quinta-feira, 23 de julho de 2020

A pandemia ajuda a matar a democracia (2)

A democracia como a conhecemos antes da pandemia também está em confinamento. Vamos empobrecer pessoalmente mas, mais grave do que isso, vamos ver empobrecer lentamente as nossas instituições porque vai haver menos cidadania activa e, logo, menos vigilância sobre os oportunistas, os sendeiros, os sabujos que não vão perder a oportunidade de mostrar a sua natureza.  


Recupero o título de uma crónica de Junho para voltar ao tema da pandemia e do que vivemos hoje graças a um vírus que voltou a fazer do planeta Terra uma casca de noz e do povo, ricos e pobres, um rebanho de ovelhas tresmalhadas. A velha máxima de que em tempos de crise só devemos começar a comprar propriedades quando o sangue correr nas ruas aplica-se igualmente, em termos de crueldade, ao que hoje se passa com a grande maioria dos cidadãos que precisam da administração pública para renovarem o livrete de um carro ou simplesmente para tratarem de um documento que lhes faz tanta falta como o pão para a boca.
Na grande maioria dos casos a administração pública não funciona, está em teletrabalho, só alguns advogados conseguem abrir portas e têm acesso aos serviços; numa palavra: a democracia para alguns cidadãos está em período de confinamento.
Quanto mais afundarmos na crise mais os bancos tomam conta da nossa economia; quanto mais precisarmos de financiamento para mantermos as nossas empresas, ou as nossas responsabilidades com a compra da casa ou do carro, ou da prestação do lar para os nossos familiares, mais ficamos nas mãos dos agiotas e menos tempo dedicamos a exercer a cidadania. É nestas alturas que o “é fartar vilanagem” ganha dimensão; por cada cem cidadãos apanhados pelos efeitos da pandemia haverá meia dúzia deles que espreitam a oportunidade de os sugarem até ao tutano, ao serviço dos bancos mas também ao serviço do Estado, atrás de um balcão de penhores mas também pela calada da noite.
No início da pandemia muito se escreveu e falou sobre o regresso ao campo e à agricultura familiar. Pura ilusão. Ao “nada será como dantes” vai vencer outra vez o “tudo como dantes, quartel-general em Abrantes”. O interior vai continuar a despovoar-se, o casario vai continuar a desvalorizar-se, o património vai valer cada vez menos e deixar mais pobres quem apostou em recuperar as suas casas, em manter as suas propriedades, em investir o seu pé-de-meia na economia local. “O capitalismo que mata”, nas palavras do Papa Francisco, está cada vez mais inteligente e protegido. Os escândalos financeiros à volta das instituições bancárias, as facilidades concedidas às empresas que se servem dos paraísos fiscais, empobrecem cada vez mais o Estado e obrigam ao aumento de impostos sobre os cidadãos indefesos que trabalham no duro para não morrerem na praia.
Vamos empobrecer pessoalmente mas, mais grave do que isso, vamos ver empobrecer lentamente as nossas instituições porque vai haver menos cidadania activa e, logo, menos vigilância sobre os oportunistas, os sendeiros, os sabujos que não vão perder a oportunidade de mostrar a sua natureza.
Para animar o circo em que se transformou a sociedade capitalista, o Benfica e a Cristina Ferreira enchem os noticiários por causa das transferências milionárias. A luta pelas vitórias nos relvados, e pelas audiências nas televisões, faz esquecer o que nos espera com a evolução do escândalo do BES, o financiamento da TAP, a discussão à volta do contrato dos CTT para o serviço postal universal que termina em Dezembro de 2020, a aposta cada vez mais duvidosa no novo aeroporto no Montijo, a regularização do rio Tejo, o ataque às culturas intensivas, a falta de água nas torneiras e as políticas agrícolas e florestais que deviam ser um desígnio nacional. JAE.

quinta-feira, 16 de julho de 2020

A importância de se chamar Joaquim Veríssimo Serrão

Joaquim Veríssimo Serrão deu nome a um Centro de Investigação em Santarém que é uma fachada para a promoção de muita gente, entre elas a do seu presidente. Martinho Vicente Rodrigues aproveitou-se da instituição para publicar a sua História de Santarém e ignorou a de Joaquim Veríssimo Serrão que está esgotada e pede reedição há dezenas de anos.


