quinta-feira, 25 de janeiro de 2024

A nota de cinco contos e a recordação que fica da Dª. Ricardina Vital

Morreu recentemente a Dª. Ricardina do Café Vital, esposa do António Vital, mãe do Jorge e do Rui, que teve um café, mais tarde também restaurante, onde eu quando era rapaz ia ver na televisão as corridas de touros e os jogos do Sporting.


Há histórias que não podem morrer connosco. Não é para nos imortalizarmos porque no resto tudo são borras; é só para correspondermos a quem espera de nós atitude, perseverança, boa memória, bairrismo, postura na vida, pelo menos enquanto cá andamos somos respeitados e respeitamos.

Morreu recentemente a D. Ricardina do Café Vital, esposa do António Vital, mãe do Jorge e do Rui, que teve um café, mais tarde também restaurante, onde eu quando era rapaz ia ver na televisão as corridas de touros e os jogos do Sporting. A Dª. Ricardina foi minha vizinha durante muitos anos e assim pôde testemunhar o crescimento dos meus filhos. Um dia o mais novo, talvez com sete anos, foi à carteira da mãe, tirou uma nota de cinco contos, fez o caminho de casa até ao restaurante que fica a duas dezenas de metros da minha casa, e entrou para encomendar e pagar um frango assado para o almoço.  A Dª. Ricardina não estranhou a encomenda mas perguntou ao Bernardo onde é que ele tinha ido desencantar a nota de cinco contos. A resposta foi pronta e rápida; “não se preocupe; a minha mãe tem na carteira muitas notas iguais a esta”.

Conto esta história porque a Dª. Ricardina era uma mulher que podia ser minha mãe.  E muitas vezes conversou comigo como se eu fosse seu filho, mas também um homem com quem ela podia desabafar as alegrias e as misérias da vida sabendo que eu era de confiança. Dificilmente uma pessoa que trabalha uma vida inteira atrás de um balcão, como foi o caso da Dª. Ricardina Vital, não deixa marcas naqueles com quem convive mais de perto ao longo de dezenas de anos. Foi o caso.

Eu próprio, entre os 11 e os 22 anos, fiz-me homem atrás de um balcão. E muito cedo comecei a ser confidente de homens que passavam o dia na taberna ou na cervejaria do meu pai, alguns viciados no álcool, amparo na conversa das suas mães e esposas que me pediam ajuda, dos segredos de alcova de uns e outros, dos dramas de todos os dias das pessoas mais pobres, mas também das remediadas, que isto de viver angústias, dificuldades financeiras e problemas sentimentais não é exclusivo dos menos sortudos e afortunados da vida. 

Aos 14 anos pedi namoro a uma rapariga porque alguém me deu a dica que tinha caminho aberto, porque o meu pai era comerciante e vivia em casa própria, e ela vivia com a família numa casa de paredes de terra com boa parte do telhado em chapas de zinco.  Acho que foi a primeira vez que percebi o drama da existência de classes e como funcionava a cabeça de quem achava que riqueza era beber água por um copo e pobreza era beber directamente da torneira. Cinco anos antes deste episódio a cozinha da minha casa era de chão de barro, tomávamos banho num alguidar e a sanita era um buraco ao fundo do quintal atravessado por uma tábua onde nos agachávamos. E as divisões da minha casa, construídas com tijolo de burro, eram tão modernas que eu tinha que tapar a cabeça com a roupa da cama para não ouvir os meus pais no truca truca.

A Dª. Ricardina Vital fica certamente na memória de centenas de pessoas, como ficam alguns dos nossos familiares mais chegados. Há pessoas das nossas comunidades que muitas vezes nos marcam mais que as pessoas da família. Não precisaram de ter andado connosco ao colo, ou de nos terem matado a fome, sequer de nos ampararem nos maus momentos; bastou que nos tivessem aberto os olhos de forma a crescermos como Homens e sabermos diferenciar-nos. JAE.

quinta-feira, 18 de janeiro de 2024

Portugal é o país das pessoas mais tristes do mundo

Portugal, o país da palavra saudade, é o lugar onde vivem as pessoas mais tristes do mundo, a confiar no que conhecemos, vemos e não podemos ignorar.

Sempre que a política se mete à minha frente e me rouba a possibilidade de ler um livro com atenção, ver um bom filme, conversar em casa sobre o que me interessa desabafar, desligo a televisão ou tiro-lhe o som. Foi o que fiz este fim-de-semana em que as televisões voltaram a preencher horas e horas de programação a custo zero, já que os actores foram os políticos do Chega, reunidos em Congresso. Foi assim também quando reuniu o PS e elegeu o seu novo timoneiro. Para quem não sabe quanto custa produzir uma hora de televisão, imaginemos o que poupam as empresas quando têm o espectáculo da política para produzirem, sem terem que pagar a actores, realizadores, maquilhadores, aluguer de instalações, enfim, um nunca mais acabar de despesas que fazem da televisão a máquina mais cara do mundo, mas que elege presidentes da República.

