quarta-feira, 29 de outubro de 2008

Os políticos locais e as políticas de proximidade


Tenho a pior impressão dos políticos que nos governam desde o Terreiro do Paço à Assembleia da República. Na casa da democracia o que não faltam são democratas que em vez de governarem o país trabalham para escritórios de advogados e acumulam lugares de administradores em grandes empresas que vivem dos negócios com o Estado e da  influência que os deputados têm junto dos governantes.
A Assembleia da República, a casa da democracia, é um ninho de empresários e administradores de empresas. Estou certo que, com uma boa divulgação pública sobre o trabalho extra dos deputados, o país entraria em estado de choque com os políticos que temos e com a rede de influências que eles representam.
Tenho a melhor opinião sobre os políticos de proximidade, nomeadamente os presidentes de junta, os eleitos das assembleias municipais e de freguesia, os presidentes de câmara. Num e noutro caso há, como é normal, as excepções que confirmam a regra.
Tenho assistido com alguma regularidade aos debates sobre o PDM (Plano Director Municipal) que  a autarquia liderada por Maria da Luz Rosinha resolveu levar a todas as freguesias do concelho. Na primeira jornada, que decorreu em Alverca, o debate foi uma desgraça. Em Vila Franca de Xira não foi muito melhor. Os políticos da oposição e os agentes da sociedade civil em vez de fazerem o trabalho de casa, e apresentarem e defenderem casos concretos, vão para as sessões fazer política pura e dura, com discursos muito bem elaborados e muito bem pensados mas, em nenhuma situação apresentaram um caso, um único caso, em que se tenha percebido que eles representavam os interesses dos munícipes prejudicados pelos eventuais erros ou omissões do PDM.
Os políticos locais são os guardiães dos interesses das populações. O que eles não puderem fazer por cada munícipe, em cada rua e em cada esquina do concelho, mais ninguém fará. Já vamos na sétima sessão e ainda não vimos um político local a pedir  a palavra para falar em nome de um munícipe, de uma associação ou de um grupo de munícipes, com os interessados atrás de si sentindo-se representados. Não é por acaso que os políticos de proximidade ganham quase sempre as eleições quando se recandidatam. Eles sabem falar com o povo, sabem aproveitar os mecanismos que os aproximam dos munícipes. Ao contrário, os políticos da oposição só sabem discursar e divergir. O problema deles é na rua, no contacto com as populações, na interacção com os munícipes, na forma como (não) passam a mensagem para fora.
As grandes questões do PDM de Vila Franca já estão decididas. Por isso é que é triste ver os políticos da oposição e os agentes das associações mais preocupados em exibir os seus dotes de polemistas que a pedirem a palavra para falarem em nome dos munícipes de forma a levarem a Carta a Garcia. 

quarta-feira, 22 de outubro de 2008

Jerónimo de Sousa no meu jardim


Há vinte e cinco anos uma das mulheres mais ricas da minha terra olhou da janela da minha casa para a rua, onde a vinte metros existe um jardim público, e desabafou: vocês são uns sortudos. Que sorte a vossa terem um jardim à porta de casa, um jardim tão bonito para usufruírem quando querem, sem terem que pagar a jardineiros nem fazerem contas às despesas com a água.
A pessoa em causa tinha um jardim espectacular, que eu conheci na infância, e onde imaginei muitas vezes que era ali que se encontravam os poetas e as musas, os cães de guarda e os faisões, os patos e os cavalos brancos, todos eles a competirem para terem direito a transportarem no dorso, uma vez por dia, a criança que eu era nos meus sonhos.
Realmente moro numa terra privilegiada e num local de que não me queixo. E confesso a minha felicidade por morar paredes-meias com um jardim e não com uma estrada nacional ou uma grande urbanização. Daí que tenha tomado boa nota da observação. E que nunca a tenha esquecido. O meu jardim à porta de casa, apesar de ser público, foi motivo suficiente para que alguém, que tinha um jardim privado, muito maior e mais bonito, não escondesse um certo sentimento que nos fez rir. Um sorriso que não foi espelhado porque a pessoa em causa era nossa amiga, estava com certeza a dizer aquilo com a melhor das intenções, e a sua idade e estatuto na altura também lhe permitia meter-se connosco e com a nossa sorte.
Vem tudo isto a propósito porque o tio Jerónimo de Sousa esteve no passado domingo no meu jardim a falar ao povo da minha terra em cima de um palanque acompanhado pelo presidente da câmara, Sérgio Carrinho. Foi lá dizer com toda a autoridade que o Sócrates anda a dar aos banqueiros, que dizem que estão falidos, o dinheiro do Estado que devia ser para apoiar a crise dos pobres. Há anos que as televisões e os jornais noticiam que os bancos têm lucros fabulosos com a ajuda, é claro, daquilo que nos roubam nos juros e nos arredondamentos e nas despesas. A economia dá um tombo, os banqueiros choram lágrimas de crocodilo, e lá vai o Governo a correr financiar os capitalistas. Dinheiro para os pequenos empresários, para quem cria emprego, para quem precisa de recorrer à justiça e aos serviços de saúde, isso é só para dois mil e troca o passo. Urgente, urgente é ajudar os banqueiros com alguns milhões.
Bendito Jerónimo. Nunca estive tão de acordo com ele. Que volte ao meu jardim logo que possa. É sempre bem-vindo. Mesmo trazendo atrás de si uns tipos em festa (o encontro foi logo a seguir ao almoço) que fizeram mais barulho que os pássaros do meu jardim logo pela manhã.

