quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

Ir a Paris e regressar à caverna


O Expresso publicou este fim-de-semana uma reportagem sobre a nova vida do ex-primeiro-ministro José Sócrates em Paris. Sócrates não passa despercebido em lado nenhum muito menos em Paris a estudar Ciência Política (dava um Tratado esta opção de um dos principais dirigentes políticos portugueses dos últimos 20 anos ter ido estudar Ciência Política para Paris).
No dia em que a reportagem foi publicada jantei com Fernando Graça num restaurante do bairro Saint-Germain-Des- Prés. O Fernando tem cerca de 60 anos e é amigo de um amigo. Tínhamos este encontro prometido há muito tempo.
O Fernando diz com a língua solta que pertenceu ao “grupelho” do Palma Inácio; que foi amigo dele até ao fim da vida; que esteve preso antes do 25 de Abril o que não foi uma boa experiência; que trabalhou como gestor durante estes últimos 40 anos para as maiores empresas do mundo; que se fixou em Paris nos últimos anos mas sempre viveu entre Nova Iorque e Berlim com algumas passagens por Lisboa; conta que conhece de ginjeira os tipos dos partidos políticos que ganham a vida a mentir; e afiança que se se cruzar numa rua de Paris com Sócrates muda de passeio; diz ainda à boca cheia que os melhores portugueses lá fora são geniais e que em Portugal ninguém dá por eles; e repetiu até à exaustão que também conhece muito autarca e ministro que vai regularmente a Paris ver o mundo e depois regressa à sua caverna contente e feliz.
O meu hotel era perto do restaurante onde jantamos; mas uma hora antes apanhei um táxi conduzido por um português que me confessou que guarda os euros em casa porque deixou de confiar nos bancos. Na recepção do hotel a Liticia é filha de um casal de portugueses; o Gabriel é brasileiro; e havia pelo menos mais duas empregadas de limpeza que eram patrícias e cumprimentavam-me com sonoros bons dias.
Paris, onde Sócrates se refugiou depois de se ver livre da Troika, é a cidade mais rica e organizada do mundo. Em 2011, no ranking dos melhores investimentos, só o ouro, que valorizou cerca de 15%, foi tão bom investimento como a aposta no imobiliário da cidade-luz. Quem conhece Lisboa, ou Santarém, ou Vila Franca de Xira, ou Abrantes, e nunca olhou para uma cidade como Paris, não acredita que nos tempos que correm o investimento imobiliário numa cidade seja um dos melhores investimentos do mundo.

Nota: Enquanto vou actualizando, aos solavancos, a leitura acumulada do Libération, do Republica e do El País, dou conta que não há um único título português nos quiosques da cidade, nem sequer nos aeroportos. É assim em Paris e nas outras capitais da Europa. E a televisão em língua portuguesa é, mal comparado, o retrato do país dos anos vinte.

quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

O caso de duas crónicas desaparecidas


Uma senhora na casa dos setenta anos, empurrando um carrinho de bebé, entrou pela nossa porta adentro para comprar um espaço de publicidade a anunciar o desaparecimento do seu filho com cerca de 40 anos.
De olhos baixos, voz dorida, rosto macerado, a senhora discutiu o preço do anúncio até ao cêntimo. E não fosse a intervenção de alguém ligado à administração o anúncio tinha ficado pelas intenções.
Como é norma na casa daí a pouco já havia um jornalista a tratar do caso e a fazer notícia.
O MIRANTE tem uma porta aberta para a comunidade, serve os interesses de uma vasta região, e isso é um dos nossos maiores motivos de orgulho. E o jornal não é um negócio que está por detrás de um outro negócio. Quem aqui trabalha vive disto e só para isto. Desde sempre. Quem não sabia fica a saber. O MIRANTE é, ainda, o único jornal de referência em Portugal que não pertence a um grande grupo económico. Não sei se é bom se é mau. É a verdade.
Há um reverso da medalha que também merece ser contado. Há uns meses um pai babado, com voz de abelha, pediu a um jornalista um trabalho sobre o filho desportista que tinha ganho um daqueles prémios internos que os clubes dão aos seus melhores atletas. Como era um clube grande e de bons exemplos lá fomos nós dar visibilidade ao filho da abelha.
Dois dias depois do jornal seguir para o correio um camarada de outro sector do jornal passou pelo balcão do dito cujo e ofereceu-lhe a edição para ele se orgulhar da presença do filho nestas páginas que são pagas a bater sola pela região e graças à aposta dos nossos anunciantes.
A abelha fez cara de poucos amigos, inchou o rabo onde tinha um ferrão, e lá disse que tinha gostado muito de ver a foto do abelhinha mas que o texto era quase uma cópia daquilo que já tínhamos publicado há três anos numa outra edição; e que para isso valia mais estarmos quietos; e que dissesse lá ao director que estivesse de olho nos jornalistas; e que da próxima vez que tivesse mais novidades para dar sobre o percurso do desportista abelha cobrava o valor da notícia.
Estes dois exemplos, em tudo diferentes como a noite do dia, que marcam o dia-a-dia do nosso trabalho como jornalistas e homens da comunicação, servem para que deixe para sempre no computador duas crónicas sobre o jornalismo miserável das nossas televisões; os maçons; os banqueiros; as greves injustas e perigosas para a democracia dos maquinistas da CP e dos trabalhadores portuários que, sendo poucos, muito poucos, se aproveitam do facto de terem um poder que faz parar o país e deixa mais pobres milhões de portugueses que pagam a crise todos os dias.