As condenações que saíram do Tribunal de Santarém para os envolvidos no acidente da artista Sara Carreira fariam corar de vergonha os responsáveis pela Justiça, se houvesse quem respondesse pelo que se passa nos tribunais portugueses. Um condutor com excesso de álcool no sangue, a conduzir a uma velocidade abaixo do permitido na auto-estrada, provocou um acidente que resultou numa tragédia. Os envolvidos no acidente (provocado por uma pessoa irresponsável, sem estar no seu perfeito juízo), que podiam ter morrido como aconteceu a Sara Carreira, sobreviveram para irem a tribunal e serem condenados a uma pena quase comparada à do condutor irresponsável que provocou a tragédia. Uma vergonha. Os portugueses não merecem os políticos que temos e muito menos a Justiça que nos julga. É verdade que tudo funciona, e que podemos escrever “Aqui Del’Rei” sem sermos presos ou mortos na forca, mas pelo meio há muita gente que sofre, que é obrigada a viver medicamentada porque sem químicos não aguenta as injustiças do sistema político e judiciário.

A grande notícia desta semana foi a manchete do jornal Expresso: “30% dos jovens nascidos em Portugal vivem fora do país”. Li o artigo e apesar de me considerar uma pessoa bem informada estava longe desta realidade. É por isso que não há juízes suficientes para que a Justiça não seja controlada pelo poder político como acontece em muitos tribunais, onde o Administrativo é um bom e pornográfico exemplo;  é por isso que não há médicos suficientes; é também por isso que a crise de professores, onde se formam os homens de amanhã, vai ser um drama para o futuro; é por isso que os cretinos sobem na hierarquia dos partidos políticos e facilmente seguem o exemplo de Vítor Escária, que, apesar de ser chefe de gabinete do primeiro ministro de Portugal, tinha mais dinheiro vivo no seu gabinete de trabalho que todas as dependências dos bancos em Santarém.

Portugal, o país da palavra saudade, é o lugar onde vivem as pessoas mais tristes do mundo, a confiar no que conhecemos, vemos e não podemos ignorar. No ano em que comemoramos meio século da revolução dos cravos, a Justiça (os funcionários dos tribunais), a Autoridade (a PSP, GNR e a ACT), o Ensino (os professores e os funcionários das escolas), a Saúde (os médicos e os enfermeiros), estão na rua a gritar protestando melhores condições para poderem trabalhar, para além de pedirem também melhores remunerações. Entretanto os políticos do regime, PS e PSD, deixam falir as instituições e desmotivam os trabalhadores do Estado, abrindo caminho a um novo Messias que promete eliminar a corrupção e o desvario em Portugal enquanto o Diabo esfrega um olho.

Se tivesse 20 ou 30 anos não hesitava e juntava-me aos 30% dos jovens que fugiram do país e dos políticos mentirosos e trapaceiros. JAE.

quinta-feira, 11 de janeiro de 2024

Não escrevo sobre política nem que me matem

Vi e ouvi António Costa no congresso do PS e não quis acreditar; em Burgos há uma estátua ao leitor de jornais que revi num jornal onde o colunista cita Mário Quintana: “Os verdadeiros analfabetos são aqueles que aprenderam a ler e não lêem”.

Comecei o ano a reler livros e a passar os olhos pelos jornais que se acumulavam na minha secretária de trabalho. De tanto ler fico de espírito cheio, incapaz de escrever uma linha ou dedicar-me ao trabalho de escrutinar o que se passa à minha volta. A leitura aperfeiçoa a escrita mas é para quem vive de escrever. Não é já o meu caso. Escrevo cada vez menos e leio cada vez mais. Nada me cega mais que a leitura de livros e de artigos de revistas e jornais que me dão de volta aquilo que já esqueci ou de que me lembro só em parte.

Em Burgos, a cidade que tem uma das catedrais mais lindas do mundo, há uma estátua na Plaza Mayor dedicada ao leitor de jornais. Revi a imagem num jornal daqueles que chegam pela Internet e tomei nota da frase do colunista, roubada a Mário Quintana, que me avivou a memória: “Os verdadeiros analfabetos são aqueles que aprenderam a ler e não lêem”.