quarta-feira, 15 de outubro de 2008

Os empresários que merecem prémios


Sou a favor da regionalização, ou descentralização, como lhe queiram chamar, e acho que nunca mais seremos um país próspero e mais justo se não acabarmos com o poder excessivo do Terreiro do Paço e estas divisões administrativas que só nos embaraçam e envergonham à luz do que se passa noutros países da Europa.
Vivemos na região mais rica do país. Estamos a dezenas de quilómetros de Lisboa, temos uma centralidade invejável, um vasto território cheio de pessoas e de condições para prosperar. Se não nos unirmos e não formos um pouco melhor do que temos sido como empresários, políticos e sociedade civil, bem podemos editar jornais, fomentar o associativismo, entregar prémios, que nem assim passaremos da cepa torta.
Não quero exagerar falando de O MIRANTE mas permitam que na hora em que estamos a premiar o trabalho e o mérito demos como exemplo o nosso trabalho uma vez que O MIRANTE, a partir de determinada altura, deixou de ter medo das distâncias que separam os concelhos. Quem faz a gestão de O MIRANTE acreditou que um jornalista que viva em Tomar pode perfeitamente unir-se a um que viva em Vila Franca de Xira e trabalharem integrados numa mesma equipa, debaixo do mesmo tecto, construindo um projecto que é exemplar a nível nacional e o maior fornecedor de mão de obra para as televisões, e para os seus programas da manhã e da tarde, precisamente porque somos a voz dos cidadãos e, depois do nosso trabalho, a que se chama jornalismo de proximidade, outras portas se abrem à divulgação e visibilidade dos acontecimentos.
Temos muitas razões para acreditar no tecido económico da região do Vale do Tejo. Mas falta massa cinzenta. Dou-vos um exemplo: não há empresários, nem políticos, nem activistas culturais a disputarem um espaço de opinião nos jornais da região para falarem sobre assuntos que interessem à generalidade das pessoas e que se ouçam ou leiam fora de portas.
Não há massa crítica suficiente no nosso meio. Mas a culpa não é dos empresários. Temos obrigação de estar atentos mas não podemos ser pau para toda a obra. 
Como todos eventualmente já repararam o pavilhão de
O MIRANTE na FERSANT tem algumas imagens de homens que foram premiados nas várias edições do Galardão. Alguns receberam com lágrimas este galardão e disseram que “parar era morrer” e, por isso, trabalhavam e continuaram a trabalhar para merecerem o prémio. Há ali pessoas nas fotografias que abracei e com quem falei de projectos de vida e de sonhos, apesar da idade um pouco mais avançada do que a minha. Alguns deles já morreram. Nada disso impede que estejamos aqui a festejar a vida e o trabalho. É esta iniciativa que permite que os recordemos. É o êxito do trabalho dos premiados e, ao mesmo tempo, o êxito desta iniciativa, que permite que os recordemos publicamente e que possamos ao longo dos próximos anos continuar a prestar-lhes homenagem. 



Este texto é parte de uma intervenção realizada no passado dia 10 na entrega do Galardão Empresa do Ano, que se realizou pela oitava vez, que também é notícia nesta edição.

