quarta-feira, 29 de abril de 2009

Política de metro e meio


     Paulo Fonseca, o governador civil do distrito de Santarém, é um empresário de sucesso na área da construção civil onde é patrão de meia dúzia de empresas. Vai candidatar-se, como é público, à presidência da Câmara de Ourém. Nada de novo. Paulo Fonseca já foi candidato (derrotado) duas vezes. O PSD local, que domina a autarquia, tem vivido nos últimos anos algum tumulto. Tudo indica que Paulo Fonseca pode tirar proveito desses desentendimentos e aproveitar a sua visibilidade pública e o seu trabalho político para somar uma primeira vitória na sua terra.
     Foi Paulo Fonseca e o seu administrador em algumas empresas, o agora deputado Fernando Pratas, que cozinharam a candidatura de Joaquim Garrido à Câmara da Chamusca pelo PS. Pratas também já foi candidato derrotado na Chamusca por duas vezes. A solução encontrada com a candidatura de Joaquim Garrido, que gerou o afastamento do candidato natural, que seria o ex-vereador, Joaquim Condeço, parece ter sido uma boa estratégia para Fernando Pratas regressar numa próxima quando já não tiver que enfrentar Sérgio Carrinho que vai fazer o seu último mandato se ganhar as eleições. Até lá, Joaquim Garrido pode muito bem ser o bombeiro de serviço enquanto vai explicando aos eleitores porque é tão amigo de Sérgio Carrinho e não tem nada a acrescentar à política da CDU para o concelho. Neste meio tempo o PS parece que nunca existiu no concelho da Chamusca e Fernando Pratas, o administrador das empresas de Paulo Fonseca, pode ir fazendo contas de cabeça.
     A forma como tudo isto foi planeado e está a ser levado à prática é uma pequena vergonha. Pequena porque os homens que estão por detrás destas jogadas pouco sérias também são pequenas figuras da política. E, assim, certamente, nunca passarão do metro e meio. Claro que patrão e administrador não estão sozinhos nesta decisão. O PS local está solidário e Joaquim Rosa do Céu, o gestor de luxo da Entidade Regional de Turismo, agora tem mais tempo para fazer política partidária e, fazendo parte da restrita comissão autárquica, terá também a sua quota parte nesta decisão que, em nossa opinião, retira credibilidade ao PS e mostra como a política é cada vez mais um jogo de interesses inconfessáveis.
     Já escrevi aqui que Paulo Fonseca, o líder distrital do PS, tem ganho crédito político para liderar e devolver credibilidade ao Partido Socialista que se tornou num “saco de gatos” onde os mais assanhados são os militantes de Santarém, Tomar e Entroncamento por razões que todos conhecemos.
     Não acredito, como dizem por aí, que a vida assoberbada de Paulo Fonseca como empresário lhe roube a inteligência e o indispensável bom senso para continuar a mudar o rumo da história do PS que, também a nível local e regional, tem compromissos importantes com os cidadãos. A forma como o partido se está a preparar para estas eleições autárquicas não augura nada de bom. Mas esta é apenas a opinião de alguém que aprendeu a ver a política como uma disciplina da cultura e que acredita cada vez mais na sociedade civil e nos cidadãos descomprometidos com os partidos para que a nossa democracia se regenere.

quarta-feira, 22 de abril de 2009

Rosa do Céu e Vanda Nunes


     As mexidas nas regiões de Turismo já começaram a mostrar como o sistema está podre e caduco e apenas obedece a regras partidárias e a interesses inconfessáveis.
A escolha de Joaquim Rosa do Céu para presidir à Região de Turismo de Lisboa e Vale do Tejo já deixava adivinhar esta trapalhada. Rosa do Céu não é um bom político e muito menos será um bom gestor. A prova está aí. O primeiro orçamento foi aprovado quatro meses depois da sua tomada de posse. Rosa do Céu foi para a Região de Turismo de Lisboa e Vale do Tejo com todos os defeitos que tinha como presidente da Câmara de Alpiarça: medroso, calculista, ensimesmado, com a paranóia da perseguição. Acima de tudo incapaz e inábil.
     Só a sua ligação à família de Mário Soares é que lhe poderá ter dado este cargo que ele não merece nem tem estatuto para ocupar.
     Até há poucos meses tivemos um político reformado na região de Turismo do Ribatejo que conseguiu parar o tempo durante quase 30 anos. Mas o estatuto da anterior região de turismo é uma brincadeira comparado com este. Lisboa não se vai deixar governar como Santarém.
     É verdade que esta coisa das regiões de turismo são uma trapalhada para uns tantos ganharem um ordenado e somarem Poder. Mas atenção que com o turismo não se devia brincar. E Santarém é uma cidade bem castigada pela falta de ideias e de investimento nessa área. Lisboa é a capital e, embora tenha menos turistas por dia do que aqueles que se passeiam nas Ramblas, em Barcelona, é preciso mudar e já devia ter sido ontem. Por isso Rosa do Céu nunca deveria ter deixado a meio o mandato na câmara de Alpiarça. Lá a sua fraca figura ainda passava despercebida.
     A forma como Rosa do Céu e o Partido Socialista trataram a actual presidente da câmara de Alpiarça, Vanda Nunes, diz bem do carácter deste homem e desta gente. A desculpa para a marginalização a que foi votada numa futura lista foi resultado de uma suposta entrevista em que Vanda Nunes terá dito que não queria ser candidata. Ninguém sabe de tal entrevista. Muito menos se percebe como é que gente, comprometida com os destinos de um país moderno e de uma sociedade mais justa, se comporta desta maneira irracional, faltando ao diálogo e ao cumprimento dos princípios éticos mais elementares.
     Joaquim Rosa do Céu passou de presidente pobre da câmara de Alpiarça a gestor de luxo de uma Região de Turismo. Dá para perceber que em termos de estatuto faz toda a diferença. O problema é que a importância dos cargos, com Rosa do Céu e com todos os políticos, ao mostrarem maiores sinais de Poder, deixam ver também com mais clareza a falta de carácter na defesa de princípios como a solidariedade, um dos principais valores de uma sociedade humanista.

