quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

Nobreza de espírito


Recentemente sentei-me numa mesa ao lado de uma pessoa importante do Governo de Passos Coelho e a quem há cerca de dois meses escrevi uma carta a clamar por justiça, numa situação que considero uma escandaleira dos governos do Partido Socialista e de alguns dos seus dirigentes que têm comportamentos de mulas.
Expliquei-me com todas as palavras e fiz saber, como era meu dever, que nada tenho a ganhar nem a perder com a situação mas que acho de elementar justiça que os maus governantes sejam, pelo menos, penalizados na opinião pública pelos maus actos de gestão, e que outros, que aparecem como salvadores da pátria, não se escondam por baixo de uma capa que esconde os interesses corporativos.
Infelizmente, em Portugal, PS e PSD têm sido farinha do mesmo saco quando toca a governar. O PS cria legislação que é demoníaca mas o PSD quando chega a sua vez de emendar o que tanto criticou assobia para o lado.
Fruto dessa carta recebi uma outra a acusar a recepção o que já faz um pouco a diferença. Mas o leitor que aproveite este desabafo para nunca acreditar em bruxas.
Ao lado da importante figura, e por outras boas razões que eu também soube proporcionar, aproveitei o tempo e quando achei que era o momento voltei a falar de todas as questões que tinham sido objecto da minha carta, embora sem referir a missiva.
Estava eu já numa altura em que olhava olhos nos olhos do meu interlocutor, para ver se saíam das suas pupilas alguns sinais de que ainda me via e ouvia, e eis que ele leva a mão ao bolso do casaco, puxa por um cartão de visita e, enquanto escrevia o número do seu telemóvel, disse-me esta coisa espantosa: você tem que ir lá ao meu gabinete dizer-me isso tudo que acabou de referir. Preciso da sua ajuda para perceber o que realmente está em causa.
Concluindo: a carta que escrevi para o gabinete deste senhor não foi lida; e se foi levou os destinos que se dão a todas as cartas cheias de boas intenções. Em cada hemisfério do gabinete de trabalho de um fraco governante há sempre um secretário, um chefe de gabinete, um assessor, um burocrata a fazer mais pelo país que o próprio governante. Haverá casos até em que as equipas de “malfeitores” serão muito mais bem sucedidas que o próprio chefe do “bando”.
Quis partilhar esta experiência para deixar claro que não acredito nos políticos, ou, dito de outra forma, que tenho sobre a nossa classe política desconfianças cada vez maiores.
Escolhi o tema para esta crónica a uma sexta-feira, enquanto lia o suplemento que o Jornal de Negócios publica semanalmente, onde escrevem António Rego Chaves e Armando Baptista-Bastos.
“A ética pessoal é mais importante do que as instituições sociais”, cita António Rego Chaves num dos seus últimos textos sobre livros que apetece comprar todas as semanas de tal forma as escolhas e as suas leituras críticas são exercícios de uma certa nobreza de espírito a que é bom vergar as ideias feitas.

quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

Uma história destes dias


Paro com alguma frequência na estação de serviço de Aveiras de Cima * quando viajo de Santarém para Lisboa. Um dia destes, enquanto me preparava para abastecer de gasóleo, parou atrás do meu carro um outro da mesma marca e saiu de lá um tipo a cumprimentar-me como se fossemos velhos conhecidos. A conversa batia certo e falava de um certo conhecimento na oficina onde se fazem as revisões. “Já lá não estou, agora sou director de uma grande multinacional”, e lá disse o nome da empresa. Cumprimentei-o com a mão esquerda, porque na altura em que ele chegou junto de mim já tinha “a pistola” enfiada no depósito do carro e, enquanto o gasóleo corria à velocidade do aumento do custo de vida, o meu suposto conhecido e amigo continuava a cumprimentar-me com palavras afectuosas. Depois de tomar nota, de cor, do endereço do seu email, porque recusei o número de telemóvel, e quando me preparava para lhe virar costas, perguntou-me pela altura da minha mulher porque tinha na bagagem uma prenda para ela. Disse-lhe que não sabia e ele arriscou “um metro e setenta”. Sim, deve andar por aí, respondi-lhe, para despachar. Dois passos para lá e dois para cá e tinha a mala do carro aberta para ele colocar dois supostos casacos de pele, um para ela e, já agora, um outro para mim. Era mercadoria lá da empresa onde ele era o big boss e a coisa valia cerca de dois mil euros; mas eu que nunca dissesse nada, se por acaso calhasse em conversa num próximo encontro mais alargado.
Depois de fechar a mala do carro, e para ser simpático ao mesmo nível, tomei finalmente nota do seu número de telefone e escrevi no papel o endereço do email. Mas fui sempre curto e grosso na conversa de tal forma que, quando lhe estiquei a mão para me despedir e desejar-lhe a continuação de boa viagem, ele tratou-me com a deferência de quem tinha acabado de receber um favor.
Dois segundos depois, o que equivale a três passadas de cada um de nós em sentidos opostos, chamou-me e, enquanto fazíamos o caminho de volta, pediu-me para lhe dar “algum” para ele poder compensar a rapaziada que trabalhava com ele pois “eram uns gajos porreiros”. Fiz-me desentendido, como se tivesse acabado de ouvir um árabe a falar, e obriguei-o a repetir tudo o que tinha dito. “É pá, de vez em quando tenho que dar alguma coisa à rapaziada, veja lá o que tem aí na carteira, não precisa de ser uma fortuna”; e tentou sorrir dando um ar natural à sua cara de vendedor de quinquilharias. Abri a mala do carro e disse-lhe para ele tirar lá de dentro os farrapos que na minha casa o guarda-roupa estava cheio de casacos de peles, de crocodilo e de búfalo, desde que comecei a viajar para África ainda ele trabalhava no tal lugar onde nos conhecemos. Bem o disse e bem melhor e mais rápido o fez.
Voltei-lhe as costas, fechei o carro e fui pagar o combustível. Estava tão admirado comigo mesmo, pela forma como me deixei ser actor daquele filme, que desliguei de tudo à minha volta e nem vi se havia mais alguém dentro do carro; se ele arrancou à papo-seco; se ainda ia com aquela cara de farsante que eu topei logo que começou a abordagem, enfim, acabei por levar tão a sério o meu papel de vítima que não consegui a serenidade suficiente para aproveitar os últimos momentos da cena e ficar a observar o milhafre depois de ter perdido a luta com o pardal.
*Paro, mas, se posso, não gasto um cêntimo na loja. Os preços das estações de serviço são uma barbaridade e eu faço questão de não ajudar a alimentar o monstro.

quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012

Um trabalho de formiga


Esta quinta-feira, dia em que esta edição chega aos leitores, O MIRANTE vai entregar a 11 personalidades da região uma distinção que visa premiar o mérito e a defesa dos valores da solidariedade, do trabalho e da cidadania.
Numa altura em que vivemos um dos piores momentos no sector da comunicação social, e parece que o pior ainda estará para vir, O MIRANTE mantém a sua posição de líder regional, e de jornal de referência, praticando um jornalismo de proximidade que é cada vez mais raro nos tempos que correm.
As televisões repetem até à exaustão as mesmas notícias e a grande maioria dos jornais de referência pratica cada vez mais um jornalismo de agência produzido na maior parte dos casos à secretária com ajuda do telefone e da internet.
Num mundo em que a realidade muda todos os dias, e as marcas brancas começam a dominar os mercados de consumo, poupando aos empresários o custo da publicidade, os jornalistas são uma classe aparentemente em vias de extinção se é que alguma vez estiveram verdadeiramente organizados como classe.
Para a grande maioria dos jornalistas os problemas das empresas estão por conta dos empresários; mas pensar assim é iludir a realidade. Os problemas das empresas de comunicação social são um problema que, cada vez mais, lhes diz respeito.
As dívidas que afectam a vida das empresas limitam a acção dos jornalistas em qualquer parte do mundo livre e democrático. Para se ser independente numa profissão não se pode trabalhar numa empresa onde os administradores andem de mão estendida, ou de joelhos, para gerarem receitas.
Há sete anos, quando organizamos pela primeira vez a entrega dos prémios Personalidade do Ano, participei num encontro de jornalistas e tomei boa nota do recado de alguém que, em jeito de aviso à navegação, disse que os jornalistas têm que dar mais importância às notícias de proximidade, sacrificando se necessário as entrevistas e os depoimentos sem valor, trabalhando sem descanso e diariamente as notícias para os colegas editarem em cima do acontecimento de forma a criarem hábitos de leitura que, por sua vez, fazem gerar vendas e receitas de publicidade.
Sete anos depois deste encontro, na semana em que os jornalistas de O MIRANTE entregam mais uma vez os prémios Personalidade do Ano, é justo dar testemunho do êxito da nossa empresa e do trabalho de equipa que temos desenvolvido, assim como do sucesso editorial e comercial que constituem as três edições de O MIRANTE em papel e, diariamente na internet, onde somos igualmente a única referência a nível regional.

quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012

Voltar à aldeia


Os habitantes de uma aldeia conhecem-se pelo rosto mas também pelas costas, pelo jeito de andar, pelo timbre da voz e, muitas vezes, até pela roupa. Hoje, como ontem, nas aldeias do interior as pessoas cumprimentam-se com o olhar, breves resmungos e caras sem vergonha. Mas daí a pouco, na taberna, no café ou na mercearia, já se riem e trocam afectos, e falam dos filhos e dos problemas caseiros como falariam com os mais íntimos da família.
Na aldeia as pessoas abraçam-se no meio da rua para se cumprimentarem em situações especiais de lamento pela perda de um familiar; numa situação de doença; pela alegria de alguém que anunciou uma gravidez; que vai casar; que conseguiu o emprego da sua vida ou a casa dos seus sonhos.
Não tenho facebook, nem vou ter, porque gosto de ser do contra e tenho horror a modas e exposição demasiada. Para mim a melhor rede social é sair à rua e usar esta cara de pau que Deus me deu mas também este sorriso e esta alegria que é viver a duzentos à hora sem paragens nem interrupções.
Numa destas manhãs frias e ventosas, em que o sol aquece como uma lareira as ruas pouco movimentadas da minha terra, encontrei a dona Lourdes e dei-lhe um abraço que ela logo entendeu como os pêsames pela morte recente do marido.
Ficamos ali, primeiro no meio da rua, depois na esquina, dez ou quinze minutos a falar de outros tempos e das mil recordações que povoam a nossa memória.
E, como no fim tudo são borras, a dona Lourdes contou coisas que parecem mentira e, no entanto, passaram há tão pouco tempo, e algumas delas foram de tal modo vividas e sofridas que até se estranha como se esquecem tão depressa.
O meu marido chegou a percorrer de bicicleta 60 km todos os dias para ir e vir do trabalho; não podia chegar cinco minutos atrasado porque isso seria motivo de vergonha perante o patrão e razão para despedimento; às vezes não tinha luz na bicicleta e fazia o caminho sempre de noite, tudo isto durante mais de três anos, ou 30 anos, se contarmos outros caminhos e fizermos a conta a outra distâncias percorridos depois das habituais 10 horas de trabalho.
O Manuel “Travessa” era o pintor que há mais de trinta anos disputava com o Joaquim Pimpão o lugar de melhor profissional da Chamusca; e foi ele, com o Jorge “Faca”, que há três décadas pintou a minha casa nova comprada quando não havia dinheiro nem fiadores. Morreu recentemente. Pelo que me lembro dele deve ter morrido a trabalhar já que era o que mais sabia fazer. A dona Lourdes diz que ele morreu em grande sofrimento mas é claro que, para mim, ele morreu como eu ainda me lembro dele; em cima da escada a dizer-me que a minha casa ia ficar um mimo, e que eu era um tipo com sorte por ter uma casa no meio da vila que mais parecia a moradia de um homem abastado, enquanto, de verdade, eu não passava de um jovem e pobre rapaz filho do Eugénio Emídio.

quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

Santarém é uma vergonha


Santarém é um planalto em tempos muito cobiçado por gentes das mais variadas classes sociais. Cidade dominante de uma lezíria que é das mais belas do mundo, com um rio aos seus pés que ainda permite o acesso, sem restrições, em qualquer lugar das suas margens.
É este planalto, habitação dos povos mais antigos da Europa, morada de rainhas, reis e príncipes, sepulcro de Pedro Alvares Cabral, que um dia destes pode ser ocupado, no seu todo, por uma tenda de circo a fazer crer no circo como a diversão principal do nosso povo e da classe política e intelectual.
Vai por aí um burburinho por causa da passagem do governo da presidência da câmara a tempo parcial. Os locais, à falta de assuntos que sirvam para molharem os beiços, aproveitaram o facto político para reacenderem os altares da má-língua. E os actores de cena, como é normal em tempos de crise de valores e de espectadores pagantes, enfeitam-se de substantivos e adjectivos e toca de malhar no capacete onde se refugia a cabeleira piolhosa dos arautos e uma ou outra careca mais lustrosa mas nem por isso menos sebenta.
Com todo o respeito que tenho pelos planaltos de Abrantes, Ourém, Torres Novas, e até da Chamusca, que, embora não tenha um planalto amuralhado, tem algumas colinas que parecem castelos sonhados, com todo o respeito por Almeirim que é a rainha das cidades da lezíria, ou pela Golegã que é a vila ribatejana mais famosa no mundo, enfim, com toda a consideração que me merecem as Azinhagas das nossas vidas, o planalto de Santarém é, sem dúvida, aquele que mais me preocupa neste momento por causa dos efeitos nefastos da mais do que avistada tenda de circo que promete transformar a cidade numa aldeia das caneiras.
Embora não tenha sangue árabe, nem me passe pela cabeça que alguns dos meus antepassados estejam enterrados por debaixo das muralhas da scalabis, gosto desta cidade como se fosse terra do meu berço. Por isso preocupa-me que o planalto se transforme num lugar de espectáculos, num auditório de actores e espectadores.
Na semana em que Moita Flores anunciou o governo em regime de não exclusividade (só faltava anunciar porque o seu governo foi quase sempre assim), O MIRANTE fez manchete de mais um processo do CNEMA contra a câmara tentando gamar dos seios da autarquia mais uns tantos milhões recorrendo ao tribunal que é sem dúvida o local mais apropriado para, em tempos bárbaros, morder as tetas e chupar o leite que ainda resta da fêmea miserável que já foi mãe dos mais inusitados bezerros sagrados da política local.
Uma vergonha; um impropério à cidade e a quem cá vive e trabalha todos os dias e gosta da terra como gosta da família. Esta gente do CNEMA merecia uma população a tempo inteiro, feriados, sábados e domingos incluídos, contra o assalto que fazem aos nossos interesses e por tudo o que não fazem com aquilo de que se apropriaram e que é do povo de Santarém e da região.