no outro. Vai daí que resolvi seguir a velha máxima de que “cá cantarás”.

Vou começar o ano em tribunal, que é uma coisa a que já estou habituado, embora hoje muito menos do que antigamente. Mas lá estarei mais uma vez para defender o jornal e a empresa editora de O MIRANTE. A luta na justiça é contra gente que tem o rei na barriga, que acha que pode pisar sem levar troco, que julga que o dinheiro dá estatuto e sabedoria. Este trabalho de liderar um projecto de comunicação social pode tornar-se perigoso, mas é para quem trabalha nele; ficamos de tal modo apaixonados pelo que fazemos que nos esquecemos de viver a vida. Não me posso queixar porque falo de barriga cheia; estou em processo acelerado de descer à terra, mas para não chatear quem me lê dispenso-me de contar como aqui cheguei e o que ainda tenho para andar.

António Costa caiu com o seu Governo de maioria absoluta por causa do dinheiro que o seu chefe de gabinete, Vítor Escária, tinha escondido nas estantes do seu espaço de trabalho. A comunicação social não devia deixar dourar a pílula. António Costa só tinha um caminho a seguir depois do seu chefe de gabinete ser apanhado com dinheiro vivo escondido. Se fossem oito mil euros já era um escândalo; como eram 80 mil euros tornou-se um facto histórico que vai manchar para sempre a história deste último Governo.

Só a comunicação social pode ajudar o país a não esquecer os factos graves que derrubaram o Governo. Infelizmente esse quarto poder, que é a comunicação social, está cada vez mais depauperado; parece que há um terrorismo de Estado contra os jornais e os jornalistas, a confiar no desprezo que o Poder tem dedicado ao sector da comunicação social. De verdade não é só com a comunicação social; é também com a justiça, onde faltam funcionários, com a saúde onde faltam médicos, com o ensino onde faltam professores e escolas em condições, e fico-me por aqui. De nada nos vale termos no poder políticos socialistas e social democratas, já que de socialismo e social democracia só sabemos o que é em teoria; na prática quem manda são os grandes oligarcas da nossa economia, como aliás tem sido bem visível desde a queda do Grupo BES, e dos esquemas que foram montados e ainda estão armadilhados para mal dos nossos pecados. JAE.