quarta-feira, 15 de abril de 2009

Uma viagem no mês de Abril


Resolvi mudar de barbeiro no meu último regresso à cidade do Rio de Janeiro. Por sorte voltei a encontrar outro português. A diferença entre este e o último é a paixão pela política e por Portugal. Nunca na vida, em vinte minutos, o tempo que demorou a aparar a barba e rapar a cabeça, ouvi tantas vezes o nome de Mário Soares e de Marcelo Caetano. Foi nesse dia que tomei verdadeira consciência da forma como Mário Soares é um símbolo do 25 de Abril dentro e fora do país. E foi nesse dia também que resolvi meter pernas ao caminho para visitar o túmulo de Marcelo Caetano no cemitério de S. João Batista.
Quando li os livros “ Confidências no Exílio” e “Correspondência com Marcelo Caetano 1974-1980”, da autoria do ilustre escalabitano e Historiador Joaquim Veríssimo Serrão, fiquei admirado com a devoção e a nobreza daquela amizade que uniu os dois homens. Os livros são dos mais importantes testemunhos do que foi o período mais conturbado do 25 de Abril e da Revolução dos Cravos. Não é o lado mais agradável da História. Não são livros de boas memórias. São certamente testemunhos e documentos únicos para percebermos melhor o mundo em que também somos protagonistas.
Foi depois de ler estes dois livros que percebi melhor o drama de Marcelo Caetano. E fui até ao cemitério de S. João Batista para visitar a campa do homem que, lembro-me bem, entregou os destinos do país aos militares colocando as mãos no ar para que a revolução não fosse violenta. E não foi. A prova de que Marcelo Caetano era um homem de bem está gravada numa placa de mármore, colocada em cima da sua campa, com uma frase assinada por baixo com as iniciais do seu nome: Mentiria se dissesse que não tenho saudades desse sol e da boa gente que de longe me tem acarinhado.
O mausoléu é simples mas destaca-se dos restantes em volta. Um busto, não assinado, a bandeira portuguesa e brasileira, e uma cruz com duas espigas de trigo, uma delas derrubada, são as únicas marcas que identificam a campa do antigo Chefe de Estado português. Ao lado da citação saudosa de Marcelo Caetano está uma outra de Joaquim Veríssimo Serrão que reza assim: O seu calvário vai ficar como chaga aberta nas nossas consciências porque foi desumano e injusto.
Pela identificação da campa soube que o chão foi comprado na hora. Embora a secretaria do cemitério “não seja lugar de informações” consegui descobrir que Marcelo Caetano não está no livro dos mortos ilustres. Mas a maior surpresa, ao encontrar o carneiro perpétuo de Marcelo Caetano, depois de andar mais de uma hora perdido no cemitério de S. João Batista, foi descobrir que o vizinho do lado é Nelson Rodrigues, o “Anjo Pornográfico”, um dos maiores jornalistas e escritores de língua portuguesa, um mestre da escrita e da vida. O seu busto contrasta com o de Marcelo Caetano. E as homenagens na sua campa, a começar pela placa da TV Globo, são ainda mais evidentes na comparação com o mausoléu de Marcelo Caetano que, à vista desarmada, salienta-se apenas pela negritude do mármore e a dignidade do busto.
A campa de um Manuel Joaquim ( nome português mais popular no Brasil) que morreu em 1975, fica ali por perto. Foi lá que me sentei durante meia hora para mastigar as palavras do barbeiro da Avenida de Nossa Senhora de Copacabana e para sentir aquela sensação boa do viajante que contrastava na altura com a do barbeiro emigrante. Foi ainda nesse dia que comprei a maior parte das obras de Nelson Rodrigues. E, por obra do destino, foi também nessa viagem que cimentei uma das minhas melhores amizades com duas pessoas de excepção: o jornalista e crítico de arte André Seffrin e a sua mulher Lia Sampaio.

quarta-feira, 8 de abril de 2009

O chefe e os lacaios


“A gente sente calafrios quando considera este abismo da imbecilidade humana e se lembra de que também assim podia ser”. Antero de Quental.

