quinta-feira, 25 de abril de 2024

A liberdade dá trabalho

Ainda hoje sou um pouco esquerdista, tenho aquele sentimento do homem de trabalho que sabe que, sem luta, não há um capitalista endinheirado que salve um pobre de morrer à fome, seja de comida ou conhecimento.


Esta edição de O MIRANTE vai para as bancas e os assinantes no dia em que comemoramos os 50 anos do 25 de Abril. Tinha 18 anos quando se deu a Revolução dos Cravos; era um dos muitos homens que tinha chegado à idade adulta sem nunca ter sido menino; na altura a norma era aproveitar o trabalho infantil seguindo a regra de que “o trabalho da criança é pouco, mas quem não o aproveita é louco”. Tinha sete anos e já fazia as campanhas de tomate na Spalil, as campanhas da cortiça nas fábricas do José Martins e do José “Prior”, e quando não tinha escola nem trabalho, acompanhava o meu avô materno que roçava mato nas propriedades da casa Amaral Neto, e muitas vezes fui com a minha avó materna ao rabisco da azeitona, do milho e das uvas, com tanta alegria por poder ajudar no orçamento familiar como hoje sinto alegria por ter onde escrever esta crónica.

Não posso queixar-me de nada, nem por ser um desastrado e andar sempre com os dedos dos pés em sangue das topadas nas pedras da calçada. Embora não tenha crescido com os livros debaixo do braço, na idade em que os meus colegas da escola tiveram esse privilégio mais tarde nas universidades, fiz-me homem como eles; e se não estudei pelos livros deles, muito sinceramente acho que estudei por outros que me deram o dobro do conhecimento e da experiência de vida.

No dia 25 de Abril de 1974 era um rapaz de 18 anos, meio politizado, que frequentava a sede do MDP/CDE, que ouvia pessoas em grupo a conspirarem contra o regime, que me indignava por ver o presidente da câmara da minha terra a mandar cortar o cabelo à força a pessoas que queriam ser diferentes e não podiam, que chorava de raiva por me sentir escravo, aliás, escravizado, que é como agora se diz, até no seio da minha própria família que se aproveitou de mim até eu dar o litro.

Tenho uma dívida enorme para com os militares que fizeram o 25 de Abril e ajudaram a construir uma democracia em Portugal. Ainda hoje sou um pouco esquerdista, tenho aquele sentimento do homem de trabalho que sabe que, sem luta, não há um capitalista endinheirado que salve um pobre de morrer à fome, seja de comida ou conhecimento. Apesar de hoje uma lata de sardinha, ou de atum, custar menos de um euro, e um pão apenas alguns cêntimos, o conhecimento e a educação custam fortunas e não estão acessíveis a toda a gente. Aliás, há muita gente que acha que já nasceu politizada, que viver à custa dos pais é que é ter uma boa profissão, que escarrar para o chão é um direito, que levar o cão para cagar no jardim é um acto de cidadania, que ficar a dever aos comerciantes onde ainda conseguem comprar fiado é uma acto revolucionário.

Tenho muita sorte em ter nascido num tempo em que eu próprio fui um dos actores; primeiro por conspirar, embora sem saber ler nem escrever, depois por ter feito parte de uma sociedade que começou a usar a liberdade e a cidadania sabendo desde o princípio que a liberdade dá trabalho; “nada é tão maravilhoso que a arte de ser livre, mas nada é mais difícil de aprender a usar do que a liberdade”. Se não morrer senil vou morrer a chorar de penas e saudades por não poder ajudar mais as pessoas que não tiveram a sorte que eu tive. JAE.

quinta-feira, 18 de abril de 2024

Santarém mete Óbidos a um canto em termos de património e importância histórica

Santarém mete Óbidos a um canto em termos de história, de património e de interesse turístico para quem viaja do Brasil ou de outro qualquer país do mundo. A verdade é que Óbidos teve autarcas visionários que fizeram de uma muralha e de um pequeníssimo centro histórico uma verdadeira atracção turística.

