quinta-feira, 22 de setembro de 2022

A “paixão política” na semana em que Francisco Moita Flores voltou ao escrutínio do tribunal

A “paixão política” de Alexandra Leitão, Moita Flores e Paulo Queimado na semana em que o ex-presidente da Câmara de Santarém voltou a ter o tribunal à perna, desta vez a seu favor, o que não vai impedir que o escrutínio dos seus dez anos de autarca em Santarém continue na justiça. 


A política sem paixão é uma chatice. Roubo a ideia, embora não a frase, a Alexandra Leitão (ministra do penúltimo Governo de António Costa), actual presidente da Comissão Parlamentar para a Transparência e última cabeça-de-lista pelo PS no distrito de Santarém. O facto de Alexandra Leitão ter sido excluída do actual Governo, numa decisão política que surpreendeu muita gente, criou orfandade no distrito já que Alexandra Leitão está a ocupar um lugar na Assembleia da República que, em princípio, estava  destinado a um político da região.

“A política técnica, em que se defende isto como se poderia defender aquilo, sem levantar a voz, nem dizer nada fora do sítio, isso não é para mim. A maior parte das pessoas até pode achar que fui excessiva, mas pelo menos vê paixão. Houve momentos em que me beneficiou, como na história dos colégios amarelos, outros em que me prejudicou”, diz ainda Alexandra Leitão numa entrevista ao Expresso da edição de 28 de Agosto.

Interessa-me a boleia que a ex-ministra me dá para falar aqui de paixão política que é aquilo que não vemos na maioria dos políticos locais, uma boa parte deles rendidos a uma pobreza franciscana que mete dó. Os partidos deviam obrigar os seus autarcas a justificar as suas aldrabices, assim como os deputados deviam dar contas públicas dos negócios pessoais que andam a fazer enquanto negociam as políticas do país com os directores gerais da administração do Estado.

Interessa-me, e dá-me algum gozo, ouvir alguns políticos comentarem a forma desabrida como às vezes O MIRANTE escreve sobre o trabalho do presidente da Câmara da Chamusca, Paulo Queimado. A maioria fala do assunto como se o jornal tivesse feito deste político socialista um Sancho Pança, embora menos gordinho e sem espada nem chapéu. De verdade Paulo Queimado gere um concelho que está quase miserável, onde os preços das casas baixaram para metade do que se pratica na Golegã, uma vila que fica a cinco quilómetros e apenas serve de exemplo. Paulo Queimado é visto no meio político como um pobre coitado, mas a verdade é que lhe deram a presidência de uma associação de municípios, com os resultados que se conhecem. É aqui que eu queria chegar; se houvesse paixão na política Paulo Queimado já tinha levado um puxão de orelhas dos responsáveis pelo Partido Socialista e ou se emendava ou tinha que andar pela Chamusca com as orelhas no chão. 

Esta semana nas várias conversas sobre o futuro aeroporto de Lisboa, e a possibilidade de vir para o concelho de Santarém, ouvi dois ou três comentários que me desagradaram. Todos relativamente aos escritos que de vez em quando trazem a lume a gestão autárquica de Paulo Queimado e, ultimamente, a do presidente da assembleia municipal, Joaquim José Garrido, que anda a facturar à grande e à francesa com a autarquia onde é a figura política com mais representatividade.

Falo do assunto na semana em que Francisco Moita Flores foi absolvido em tribunal da acusação de prevaricação e de participação económica em negócio. No acórdão lido no dia 14 de Setembro no Tribunal de Santarém pela presidente do colectivo de juízes, Francisco Moita Flores foi absolvido por não ter ficado provado durante o julgamento que teve intenção de beneficiar a empresa que realizou as obras e de prejudicar o município. 

A verdade é que a presidente do colectivo de juízes, Raquel Rolo, apontou a forma negligente como o município conduziu o processo de contestação da acção administrativa interposta por uma empresa para ser ressarcida das obras realizadas, reivindicando um valor de perto de dois milhões de euros, a qual a autarquia perdeu por ausência de contestação. 

A paixão política de Francisco Moita Flores, que durou cerca de dez anos em Santarém, está a ser escrutinada em tribunal e pelo que parece vai continuar a ser nos próximos anos. É um triste fim político de uma figura do comentário televisivo e da literatura, que demonstrou pouco jeitinho para defender aquilo que tanto criticou e ainda critica na praça pública com as suas palavras melosas mais o seu feitizinho odiento e vingativo. JAE.

quinta-feira, 15 de setembro de 2022

Santarém podia estar para Lisboa como Braga para o Porto

O presidente da Câmara de Santarém, Ricardo Gonçalves, terá guardado o segredo do projecto do novo aeroporto para a região de Santarém durante os últimos anos para não espantar a caça. Se é verdade, o projecto não pode estar tão atrasado assim que não ultrapasse facilmente a solução do Montijo.

