quarta-feira, 28 de março de 2012

Encher praças de toiros e campos de futebol não é a solução


Não acredito em comunidades que enchem praças de toiros, campos de futebol ou grandes auditórios. Também gosto de ver e vibrar mas sou muito mais de praticar. Não tenho nada contra os espectadores passivos, o consumidor puro e duro, mas se tivesse alguma responsabilidade política na atribuição de subsídios a uma comunidade organizada como é o caso das nossas, antes de subsidiar os bilhetes das touradas pagava o que devia às associações; antes de alimentar o desporto profissional financiava a actividade das associações de formação de jovens; e procurava estar sempre do lado dos dirigentes dessas colectividades que fazem verdadeiro serviço público, substituindo-se aos governos do país e das câmaras municipais, às múltiplas direcções gerais, delegados e quejandos.
E o que é que vemos cada vez mais numa região onde seria normal haver liderança política forte e ao mesmo tempo um movimento associativo motivado e competitivo? Não vemos. Ninguém sabe quem são e onde estão os nossos artistas plásticos, os actores, os escritores, os músicos, os elementos dos ranchos folclóricos e das orquestras, os seccionistas das equipas desportivas, os embaixadores do património arquitectónico, os últimos estudiosos das tradições culturais, etc, etc.
Diz-me quantas associações estão ao lado, e do lado, do poder político, seja ele qual for, e dir-te-ei para que vale a política que não só e apenas para alimentar um país de funcionários públicos cansados, cobradores de impostos, e empregados políticos que geram orçamentos de milhões sem saberem ler nem escrever.
Santarém é um caso fora do comum. A câmara não tem dinheiro para pagar subsídios ranhosos a associações que são únicas representantes da sua comunidade. Gostava de ver em Santarém, como por exemplo em outros concelhos da região, um encontro anual de associações e colectivivades para discutirem o futuro associativo deste concelho que parece eternamente condenado a uma liderança associativa e política de desgaste rápido.
Em Santarém há associações e colectivades que são apoiadas como se fossem tertúlias taurinas. Não tenho nada contra as tertúlias de aficionados mas é justo que os políticos não tratem os dirigentes associativos como se fossemos todos ou toiros ou toureiros.

quarta-feira, 21 de março de 2012

Para que tome emenda


Quando tinha 16 anos inscrevi-me num curso de técnico de rádio por correspondência. Não passei da primeira fase de aprendizagem mas ainda dei uns toques num rádio velho da Grundig que comprei para as experiências.
Aprendi a arte de ourives durante dois longos anos em que caminhei para a Ribeira de Santarém para junto do Martins que à força de me obrigar a fazer serão com ele me ensinou o que eu precisava saber da profissão.
Não renovo a minha carteira profissional de jornalista há três anos. Ganhei-a depois de dez anos de profissão. Hoje não sinto vontade nem necessidade de ter uma carteira profissional de jornalista. E, confesso, até me dá um certo gozo trabalhar sem ter que dar contas a uma classe profissional desacreditada e nas lonas em termos associativos e sindicais.
Foi a profissão de ajudante de Guarda-Livros que mais me proporcionou o conhecimento da vida e a descoberta das muitas artes de viver e trabalhar.
Durante cerca de quatro anos, entre os 22 e os 26, não fiz ponta de corno atrás de uma secretária, dando apoio a um Guarda-Livros que tinha pouco trabalho para me dar.
Olhando para trás tenho a certeza que os melhores anos da minha vida foram os que passei atrás de uma secretária bocejando certos dias em que as horas custavam a passar mas em muitos outros aprendendo a olhar a rua pela janela; a fazer contas de cabeça; a cimentar uma personalidade que, boa ou má, só consegui moldar porque tive tempo e pessoas ao meu lado que me dedicaram o seu tempo.
Lembro-me muito bem do tamanho da descoberta do mundo quando deixei o balcão onde me fiz homem dos 11 aos 22 anos. Guardo religiosamente os textos dessa altura, alguns poemas e textos diarísticos que são mais a minha cara, vejo agora, que o retrato do bilhete de identidade dessa época.
O facto de ter aprendido e trabalhado em várias profissões, todas elas aprendidas na tarimba, sem possibilidade de escolher os meus mestres, não evita que ainda hoje me sinta um aprendiz; aliás, não impede que ainda hoje me caguem em cima como na altura em que eu tinha pouco mais de vinte anos.
Mas é bem feita, para que tome emenda, como diriam os antigos.