O Museu Passos Canavarro é uma jóia da coroa de Santarém. Revisitei o museu com alguns amigos que estiveram na semana passada em Santarém, para o lançamento da biografia de Estácio de Sá e de Musa Praguejadora de Ana Miranda, e mesmo conhecendo o espaço voltei a acender a fascinação pelo lugar de cultura e de memórias que é a antiga casa de Passos Manuel, “um parlamentar brilhante e um democrata ardente”, como se pode ler na sua biografia. A casa de Passos Manuel ficou imortalizada na História também por ter sido durante alguns dias a casa de Almeida Garret, no final de uma viagem especial pelo Ribatejo, que está na origem do livro “Viagens na Minha Terra”. Pedro Canavarro juntou as heranças com as recordações de uma longa vida de político, professor, diplomata e amigo de escritores, pintores e homens de cultura, para abrir ao público um espaço que é um dos melhores cartões de visita da cidade.

Já disse milhares de vezes que considero Óbidos um lugar mágico com uma afluência de turistas que me desafia a imaginação. Sempre que posso desvio amigos e conhecidos para Santarém, e afasto-os, nem que seja por um dia, dos roteiros no litoral para os roteiros do centro que inclui Tomar e a linha do Tejo até Abrantes. Quando posso mostro-lhes por dentro uma capela da Chamusca com azulejos do século XVII, que desta vez entusiasmou tanto um dos meus amigos que prometeu escrever um livro sobre a capela e o que ela representa. Sempre ouço a mesma conversa quando visitamos o castelo de Almourol, Constância, a Igreja do Senhor do Bonfim na Chamusca, que está desprezada, como se a Chamusca fosse uma terra de pastores pobres, o castelo de Torres Novas e por aí fora. E o que é que eles dizem: que lindo Joaquim, e depois começam a contar aquilo que todos nós sabemos que não inclui a sopa da pedra, a visita às Portas do Sol, a tigelada de Abrantes e o passeio nas margens iluminadas do Nabão, e muito menos a visita a um castelo no meio de um rio. A verdade é que é difícil contrariar por muito tempo a vontade dos amigos que depois não querem regressar a casa sem passar pela vergonha de dizerem no regresso a casa que não tiveram tempo de visitar Óbidos, Mafra e Nazaré.

Desta vez a viagem com o meu grupo de amigos era mais especial e nem falámos em Óbidos, como seria normal, porque fomos até ao Porto dormir duas noites onde também havia lançamento de livro e homenagem à grande escritora Ana Miranda de quem publicamos por estes dias “Musa Praguejadora - A vida de Gregório de Matos”, que é um livro fascinante sobre uma figura única da cultura luso brasileira do século XVII. Aproveito o pretexto para deixar aqui testemunho daquilo que vou dizendo há décadas: Santarém mete Óbidos a um canto em termos de história, de património e de interesse turístico para quem viaja do Brasil ou de outro qualquer país do mundo. A verdade é que Óbidos teve autarcas visionários que fizeram de uma muralha e de um pequeníssimo centro histórico uma verdadeira atracção turística. E Santarém falhou até agora todos os esforços que, verdade seja escrita, alguns ainda tentaram mas falharam redondamente. Ricardo Gonçalves e o seu executivo já deram um passo significativo mantendo os monumentos abertos fora de horas, todos os dias da semana, mas vai deixar para o seu sucessor muito do que está prometido há décadas. E nada contra Óbidos. Escrevo mais para valorizar Óbidos, e o que a vila representa para o turismo português, do que para desvalorizar quem não conseguiu fazer por Santarém o que parece tão fácil, pelo seu património e pela economia da cidade e da região. JAE.

quinta-feira, 11 de abril de 2024

Trabalhar até de madrugada e ter sempre tudo por fazer

Uma crónica que podia ter ficado por escrever onde se conta da vidinha do autor que nem sempre é um mar de rosas mas para lá caminha.


