quarta-feira, 27 de abril de 2011

A verdade é uma invenção

Estou a ler um livro em tempo de férias que diz que os galgos morrem sempre do coração. E os que não morrem mas perdem as corridas importantes são mortos sem dó nem piedade.
Ponho o livro de lado para ler uma mensagem de telemóvel que chegou a meio da noite enquanto procuro o sono. Mensagem simpática de agradecimento. Retribuo com um obrigado pelo gesto de agradecimento. Continuo a ler Cabrera Infante mas já não consigo deixar de pensar nos galgos de corrida que por não serem vencedores acabam mortos sem honra nem glória.
A vida dos homens de hoje é um pouco assim; os que não vencem na vida rapidamente são trucidados quando não é o caso de terem que resignar para poderem sobreviver.
A mensagem de agradecimento é única e faz-me pensar que já ninguém agradece nada a ninguém. O mais normal é as pessoas servirem-se umas das outras pagando apenas o preço de terem que morder a língua de vez em quando.
Abro o email para desligar do mundo, finalmente, depois de um dia a viajar e reencontro-me com uma outra pessoa amiga que resolveu partilhar afectos a propósito de um gesto simples. Não lhe dei mais do que duas palavras elogiosas e em troca recebo uma carta de afectos que me volta a surpreender.
Hoje estou à beira de um rio longe de casa mas ainda ontem percorri alguns quilómetros do rio Tejo num barco a motor com o Abel e o António. Viagem de reconhecimento desde a Ponte da Chamusca até quase à foz do Almonda, procurando na memória os lugares onde dantes havia salgueiros no meio do rio e aprendi a saltar para a água, e vivi muitas vezes a emoção de atravessar o Tejo para o outro lado sempre a pensar que me faltariam as forças nos braços para o regresso. Nunca faltaram porque eu também era dos que arriscava pouco. A maioria das vezes o Tejo atravessava-se a pé, ali junto ao Porto das Mulheres, e a viagem ao outro lado não passava de um gesto de valentia de miúdos que não tinham mais nada para provar diante da vida que não fossem as aventuras proibidas e perigosas.
Nesse tempo éramos todos galgos de corrida e competíamos por nossa conta. Ganhávamos sempre o mesmo: experiência e algumas vivências que se tornavam em conquistas fabulosas.
Volto ao início; como vivemos num tempo em que já ninguém sabe agradecer, e só temos inspiração quando é para dizer mal, resolvi registar as mensagens simpáticas e amigas que recebi da Maria e da Helena, Mas não acabo sem voltar ao Cabrera Infante. “Poderia estar aqui a escrever mentiras, bem sei, mas a verdade é uma invenção suficiente”.

quinta-feira, 21 de abril de 2011

Eu já sei em quem não voto

Dou a mão à palmatória. Os assuntos políticos não me interessam como tema principal para este espaço de crónica mas um homem não é de ferro. Esta gente da vida política à portuguesa anda a dar razão, ainda a tempo, àqueles velhos nostálgicos dos tempos de Salazar que não se cansam de chorar por ele e pelos valores que ele representava.
Sou anti-salazarista até à raiz dos cabelos mas não sou parvo para perceber que os políticos que governam Portugal, no poder e na oposição, não são gente de palavra e muito menos de confiança. O que se está a passar com os socialistas, e só agora começou, é uma vergonha; um circo que nos deverá mobilizar para que não deixemos que o passado se interponha naquilo que foram as esperanças conquistadas com o 25 de Abril de 1974.
Para não passarmos pela vergonha de voltarmos a ter um primeiro-ministro que acabou de fazer figura de parvo, e quer que façamos todos figura de urso, deixo aqui o meu sentido de voto para o dia das próximas eleições; vale tudo, desde o Bloco ao CDS, menos votar em quem goza com a nossa cara.
Um dia, como cidadão sem filiação partidária, espero ajudar a criar forças de intervenção política que sirvam as regiões portuguesas menos favorecidas e que não tenham sede nos castelos e palacetes de Lisboa.
O país merecia ter como membros de um Governo os nossos melhores autarcas. Quem ficar atento à constituição das próximas listas a deputados vai reparar como a grande maioria dos candidatos são gente sem valor, sem trabalho que se veja, gente que nunca fez nada pela sua terra nem tem onde cair morta; gente que não sabe alinhavar uma ideia, escrever um texto em bom português. E haverá certamente os mesmos de sempre a encabeçarem as listas. Se os partidos do Poder não se renovam nas direcções nacionais muito menos se vão renovar nas distritais e concelhias.
O Ribatejo tem centenas de autarcas, com provas dadas no governo dos seus concelhos, disponíveis para governarem o país. São gente séria que não enriqueceu com a política e sabe o que é um compromisso de honra com o seu povo.
Como não sei falar sem dar o exemplo aqui deixo alguns nomes ao acaso: António Mendes de Constância; Dionísio Mendes de Coruche; Joaquim Sousa Gomes e Joaquim Sampaio de Almeirim, Maria da Luz Rosinha e José Fidalgo de Vila Franca de Xira; José Ganhão de Benavente; Emídio Cegonho da Chamusca; Vítor Guia da Azinhaga; Corvêlo de Sousa de Tomar.
Sabendo que toda esta gente que acabo de nomear é filiada em partidos muito diferentes deixo aqui um apelo; façam mais alguma coisa pelos partidos políticos que representam. O país agradece.