quarta-feira, 14 de março de 2012

Se tivesse medo comprava um cão


Um dia fui convidado para participar num jantar conferência de um grupo maçónico. Aceitei com naturalidade porque queria encontrar-me com alguém de quem precisava de um favor para a edição do livro de poesia de José Niza que O MIRANTE editou em Abril de 2008.
Fui apresentado a muita gente ilustre por um igualmente ilustre professor e presidente de uma grande instituição da cultura portuguesa. Não pedi nada mas ofereceram-me várias vezes amizade e disponibilidade. Olhe este é o Joaquim e este é o fulano de tal, e se um dia precisar de alguma coisa é só dizer caso esteja ao nosso alcance. Em dois ou três casos percebi que o cumprimento foi o da praxe. Noutros tantos notei respeito e atenção por mim e pela pessoa que me apresentava. Noutros já nem me lembro mas sei que foram tão importantes como importante é saber o que vai agora e nesta hora pelo Tejo abaixo.
O orador convidado foi falar dos novos paradigmas da comunicação e a certa altura agarrou no seu telemóvel e começou a simular ligações à CNN, France-Press, Reuters, Sky News, SIC, RTP, etc, etc, querendo com aqueles exemplos lembrar que um cidadão com um pequeno aparelho já podia saber o que se passava nos quatro cantos do mundo sem sair do seu quarto ou do seu escritório. E para levantar bem alto o poder das tecnologias deu o exemplo daquilo que meia dúzia de bloguistas, contratados com intenção de divulgarem uma calúnia, podiam fazer pela honra e pela honorabilidade de um homem. Com o profissionalismo que anda aí pelas redacções basta que meia dúzia de bloguistas divulguem em paralelo uma mesma notícia falsa que os mais insuspeitos órgãos de comunicação social caem na armadilha que nem anjinhos, avisou com todas as palavras Francisco Pinto Balsemão, o mais insuspeito dos empresários da comunicação social portuguesa.
Curiosamente o orador deste jantar foi recentemente vítima deste tipo de ataques mas muito mais sofisticados do que ele próprio podia supor há quatro anos. O que prova que, mesmo nas novas tecnologias, os empresários têm muito que aprender com os polícias.

A sociedade em que vivemos está organizada para servir os homens que têm garganta funda e dominam a arte do circo. Está a ficar complicado encontrar na vida pública tipos coerentes, que trabalhem para uma causa e que não andem a comer em várias panelas ao mesmo tempo, que sejam homens de trabalho, ou de negócios, que assumam publicamente as suas virtudes e defeitos e que não se escondam atrás de uma linguagem de fala-barato, de supercristãos ou de superdemocratas. Há gente na vida pública que diz uma coisa hoje e amanhã já está a fazer outra. E o mundo continua a girar à volta deles com um arco-íris ao longe dando tamanho e dimensão às grandes mentiras e às pequenas tiranias.
Por mim bem pode espernear e mandar coices. Só desisto se atacarem à traição. Enquanto for dono do meu juízo não levantarei um dedo para responder às ameaças veladas que chegam pelo telemóvel ou pela internet de forma anónima. Se tivesse medo comprava um cão.

quarta-feira, 7 de março de 2012

Cunha Simões na Livraria Portugal


O fecho da Livraria Portugal, no Chiado, em Lisboa, deu brado em todas as televisões e jornais como se um grande drama tivesse acontecido e a sociedade portuguesa mais uma vez tivesse caducado na caminhada para o progresso e a revolução de mentalidades.
Conheço a Livraria Portugal há mais de 30 anos, num tempo em que ainda não conhecia Lisboa, porque o local onde trabalhava recebia o célebre boletim onde o professor José Pedro Machado escrevia uma crónica que ficou célebre. Muitos anos depois comecei a ser visita frequente e nos tempos mais recentes conversava regularmente com um dos proprietários.
O senhor Joaquim, com quem falei a primeira vez  a propósito de uma edição da livraria Portugal do poeta Álvaro do Amaral Neto, dizia-me frequentemente que não vendia a montra a nenhum editor porque isso seria turvar o negócio e a sua forma de trabalhar. Nos últimos dez anos, em alguns momentos que passei por lá, ouvi gemer mil vezes que as vitrinas eram para os livros que eles queriam e não para os que os editores impunham e queriam impingir.
Uma vez, num aniversário de O MIRANTE, tentei comprar uma das vitrinas para mostrar cerca de meia centena de livros que já editamos. A resposta foi uma desilusão como se pode concluir. Resumindo; os donos da Livraria Portugal deram um destino à loja que mais se ajustava à sua mentalidade e forma de trabalhar. A livraria nasceu com eles e foi gerida para morrer com eles. Ver os jornalistas a darem conta da forma como a livraria morreu atribuindo a culpa a todos os portugueses é a mesma coisa que culpar Oliveira Salazar pelo facto de ainda hoje haver muitos portugueses saudosistas.
Muitos dos livros da minha biblioteca foram comprados na Livraria Portugal por encomenda, e chegavam à minha casa pelo correio. Tenho gravado a alegria de desembrulhar os pacotes e o prazer do primeiro contacto com os livros. Há trinta anos não havia tempo, nem dinheiro, nem carros, nem estradas para viajarmos a caminho das livrarias de Lisboa. E de certo que o grande negócio da Livraria Portugal era a encomenda de livros pelo correio. O que o senhor Joaquim e os seus sócios não perceberam foi que o mundo mudou e até eu, pobre leitor e comprador de livros, já não dispenso o conforto das mesas e das cadeiras da Livraria Almedina ou os sofás da Fnac e, quando é caso disso, as encomendas na internet onde sei que encontro o que procuro à primeira tentativa.
A Livraria Portugal era nos últimos anos um lugar bafiento, sem condições para ficarmos a namorar um livro, sem clientes que dessem ao espaço calor humano e familiaridade suficiente para ficarmos lá dentro mais do que cinco minutos.
Fica aqui um registo que me parece valer esta crónica tão pessoal. O mais prejudicado com o fecho da Livraria Portugal é um autor ribatejano chamado Cunha Simões que escreve muitos livrinhos sobre Sousa Martins, as plantas que curam doenças, Salazar, afrodisíacos, entre outros temas. Os livros de Cunha Simões são edições verdadeiramente artesanais, não fazem parte de catálogos de editoras de prestígio mas deviam ser boa fonte de receita para os livreiros pois tiveram lugar garantido ao longo dos anos na montra principal na parte superior a toda a largura do escaparate.