Esta semana não há crónica, dizia eu para mim mesmo no último sábado à noite depois de andar meia dúzia de dias a deitar-me de madrugada para conseguir ter dois livros prontos para serem apresentados no Porto e em Santarém, a planear viagens, hospedagens, almoços e encontros culturais com os amigos e conhecidos que envolvi nesta aventura, que nunca foi tão ousada para o autor destas linhas. De repente, depois de despachar um longo texto sobre a minha leitura de “Musa Praguejadora, a vida de Gregório de Matos por Ana Miranda”, usando o programa de voz da Google, disse para comigo: quem faz um cesto faz um cento. E assim comecei a passar a limpo os meus textos literários dos últimos meses, recomecei a procurar reforços para a equipa comercial do jornal, organizei o meu arquivo de textos literários para um novo livro que vive de adiamentos sucessivos, tenho quase no prelo o melhor livro de Lêdo Ivo, que comemora o centenário em 2024, e mais umas miudezas de um trabalho que só dá trabalho e prazer, que é aquilo que nos mantém vivos desde que haja dinheiro para pagar as despesas e, quem sabe, ainda trocar de carro antes de não me renovarem a carta e ter que viajar de comboio ou de autocarro.

A meio destas notas lembrei-me que tenho duas motas que também não vou poder usar porque a carta que serve para o carro não serve para as motas de alta cilindrada. Nesse meio tempo recebi um telefonema da oficina de um amigo a informar-me que a Zundap da minha adolescência estava recuperada e pronta a ir para a estrada; e cresci meio palmo e voltei a pensar que tenho futuro, mesmo que envelheça depressa e deixe de poder continuar a trabalhar até de madrugada, embora não resista a contar que, quando posso, durmo uma sesta a meio da tarde para a cabeça não dar o estouro a meio da noite.

Faço tudo isto, que é trabalhar até dar o berro, porque tenho duas casas vazias na terrinha, onde ainda quero dormir muitas noites de Verão e de Inverno, e ainda tenho por empréstimo cinco hectares de terra à beira Tejo que são o meu orgulho enquanto não alugo um cabana à beira-mar. É exactamente por ainda me sentir dividido entre a aldeia e a cidade, entre a beira do rio e a beira do mar, que me meto em trabalhos arriscados com a energia que tinha aos trinta anos, embora agora com mais calma e produzindo o dobro do que produzia dantes. A diferença, a grande diferença, é que dantes queria ganhar dinheiro, e agora o dinheiro já me serve para pouca coisa, que não para comprar a comida para a mesa, o que não é nada por aí além, porque, entretanto, sagrei-me vegetariano. Ou quase. Mas não posso deixar de negociar preços de livros, jornais, gasóleo, carros de trabalho, comunicações, avenças com dezenas de empresas de serviços e tantas coisas mais que só um verdadeiro capitalista sabe avaliar, por que só os capitalistas sabem dar valor aos cêntimos e à diferença que fazem em certos orçamentos.


Como gosto de ser verdadeiro com os leitores devo confessar, já em jeito de nota de rodapé, que tinha uma crónica pensada e anotada que não foi em frente. Tinha pouca matéria para preencher o espaço. Rezava assim: o deputado João Moura foi premiado com uma secretaria de Estado no novo Governo do país porque nos partidos políticos o costume é premiar-se a incompetência, ou seja, agarram-se pelo rabo os animais políticos que não têm cabeça; e secretariar os ministros do Governo do país em determinadas pastas é tão importante que qualquer negociante de gado dá conta do recado e ainda ganha uns trocos.


Agora, mesmo para acabar: ainda tenho que viver muitos anos para me habituar a trabalhar menos e a viver mais à Agostinho da Silva. JAE.

quinta-feira, 4 de abril de 2024

As “milícias” e as “falsas razões ambientais” de Oliveira e Sousa

A coligação AD que ganhou as eleições legislativas, e que acaba de formar Governo, escolheu como cabeça-de-lista por Santarém um homem conservador até aos cabelos, um senhor monárquico de coração e estilo, um homem que nos últimos anos governou o CNEMA sem alma, sem autoridade, sem ter mudado uma palha ao desastre que é para Santarém ter um espaço tão mal aproveitado como o CNEMA.

A coligação AD que ganhou as eleições legislativas, e que acaba de formar Governo, escolheu como cabeça-de-lista por Santarém um homem conservador até aos cabelos, um senhor monárquico de coração e estilo, um homem que nos últimos anos governou o CNEMA sem alma, sem autoridade, sem ter mudado uma palha ao desastre que é para Santarém ter um espaço como o CNEMA que serve uma vez por ano para a realização da Feira do Ribatejo.