Agustina Bessa-Luís, que morreu com 96 anos no dia 3 de Junho de 2019, esteve cerca de uma década a sofrer o resultado de um AVC que a retirou para sempre da vida pública. Quando morreu a família já tinha conseguido a publicação e republicação da maioria dos seus livros, e muitos outros inéditos tinham sido publicados, nomeadamente “Ensaios e Artigos (1951-2007)”, em três volumes, reunindo mais de mil artigos publicados na imprensa.
Joaquim Veríssimo Serrão, 95 anos, está a viver uma situação muito parecida com a que viveu Agustina. Internado há uma década num lar, em Santarém, os seus problemas de saúde afastaram-no para sempre da vida pública. E o que é que aconteceu à sua obra? Nada. Quase nada comparado com aquilo que era suposto ter acontecido para quem escreveu 18 volumes da História de Portugal, é autor de um dos livros mais importantes para compreender o antes e depois do 25 de Abril de 1974 (Confidências no Exílio), e autor de milhares de outras comunicações, artigos, livros, entre centenas ou milhares de cartas que marcam a História de Portugal dos últimos 70 anos.
O nome e a obra de Joaquim Veríssimo Serrão deram origem a um Centro de Investigação em Santarém que reúne a maior parte do espólio do historiador escalabitano. É de lá que todos esperam que comece a sair a republicação de alguns dos seus livros, o estudo da sua obra, a reunião da sua correspondência, enfim, aquilo que ele merece dos seus pares ou de quem ficou responsável pela sua obra, nomeadamente aquela que nunca viu a luz do dia, e é tão importante para compreendermos o tempo em que vivemos. Volto às “Confidências no Exílio” só para dizer que o livro foi censurado na altura e muitas das cartas, talvez as mais importantes, ficaram de fora por razões que têm a ver com o tempo político que se vivia no ano de 1985.
O que me leva a escrever esta crónica é a existência de um livro, Santarém-História e Arte, da autoria de Joaquim Veríssimo Serrão, editado em 1959, reeditado mais duas vezes mas esgotado há muitos anos para lamento dos seus leitores, e até lamento público de alguns dos seus familiares. A história não acaba aqui. O presidente da Fundação Joaquim Veríssimo Serrão é o professor de História, entretanto reformado, Martinho Vicente Rodrigues, que também se dedica a escrever livros. Foi o que acabou de fazer editando a História de Santarém, um tijolo com uma lombada de seis centímetros, edição de luxo, em capa dura, remetendo para o lixo a História de Santarém, de Portugal e da bibliografia escalabitana, o livrinho de Joaquim Veríssimo Serrão, impresso nos tempos de antanho em papel de embrulhar sardinhas.
É importante que se esclareça que o calhamaço foi construído à conta de uma arte antiga de satisfazer leitores que procuram livros nas estantes pelo volume da lombada; o livro foi composto num corpo de letra grandinho, com espaçamentos entre parágrafos que só se usam em livros infantis, profusamente ilustrado, coisa nunca vista em Portugal, nem no mundo, o que faz dele um tijolo digno de admiração para bibliófilos liliputianos.
A história que estou a contar é triste e deixa-me triste. Não sei se para Agustina Bessa-Luís, ou para Joaquim Veríssimo Serrão, interessa o amor e o desvelo da família, e dos leitores, depois da vida passada, ou do melhor da vida já ter acabado.
Eu é que não durmo descansado desde que iniciei a escrita deste texto e o deixei a marinar durante semanas. Mesmo assim ainda não tive tempo de ler a História de Santarém do presidente do Centro de Investigação Joaquim Veríssimo Serrão, livro editado e pago pela instituição de que é presidente, certamente com o conhecimento dos seus pares, que sabem tão bem como eu o quanto o velho Joaquim gostava que o seu livro, Santarém-História e Arte, fosse reeditado mais uma vez e pudesse ser conhecido pelas novas gerações.

quinta-feira, 9 de julho de 2020

Os sonhos pesados de António Rodrigues com Pedro Ferreira

Pedro Ferreira andou cerca de vinte anos a lavar com água das malvas o fiofá, o olho cego, o fuleco de António Rodrigues; nos últimos anos é o inimigo público do seu ex-camarada que o quer apear do lugar e que, pela calada, lhe faz a vida negra. 


