quinta-feira, 29 de novembro de 2018

Em defesa da Lezíria e da Charneca

O caso de Mação é de bradar aos céus. O território foi dizimado pelos fogos como foram tantos outros mas, como não morreu ninguém, o Governo tratou os maçaenses como portugueses de segunda.


A forma como os actuais governos das nossas terras se alheiam dos problemas da Lezíria e da Charneca fazem lembrar os tempos antigos quando todos nós já nascíamos com o destino traçado. O fenómeno Arlindo, mais conhecido como o guardião do Tejo, que acaba de ser distinguido com um prémio de dimensão nacional pela sua defesa do Ambiente, leia-se rio Tejo, é o melhor exemplo de que nos podemos valer para escrevermos sobre a nossa terra e os nossos problemas.
Os autarcas, a maioria deles, ainda não sabem muito bem como lidar com os problemas do rio Tejo, o montado de sobro, os pinheiros e os eucaliptos que, em conjunto, fazem do território ribatejano um dos mais ricos do mundo e único em certas culturas como é o caso dos sobreiros.
As câmaras municipais deviam juntar-se para pagarem a quem estuda estas áreas e depois intervirem junto do Governo pedindo políticas de defesa dos territórios. A charneca está a tornar-se, em muitos casos, terra de plantação de lucro rápido. E não pode. Ou não deve. Embora, cada vez mais, cada um faz o que quer valendo-se dos fracos governantes e das suas fracas forças. O caso de Mação é de bradar aos céus. O território foi dizimado pelos fogos como foram tantos outros mas, como não morreu ninguém, o Governo tratou os maçaenses como portugueses de segunda na atribuição de ajudas.
Este prémio nacional que o guarda prisional de profissão, chamado Arlindo Consolado Marques, vai receber pelo seu trabalho voluntário em defesa do rio Tejo, que é o rio das nossas vidas, não devia deixar a pensar os nossos governantes de proximidade e obrigá-los a unirem-se pelas causas comuns?
Estratégia territorial que inclua defesa do ambiente, preservação dos valores culturais, sociais e económicos, o combate ao crime, à desertificação e a fixação de população, entre outros, são projectos facilmente financiados pela Comunidade Europeia e de forma inteligente  aproveitados por outras autarquias de países mais desenvolvidos da Europa. JAE

quinta-feira, 22 de novembro de 2018

Fazer acontecer

Os leitores são os melhores Provedores de um jornal. O MIRANTE é um dos jornais portugueses que faz a diferença na relação com os leitores

O desafio desta crónica é escrever sobre os leitores de O MIRANTE e a importância das suas mensagens. A dona Joaquina está no centro de dia na Misericórdia de Santarém e telefonou-me um dia destes para o número fixo do jornal para me dar um abraço e deixar um recado afectuoso sobre o que pensa do nosso trabalho. Conhecemo-nos de longa data embora sejamos de épocas um pouco diferentes. Os afectos que sempre trocamos em tempos passados foram os de vizinhos que se vigiam embora cada um para seu canto. Eu morava no alto da vila e ela sempre morou, do que me lembro, na parte baixa. Quando recebi o recado, ao chegar de um dia na rua, pensei: vou visitá-la e dar-lhe um abraço e um beijo. Um dia quando estiver no lugar dela vou gostar de me lembrar, de memória cheia, das pessoas que me pintaram os olhos de verde. Entretanto o tempo passou e a promessa ficou por cumprir. Quando lá for, espero que seja muito em breve, já tenho mais um motivo de conversa.

O MIRANTE promove como poucos jornais em Portugal uma política editorial que permite a colaboração dos leitores nomeadamente com sugestões para reportagem ou notícias. Um jornal de serviço público tem obrigação de ficar atento e abrir as suas páginas aos leitores quando eles são colaborantes e, muitas vezes, nos metem pelos olhos dentro assuntos que de outra forma nunca seriam notícia.
Nem sempre os leitores ficam satisfeitos com o resultado do nosso trabalho; e há alguns que se manifestam de forma ruidosa, usando um vernáculo pouco apropriado para quem pediu ajuda ou, simplesmente, cumpriu a sua obrigação cívica. Quando não gostam, em vez de continuarem o diálogo com a redacção do jornal, partem para a ofensa e a depreciação do trabalho por não ter sido feito do jeito que sugeriram. Não é preciso bater mais no ceguinho para constatar que qualquer matéria editorial pode ter vários capítulos; e os jornalistas não são verbos de encher para os leitores como não são para qualquer outra entidade.
Os melhores provedores de um jornal são os seus leitores. Para cumprirem bem esse papel têm que perceber a importância da sua participação, ou colaboração com o jornal, e a missão do jornalista que está quase sempre na pele do operário. JAE

sábado, 17 de novembro de 2018

José Saramago: um escritor de dimensão planetária que nasceu no Ribatejo

Vítor Guia não pode adiar mais a criação dos Caminhos de Saramago e José Veiga Maltez deve mostrar empenho na abertura diária do pólo da Fundação Saramago, na Azinhaga.