Numa altura em que Portugal está cada vez mais na cauda da Europa em termos de política ambiental, de casos de corrupção, greves que podem tornar o país ingovernável, Oliveira e Sousa fez campanha política falando aos gritos em “milícias nos campos” e “falsas razões climáticas”. Só uma região pobre de gente com massa cinzenta escolhia Oliveira e Sousa para nos representar na casa da democracia que é o Parlamento. Mas o PSD não se ficou pela pobreza das escolhas nas listas. João Moura vai voltar ao Parlamento para continuar, aos 52 anos, a viver do orçamento de Estado numa cadeira dourada que lhe permite somar contactos e ter tempo para fazer lóbi para os negócios da família e dos amigos. João Moura leva 52 anos de boa vida, que se saiba nunca trabalhou que não fosse a fazer política, os seus dentes de leite da política ainda não caíram, e, aparentemente, vai morrer com eles. O seu grande objectivo de vida é aprender a jogar golfe, ter uma casa rica com muitos cavalos no largo da Feira de São Martinho, viver e mostrar que tem uma vida endinheirada e que poderá ser o primeiro homem do mundo a levar para a cova a sua vaidade e arrogância. Para sermos justos com João Moura devemos reconhecer que em bons tempos defendeu com unhas e dentes um aeroporto civil em Tancos. Mas a sua importância política nunca lhe granjeou uma única solidariedade, nem dentro do seu partido nem fora dele. Um cobrador de imposto é como alguns amigos do próprio PSD gostam de lhe chamar embora todos saibamos que ele vive é dos impostos que manda cobrar na sua missão de deputado.  

João Moura é tão importante politicamente para a região junto dos poderes de Lisboa que teve a coragem de se solidarizar com um antigo deputado do PS, seu conterrâneo e amigo, que foi obrigado a afastar-se da política por suspeitas de corrupção; se lhe dessem importância alguém do PSD tinha encomendado uma forca para lhe oferecer. Como o seu estatuto é o do pobre diabo endinheirado, ninguém dá por ele e quem paga é a região, os empresários e as instituições que não têm quem as defenda.

Oliveira e Sousa recuperou com o discurso das “milícias” e as “falsas razões ambientais” o tempo da Moca de Rio Maior. Com uma diferença: a Moca tornou-se popular e ainda hoje existe como recordação para levar da cidade do desporto. É quase certo que o discurso de Oliveira e Sousa, e os trabalhos dos seus colegas deputados no próximo Parlamento, prometem ser a tábua de cima do caixão que vai levar os agricultores, os policias, os professores, os médicos, e tantos outros portugueses a fugirem para o estrangeiro, ou para o litoral do país, que é onde ainda se consegue viver da brisa do mar e manter a esperança de que nunca ficaremos em terra com esta gente a governar os nossos destinos.

Poupo neste artigo a deputada Isaura Morais, que foi a terceira eleita pelo partido, não por achar que faz a diferença política no conjunto dos três deputados, mas por lhe dar o direito à dúvida, embora já comece a ser tarde para a ouvir dar um gemido, um gritinho político em defesa da região sem ser naqueles artigos sem conteúdo que vai publicando só para se ver na fotografia. O Ribatejo ainda é uma terra de marialvas e pobretanas que pegam toiros, mas o tempo do Nuno Salvação Barreto remonta ao ano de 1950 e o António Melo Correia já cantou “o selim e a mulher” nos anos sessenta. Não está na altura do PSD mudar a agulha e deitar o olho aos jovens que João Moura e Oliveira e Sousa acham que fazem bem em emigrar?


Nota: Num artigo recente as minhas previsões de que o PSD ia desaparecer bateram na trave. Quem perdeu quase metade dos votos em relação às eleições anteriores foi o PS. Com a AD o PSD teve um ligeiro aumento, mas com a eleição de três deputados o Chega deu um bigode ao PS e ao PSD. Só não tira conclusões quem é burro, monárquico ou anda na política para se servir. JAE.