quarta-feira, 30 de setembro de 2009

A sombra das figueiras


A sombra mais fresca é da figueira. Depois a seguir talvez seja a da laranjeira. São palavras que cito de memória de uma das últimas conversas com o meu vizinho João Brás. Há dias, no velho porto de Marselha, numa visita a correr, resolvi dar uma volta sem olhar para o relógio. Quando comecei a sentir a camisola suada o sol estava a pique. De repente, onde só se vêem turistas sentados nas esplanadas, gente passeando e barcos atracados com sonhos milionários lá dentro, uma figueira surgiu no caminho. Corri para debaixo dela e ocupei quase metade da sua sombra. E de repente fez-se luz por causa da sombra tão fresca e da nobreza daquela pequena árvore que ocupa um importante lugar no grande, rico e sumptuoso porto de Marselha.


Tenho fascínio pela figura que foi Pablo Picasso e vou atrás do seu passado como um estudante atrás do seu mestre. No entanto se tivesse dinheiro para comprar objectos de arte não comprava Picasso. As suas obras são muito caras e a sua pintura e escultura não é realmente a que mais me encanta.
O que me fascina é a história da sua vida; o percurso do artista, as mulheres que amou e pintou, os negócios que fez, os amigos com quem conviveu, a sua arte para viver a vida e para saber viver da sua arte.
De Paris a Barcelona, de Aix-En-Provence a Antibes, de Málaga a Nova Iorque, Picasso rende mais que as receitas diárias do petróleo do Médio-Oriente. E à volta de Picasso tudo serve para uma exposição. A última homenagem em França leva-nos de Vauvenargues a Cagnes-sur-Mar, de Avinhon a Saint-Paul-De-Vence, de Les Baux-De-Provence a Nice, só para citar alguns lugares na Côte D’ Azur. E num destes lugares, onde construíram o Museu das Imagens, o espectáculo à volta da arte de Picasso é tão grandioso que parece maior que a força da sua arte (como se isso fosse possível!).
Depois, e para acabar que a crónica vai chata, fascina-me ver Picasso ao lado de senhoras e senhores que, aparentemente, passam a vida (quando não viajam em férias) na igreja ou de joelhos perante a adversidade, quando toda a arte de Picasso é provocação e subversão.


Uma mulher da minha terra, que dantes comprava chocolates para os meus filhos, morreu um dia destes. Deixou escrito que queria ser cremada e as suas cinzas lançadas ao mar. Como gostava muito de flores também deixou escrito que queria que dessem aos pobres da terra, em dinheiro vivo, o equivalente ao que gastariam se tivessem que enfeitar a sua urna.
E eu já não choro a morte da minha avó mas todos os dias me lembro dela como me lembro da sombra das figueiras da minha infância.

quinta-feira, 24 de setembro de 2009

Um território de índios


A facilidade com que um cidadão monta uma barraca no leito do rio Tejo e em poucos dias transforma a barraca num local para viver, com esplanada, arame de roupa, pocilga e jardim privado, depende da criatividade de cada um.
Quem passa todos os dias por cima da Ponte D. Luís, em Santarém, e olha lá para baixo, pode observar a recente construção de um desses espaços, talvez o princípio de uma nova urbanização para a história, quem sabe um bom pretexto para que a Região de Turismo cá do sítio possa mostrar trabalho no estrangeiro e assim atrair os turistas que passam a cem à hora na A1 directos a Fátima e a Tomar.


Colocar publicidade nas árvores e nos postes da EDP à beira da estrada é uma grande falta de civismo e de respeito e demonstra hábitos e costumes requentados.
Quem viaja por Espanha e França, só para citar os países vizinhos, percebe que a paisagem também é património e não pode ser poluída com mensagens publicitárias. Sabendo que muitos dos nossos autarcas passam férias nesses países não se percebe a sua falta de sensibilidade para as questões do património. Aqui, neste território de índios, são algumas autarquias que acabam a dar o exemplo. Um triste exemplo que demonstra bem a nossa falta de cultura cívica.


Os problemas que prejudicam o turismo na nossa região dariam pano para mangas se houvesse alguém interessado neste tipo de alfaiataria. E não é só o escândalo dos dirigentes reformados que ocupam lugares à margem da lei. Os dinheiros gastos na recuperação de casas antigas e palacetes, aproveitando os fundos comunitários para o investimento no turismo rural, não passam, na maior parte dos casos, de farsas bem montadas para proprietários ricos valorizarem o seu património. É um escândalo mas ninguém liga. Os governos do país vão-se sucedendo e como a principal preocupação dos políticos é assegurarem os tachos não há vigilância sobre os dinheiros públicos que foram gastos em projectos que depressa, e à boa maneira portuguesa, são adulterados.
As rotas do vinho e do touro bravo são outros dois bons exemplos. Quanto é que se gasta em promoção de actividades dirigidas ao turismo que não existe? Quanto é que cada proprietário recebeu ou recebe para fingir que faz parte de um projecto turístico que não recebe turistas nem nunca recebeu ?


