quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

A igreja, o PCP e a homossexualidade


Quando tinha mais ou menos dez anos de idade o padre da minha paróquia perguntava-me em confissão pelos meus pecados e pedia-me para lhos contar de forma a ser perdoado. Lembro-me como se fosse hoje do prazer e do medo que sentia a contar-lhe as aventuras que, na altura, eram prática corrente entre rapazes e raparigas da mesma idade e onde eu não era, de certo, o mais pecador. Prazer porquê? Por que era uma criança normal e como todas as crianças normais da época via no sexo uma perversidade. Medo por que estávamos todos de acordo em que o padre gostava de ouvir as nossas histórias picantes mas eu não era de arriscar muito e também nunca tive as costas quentes.
Conheci e conheço muitos homossexuais que fazem actividade política nos partidos desde a esquerda à direita. Conheço e conheci gente de família respeitada cujas opções sexuais são tudo menos ortodoxas.
Uma vez, numa noite de convívio numa colectividade da minha terra, passei uma hora a observar um velho homossexual a olhar para um buraco que as calças de um amigo meu faziam ao fundo das costas permitindo ver o rego do seu rabo. Foi, neste capítulo, das coisas mais espantosas e delirantes a que assisti até hoje. Havia no olhar daquele homem, e nos gestos disfarçados que compunha, uma verdadeira aventura na conquista por um bocado de nudez que a mim não me aquece nem arrefece se for de um homem.
Fico indignado por ver na sociedade portuguesa um debate sobre uma questão que é tão velha como o homem. Acho um escândalo o Partido Comunista Português continuar a marginalizar os homossexuais quando alguns dos seus militantes mais prestigiados foram, ou são, homossexuais assumidos. Envergonha ver a igreja a condenar a homossexualidade quando muitos padres são uns depravados e muita boa gente que vai à missa ou é homossexual ou tem um homossexual na família.
Um dos filhos do homem que era o mais rico da minha terra é homossexual assumido. Uma das famílias mais pobres que eu conheço, pobre no verdadeiro sentido da palavra, tem um filho homossexual. Havendo tantos e de condições sociais tão diferentes como é que podemos ser ainda tão fascistas quando julgamos as opções sexuais de cada um?
Quando era rapaz ia ao cinema da minha terra e ao meu lado sentava-se um parente, que era invisual desde criança, e a quem eu ia contando as partes do filme que ele não “via”. O José Augusto já morreu há uns anos e nunca tive coragem para lhe perguntar como é que ele, apesar da sua cegueira, conseguia emocionar-se da mesma forma que eu com a história e as personagens dos filmes que víamos lado a lado em condições tão diferentes que nem preciso voltar a explicar.
Acho que nunca lhe perguntei porque sempre soube que nunca compreenderia a sua resposta. No fundo no fundo também acho que, quanto às opções sexuais de cada um de nós, o Natal nunca será um tempo de paz e amor para todos por muito que Deus seja bondoso e tolerante.

