quarta-feira, 22 de outubro de 2008

Jerónimo de Sousa no meu jardim


Há vinte e cinco anos uma das mulheres mais ricas da minha terra olhou da janela da minha casa para a rua, onde a vinte metros existe um jardim público, e desabafou: vocês são uns sortudos. Que sorte a vossa terem um jardim à porta de casa, um jardim tão bonito para usufruírem quando querem, sem terem que pagar a jardineiros nem fazerem contas às despesas com a água.
A pessoa em causa tinha um jardim espectacular, que eu conheci na infância, e onde imaginei muitas vezes que era ali que se encontravam os poetas e as musas, os cães de guarda e os faisões, os patos e os cavalos brancos, todos eles a competirem para terem direito a transportarem no dorso, uma vez por dia, a criança que eu era nos meus sonhos.
Realmente moro numa terra privilegiada e num local de que não me queixo. E confesso a minha felicidade por morar paredes-meias com um jardim e não com uma estrada nacional ou uma grande urbanização. Daí que tenha tomado boa nota da observação. E que nunca a tenha esquecido. O meu jardim à porta de casa, apesar de ser público, foi motivo suficiente para que alguém, que tinha um jardim privado, muito maior e mais bonito, não escondesse um certo sentimento que nos fez rir. Um sorriso que não foi espelhado porque a pessoa em causa era nossa amiga, estava com certeza a dizer aquilo com a melhor das intenções, e a sua idade e estatuto na altura também lhe permitia meter-se connosco e com a nossa sorte.
Vem tudo isto a propósito porque o tio Jerónimo de Sousa esteve no passado domingo no meu jardim a falar ao povo da minha terra em cima de um palanque acompanhado pelo presidente da câmara, Sérgio Carrinho. Foi lá dizer com toda a autoridade que o Sócrates anda a dar aos banqueiros, que dizem que estão falidos, o dinheiro do Estado que devia ser para apoiar a crise dos pobres. Há anos que as televisões e os jornais noticiam que os bancos têm lucros fabulosos com a ajuda, é claro, daquilo que nos roubam nos juros e nos arredondamentos e nas despesas. A economia dá um tombo, os banqueiros choram lágrimas de crocodilo, e lá vai o Governo a correr financiar os capitalistas. Dinheiro para os pequenos empresários, para quem cria emprego, para quem precisa de recorrer à justiça e aos serviços de saúde, isso é só para dois mil e troca o passo. Urgente, urgente é ajudar os banqueiros com alguns milhões.
Bendito Jerónimo. Nunca estive tão de acordo com ele. Que volte ao meu jardim logo que possa. É sempre bem-vindo. Mesmo trazendo atrás de si uns tipos em festa (o encontro foi logo a seguir ao almoço) que fizeram mais barulho que os pássaros do meu jardim logo pela manhã.

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