José Saramago morreu há mais de oito anos e no entanto está mais vivo do que nunca. Nas últimas semanas saíram para as livrarias quatro livros que testemunham a importância do seu legado e a excelência da sua Obra literária. “Cadernos de Lanzarote”, sexto e último volume, com textos de há 20 anos encontrados no seu computador por um estudioso da sua obra; “Rota de Vida”, uma biografia da autoria de Joaquim Vieira que é um autêntico tijolo (750 páginas), um livro que promete uma viagem à intimidade do autor de “Memorial do Convento”; “Por Saramago”, da jornalista Anabela Mota Ribeiro, um belo livro que reúne entrevistas e fotos da autoria de Estelle Valente; “Um país levantado em alegria”, de Ricardo Viel, que refaz o caminho da notícia do anúncio do Nobel, revelando episódios desconhecidos e dando a conhecer mensagens recebidas por José Saramago. O autor foi a pessoa a quem os jurados pediram ajuda para fazerem chegar a mensagem da atribuição do Nobel.
José Saramago é adorado em vários países do mundo; no Brasil e no México, só para citar duas grandes nações, há uma espécie de adoração pela figura e pela obra de José Saramago. Nada que se compare a Portugal onde os seus livros vendem, apesar de tudo, mas onde ainda hoje é vítima de inveja e desprezo que são, em grande parte, atribuídas à acção da Igreja que não gosta dos livros do escritor. A militância comunista também terá a sua parte.
José Saramago mudou-se de Lisboa para a Ilha de Lanzarote (Espanha) devido à censura que o Governo português resolveu fazer a um dos seus livros candidato a um prémio europeu. A figura inquisidora da altura era sub-secretário de Estado adjunto da pasta da Cultura. Um caso que vai ficar na História e que mostra de um lado o país progressista que nasceu com o 25 de Abril de 1974, e do outro o país salazarento representado por um indivíduo chamado Sousa Lara.
Vítor Guia, o presidente da Assembleia Municipal da Golegã, não pode perder tempo a criar o já anunciado projecto dos Caminhos de Saramago.
José Veiga Maltez, o presidente da Câmara da Golegã, deve acompanhar e incentivar a abertura diária do pólo da Fundação Saramago, na Azinhaga, para que o seu concelho beneficie, como merece, da dimensão planetária da figura do autor de “Jangada de Pedra”.
Uma última nota sem importância: José Saramago nasceu a 16 de Novembro data da fundação de O MIRANTE. JAE