quarta-feira, 23 de dezembro de 2009

O cadáver do primeiro-ministro


Tu és como eles. Tu és como eles. A frase ficou a martelar na minha cabeça até à hora em que resolvi escrever esta crónica. Depois desapareceu como uma abelha na chuva.
Tenho o privilégio de ler diariamente os cronistas da nossa praça que falam dos grandes temas da actualidade. Escrevem todos sobre o mesmo e da mesma forma. Regra geral cada cronista cada mensageiro da desgraça. As palavras e as ideias são certeiras e inteligentes. Do Sousa Tavares ao Pulido Valente, do Baptista-Bastos ao Moita Flores, é ver quem melhor disseca o cadáver do primeiro-ministro; do banqueiro gatuno; do politico falsário. Não falta na sociedade portuguesa ingredientes para os grandes senhores do jornalismo de opinião nos guiarem no meio do pântano.
Eles escrevem sobre o Face Oculta, as negociatas da PT e da Caixa Geral de Depósitos; o Freeport; a Casa Pia; o BPN; a Operação Furacão; os concursos públicos; as fundações manhosas que servem para lavar dinheiro, os projectos PIN; etc. etc. A ideia que fica a cada dia que passa é que somos um país de sucateiros ricos e de gestores de luxo pagos a peso de ouro.
Como há outro mundo para além do Portugal das primeiras páginas dos jornais nacionais e dos noticiários das televisões procuro escrever neste espaço sobre a vidinha fora dos grandes circuitos do Poder e das influências dos barões do regime. E a minha caixa de comentários são as conversas que vou fazendo entre o caminho de casa e a redacção do jornal.
Em Santarém ou na Chamusca, em Tomar ou na Azambuja, como em Lisboa, o mais fácil é encontrarmos amigos a mandarem o país à merda.
No passado domingo saí de casa para o campo a meio da tarde e encontrei um agricultor quase falido a podar oliveiras a troco da lenha. No regresso a casa encontrei outro a lavrar a terra para as novas sementeiras com a garganta inflamada de tanto gritar que o ano passado fez 30 hectares de milho e não sobrou um cêntimo depois de pagar as despesas. Hoje atravessei a vila e quando parei num café para beber a bica fui abordado por um amigo que sempre trabalhou no campo para me pedir emprego atrás de uma secretária. Não lhe disse que não mas tentei explicar-lhe que não tenho trabalho para lhe dar. Quando percebeu que o pedido ia acabar em nada aproveitou para me contar a sua crónica à Pulido Valente: somos um país de corruptos e continuamos a ser governados como antigamente por gente miúda e incompetente que numa próxima oportunidade vai comer-nos os ossos; e tu és como eles, tu és como eles…


A Tatiana, o Filipe e a Soraia estão ao colo da mãe numa foto que publicamos nesta edição de O MIRANTE. A jornalista que conta a história e tem acompanhado o caso diz que se comoveu com os abraços e os mimos que as crianças lhe dispensaram. Falta contar que o director de O MIRANTE recebeu recentemente carta do Ministério Público que o intima a dar conta dos nomes de quem tem produzido informação sobre este caso. Para bom entendedor meia palavra basta.

quarta-feira, 16 de dezembro de 2009

“Peregrinos de Fátima”


Recentemente os jornais de Lisboa ditos de referência queixaram-se nas páginas uns dos outros do boicote à colocação de publicidade nos órgãos de informação que o Governo considera que exageram nas más notícias.
O caso não é inédito mas merece reflexão. A grande maioria dos jornais de Lisboa vive em boa parte da publicidade do Estado ou dos grandes grupos económicos. Se a conjuntura política e económica é desfavorável e eles têm que ser os mensageiros da desgraça basta que lhes calhe um primeiro-ministro hipersensível às notícias e às críticas para eles não se fazerem rogados e escreverem o que lhes vai na alma.
A excessiva concentração de jornais na cada vez menos populosa Lisboa, e a missão que todos querem continuar a praticar fazendo jornalismo de proximidade, ou seja, à porta dos membros do governo e das instituições governamentais sedeadas na capital, só pode acabar um dia à batatada ou, na melhor das hipóteses, na falência das empresas e no desemprego.
É certo e sabido que o Governo vai atender a algumas queixas. Mas não é menos certo que outros para chegarem aos seus objectivos e salvarem os seus jornais vão ter que dobrar a espinha. Outros morrerão no seu posto e desses o futuro um dia dirá se ficaram na história.
O que é vergonhoso é a promiscuidade do sistema. Com os jornais regionais e com as empresas de comunicação social regional vale tudo menos tirar olhos. Os jornalistas da cidade (leia-se Lisboa) olham para os jornalistas do campo (leia-se província) como se fossem todos marroquinos. E o Governo tem na lei obrigações com a comunicação social regional que nunca cumpriu nem pouco mais ou menos. Mas, como vozes de burro não chegam ao céu, há-de continuar a não cumprir sem que isso ofusque o voo de um pirilampo.
Concentrados entre a Assembleia da República e os degraus da porta do primeiro-ministro, os jornais e os jornalistas de Lisboa vivem momentos difíceis. Mas o pior ainda está para vir. Estejamos atentos porque é bem possível que este Governo, a exemplo de outros, consiga continuar a conquistar os melhores jornalistas para assessorias nos vários ministérios enquanto os patrões da comunicação social vão tentar a cada dia que passa continuar a editar os seus jornais recorrendo a estagiários e a um ou outro jornalista sénior desalinhado.
A fazer fé no país que os últimos governantes têm vindo a afundar, e continuando a acreditar nos mesmos jornalistas de sempre que vão fazendo o papel de “peregrinos de Fátima”, juntemo-nos todos, ribatejanos e alentejanos, beirões e algarvios e cantemos em uníssono: “de pé ó vítimas da fome….”
Este texto foi escrito no dia da imprensa (15 de Dezembro) depois de ter assistido em Lisboa à homenagem a António Pedro Ruella Ramos director do extinto Diário de Lisboa. Apesar de não ter sido convidado, mas sabendo do que a casa gasta, apareci e não me arrependo. Francisco Pinto Balsemão, que fez o elogio do seu amigo, confirmou mais uma vez as razões que fazem dele a figura mais prestigiada e influente do mundo dos media.