quarta-feira, 11 de janeiro de 2012

O caso Rosa Damasceno


Esta semana não resisto a escrever sobre a leitura antecipada da edição de O MIRANTE que tenho o privilégio de ajudar a editar todas as semanas. Numa altura em que tanto se fala na reforma da justiça devemos ficar alerta para a decisão de um juiz que condenou a quatro anos e meio de prisão, com pena suspensa por igual período, um burlão que trabalhava para o BPN na zona de Fátima e que arrecadou, graças à sua esperteza, três milhões de euros à custa de uma instituição religiosa.
Pena suspensa para um gatuno que abusa da confiança dos seus clientes e da sua entidade patronal, desviando milhões de euros em seu proveito, é uma forma exemplar de constatarmos o estado a que a nossa justiça chegou. Quem a pode levar a sério após ler uma decisão dessas, é a questão que se coloca. A justiça, como pilar fundamental de um Estado de Direito, não pode empurrar-nos para a conclusão que o crime, ou pelo menos algum crime, aquele que vulgarmente é designado de “colarinho branco”, compensa e de que maneira.
Facto relevante nesta edição é também a Câmara de Santarém que aparece com assuntos de tribunal em quatro peças, todas elas de interesse jornalístico mais do que justificado. O caso Rosa Damasceno é um bom exemplo que ainda dura da gestão socialista e dos interesses instalados durante o mandato de Rui Barreiro, Idália Moniz e companhia. Que pena vivermos numa região sem gente valorosa na política. A peça que escrevemos sobre o Rosa Damasceno deixa perceber como os políticos e os advogados da Câmara de Santarém foram inábeis e irresponsáveis. Deixar esta gente impune, pelo menos à luz da opinião pública, é crime tendo em conta que vivemos num mundo global onde toda a gente tem acesso aos meios de comunicação social e, na sua grande maioria, os jornais são tribunas abertas à participação dos cidadãos.
O conflito que começou agora, entre a autarquia escalabitana e o empreiteiro, nas obras do antigo matadouro, não deixa de ser também um bom exemplo dos tempos conturbados que se vivem na autarquia que corre o risco de falir por falta de dinheiro e por falta de políticos à altura de uma boa gestão da coisa pública. Santarém precisa de se livrar deste estigma do conflito e do incumprimento. Já era tempo de alguém, com respeito na opinião pública, propor um debate sobre que cidade é esta e de que forma é que os cidadãos podem ajudar para merecerem uma cidade melhor.

quinta-feira, 5 de janeiro de 2012

Maria Ondina Braga


“Quando a China despertar o mundo tremerá”. Tenho este livro, comprado em 1975, editado pelo Círculo de Leitores, na minha biblioteca pessoal. Lembro-me do dia em que o comprei como se fosse hoje. Tinha que escolher um livro. Era obrigatório naquele tempo para os sócios do Círculo. Li o suficiente para largar o livro ao fim de poucas horas de leitura. Mas tenho lá as marcas daquilo que encontrei e que me fez comprá-lo. Inclusive as referências a Lord Amherst, segundo embaixador do rei de Inglaterra na China, que terá escalado a ilha de Santa Helena onde vivia Napoleão a quem foi atribuído, mas sem provas, a frase que dá título ao livro. A ilha de Santa Helena é um dos meus próximos destinos. A China é um destino que não me apetece repetir.
Sei as razões que me levaram a comprar o livro mas sou incapaz de me explicar com as palavras de um cronista. Nessa altura tinha 20 anos e ainda nem sequer tinha lido “Os Maias” ou a “Odisseia”. E ainda vendia copos de vinho ao balcão de uma taberna.
Um jovem colega de trabalho sentou-se no meio de uma plateia para ser solidário comigo enquanto apresentava um livro da nossa editora. Sempre que olhava para ele via-o como um prisioneiro. Cheguei a ter a sensação de que ele tinha as mãos amarradas às cadeiras do lado onde também estavam sentadas várias pessoas com as mãos mortas em cima do colo. Já não tenho tempo para passar a informação de que um jornalista nunca se deve sentar no meio do maralhal, ainda por cima entre cadeiras apertadas como rodas de lagar. Um jornalista, esteja onde estiver, tem que ficar sempre a uma ponta de forma a poder saltar, correr, furar, rastejar, para ser o primeiro a testemunhar e registar qualquer acontecimento; e um jornalista nunca, jamais, pode correr o risco de morrer esmagado no local para onde entrou com umas asas.
Durante muitos anos fui amigo e correspondi-me algumas vezes com uma escritora encantada chamada Maria Ondina Braga. Morreu a 14 de Março de 2003 com 71 anos e deixou uma Obra com mais de duas dezenas de volumes e muitas traduções de grandes escritores. Viajou muito pelo mundo mas foi morrer a Braga onde nasceu. O Museu Nogueira da Silva acaba de anunciar a recuperação dos seus jardins e, simultaneamente, a criação de um pólo permanente dedicado à autora de “Angústia em Pequim”. O espaço vai ter o espólio literário e objectos da autora, uma sala para leitura e pesquisa da sua obra, e envolve ainda um programa que inclui projectos escolares, tertúlias, concertos e exposições. Eis como uma simples notícia pode ajudar a completar um dia feliz. Já tenho outra razão para viajar. Sempre que puder vou à procura da escritora e amiga que anunciou um dia que “morreria de mãos vazias” e com “os olhos abismados como flores”.