José Sócrates fez bem em vir a Santarém lembrar ao país que para o PS é muito importante ter o voto de Francisco Moita Flores, o presidente da CMS eleito nas listas do PSD. António Carmo já disse que vai ganhar a autarquia a brincar falando para uma plateia de trezentos militantes e simpatizantes do PS. Somando todas as declarações e posições políticas apetece dizer; é lá agora o José Sócrates, por precisar do voto de Francisco Moita Flores, que vai pôr em causa a vitória de António Carmo nas eleições autárquicas em Santarém que se realizam quinze dias depois das legislativas!
Sabem o que é que eu acho? Já não há tipos com tomates. Estão todos a trabalhar para o Estado e ao serviço da República. Da República dos tempos dos filmes da Beatriz Costa.

quarta-feira, 16 de setembro de 2009

Notícias da minha terra


Há muitos anos assaltaram-me a loja (no verdadeiro sentido da palavra).
Às quatro horas da manhã bateram-me à porta e quem deu o alerta disponibilizou-se para ir comigo à caça dos gatunos. Uma hora depois do assalto, usando um pequeno truque (que não tem interesse contar para o caso) e o conhecimento que tínhamos das ruas da vila, apanhamos à mão dois dos gatunos (havia um terceiro mas nunca foi possível provar) numa rua do centro da Chamusca da mesma forma como dantes se apanhava peixe nas lagoas.
No dois para dois com os gatunos fui eu o primeiro a ceder. Nunca fui bom a brigar e, sempre que briguei, noutros tempos, era mais com o vinho que com pessoas. No dois para um, que começou logo que eu deixei fugir o gatuno que me tinha calhado, foi então mais fácil levar até à porta da GNR o gatuno que sobrava. Chegou de braço torcido, com alguns murros pelo caminho para acalmar.
O repórter do jornal da minha terra foi à procura da notícia no dia seguinte.
Contei-lhe o que se tinha passado mas pedi-lhe para não publicar a notícia.
Como era amigo dele, e para além de amigo era colaborador e anunciante regular do jornal, a notícia acabou por não ser publicada.
Resolvi recordar esta história para realçar o facto de ser muito fácil, quando se dirige um pequeno jornal, editá-lo à medida dos interesses de quem o dirige ou das pessoas que lhe estão próximas. Embora tenha fundado O MIRANTE com outro espírito não me custa reconhecer que nos primeiros tempos, enquanto fui aprendendo, também cometi alguns erros de amador, como cometeu o meu amigo repórter do jornal da minha terra.
Foram essas experiências, algumas dolorosas, que me obrigaram a apostar mais neste jornal e a fazer de O MIRANTE um projecto profissional e de serviço público.
O facto de viver na mesma rua que muitos dos protagonistas de algumas das nossas notícias, dá a ideia de que sou eu que as escrevo, ou que sou eu que as procuro e mando agendar para dar trabalho à redacção. Aliás, é isso que pensam muitas pessoas que, depois de serem notícia, vão bater à minha porta para pedirem satisfações. E quando eu não abro a porta, por não estar em casa, não estão com meias medidas; se não podem pedir directamente a mim pedem a quem vive na mesma casa que eu.
Quando as notícias sobre as pessoas minhas vizinhas são boas e contentes a minha rua é um sossego e dorme-se à noite na minha cama como se os escapes rotos das motos e o ladrar dos cães fossem música para os meus ouvidos.
Quando as notícias sobre os meus vizinhos são amargas e pouco felizes até o barulho do relógio da igreja matriz a bater as horas faz da minha rua um verdadeiro desacato.
Como eu gosto cada vez mais da minha terra, da minha rua e dos meus vizinhos de sempre. 