O Filipe a Soraia e a Tatiana vão passar o Natal a casa dos pais. Depois vão ter que voltar ao Centro de Acolhimento da Barquinha. Para eles o Natal é a Justiça divina. Pobre país que não sabe amar as suas crianças.

quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

O futuro é dos explorados


As ruas de Santarém são um bom ponto de encontro. Ontem cruzei-me com um velho empresário da construção civil que tem a sua empresa na falência. Com as marcas dos oitenta anos bem vincadas no rosto a conversa não podia ser mais cruel. Uma vida inteira a trabalhar para chegar a esta idade e ver ir tudo por água abaixo. Foram as instituições sérias que me levaram ao fundo. Não pagavam. Não pagavam. Não pagavam. Quando vinha algum dinheiro era para os juros da banca. Foram muitos anos nisto. Enfim…o pior há-de ser morrer. E com um sorriso triste e cinzento lá nos despedimos a meio da rua Serpa Pinto.


Quando Moita Flores ganhou a Câmara de Santarém há quatro anos toda a gente ficou à espera de saber o que valia o PS como oposição. Passado todo este tempo provou-se que não vale nada. Nas últimas eleições Moita Flores deu o golpe fatal e passou a sua votação de 9 mil votos para 22 mil. Rui Barreiro, durante o seu mandato como vereador, limitou-se a servir os interesses do actual presidente da câmara. E, no final do mandato, até colaborou dividindo com Moita Flores a honrosa missão de medalhar Cavaco Silva e José Sócrates. Entretanto, na luta política em Santarém, o PS tem apenas os militantes da terceira linha. São eles que são “massacrados” nos órgãos autárquicos onde o PS ainda tem representação.
E como é que os socialistas portugueses resolvem o problema dos autarcas acomodados, inaptos e pouco dotados como é o caso de Rui Barreiro? Nomeiam-nos para secretários do Governo. Rui Barreiro é um caso entre muitos. Seria um facto medonho não registar aqui a sua ascensão nos cargos importantes dos governos do nosso país. O homem é esperto politicamente. Não serve como presidente de Câmara de Santarém nem como vereador na oposição! Então é bom para ajudar a governar o país!.


Faltam poucos dias para o Natal. O Filipe, a Soraia e a Tatiana continuam no centro de acolhimento da Barquinha. Este caso devia ser do conhecimento do gabinete do senhor primeiro-ministro e devia ser ele, lembrando-se dos privilégios que pode proporcionar aos seus filhos, a resolver o assunto de um dia para o outro. Mas não resolve. Nem tem ninguém a seu lado a secretariar o Governo com competência para ajudar a corrigir uma injustiça. A secretária do governo, Idália Moniz, não é melhor que Rui Barreiro. Os dois juntos somam a derrota dos direitos humanos em Portugal no que respeita ao programa de governo do PS. Isto não se resolve com outro 25 de Abril porque o sistema agora é mais astuto. Mas eu sou dos que acreditam que, um dia, quando a Tatiana, o Filipe e a Soraia forem adultos, Portugal será um país melhor e mais fraterno; porque o futuro é dos explorados e das vítimas do Sistema.

quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

Uma espécie de empresários


Há duas dezenas de grandes empresários na nossa região que construíram tudo a partir do quase nada. São gente na casa dos setenta anos e a grande maioria é um exemplo a seguir. Eles são ricos mas continuam a fazer vida de pobres. Já não têm a agilidade e a força física dos trinta anos mas continuam a ser os carregadores de todas as maçadas das suas empresas. E não é difícil encontrá-los numa feira a varrer o chão de uma sala de exposições, a mudar os móveis, a limpar o pó, a assumirem o lugar atrás de um balcão ou de uma secretária como se a vida empresarial, para eles, estivesse agora a começar. Conheço muita gente desta raça que trabalha 16 horas por dia e continua a recusar mais do que alguns dias de férias por ano e ainda trabalha ao sábado e ao domingo. E não é por ganância; é vício pelo trabalho; orgulho de quem não quer perder a face; satisfação de ver a sua empresa a crescer e a dar emprego aos da sua terra. Muitas vezes é trabalhar, trabalhar, trabalhar, com medo que se perca de um dia para o outro aquilo que demorou anos a construir e, em cima disso, a vergonha pública do insucesso que leva muitos ao suicídio ou a uma vida desregrada que quase sempre acaba pior que num suicídio.
Conheço muitos destes empresários e conheço alguns dos seus filhos. Estes últimos, sem excepção, são o inverso dos pais. Atendem do lado de trás de um telefone. Falam com pessoas que têm a idade dos seus pais como se estivessem a falar com miúdos da escola. Cantam de galo enquanto demoram semanas, e às vezes meses, a responderem a uma simples solicitação. Do outro lado do telefone, sempre do outro lado do telefone, dizem que não gostam de dar a cara, que têm mais que fazer, que não têm tempo a perder, que vão daqui a pouco para o estrangeiro. Claro que muitas destas respostas chegam através das suas secretárias. Eles são pessoas muito importantes e estão muito ocupados a tratarem de assuntos inadiáveis. De verdade na maior parte dos casos estão ao telefone com as namoradas, a verem revistas de carros, a consultarem sítios na internet com informações que vão desde as financeiras até aos lugares mais indicados para namorar com meninas de programa.
Todos os dias devo uma homenagem a muitos homens empresários que conheço que me serviram ou servem de referência. Não conheço, pelo menos que me lembre, na altura em que escrevo este texto, um dos filhos deles que me mereça uma palavra de elogio. Ao contrário: a imagem e a informação que tenho deles é a de meninos ricos, soberbos, vaidosos, que vestem roupa de marca mas por debaixo da roupa cara têm sempre umas cuecas cagádas.


Passou uma eternidade desde que a população de Foros de Salvaterra começou e acabou de construir uma casa nova para a Marília e os seus filhos. “Pedimos desculpa por não termos construído um palácio”, escreveram num comunicado distribuído à população os voluntários que se substituíram ao Estado e aos organismos que têm a obrigação de ajudar os mais desprotegidos. A Segurança Social, a CPCJ e o Governo, todos representados em parte por uma técnica chamada Clara Carregado e uma governante de seu nome Idália Moniz, devem ser as pessoas mais felizes do mundo na companhia dos seus queridos filhotes. 

quarta-feira, 25 de novembro de 2009

O coro das velhas


À redacção de O MIRANTE chegam com regularidade queixas de leitores que estão descontentes com o serviço de abastecimento de água da rede pública. São queixas por causa do aumento das facturas mas também sobre a falta de interlocutores como havia dantes. E a procissão ainda vai no adro. A privatização do abastecimento da água de consumo público é uma medida que ainda não consegui compreender apesar de conhecer bem as razões financeiras que estão na sua origem.
O que nos espera, segundo as previsões mais abonatórias, é a escassez da água de consumo público já na próxima década. Privatizar o abastecimento de um bem tão essencial como a água que corre nas nossas torneiras parece-me o embuste do século.
Vivemos num país em que precisamos de sustentar uma transportadora área porque não podemos viver sem uma empresa de aviões controlada pelo Estado. O mesmo se passa com a banca, com a televisão, com as gasolineiras, com os comboios, e por aí adiante. Com a água, que está escrito no céu haveremos de beber um dia de forma mitigada, entrega-se a sua gestão a empresas privadas com contratos assinados e datados para vigorarem durante um século.
Recuso-me a fazer parte do coro das velhas que acham que este país não tem solução. Mas não desisto de desafiar os responsáveis por estas medidas a explicarem preto no banco porque precisamos nós de entregar a gestão da nossa água às empresas privadas antes de lhe entregarmos o nosso esqueleto. A minha convicção é a de que quem manda no preço da água de consumo público manda na democracia.
Vamos continuar a pagar os custos astronómicos de uma televisão pública, de uma transportadora área, de uma máquina poderosa do Estado na banca e noutros organismos públicos que nos dizem serem indispensáveis para defendermos a democracia, mas no sector da água, da água que precisamos em nossas casas, vamos ficar dependentes da gestão dos privados. Eu percebo o encaixe financeiro que isso representa só não percebo porque tinha que ser a água a salvar as finanças das autarquias.