quarta-feira, 13 de abril de 2011

Uma justiça de navalhadas

Três jornalistas de O MIRANTE foram acusados em tribunal por gozarem com os suspensórios coloridos das calças de Rui Barreiro na altura em que ele era presidente da câmara de Santarém. A acusação obrigou-nos a termo de identidade e residência. Todos os processos que Rui Barreiro moveu contra O MIRANTE e os seus jornalistas e administração não tiveram acolhimento nem fizeram mossa mas foram resolvidos de forma célere pelos tribunais.
Atente-se no que aconteceu esta semana em Rio Maior para percebermos em que país vivemos e quem é esta gente que nos governa o país e a justiça. O Comandante da GNR de Rio Maior foi esfaqueado por um cidadão de nacionalidade estrangeira. O homem foi capturado a seguir ao acto criminoso e depois de presente a tribunal foi mandado para casa exactamente como os jornalistas de O MIRANTE acusados de gozarem com os suspensórios coloridos das calças de Rui Barreiro; termo de identidade e residência.
Este caso ilustra bem a falta de organização e de prestígio que assola a magistratura portuguesa. Os jornalistas são perseguidos por dá cá aquela palha. Os criminosos que andam por aí a saquear lojas e os indivíduos que esfaqueiam polícias são mandados para casa depois de capturados, e de os polícias que os perseguiram terem posto a vida em risco em defesa dos cidadãos, muito mais desprotegidos do que eles, que até podem usar uma arma à cintura.
Não é provável, e oxalá que nunca aconteça, o juiz presidente do tribunal de Rio Maior apanhar um criminoso pela frente com uma faca na mão. Era engraçado vê-lo sentado no seu próprio Tribunal a ouvir um colega Juiz a mandar para casa, com termo de identidade e residência, o suposto agressor que de faca na mão resolvesse tentar pôr-lhe as tripas à mostra.
Almeirim tem um tribunal que não funciona. Ou funciona mas à velocidade dos anos da pedra lascada. Não se percebe este país e a forma tacanha de gerir a Justiça. Os cidadãos que têm o azar de terem os seus processos no tribunal de Almeirim podem considerar-se descriminados. Há situações escandalosas de falta de respeito pelo trabalho dos advogados e pela situação dos cidadãos que recorrem à justiça para resolverem problemas que os colocam entre o tudo ou o nada. E o que faz este Governo com a complacência dos senhores do sistema judicial? Assobiam para o lado quando não é o caso de aproveitarem para nos cuspirem em cima. O que se passa no tribunal de Almeirim é demasiado grave para um país que se diz da Europa democrática.

quarta-feira, 6 de abril de 2011

Cínicos, corruptos e camaradas

Quando vires sangue nas ruas podes começar a comprar propriedades. Se não é a mais cruel das frases para explicar um tempo de crise certamente que será uma das mais cruéis. Ouvi-a há cerca de dez anos quando a crise actual começou a desenhar-se. Daí para cá tenho visto, com os olhos bem abertos, como algumas pequenas e médias empresas ficam pelo caminho, regra geral às mãos da banca e dos banqueiros.
Tenho um “ódio de estimação” pelos bancos que não me canso de repetir. No tempo em que o dinheiro valia dinheiro, e tudo o que se ganhava era para investir, cheguei a trocar de carro, passando de cavalo para burro, para ter dinheiro para fazer compras sem correr o risco de ficar a dever e fazer má figura.
Quem era pobre e nada tinha de seu jamais conseguiria comprar sem dinheiro. No início da minha vida de comerciante (empresário é um termo mais moderno) os bancários faziam-me sofrer ao balcão obrigando-me a expor as minhas necessidades financeiras perante pessoas da terra que eram clientes de conta ordenado ou simples tarefeiros.
Cada vez que precisava de investir, e investir nesse tempo era comprar a pronto para beneficiar de todos os descontos, o meu coração tremia. A vergonha que me faziam passar por pedir emprestado era ultrapassada no limite das minhas forças porque eu tinha quase a certeza que um dia chegaria a hora da vingança.
Escrevo e falo de coração ao alto mas não perco a noção da realidade. Todos os castelos têm pedras ruins e não há projectos empresariais sem alguns alicerces de barro. A verdade é que eu hoje (ainda) não pertenço aos cerca de oitenta por cento dos pequenos e médios empresários portugueses que não conseguem financiar-se na banca.
Recuso-me perante esta realidade a ver e ouvir os políticos na televisão a falarem ao povo. O país de brandos costumes, dos três efes (futebol, fado e Fátima) tornou-se, na minha fraca opinião, no país dos três cês (cínicos, corruptos e camaradas).
Há empresas com muitos postos de trabalho por preencher e não há gente para trabalhar apesar do desemprego em Portugal ter ultrapassado os onze por cento da população activa. Há empresas que definham todos os dias porque os seus velhos trabalhadores se recusam a aprender as novas regras do negócio. Há empresas em dificuldade que para obterem crédito, mesmo sob hipoteca, pagam mais do dobro dos juros que ditam as boas regras do mercado.
Há uma lei da selva na economia portuguesa que está a desfazer os alicerces de uma geração de empresários que são gente séria e de vergonha. E o que é que fazem os governantes perante o descontrolo das conta públicas e o assalto ao poder dos grandes grupos económicos? Acobardam-se, fogem, rendem-se com conversas da treta e viagens à China e à Venezuela.
A região de Lisboa e Vale do Tejo é a mais rica do país mas também é a que mais sofre em tempo de crise de valores. Vem aí uma campanha eleitoral em que não vão faltar novas linguagens para nos desorientarem ainda mais. Como alguém já escreveu “nada mais velho do que uma nova linguagem política”.