quarta-feira, 28 de julho de 2010

Mais diplomatas e menos políticos

Há meia dúzia de anos visitei a Roménia integrado numa comitiva de empresários e autarcas do Cartaxo. Em Bucareste, na hora de reunir com o Cônsul de Portugal naquele país, ouvi da boca do diplomata um conselho surpreendente. Atenção, meus caros amigos, se vêm para investir na Roménia cuidado com as parcerias. Como sem parcerias não há investimento o segredo é escolher os melhores parceiros. Como a democracia na Roménia ainda é muito frágil, e o poder político domina o poder judicial, na hora dos conflitos, que os vossos futuros sócios acabarão sempre por provocar, quando mais lhes convier, lá se vão os vossos anéis juntamente com os vossos dedos.
Não me lembro do nome do diplomata nem sequer da cara que ele tinha e ainda há-de ter. Mas lembro-me de ter ficado siderado pela revelação já que ele punha em causa a nossa viagem que, embora também fosse cultural, tinha o investimento como grande objectivo.
Lembrei-me deste episódio quando li recentemente nos jornais o repto do Presidente da República, Cavaco Silva, apelando aos empresários portugueses para que invistam em Angola. Conhecendo como conhecemos a situação política daquele país, Aníbal Cavaco Silva só pode estar a brincar com os empresários portugueses que não conhecem a realidade angolana. Os que conhecem não vão para lá investir e se vão levam as costas quentes como é o caso das grandes empresas portuguesas dominadas por empresários que têm o telemóvel do primeiro-ministro seja ele qual for.
O que me espanta neste apelo, feito em visita oficial com fato e gravata e, provavelmente, num grande ambiente de troca de prendas, é este descaramento do político que exerce o mais alto cargo da Nação. Invistam em Angola diz Cavaco Silva. Com a actual situação política, social e económica daquele país, apetece dizer que vá para lá ele com os seus filhos e os seus netos e todos os seus amigos.
Não tenho nada contra os angolanos. Gosto do país e conheço pessoas que me falam daquele território como eu falo da minha terra. Mas factos são factos. Os angolanos têm uma esperança de vida que se situa em média nos 38 anos. E não há liberdade para circular nas estradas de todo o país quanto mais para escrever poesia ou cantar a Grândola Vila Morena.
Por fim: um diplomata, um simples diplomata anónimo a trabalhar num país da Europa, consegue ter mais juízo político que um Presidente da República em visita oficial a um país governado com mão pesada, por uma família que jamais deixará o poder de livre vontade. E que deve ser mais rica que todo o povo angolano junto.

quarta-feira, 21 de julho de 2010

Bater no ceguinho

Na passada segunda-feira comecei o meu dia parando 15 minutos junto ao balcão da antiga relojoaria Silva, tempo suficiente para começar o dia a ouvir a dona Maria do Carmo Delgado a lembrar-me crónicas de que já nem guardava memória. Tinha a cabeça cansada e tirei a manhã para visitar algumas capelinhas onde gosto de rezar pela minha saúde mental. Da Chamusca segui para a Golegã onde me sentei em cima de um tractor alimentando a ideia de que um dia destes perco a cabeça e compro uma máquina daquelas para fazer o gosto ao dedo. No Entroncamento entrei numa casa de electrodomésticos mas foi numa loja de fotografias que encontrei conversa. Primeira grande proposta do dia: uma página em O MIRANTE só para falar de moda e da noite na região. Depois de um café e mais meia hora de conversa passei por um viveirista em Torres Novas e fui saber o que é que se pode plantar nesta altura. Como se não soubesse fui encontrar as plantas e as flores envasadas ao preço do ouro. Fiquei por ali meia hora a cheirar a terra molhada e a planear o pomar da minha vida.
O telemóvel ia tocando mas nada que me roubasse a atenção. Mudei de número e de endereço de e-mail há cerca de um ano e a minha vida ganhou qualidade.
Entrei em dois concessionários de automóveis e pela enésima vez perguntei o preço de uma carrinha 4X4 de caixa aberta. Um dia vou comprar para deixar de lado o meu velho Volvo mas, até lá, ainda vai correr muita água por debaixo das pontes. Passei por uma empresa na zona industrial de Santarém e sentei-me na cadeira do administrador a falar sobre a vidinha. Aquele homem viajou comigo um dia pela Europa e levava um livro na mão que depois me ofereceu e que marcou a minha vida. Trouxe duas garrafas de vinho e um abraço do reencontro com alguém que, apesar das diferenças, tem o mesmo gosto pela vida.
Entrei depois em mais duas empresas com as portas meio abertas. Não encontrei quem procurava mas espreitei a crise pelo buraco da fechadura. É graça de Deus termos sensibilidade e juízo para aprendermos com os erros e os espalhanços dos outros?
Às duas e meia da tarde estava num restaurante do centro da cidade de Santarém a comer cerejas depois de meio prato de bacalhau com grão. Senti-me cansado e fui buscar ao fundo da gaveta a memória de que o meu dia fora de casa tinha começado ao balcão da farmácia onde trabalha o sportinguista mais descrente que existe ao cima da terra; no domingo transpirei com uma enxada nas mãos e deixei secar a roupa no corpo. Resultado: estou com um pigarro na garganta e pelo que conheço de mim vem aí constipação pela certa.
Espanto-me por saber que sou amigo de gente de espírito livre, e libertário, que é leitora assídua de livros de auto-ajuda. Tenho duas crónicas escritas a dizer mal. Esta manhã de convívio, apesar do cansaço, deu-me a volta ao espírito. Recuso-me ser advogado do diabo. Antes uma crónica narcisista que maldizente só porque sim e é fácil bater no ceguinho.