Li algures que a um Homem basta ler e reler durante a sua vida dez bons livros e a sua cultura geral pode não ficar a dever muito a quem lê cem ou mil. Se é verdade, quero crer que não, para mim descobrir livros é como descobrir viagens e concretizá-las. Um desses livros era de Sándor Márai, o autor de “As velas ardem até ao fim” e “De verdade”, o livro que me ocupou os últimos dias de leitura. Assim como a releitura de "Vidas Escritas", de Javier Marías, que morreu recentemente e era um escritor de culto.

Santarém podia estar para Lisboa como Braga está para o Porto. Não sei se a frase é minha se a roubei a alguém mais avisado do que eu. A verdade é que voltei a lembrar-me dela agora que se começou a discutir a hipótese de Santarém ter um aeroporto internacional. Acredito que é possível, mas noventa por cento das pessoas com quem falo regularmente dizem que já viram este filme. O presidente da Câmara de Santarém, Ricardo Gonçalves, terá guardado o segredo deste projecto durante os últimos anos para não espantar a caça. Se é verdade, o projecto não pode estar tão atrasado assim que não ultrapasse facilmente a solução do Montijo que é, certamente, aquela que reúne mais lobby capitalista e a que afundará ainda mais a Área Metropolitana de Lisboa na relação com o território de proximidade, que é a região do Ribatejo, onde há desertificação por mais incrível que pareça.

Quase meio século depois do 25 de Abril as grandes reformas da sociedade portuguesa, nascida com a Revolução dos Cravos, patinam nas instituições do Estado que não conseguem combater os lobbies instalados que sobrevivem do antigo regime. A verdade é que todos escrutinamos os ministros, mas esquecemos que quem manda são os tipos de família que ocupam os lugares de directores-gerais das grandes instituições que distribuem o dinheiro e influenciam as leis. Um Ministro manda zero contra um director-geral ou um presidente de um instituto que tenha as costas quentes e resolva influenciar as decisões de um membro do Governo. O primeiro-ministro é um verbo de encher em 90% das políticas para a gestão do país e para a reforma das mentalidades dos funcionários públicos que, na maioria dos casos, também são “inocentes” porque não têm condições de trabalho.

Por último: a corrupção no seio dos partidos políticos, de que José Sócrates é o grande protagonista, deveria obrigar os novos chefes de Governo a criar uma lei anti-máfia que nunca mais permitisse casos como os do BES, Submarinos, Monte Branco, entre outros. Quem tem credenciais, lutou contra o antigo regime e não vive do Sistema, devia fazer parte dessa comissão. Portugal é um país do tamanho de uma ervilha ao lado de outros onde a organização do Estado é mil vezes mais eficaz com ou sem pandemia e guerra na Ucrânia. JAE.

quinta-feira, 8 de setembro de 2022

"Onde" um livro que é uma viagem por Abrantes, Sardoal e Constância

"Onde” é o novo livro de José Luís Peixoto, um escritor que ama a sua terra e o seu país. Natural e residente em Galveias, concelho de Ponte de Sor, José Luís Peixoto tem uma proximidade com o território do Médio Tejo que o faz viajar por Abrantes, Sardoal e Constância como quem pisa terra dos seus antepassados. Há muita poesia nos textos que percorrem alguns dos lugares e dos monumentos mais conhecidos destes três concelhos ribatejanos.


O livro começa na Praça da República, no Sardoal ( o centro do mundo), e acaba na Torre do Relógio, em Constância, que se tornou “ao longo dos séculos como um coração” a palpitar no centro da vila. O segundo texto é sobre o Miradouro do Cristo Rei, na Matagosa, em Abrantes onde “crescemos sempre que deslocamos o queixo do peito” e onde “a distância é bonita porque nos desafia”. Na Praça Alexandre Herculano, em Constância, o escritor de Galveias desafia os leitores a sentirem-se únicos como os habitantes da vila que são responsáveis pelo desgaste das pedras da rua. Ainda em Constância nas Escadinhas do tem-te bem, “Imaginar e recordar são o subir e o descer da mesma escada”; No Jardim Horto de Camões um texto de homenagem ao poeta mas também a Manuela de Azevedo, “a vila e o poema unidos por uma mulher cujo nome merece ser dito junto aos nomes de Constância e de Camões”. “Inspira, enche o peito com ar do Sardoal, enche o peito com este instante. O que virá a seguir?” Escreve a perguntar o autor de “Morreste-me” falando do Antigo Largo do Ensaio da Música, no Sardoal. Voltando a Constância, para falar da Antiga Torre de Punhete, que já não existe, José Luís Peixoto dirige-se ao leitor, como é habitual ao longo do livro, e diz que afinal a torre existe: “está em ti”.

A mesma ideia acompanha o texto seguinte que fala da Igreja de Santa Clara, em Alcaravela, no Sardoal, que foi construída sobre outra igreja e cuja memória continua no lugar embora só possa ser visível para quem fala e pensa nas coisas que já não existem. No regresso a Constância o escritor visita a Réplica da Fonte Boa, uma fonte construída em cima de outra fonte, “para dar corpo à lembrança” da outra. Ao escrever sobre a Fonte Férrea do Sardoal, o escritor fala da “natureza profunda” onde “há um lugar puro, secreto, onde a água brota com a mesma força com que jorra desta bica”, o mesmo com o Chafariz das Três Bicas, ainda no Sardoal, onde a cor das lendas contorna as bicas do tempo”.