Não vou voltar a escrever sobre a crise na imprensa, da nacional à local e regional, mas não deixo passar o pretexto para lembrar que a maioria dos jornais locais, regionais, e até alguns nacionais, estão com tiragens e vendas de mil exemplares. Como é evidente há um clamor por aí mas não chega para iluminar o santo padroeiro da imprensa. Quem tiver que morrer já tem o seu destino traçado, como foi o caso recente do jornal Nova Verdade, um jornal da Igreja que chegou aos 91 anos mas não resistiu ao ano velho. Neste meio tempo o senhor Arons de Carvalho, que é uma das personagens mais sinistras dos governos democráticos, escreveu no jornal Público aquilo que nem o Diabo se atreveria, como se ele não fosse um dos maiores responsáveis pelo facto de Portugal ser um dos poucos países da Europa que não tem um plano para ajudar a imprensa.

Não escrevo sobre política nem que me matem. Escrevo só sobre Pedro Nuno Santos e António Costa porque vi, enquanto jantava, umas imagens na televisão que me doeram. António Costa foi enxovalhado enquanto primeiro-ministro ao ponto de ter que se demitir dois anos antes do seu Governo acabar o mandato de maioria absoluta. Foi ontem mesmo que saiu do Governo de Portugal envergonhado e enxovalhado pelo seu chefe de gabinete que num processo que também o envolve foi apanhado com 80 mil euros em dinheiro vivo escondidos no seu gabinete. Nada disto o motivou a ficar no seu cantinho e a deixar os seus sucessores abraçarem-se e beijarem-se e festejarem nova vida no PS sem o cheiro dele por perto. “Os homens jamais fazem o mal tão completamente e com tanta alegria como quando o fazem a partir de uma convicção religiosa”, disse Pascal, que em vez de “religiosa” podia ter escrito “política”. JAE.

quinta-feira, 4 de janeiro de 2024

Terrorismo de Estado e a luta na Justiça

Vou começar o ano em tribunal a defender o jornal e o nosso trabalho contra gente que acha que o dinheiro lhes dá poder e lhes permite arbitrariedades sem escrutínio. Entretanto o país vai para eleições, mas até agora ninguém garante que o socialismo ou a social democracia nos livram do terrorismo de Estado.

A primeira crónica do ano novo é para pedir meças a mim mesmo. Estive envolvido num texto em que as fontes do jornalista eram figuras importantes da nossa vida associativa, mas a quem O MIRANTE não dá tréguas por serem manhosos nas suas decisões, um pouco facínoras nas suas vidas pessoais e profissionais. Devia começar o ano a partir a loiça, mas tenho a certeza que me ia acontecer o mesmo que aquele que respondeu à cuspidela de uma criança com outra cuspidela; se o adulto não desse parte de fraco perante a criança ainda hoje estavam os dois a cuspir um no outro. Vai daí que resolvi seguir a velha máxima de que “cá cantarás”.

Vou começar o ano em tribunal, que é uma coisa a que já estou habituado, embora hoje muito menos do que antigamente. Mas lá estarei mais uma vez para defender o jornal e a empresa editora de O MIRANTE. A luta na justiça é contra gente que tem o rei na barriga, que acha que pode pisar sem levar troco, que julga que o dinheiro dá estatuto e sabedoria. Este trabalho de liderar um projecto de comunicação social pode tornar-se perigoso, mas é para quem trabalha nele; ficamos de tal modo apaixonados pelo que fazemos que nos esquecemos de viver a vida. Não me posso queixar porque falo de barriga cheia; estou em processo acelerado de descer à terra, mas para não chatear quem me lê dispenso-me de contar como aqui cheguei e o que ainda tenho para andar.

António Costa caiu com o seu Governo de maioria absoluta por causa do dinheiro que o seu chefe de gabinete, Vítor Escária, tinha escondido nas estantes do seu espaço de trabalho. A comunicação social não devia deixar dourar a pílula. António Costa só tinha um caminho a seguir depois do seu chefe de gabinete ser apanhado com dinheiro vivo escondido. Se fossem oito mil euros já era um escândalo; como eram 80 mil euros tornou-se um facto histórico que vai manchar para sempre a história deste último Governo.

Só a comunicação social pode ajudar o país a não esquecer os factos graves que derrubaram o Governo. Infelizmente esse quarto poder, que é a comunicação social, está cada vez mais depauperado; parece que há um terrorismo de Estado contra os jornais e os jornalistas, a confiar no desprezo que o Poder tem dedicado ao sector da comunicação social. De verdade não é só com a comunicação social; é também com a justiça, onde faltam funcionários, com a saúde onde faltam médicos, com o ensino onde faltam professores e escolas em condições, e fico-me por aqui. De nada nos vale termos no poder políticos socialistas e social democratas, já que de socialismo e social democracia só sabemos o que é em teoria; na prática quem manda são os grandes oligarcas da nossa economia, como aliás tem sido bem visível desde a queda do Grupo BES, e dos esquemas que foram montados e ainda estão armadilhados para mal dos nossos pecados. JAE.