quarta-feira, 8 de outubro de 2008

O crime compensa


Ando empenhado em ajudar quem me ajuda a receber uma dívida que remonta aos anos de 2002 e 2003. O que oiço para justificar o calote é de bradar aos céus. O que me dizem para justificar o tempo que ainda vamos ter que esperar para nos pagarem deixa-me de mãos a abanar e de espírito perturbado. Oiço uma voz que me diz que tenho razão em pedir que os casos sejam denunciados ao Ministério Público mas logo a mesma pessoa adianta que isso não é possível porque a instituição iria à falência com uma chuva de auditorias que a tornariam ingovernável. “Se tivesses a cabeça formatada para as questões do Direito perceberias porque não é possível partir a loiça e chamar os bois pelos nomes e denunciar os irresponsáveis e os corruptos que estragam a nossa vida pública”, diz a voz amiga que tenta resolver-nos o problema.
Estou de regresso à minha secretária no jornal e não me apetece mexer uma palha. Minutos depois começo a entrevistar dois candidatos a jornalista para reforçarem a equipa de O MIRANTE. Um deles deixa-me como novo depois de dar a perceber que tem sangue na guelra. Lá em cima, na redacção, os jornalistas trabalham os últimos textos para mais uma edição. Chamam-me ao telefone para perguntar se quero dar uma vista de olhos no texto da última página e a minha resposta é não. Já estou a trabalhar para a edição das próximas semanas.
Nunca almocei no Solar dos Presuntos nem ao balcão do Gambrinuis mas vou com regularidade ao Rossio, em Lisboa, comer uma sopa à lavrador e um lombinho magro. Como de pé como toda a gente.
Há quase trinta anos que conheço aquele corredor restaurante com um balcão ao meio. Eu bebo uma cerveja preta sem álcool mas a maioria dos frequentadores bebem imperial ou vinho tinto.
É ali que aprendo a mastigar devagar para não engolir muito oxigénio e evitar os gases. É ali, àquele balcão onde come o vagabundo, o pobre e o remediado, que gosto de treinar o estômago para os momentos difíceis da vida.

No teatro das nossas vidas, regra geral, as sessões são de manhã, à tarde e à noite. Ali, naquele espaço que mais parece um teatro de bolso que um restaurante, as sessões são contínuas, começam e acabam com o nascer e o pôr-do-sol e, na grande maioria das vezes, a peça é para maiores de idade.
Tudo o que aprendi de importante à hora do almoço foi a comer de pé ao lado de gente que paga com trocados, estala a língua depois de saborear, e não tem que olhar para o lado se um arroto mais barulhento lhe sair da boca.
Esta crónica é dedicada ao senhor Josué, o homem que na passada segunda feira, antes de mandar vir a sopa à lavrador e um pastel de bacalhau, me cumprimentou respeitosamente depois de um reencontro que já não acontecia há uns bons anos.

quarta-feira, 1 de outubro de 2008

Um elogio a Ricardo Chibanga


Um telefonema de Ricardo Chibanga para a redacção de O MIRANTE, brincando com uma situação em que fizemos dele personagem involuntária, fez-me recordar velhos tempos em que eu e o Alberto Bastos entrevistámos algumas figuras da região. Conto entre as melhores entrevistas que realizámos essa conversa com Ricardo Chibanga. E o que me levou na altura a pedir-lhe a entrevista foi um episódio caricato que agora posso contar sem qualquer prejuízo. Um dia estava no Café Central, à espera de vez para almoçar, e vi um daqueles empregados da velha guarda tirar o telefone do descanso e chamar o Ricardo Chibanga simulando que havia um telefonema para ele. Chibanga caiu no engano, como qualquer um caíria, e o resultado foram algumas risadas em surdina de que Chibanga não deu conta.
Nesse dia percebi melhor o quanto o toureiro da Golegã era um homem bom e excepcional, embora ingénuo ao ponto de ser uma vítima mais fácil de um empregado de balcão, que sentia prazer em o ridicularizar, do que no meio de uma arena no confronto com um toiro da ganadaria de Pinto Barreiros ou Manuel Veiga.
Se tenho boas recordações das corridas de toiros foi quando vi Chibanga de joelhos na praça de toiros da Chamusca e no Campo Pequeno, fazendo com o capote e a capa aquilo que provavelmente mais nenhum toureiro português fez até aos dias de hoje.
Não sei se Chibanga foi o nosso melhor toureiro de sempre. Foi certamente um dos maiores, um dos verdadeiros meninos pobres que se tornou num grande e admirado artista.
Por ser um homem humilde, artista no verdadeiro sentido da palavra, provavelmente nunca reivindicará para si uma estátua na sua Golegã adoptiva. Quem olhar para trás, para os últimos quarenta anos do toureio a pé em Portugal, não encontra outra figura do toureio a pé que mereça tanto uma homenagem como Ricardo Chibanga.
A brincadeira com o telefone no Café Central, já lá vão muitos e muitos anos, mexeu comigo. O telefonema recente de Ricardo Chibanga para a nossa redacção, a brincar com um suposto pedido de indemnização por termos cometido um erro, ingénuo mas imperdoável, a seu respeito, fez-me perceber melhor a dimensão dos seus valores como Homem e como cidadão.
Quem conhece bem o seu percurso sabe que a sua vida nunca foi fácil. Daria a um biógrafo uma grande história de vida. Quem soubesse conversar com a sua alma de africano e menino pobre, que um dia conheceu a fama e a fortuna, escreveria de certo um livro para a posteridade.
Tal como Eusébio, que ficará para sempre na memória dos portugueses, independentemente da cor clubista de cada um, Ricardo Chibanga será recordado um dia como um dos maiores toureiros portugueses de sempre. A forma como vai ser recordado é que dependerá de outras fortunas que não pertencem nem nunca pertenceram ao mundo elitista dos toiros.