No Tramagal, o Museu da Metalúrgica Duarte Ferreira é pretexto para escrever sobre” patrões que dão nome à fábrica, filhos, netos e bisnetos de todas as pessoas que aqui deixaram a sua vida”. No Alto de Santo António, em Abrantes, "a cidade estende-se sobre o território, obedece às manias do relevo porque esse é o seu sustento”; No Largo Cabral Moncada, em Abrantes, o escritor conta sobre uma "superfície de relvas, própria para receber o céu que nos observa lá de cima, tão próximo"; Regressa ao Sardoal para visitar O Caminho de Memórias e lembrar que "o Sardoal estava aqui antes de todos nós, e enquanto não chegamos o Sardoal esperou por nós"; O Castelo de Abrantes é inspiração para o poeta testemunhar que "Aqui tomaram-se decisões que não chegaram a verbete de enciclopédia", no Jardim do Castelo escreve sobre a presença dos "bancos de jardim para namorar a primavera"; no Miradouro de Fontes, ainda em Abrantes "a distância é uma pergunta", e as mãos "são como uma paisagem"; Na Igreja de Nossa Senhora dos Mártires, em Constância, o lugar serve para observar a vila e registar que "entre nós e o rio, como palavras em silencio, estão as casas"; Um dos textos mais poéticos do livro é sobre o Cais de Acostagem, em Rio de Moinhos, onde “podemos comparar o oceano com o futuro"; Em Constância, no Museu dos Rios e das Artes Marítimas, a mensagem de que "com o barco do museu navegaremos no que fomos". A Igreja Matriz do Sardoal e o seu esplendor lembra que "a fé é uma forma de arte", assim como na Igreja da Misericórdia, no Sardoal, os sardoalenses que passaram debaixo do seu portal “ouviram a pedra a falar-lhes de eternidade, a erosão da pedra a falar-lhe de misericórdia"; O Sobreiro de Montalvo é mais um dos textos inspirados, "porque o mundo é inseparável das árvores" e " todos os gestos podem ser comparados com árvores", assim como o Sobreiro da Dona Maria, no Sardoal, que por ser tão majestoso, levou o escritor a confessar que “estas palavras pertencem à árvore"; E o Eucalipto Grosso, ainda no Sardoal " é como um rio vertical, a árvore puxa a seiva até lá acima. O Sardoal é o seu alimento”. De volta a Abrantes o escritor visita a Oliveira do Mouchão, e escreve: "os séculos da árvore são como um enorme edifício à nossa frente"; Na Aldeia da Pereira, em Constância, o escritor pergunta "como se lê uma palavra a si própria"; No Jardim Soares Mendes, na Bemposta, Abrantes, volta-se a falar do mistério dos caminhos de terra e de água; "são assim os rios, levam consigo um pouco dos lugares por onde passam, adicionam esses lugares ao seu próprio corpo" ; Na Aldeia do Pego, Abrantes, José Luís Peixoto fala " no amor do povo, que é o mais ilimitado que existe", assim como em Valhascos, no Sardoal, visitar a aldeia talvez seja, afinal, visitar " muitas aldeias; " O passado rodeia-nos, alimenta-nos, justifica-nos", escreve o poeta sobre a Quinta de Santa Bárbara, em Constância; "As casas de Martinchel são um modelo do mundo", escreve de visita à aldeia do concelho de Abrantes; O "Roteiro do Vinho ao Pão é pretexto para falar do milagre das videiras, e para concluir que "não há verbos que consigam acompanhar a evolução do verde nas parras, ou a maneira como os bagos se vão insuflando de poupa"; O Parque das Merendas, no Sardoal, é um lugar onde o poeta escreve sobre "gente com os seus enredos" e afirma que "é na conveniência que mostramos quem somos"; No Borboletário Tropical em Constância o poeta escreve sobre "delicadeza", e conclui que " a vulnerabilidade das borboletas é a sua força”; A visita ao jardim António Botto, na Concavada, Abrantes, é inspiração para escrever que “às vezes a poesia é uma loucura tão lúcida que chega a dizer o que ainda ninguém sabe"; “O Universo inteiro está nas estantes” escreve José Luís Peixoto de visita à biblioteca Alexandre O `Neill, em Constância; e na Escola Adães Bermudes, em Montalvo, fica o registo de que "quando alguém parece que nunca foi criança, é porque se afastou da sua humanidade essencial".

Estamos na página 91 do livro “Onde”, de José Luís Peixoto, que acaba na página 131. Fica por conta dos leitores a leitura crítica das páginas restantes, que visitam outros tantos locais dos concelhos de Sardoal, Abrantes e Constância. A ideia era escrevermos até chegarmos à Torre do Relógio; ficam por citar e divulgar belas imagens deste livro, por citar outros lugares por onde o escritor de Galveias viajou e deixou escrito a melhor prosa e poesia que já foi publicada sobre cada lugar. Todos os textos têm, pelo menos, um verso a dar força à prosa do escritor autor de “Abraço” e “ Em Teu Ventre”.