sexta-feira, 9 de novembro de 2018

A lembrança de Alberto Dines; um jornalista que foi um exemplo

Dizer mal é muito mais fácil que dizer bem. Somos todos muito valentes a dizer mal de tudo e de todos mas falta-nos a coragem para escrevermos a dizer bem. Numa viagem recente encontrei pelo caminho a notícia da morte de Alberto Dines, uma figura famosa do jornalismo em língua portuguesa que conheço desde a fundação de O MIRANTE e que, ao longo destes últimos 30 anos, fui homenageando dando a ler centenas de vezes algumas páginas do livro “O papel do jornal e a profissão de Jornalista” que é a verdadeira Bíblia da nossa profissão. Está lá tudo aquilo que precisamos de saber para nos orientarmos. No dia em que descobri este livro cresci meio metro. E nunca mais larguei as sábias palavras de Alberto Dines que, para além de grande jornalista, foi uma figura marcante da cultura brasileira; deve-se a ele a escrita de uma das melhores biografias sobre Stefan Zweig ( Morte no Paraíso) , e à sua iniciativa a fundação em Petrópolis da casa museu do escritor austríaco, autor de “O mundo de ontem”, um relato autobiográfico de uma vida e de um mundo que devia ser leitura obrigatória em todas as escolas.
Alberto Dines morreu a 22 de Maio com 86 anos. Apesar de ter vivido em Portugal durante sete anos, a trabalhar como jornalista e pesquisador ( é da sua autoria o livro Vínculos do fogo – António José da Silva, o Judeu, e outras histórias da Inquisição em Portugal e no Brasil), a sua morte passou completamente despercebida em Portugal. Só um jornal noticiou a sua morte num obituário de meia dúzia de linhas.
Alberto Dines foi autor de mais de 15 livros, jornalista durante mais de meio século, professor universitário, fundador do Observatório de Imprensa, impulsionador do Provedor dos Leitores nos jornais brasileiros, director de várias publicações, uma figura ímpar no jornalismo brasileiro que lhe rendeu justa homenagem na hora da sua morte.
Apesar de considerar que alguns dos conselhos, publicados no livro “O papel do jornal”, valem apenas como peças de museu, ficam aqui meia dúzia deles que provam exactamente o contrário: “Se estão todos olhando para o céu, dê uma olhadinha para o chão. Certamente encontrará assuntos que os competidores estão descurando”. “Não se agarre a posições hierárquicas. O jornalismo é uma das poucas actividades em que a criatividade e a inquietação só fazem bem, sobretudo aos chefes”.” Participe mas alheie-se. Só assim você terá dimensão e isenção”.” A grande regalia de um jornalista é poder dispensar as regalias”. “ Para fazer bom jornal é preciso matéria para três. Jornalismo é depuração e síntese”.” Há um quociente de humildade necessária à profissão. A busca de poder, opulência e importância é antagónica ao espirito jornalístico”. “Os leigos em geral adorariam ser jornalistas. Desde que não precisassem sair à rua à procura de informação, escreve-la rapidamente, trabalhar à noite, aos domingos e feriados”. “Tudo o que é difícil de ser composto é difícil de ser lido”. ”Vale mais ser um repórter feliz o resto da vida que um executivo bem pago e infeliz”. “Se você quer uma boa referência para a edição de amanhã veja com atenção a que você publicou hoje” ( : ) JAE

sexta-feira, 2 de novembro de 2018

A tradição de pedir bolinhos e estender a mão à caridade

Estender as mãos à caridade, ou a favor de alguém, abala a nossa vida para sempre desde que saibamos aprender a lição. Se não soubermos de nada vale a experiência e o sentimento da vergonha.


Esta edição de O MIRANTE sai a 1 de Novembro, dia de comemorar o “Pão por Deus” que eu revi (vi) recentemente na internet a fazer pesquisa para um artigo de reportagem.
Se eu disser aos adolescentes de hoje que andei a pedir bolinhos, porta a porta, no dia de pedir “Pão por Deus”, eles riem-se porque acham graça mas não sabem nem percebem o que está por detrás desta tradição e o que ela representa na vida de uma criança.
Na altura éramos (quase) todos pobres. E pedir era uma necessidade, também uma graça, derivada de um estado de espírito que nos tornava mais humanos.
Estender as mãos à caridade não é para todos. Há quem prefira morrer de fome, ou matar-se, ou enlouquecer, e assim não ter que dar contas das suas fraquezas (ou da sua força a menos). Estender as mãos à caridade, ou a favor de alguém, abala a nossa vida para sempre desde que saibamos aprender a lição. Se não soubermos de nada vale a experiência e o sentimento da vergonha; o que se aprende não deixa marcas.
Alguns dos meus melhores mestres foram aqueles que me humilharam; em criança e já em adulto. Sempre aprendi mais no infortúnio do que na sorte (embora seja um sortudo); Levei uma vida inteira a sublimar o que em criança todos os dias repetia a caminho de casa, rua do Vale acima, depois de ver a televisão no café do Checa ou na sede do Sporting: nunca hei-de ser humilhado como foram os meus avós e muitos Homens do seu tempo. Claro que fui; e ainda sou; mas todos os dias trabalho e luto para que seja cada vez menos.
Lembro-me de ir de porta em porta pedir mas também me lembro do tempo, ainda de criança, em que deixei de ter coragem para o fazer. Não me perguntem o que sentia; só sei que não achava mal mas que não era para mim. Se eu quisesse comer broas, romãs, nozes e figos tinha que os merecer. Não sei se era assim que eu me explicava a mim mesmo; mas é assim que guardo a lembrança de me ter recusado pela primeira vez a pedir bolinhos no Dia de Todos os Santos. Não me lembro quantos anos tinha mas tenho a certeza que ainda usava calções e andava descalço com orgulho de ter umas botas em casa que me magoavam os pés.
JAE