É notícia nesta edição e parece uma boa notícia: as técnicas da Segurança Social voltarem à casa que a população de Foros de Salvaterra ofereceu à Marília e aos filhos e parece que desta vez elogiaram a moradia e as condições em que foi construída e está a ser habitada. Estranho não é? Clara Carregado também foi na comitiva. Viu o que já tinha visto antes e não terá aberto a boca. Mas, pelos vistos, não vai ser posta na ordem. Quem será a próxima vítima depois da Marília e dos seus filhos terem o sossego que merecem?

quarta-feira, 18 de novembro de 2009

Poetas e políticos militantes


No dia em que visitei uma das casas museu de Pablo Neruda, no Chile, na companhia de Jorge Guzmán, fiquei a conhecer um pouco melhor a polémica que envolveu o autor de “O Livro das Perguntas” e alguns dos seus camaradas de letras.
Pablo Neruda não ficou famoso por ser um grande camarada dos homens de letras do seu tempo mas a sua poesia e a sua militância política ainda hoje são reconhecidas e valorizadas em quase todo o mundo.
As montras das livrarias de Madrid enchem-se nesta altura do ano com as biografias de Francisco Ayala e Esther Tusquests, só para citar dois bons exemplos que fazem a diferença neste género literário.
Tusquets chamou ao seu livro de memórias “Confissões de uma mulher indigna” o que acentua bem o registo de vida de uma das mais importantes e famosas editoras de livros e do que foi a sua vida no convívio com as grandes figuras da cultura europeia desde último meio século. “Naquele tempo passávamos horas e horas sentados nas mesas dos cafés. Ninguém tinha pressa ou comentava o facto de ser esperado algures ou de ter que madrugar na manhã seguinte. Reuníamo-nos antes do almoço, à hora do café, a meio da tarde, a noite inteira. E isso não impedia que quase todos estivessem a levar a cabo uma obra importante”.
No mesmo registo Francisco Ayala escreveu as suas memórias e fala do autor de “Confesso que Vivi”. “Neruda era, mais do que um grande poeta, um politico ambicioso e, como político, cometeu a perversidade de pôr a poesia ao serviço dos seus fins. Recordo que em 1945 foi ao Brasil dar uma conferência no Estado de S. Paulo e passou um dia no Rio de Janeiro. Um fotógrafo francês, a trabalhar no Rio, saiu connosco para a rua e fez sentar Neruda num banco do passeio seleccionado entre os jovens negros que estavam observando um deles para Neruda lhe pôr as mãos pelos ombros enquanto fingia falar com os outros que tinham ficado a observar. Uma vez obtida a fotografia despacharam as crianças testemunhas daquela cena comovente em que confraternizavam as raças e os pobres de todo o mundo debaixo da asa da poesia”.
Escrevo estas notas de leitura em viagem com a memória ainda fresca de uma conversa ao telefone com uma amiga que me confessou sentir medo de viver num país onde a liberdade de opinião começa a estar em causa. “Hoje já ninguém vai preso por escrever nos jornais ou publicar livros mas cuidado que o mundo anda perigoso com tanta face oculta e tão poucos a darem o corpo às balas”. Tomei nota mas mesmo assim resolvi deixar aqui este registo simplório sobre poetas e políticos que ajudaram a mudar o mundo. Para melhor, muito melhor, apesar das grandes diferenças ideológicas.