Torres Novas tem um novo movimento político dirigido por António Rodrigues que, nos últimos anos, tem feito um chinfrim dentro do aparelho do PS para voltar a ser candidato à câmara. Como no aparelho do partido ninguém o leva a sério, António Rodrigues resolveu criar um movimento político em desespero de causa.
Para que os leitores percebam melhor o que vai na cabeça deste ex-autarca, a presença de O MIRANTE na conferência foi motivo para reclamar com o jornalista, apontando o dedo, dizendo que ninguém nos tinha chamado. Um rotundo convite a que fossemos à nossa vida e deixássemos os assuntos de Torres Novas nas mãos dele e da meia dúzia de amigos que, com ele, prometem acabar de vez com os mouros em território torrejano.
Conheço António Rodrigues há mais de 30 anos. Assisti a muitas iniciativas onde o antigo autarca era um cidadão no papel de ilustre presidente de câmara, para logo a seguir se comportar como um tontinho a dizer e a fazer disparates que faziam corar de vergonha.
António Rodrigues é um homem habituado às facilidades do sistema, e trata por tu muitos ex-governantes, e gente ligada a interesses económicos. Não é por lhe terem respeito que ele é tu cá tu lá com certa gente; é por não ter vergonha de exibir o ruído da sua voz e da sua presença, não ter consciência do quanto é ridículo em algumas das suas atitudes, quando usa com ligeireza linguagem chula ou a sua língua de trapos para classificar os seus inimigos políticos; quando, com as suas artes e manhas, se comporta como um artista de novela que tem que ganhar a vida representando. António Rodrigues é verdadeiramente um político sem vergonha, que ora arrota postas de pescada como daí a pouco está a pedir batatinhas aos amigos influentes.
De António Rodrigues podemos esperar tudo: as maiores baboseiras sobre um cidadão exemplar, as maiores foleirices sobre um adversário político, as maiores parolices sobre assuntos que exigem respeito e sentido de Estado. Agora que apresentou um movimento político, é mais que certo que vai ser candidato. Para perder as eleições, como aconteceu noutros tempos a Joaquim Sousa Gomes, em Almeirim, a José Cunha, no Entroncamento, a Pedro  Marques, em Tomar, tudo em épocas diferentes mas pelas mesmas razões que fazem com que António Rodrigues não durma com o peso dos sonhos de voltar a querer ser presidente da Câmara de Torres Novas.
António Rodrigues sempre sonhou ser o Xanana Gusmão de Portugal, depois de perceber que não podia ser o novo D. Sancho I. Vai acabar a sua vida política a chorar baba e ranho pelo lugar de Pedro Ferreira, que ainda por cima é um homem sem vaidades, sem ressentimentos, um autarca que jamais pôs à frente dos interesses do seu concelho os seus interesses pessoais.
Não acabo sem lembrar que Pedro Ferreira andou cerca de vinte anos a lavar com água das malvas o peidador, o fiofá, o olho cego, o fuleco de António Rodrigues, ora como vereador, ora como vice-presidente da câmara. Cada um de nós que imagine até onde é possível fantasiar o que é que Pedro Ferreira viveu durante vinte anos, diariamente, aturando um camarada que desde o início de 2017 anda a fazer dele inimigo público. Pedro Ferreira pode não ser o melhor político do mundo mas é, certamente, um político de confiança, um homem honesto, uma personalidade que merece o respeito dos torrejanos. Não por acaso ganhou as últimas eleições com maioria absoluta. Não por acaso conseguiu suportar 20 anos de trabalho sob as ordens de Rodrigues, e agora faz-lhe frente, obrigando o seu ex-camarada a mostrar o quanto o Poder, para ele, tem pózinhos de perlimpimpim. JAE .

quinta-feira, 2 de julho de 2020

A pandemia ajuda a matar a democracia

A pandemia fragiliza as famílias, os líderes e acima de tudo os cidadãos mais idosos. O vírus faz cobarde o mais destemido dos nossos amigos.


