quinta-feira, 5 de janeiro de 2012

Maria Ondina Braga


“Quando a China despertar o mundo tremerá”. Tenho este livro, comprado em 1975, editado pelo Círculo de Leitores, na minha biblioteca pessoal. Lembro-me do dia em que o comprei como se fosse hoje. Tinha que escolher um livro. Era obrigatório naquele tempo para os sócios do Círculo. Li o suficiente para largar o livro ao fim de poucas horas de leitura. Mas tenho lá as marcas daquilo que encontrei e que me fez comprá-lo. Inclusive as referências a Lord Amherst, segundo embaixador do rei de Inglaterra na China, que terá escalado a ilha de Santa Helena onde vivia Napoleão a quem foi atribuído, mas sem provas, a frase que dá título ao livro. A ilha de Santa Helena é um dos meus próximos destinos. A China é um destino que não me apetece repetir.
Sei as razões que me levaram a comprar o livro mas sou incapaz de me explicar com as palavras de um cronista. Nessa altura tinha 20 anos e ainda nem sequer tinha lido “Os Maias” ou a “Odisseia”. E ainda vendia copos de vinho ao balcão de uma taberna.
Um jovem colega de trabalho sentou-se no meio de uma plateia para ser solidário comigo enquanto apresentava um livro da nossa editora. Sempre que olhava para ele via-o como um prisioneiro. Cheguei a ter a sensação de que ele tinha as mãos amarradas às cadeiras do lado onde também estavam sentadas várias pessoas com as mãos mortas em cima do colo. Já não tenho tempo para passar a informação de que um jornalista nunca se deve sentar no meio do maralhal, ainda por cima entre cadeiras apertadas como rodas de lagar. Um jornalista, esteja onde estiver, tem que ficar sempre a uma ponta de forma a poder saltar, correr, furar, rastejar, para ser o primeiro a testemunhar e registar qualquer acontecimento; e um jornalista nunca, jamais, pode correr o risco de morrer esmagado no local para onde entrou com umas asas.
Durante muitos anos fui amigo e correspondi-me algumas vezes com uma escritora encantada chamada Maria Ondina Braga. Morreu a 14 de Março de 2003 com 71 anos e deixou uma Obra com mais de duas dezenas de volumes e muitas traduções de grandes escritores. Viajou muito pelo mundo mas foi morrer a Braga onde nasceu. O Museu Nogueira da Silva acaba de anunciar a recuperação dos seus jardins e, simultaneamente, a criação de um pólo permanente dedicado à autora de “Angústia em Pequim”. O espaço vai ter o espólio literário e objectos da autora, uma sala para leitura e pesquisa da sua obra, e envolve ainda um programa que inclui projectos escolares, tertúlias, concertos e exposições. Eis como uma simples notícia pode ajudar a completar um dia feliz. Já tenho outra razão para viajar. Sempre que puder vou à procura da escritora e amiga que anunciou um dia que “morreria de mãos vazias” e com “os olhos abismados como flores”.

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