Nota: O Filipe, a Tatiana e a Soraia continuam no centro de acolhimento da Barquinha embora já tenham uma casa para viver e centenas de amigos à espera para continuarem a ser solidários. O “carrasco” responsável por esta situação e a secretária do Governo, Idália Moniz, continuam a dormir descansados e provavelmente já andam a comprar prendas de Natal para os seus queridos filhos.

quarta-feira, 11 de novembro de 2009

Um mundo cor-de-rosa


Na noite das eleições autárquicas saí à rua. Tomei o rumo do norte do distrito de Santarém e acompanhei a noite eleitoral na Chamusca, Golegã, Tomar, Rio Maior e Alcanena. Como é facilmente explicável não estive na hora H em todos os locais onde as emoções se viveram à flor da pele. Assisti, no entanto, ao desenrolar dos acontecimentos de uma noite eleitoral cheia de surpresas. Registo a serenidade do reeleito presidente da câmara de Tomar. Vi em Ourém uma manifestação popular que me fez recordar aquela que há quatro anos comemorou a vitória de Moita Flores em Santarém. Pareceu-me que a de Ourém foi ainda maior e mais ruidosa. Estive por lá o tempo suficiente para perceber que havia no rosto daquela gente uma alegria de cravos vermelhos. Não imagino nem quero saber a que horas acabaram as filas de carros no centro da cidade; de onde é que veio tanta gente para formar uma multidão. E saí de Ourém muito antes da chegada de Paulo Fonseca à sede do partido.


As tomadas de posse dos autarcas são regra geral um bom momento para perceber como é que vai a saúde da democracia no poder local. Os rituais são aborrecidos. Nalguns casos a pompa e circunstância chega a roçar o ridículo.
Por opção não assisti às tomadas de posse. Escrevo baseado no registo dos jornalistas da redacção que acompanharam os acontecimentos. Em Rio Maior, apesar de Isaura Morais ter ganho a câmara com maioria absoluta, os discursos da oposição soaram alto. Quem não soubesse os resultados das eleições diria que quem ganhou foram os do PS coligados com os independentes. Ou vice-versa. A vencedora das eleições, Isaura Morais, a mulher que destronou o poder de Silvino Sequeira que durou 25 anos, parecia estar noutro mundo de tão nervosa e emocionada. Como foi a última a falar fez jus à sua vitória. Tendo em conta a humildade do seu discurso, comparado com o daqueles que perderam, só faltou que Isaura Morais tivesse pedido desculpa por ter ganho. Ainda por cima com maioria absoluta.
Em Ourém, enquanto o candidato derrotado do PSD abraçava o candidato vencedor do PS, a deputada social-democrata Carina Oliveira desabafava para quem estava ao seu lado e tomava boa nota da multidão que quase deitava abaixo o cine-teatro. “Isto custa como facas a espetarem-se nas costas. Mas a forma como esta gente se mobilizou é comovente. Custa sempre perder mas, às vezes, é preciso reconhecer que a democracia faz-se de derrotas e de vitórias.” Exemplar.


A Tatiana, o Filipe e a Soraia continuam no Centro de Acolhimento da Praia do Ribatejo longe do colo da mãe por causa da birra de uma senhora que é técnica da Segurança Social e presidente de uma associação que aparentemente protege crianças. Idália Moniz foi reconduzida como Secretária de Estado e o mundo para ela e para os seus filhos continua a ser um mundo cor-de-rosa.  

