quarta-feira, 15 de abril de 2009

Uma viagem no mês de Abril


Resolvi mudar de barbeiro no meu último regresso à cidade do Rio de Janeiro. Por sorte voltei a encontrar outro português. A diferença entre este e o último é a paixão pela política e por Portugal. Nunca na vida, em vinte minutos, o tempo que demorou a aparar a barba e rapar a cabeça, ouvi tantas vezes o nome de Mário Soares e de Marcelo Caetano. Foi nesse dia que tomei verdadeira consciência da forma como Mário Soares é um símbolo do 25 de Abril dentro e fora do país. E foi nesse dia também que resolvi meter pernas ao caminho para visitar o túmulo de Marcelo Caetano no cemitério de S. João Batista.
Quando li os livros “ Confidências no Exílio” e “Correspondência com Marcelo Caetano 1974-1980”, da autoria do ilustre escalabitano e Historiador Joaquim Veríssimo Serrão, fiquei admirado com a devoção e a nobreza daquela amizade que uniu os dois homens. Os livros são dos mais importantes testemunhos do que foi o período mais conturbado do 25 de Abril e da Revolução dos Cravos. Não é o lado mais agradável da História. Não são livros de boas memórias. São certamente testemunhos e documentos únicos para percebermos melhor o mundo em que também somos protagonistas.
Foi depois de ler estes dois livros que percebi melhor o drama de Marcelo Caetano. E fui até ao cemitério de S. João Batista para visitar a campa do homem que, lembro-me bem, entregou os destinos do país aos militares colocando as mãos no ar para que a revolução não fosse violenta. E não foi. A prova de que Marcelo Caetano era um homem de bem está gravada numa placa de mármore, colocada em cima da sua campa, com uma frase assinada por baixo com as iniciais do seu nome: Mentiria se dissesse que não tenho saudades desse sol e da boa gente que de longe me tem acarinhado.
O mausoléu é simples mas destaca-se dos restantes em volta. Um busto, não assinado, a bandeira portuguesa e brasileira, e uma cruz com duas espigas de trigo, uma delas derrubada, são as únicas marcas que identificam a campa do antigo Chefe de Estado português. Ao lado da citação saudosa de Marcelo Caetano está uma outra de Joaquim Veríssimo Serrão que reza assim: O seu calvário vai ficar como chaga aberta nas nossas consciências porque foi desumano e injusto.
Pela identificação da campa soube que o chão foi comprado na hora. Embora a secretaria do cemitério “não seja lugar de informações” consegui descobrir que Marcelo Caetano não está no livro dos mortos ilustres. Mas a maior surpresa, ao encontrar o carneiro perpétuo de Marcelo Caetano, depois de andar mais de uma hora perdido no cemitério de S. João Batista, foi descobrir que o vizinho do lado é Nelson Rodrigues, o “Anjo Pornográfico”, um dos maiores jornalistas e escritores de língua portuguesa, um mestre da escrita e da vida. O seu busto contrasta com o de Marcelo Caetano. E as homenagens na sua campa, a começar pela placa da TV Globo, são ainda mais evidentes na comparação com o mausoléu de Marcelo Caetano que, à vista desarmada, salienta-se apenas pela negritude do mármore e a dignidade do busto.
A campa de um Manuel Joaquim ( nome português mais popular no Brasil) que morreu em 1975, fica ali por perto. Foi lá que me sentei durante meia hora para mastigar as palavras do barbeiro da Avenida de Nossa Senhora de Copacabana e para sentir aquela sensação boa do viajante que contrastava na altura com a do barbeiro emigrante. Foi ainda nesse dia que comprei a maior parte das obras de Nelson Rodrigues. E, por obra do destino, foi também nessa viagem que cimentei uma das minhas melhores amizades com duas pessoas de excepção: o jornalista e crítico de arte André Seffrin e a sua mulher Lia Sampaio.

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