quarta-feira, 14 de julho de 2010

A falência dos empresários

José Eduardo Carvalho (JEC), presidente da NERSANT, tem vindo a apelar junto dos empresários da região para que se juntem ao coro de protestos contra as políticas dos últimos governos na relação com as empresas. Na última reunião em que estive presente, na passada semana, o seu discurso foi de tal forma cáustico e alarmante que provocou entre os seus pares comentários do género “acalme-se lá senhor presidente que nós não podemos fazer figura de revolucionários”. JEC respondeu num tom que já lhe oiço há algum tempo. “Nesta altura a situação é tão má que é impossível passar entre os pingos da chuva. Ou saímos em defesa dos nossos interesses ou vamos ficar atolados. Não podemos ser coniventes com as desgraças que estão a matar as empresas. Se isto continuar como está é certo que vamos morrer na praia se não morrermos entretanto na forca”. Foi assim que se expressou o líder dos empresários da região que é sem sombra de dúvida o único líder regional a fazer-se ouvir regularmente e o único que consegue falar e ser ouvido para além das fronteiras de um só concelho.
Embora não tenha uma boa impressão sobre a maioria dos empresários, concordando no entanto que há uma minoria que faz a diferença, percebo cada vez mais que a crise está a ter bons efeitos na forma como olham para a sociedade e como devem comportar-se nas relações com a comunidade e os governos, sejam eles quais forem.
Este grito de revolta de JEC, que certamente vai aumentar à medida que aumentarem o número de falências das empresas, e as actividades criminosas da banca e de outras instituições, como é o caso dos tribunais que sendo tão lentos, impedem o funcionamento a tempo e horas de qualquer justiça. Este grito de revolta vai tornar ainda mais ridícula a acção dos sindicatos, da maioria dos sindicatos, e de alguns protestos contra os patrões.
Para que a região e o país tenham futuro é preciso que as empresas e os empresários cuidem bem dos seus interesses e não se deixem esmagar pelo Estado, e pela banca, de forma a que continuem a manter e a criar empregos, continuem a dinamizar a vida social e económica da região onde se inserem, e mantenham uma produção de bens e serviços que seja concorrencial com as das grandes empresas internacionais que, surpreendentemente, inundam o nosso mercado e não têm nome nem rosto.
É dos lucros das empresas que vem aquilo que a sociedade precisa que é o emprego. Mesmo numa altura em que tanto se fala nos compromissos dos empresários com a biodiversidade, a sustentabilidade e a acessibilidade, a maior responsabilidade social que se pode pedir aos empresários é que cuidem em primeiro lugar dos seus próprios interesses. Se deixam falir as suas empresas a este ritmo adeus região e adeus Europa.

quarta-feira, 7 de julho de 2010

O ridículo pode matar

Há situações ridículas que nos chocam e nos obrigam a dar a mão à palmatória. A Câmara de Santarém pagou recentemente duas facturas de vinte euros a um fornecedor do concelho a quem deve cinco mil há muito tempo. O recibo foi emoldurado no dia em que chegou à empresa para que todos os seus clientes o vissem e dessem conta do ridículo.
Não é a primeira vez que sou abordado por munícipes para me darem conta da dimensão do monstro que é a Câmara de Santarém. Conheço e tenho boas relações com uma pessoa próxima de Moita Flores que já me confidenciou que a solução para acabar com os podres na câmara era denunciar os incompetentes e trazer os casos para a praça pública. Mas para isso era preciso muita coragem política e muita gente a trabalhar para depois haver quem substituísse os incompetentes. Foram muitos anos de regabofe e há muito engenheiro e doutor que ganhou poder por falta de autoridade dos autarcas anteriores. E não é agora pelos lindos olhos de Moita Flores que vão mudar. Não basta ter poder político e autoridade moral e intelectual para gerir, nos dias de hoje, a Câmara de Santarém. É preciso ter uma equipa. E neste capítulo Moita Flores está muito mal. Não só não tem equipa que lhe valha como não tem gente na câmara disposta a aceitar as mudanças de regras. Rui Barreiro e a sua cambada de actores políticos, que o acompanharam e dele viveram e se sustentaram ao mesmo tempo, deixaram a autarquia dinamitada e em risco de falência. Não foi a falência financeira que Rui Barreiro tanto gritou e berrou quando roubou o poder dentro do PS ao seu camarada Noras e depois conquistou a câmara. O que ele deixou como herança a Moita Flores, para além da quase falência financeira, foi a falência moral. A falta de valores e de ética por parte de grande parte daqueles que têm o poder nas mãos ao desempenharem cargos na administração pública sem a vigilância informada e sabedora daqueles que detêm o poder de mandar e fiscalizar.
O gabinete de Comunicação Social da câmara tem mais funcionários que os dois jornais locais que se editam na cidade. Nem por isso a câmara tem uma mailing-list actualizada para enviar aos agentes do concelho. Falo no gabinete de comunicação social e na falta de vergonha que é sustentar um gabinete daqueles, não por falta de coragem para escrever sobre os outros mas porque nada sei sobre os outros e tudo é tão secreto nesta autarquia que até para nos enviarem uma cópia de uma conta-corrente precisamos de meter um requerimento ao Presidente da República.
Uma literacia actual inclui nos seus “elementos básicos” as matemáticas, a música, a arquitectura e a biogenética. Lembro-me sempre deste conceito de Steiner, que considero actual, quando sou obrigado a dar a mão à palmatória no exercício da minha cidadania.