Stefan Zweig conta na sua autobiografia “O mundo de ontem” que se lembra de ver Adolf Hitler a dirigir comícios nos largos da cidade de Viena para meia dúzia de apoiantes. Depois foi crescendo em discurso, e em apoiantes, até se tornar o maior criminoso da História da Humanidade. É verdade que passaram cem anos e a civilização evoluiu mais nas últimas dezenas de anos do que em muitos séculos. Mas a modernidade, que em alguns casos equivale à descoberta da roda e do fogo, não nos deve impedir de olharmos para o passado como lição, quanto mais não seja para não baixarmos as guardas: nós, que exercemos profissões em que o trabalho tem muito de cidadania, e aqueles que, noutras frentes, têm tantas ou mais responsabilidades do que nós no exercício do poder e na defesa da democracia.
A pandemia fragiliza as famílias, os líderes e acima de tudo os cidadãos mais idosos que dependem de uma instituição de acolhimento. Não são só os velhos que estão nas mãos de gente sem escrúpulos que gere lares ilegais, com o Estado a demitir-se das suas responsabilidades. Portugal ganhou nos últimos anos na educação, principalmente no ensino pré-escolar e universitário, o mesmo, ou ainda mais, do que perdeu para o apoio à terceira idade.  Está à vista de todos. Bastou um vírus que, em teoria, só é mortal para quem tem graves problemas de saúde, para cairmos todos por terra e vivermos com o sentimento de que vamos morrer que nem tordos, se não for às mãos do Diabo será aos pés dos homens dos impostos, ou dos bancos, ou dos DDT (donos disto tudo), só para lembrar alguns dos tentáculos que nos cercam.
O que se passa na pequena aldeia do Arripiado, Chamusca, é pior que a Covid-19 e não vemos ninguém na defesa daquela gente. A justiça deu um sinal mas todos sabemos que os monstros mexem-se devagar. Os políticos estão cagados de medo e não têm dinheiro para contratarem segurança privada que substitua a GNR. Má sorte ter nascido no Arripiado e ter como presidente da Câmara da Chamusca um tipo tosco e analfabeto.
Toda a sociedade está refém de um vírus que fecha portas e janelas e até faz cobarde o mais destemido dos nossos amigos. Mais do que enfraquecer a democracia, o vírus enfraquece as relações, põe a nu as nossas mais pobres ambições, mostra que somos muito menos resistentes numa relação de amizade, ou familiar, do que na luta contra a doença ou no medo da doença.
Não me revejo nos políticos que participam em programas de humor na televisão com o fato de fim-de-semana, nos poderosos que se juntam para festejar calendários de jogos de futebol; nos iluminados que vão para as avenidas empunhar bandeiras políticas e comemorar dias especiais; acho que o vírus já matou e vai continuar a matar de medo muita gente que achava que fazia parte das estatísticas que apontam para uma esperança de vida acima dos 80 anos. A culpa será menos do vírus e mais daqueles que nos metem medo com o vírus, que nos confinam em Abrantes pelas mesmas razões que nos mandam para casa em Odivelas ou na Amadora, por aqueles que agora mesmo estão a decidir nos gabinetes de Lisboa quais as empresas que vão morrer e os empresários que vão continuar a dominar o sistema.
O autor de que falo no início deste texto viveu as duas guerras mundiais a fugir da Áustria para Inglaterra e, mais tarde, para o Brasil.  Foi amigo de Rilke, Freud, Joyce, Mann e tantos outros artistas e humanistas da época. Dizia ele que fugia de um mundo cruel e louco para poder sobreviver, embora depois sucumbisse às feridas do seu tempo.
Para quem sente que a leitura é um remédio milagroso contra todas as doenças, que entretanto reapareceram com a chegada do coronavírus, recomendo a leitura da sua autobiografia; poucas vezes na vida compreendi, durante a leitura deste livro, o mundo em que não vivi. JAE.