quarta-feira, 9 de setembro de 2009

Burrinhos e um pouco salazarentos


No Museu das Belas Artes da cidade do México vi e admirei um quadro com um velho quase raquítico de barbas muito grandes tendo por perto uma jovem e bela mulher de seios desnudados. Diz a lenda que o velho foi preso pela guarda da cidade acusado de um crime que não terá cometido. O castigo foi a prisão e o jejum para que morresse o mais depressa possível.
Três meses depois de ser encarcerado, nas piores condições que se podem imaginar, o velho ainda sobrevivia. Quando alguém se lembrou dele, e foi tentar perceber o que é que o mantinha ainda vivo, sem comer e sem beber durante três meses, começou a correr a notícia de que poderia ser santo.
Um dia alguém espreitou na hora e no momento certo pelo buraco da fechadura e descobriu o segredo da resistência do velho. A sua filha, a jovem e bela modelo do quadro, que tinha sido mãe na noite em que o pai foi preso, alimentava-o durante as suas curtas visitas diárias dando-lhe o leite do seu próprio peito.
Lembrei-me da beleza desta história, recentemente, quando li uma das mais horríveis saídas da pena de um escritor excepcional que escreveu um dos livros que mais gostei de ler nos últimos tempos. Não partilho a história por ser demasiado violenta fora do contexto da trama do livro mas deixo a indicação do livro e do autor para quem gosta de novidades ( As Meninas da Numídia. Mohamed Leftah. Trad. de Jorge Pereirinha Pires. Edição Quetzal).


Tomei boa nota da visita de Hillary Clinton a Angola e a Cabo Verde e não ouvi nem li nada sobre a intervenção de Portugal na organização e preparação desta importante iniciativa para os dois países de língua portuguesa.
Portugal continua a ser um desastre na relação com os países de língua portuguesa. Temos a língua comum de alguns dos países cujas economias podem ser das mais emergentes do mundo, como é o caso do Brasil e de Angola, e ficamos nas covas sempre que a seguir s palavras precisamos de provar alguma coisa relativamente ``a importância que dizemos ter no vértice do triângulo Europa-África-América.
Burrinhos e um pouco salazarentos é o que somos ainda ao nível da política externa comparando com o que podíamos ter aproveitado desta visita de Hillary com o que recentemente nos aconteceu na Venezuela onde fomos pagar tributos indevidos ao fascista que governa aquele país.

quarta-feira, 2 de setembro de 2009

O brilho do ouro scalabitano


José Sócrates veio a Santarém receber o ouro oferecido pelo município scalabitano na semana em que voltamos a fazer manchete com a situação de incompatibilidade de Joaquim Rosa do Céu à frente dos destinos da Região de Turismo de Lisboa e Vale do Tejo.
A edição de O MIRANTE caiu nas mãos de Sócrates em plena visita ao convento de S. Francisco onde decorreu a cerimónia da entrega da medalha de ouro da cidade. Sem saber o que o esperava, Sócrates recebeu o jornal sorridente e resolveu ler, em voz alta, o título da manchete como para agradecer a oferta do jornal. Quando percebeu o incómodo da situação, que deixou também a comitiva mais próxima do primeiro-ministro em silêncio, desembaraçou-se do jornal e comentou com a voz ainda mais excitada que conhecia aquele personagem e que ele deveria andar por ali. E depois lá seguiu o caminho da mina de ouro que Francisco Moita Flores lhe apontou em pleno coração de Santarém, a cidade que Sócrates conhece apenas de brevíssimas passagens, ignorando, por exemplo, que no último reinado socialista foi a cidade portuguesa que mais licenças concedeu para a instalação de grandes superfícies comerciais, o negócio mais ruinoso para a economia de qualquer concelho.
O ouro entregue a Sócrates por Francisco Moita Flores não o desresponsabiliza das malfeitorias que o Partido Socialista continua a permitir, nomeadamente ao nível das regras de conduta de alguns dos seus dirigentes nacionais e locais. Um Partido com as credenciais do PS não pode dar guarida a dirigentes manhosos e mentirosos, que usam e abusam de obscuras manobras para se perpetuarem no Poder, seja ele qual for, minando e corrompendo o regime democrático.
Nas próximas eleições legislativas não voto Sócrates se este Governo não repuser a legalidade a tempo e horas em instituições onde reina o oportunismo e a negociata.
O facto de ter votado nele nas últimas eleições obriga-me a deixar claro que se quer o meu voto outra vez vai ter que pôr na ordem os gestores de luxo que minam as instituições, malfeitores que não conhecem o sentimento de culpa e para quem as noções de responsabilidade cívica e ética são tão importantes como aquilo que vai agora pelo Tejo abaixo.
Também não voto Ferreira Leite nem sob ameaça. Não me identifico com o PSD nem com os barões que tomaram conta do partido. Aparentemente este é o PSD mais retrógrado desde Cavaco Silva.
Se Sócrates não mostrar, nos dias que faltam para acabar a sua governação, o brilho do ouro scalabitano com que quiserem premiar as coisas boas que fez ao longo da última legislatura, votarei nos partidos alternativos e ainda sem representação parlamentar.