Há pessoas que só sabem viver rodeadas de lacaios. Como não têm a natureza dos líderes vivem permanentemente para serem os chefes da manada. O problema, ainda maior, é que andam sempre horrorizadas com a possibilidade de acabarem como cordeiros do sacrifício.
Gostava de dizer estas palavras a uma pessoa que conheço e a quem assentam como uma luva. Escrevi-as para isso mesmo: para as dirigir a um nome próprio. Depois de as escrever percebi que ia fazer uma grande maldade a mim mesmo; a pessoa é minha amiga apesar de tudo. É fraca por natureza; julga-se permanentemente perseguida e não há outro poder maior no mundo do que aquele que emana da sua poderosa voz; o mundo é tudo o que se vê e não se vê da sua torre de marfim; mas a pessoa é minha amiga apesar de tudo; se não é muito amiga pelo menos sabe demonstrar algum afecto; devo deixar-lhe aqui o recado mas é melhor evitar o incómodo de lhe citar o nome.
Nem toda a verdade se diz, nem se diz a verdade toda—Eis um postulado impeditivo, espécie de aziar humano com que nem todos se conformam. A verdade que se pensa, a verdade que se sente, a verdade que se prova, desde que seja necessária e útil, porque não há-de expressar-se nua e crua? O texto é de um livro editado em 1918 da autoria de Ricardo Jorge (Contra um Plágio) que eu um dia reeditarei com dinheiro do meu bolso se não conseguir entusiasmar uma editora. A lembrança vem a propósito porque eu contrario nesta crónica tudo aquilo que é a singularidade deste livro.
Como escrevo aos encontrões, e vou adiando a publicação de textos como adio as minhas viagens à Rússia, reencontrei nestes últimos dias a escrita soberba de Nelson Rodrigues no livro “A Menina Sem Estrela”. Foi lá, entre um conjunto de oitenta belíssimas crónicas, que voltei a encontrar-me com a sabedoria das palavras e de onde retirei uma outra frase que diz tudo sobre a origem do texto desta crónica que leva destinatário certo. Somos realmente uns impotentes da admiração. Cochichamos o elogio e berramos o insulto.

quarta-feira, 1 de abril de 2009

De Santarém a Nova Iorque


Na passada semana sentei-me ao balcão de um café de Santarém para almoçar. A Joana fazia-me companhia. Um homem na casa dos setenta anos sentou-se ao nosso lado, sorridente, com o Correio do Ribatejo na mão. A Joana olhou para mim e segredou-me: sabe em que página é que ele vai abrir o jornal? Nem tive tempo de responder; numa fracção de segundo o nosso companheiro estava a consultar a página de necrologia do Correio do Ribatejo e a comentar com a Joana, que não perdeu tempo a meter conversa: “Esta semana safei-me. Sei que tenho lugar marcado aqui neste jornal dos mortos. Mas esta semana ainda sou do reino dos vivos”.
Num estudo sobre a importância da imprensa local, publicado há muitos anos, alguém chamou a minha atenção para a realidade de um jornal do concelho de Chaves que tinha um número razoável de assinantes que não sabiam ler. Rezava o documento que aqueles leitores, ao responderem ao questionário que esteve na origem do estudo, disseram que pelas fotografias do jornal sabiam tudo o que se passava na sua aldeia.
Escrevo esta crónica num quarto de hotel na cidade de Nova Iorque depois de passar a tarde numa livraria da Quinta Avenida consultando e folheando dezenas de livros e revistas. Apesar de não saber escrever e ler em inglês, metade do tempo em que andei pela cidade foi passado numa livraria a consultar as melhores revistas de arte e informação, assim como os livros dos meus autores preferidos.
Mesmo sem saber ler e escrever em inglês sinto o papo cheio de conhecimento e apetece-me aplicar a mim próprio a ideia de que o entusiasmo é universal, frase que Camilo Castelo Branco usou num dos seus romances ao referir-se a alguns lavradores de Trás-os-Montes que, naquele tempo, “adicionaram à leitura do Borda-de-Água algumas prelecções escritas de economia política pois esperavam concorrer ao mercado de Sevilha com cereais e repolhos das próximas colheitas”.
PS: Propositadamente a crónica desta semana tem três linhas a menos que deveriam ser preenchidas com as palavras que explicariam de que matéria é feito o meu entusiasmo universal. Remeto os leitores para um livro de José Maria Fonollosa, “Nova Iorque, Cidade dos Homens” que, dizem, é o melhor retrato da cidade escrito por um poeta que nunca cá pôs os pés.