quarta-feira, 4 de novembro de 2009

Uma vigília permanente


O MIRANTE tem duas equipas na rua a trabalharem na promoção das assinaturas. Somos desde a primeira hora um jornal vocacionado para a venda por assinatura e temos ganho a aposta desde que definimos a nossa linha de rumo. Na passada semana começamos a trabalhar no Jumbo de Alverca depois de termos sido “chutados” mais uma vez do Festival de Gastronomia de Santarém. Cada vez que nos fecham uma porta nas aldeias onde já demos provas da qualidade do nosso trabalho abrem-se duas portas nas cidades por onde andamos a desbravar caminho.
Um dia destes a D. Maria tinha tanta vontade de assinar O MIRANTE e o nosso colega foi tão insistente na abordagem, mas deixou sem dinheiro para as compras a cliente do Jumbo. Foi uma paródia vê-la a ligar para o telemóvel do marido a pedir socorro pois tinha ficado sem os 20 euros que levava para as compras por ter gasto a maior parte na assinatura do jornal. E depois do marido chegar ainda fez o que é mais surpreendente; telefonou a um vizinho, que ela sabia que também gostava de receber O MIRANTE em casa, e, já com a carteira recheada, pagou uma nova assinatura depois de ouvir a promessa de que recebia o dinheiro de volta logo que chegasse das compras.
Não sei a quem é que interessam estas histórias mas acho que é minha obrigação passar a mensagem de que este jornal, com as suas três edições diferenciadas, chega a uma comunidade de leitores que vai muito para além do que, no princípio, era o nosso projecto e até as nossas ambições.
No passado sábado, na reunião dos agentes locais do concelho de Vila Franca de Xira, fomos o centro do debate devido ao trabalho editorial que desenvolvemos todas as semanas no concelho.
Cada vez que nos fecham uma porta, como aconteceu agora no Festival de Gastronomia de Santarém, aí estamos nós a abrir outras portas onde a comunidade gosta e sente necessidade de ler um jornal livre e escrito por homens que dedicam a sua vida ao jornalismo.


A vigília organizada em Salvaterra de Magos pelas pessoas que estiveram sempre ao lado da família da Tatiana, do Filipe e da Soraia foi um êxito em termos de participação. Das nove à meia-noite passaram pelo local da vigília mais de três centenas de pessoas. Em que país é que vive a dona Clara Carregado, funcionária da Segurança Social e presidente da CPCJ, uma organização com poderes para manter três crianças institucionalizadas depois da população lhe ter oferecido uma casa nova e mobilada? Quantos secretários de Estado, como a empresária Idália Moniz, não dariam o couro e o cabelo para um dia poderem ser solidários ao nível do que foi a população anónima da região com a Marília e os seus filhos?
Perguntas que não têm resposta porque vivemos num país de políticos do terceiro mundo e de instituições ainda cheias do vício de outros tempos.

quarta-feira, 28 de outubro de 2009

O violino de Idália Moniz


Na passada sexta-feira fui aos serviços de urgência em pediatria do Hospital de Santa Maria. Meia hora depois saí pelo portão principal triste e de braços a abanar. Dirigi-me à senhora que vende castanhas com o pensamento perdido nos corredores do hospital e ouvi um “diga se faz favor” com todas as letras que me despertou o sexto sentido. “Quero uma dúzia de castanhas”, retorqui, procurando falar aos olhos da vendedora que estavam fixos nos meus. No acto de comprar castanhas no meio da rua senti-me a ser atendido como se estivesse ao balcão de uma confeitaria de luxo.
No caminho para o carro caíram uns pingos de chuva. Olhei para o céu de olhos fechados e voltei a ver caírem pela cara abaixo as lágrimas de um pai que, na manhã de sexta-feira, me fizeram alterar todos os planos para esse dia.
É no hospital e na prisão que conhecemos os verdadeiros amigos.
Foi a pensar neste ditado popular que resolvi escrever uma Carta Aberta à secretária de Estado Idália Moniz pedindo ajuda para a Tatiana, o Filipe e a Soraia, que não estão numa prisão mas é como se estivessem. E estão lá metidos à força, injustamente, pagando caro a pouca sorte de terem nascido no seio de uma família pobre e desprotegida, que teve o azar de encontrar pelo caminho um “carrasco” que trabalha para o Estado e ainda por cima numa área tão sensível como a segurança de crianças.

Não há algum exagero na rapidez com que se retiram crianças às famílias? Sempre que há uma dúvida a criança tem que ser protegida. Tem que ser retirada. De forma temporária mas tem que ser retirada e aquele agregado familiar tem que ser trabalhado, ajudado. Para que aquelas crianças tenham oportunidade de regressar às suas famílias.
Este último parágrafo é um excerto de uma entrevista que a secretária de Estado Idália Moniz deu a O MIRANTE há meses atrás. Como bem se percebe pelo caso das crianças de Foros de Salvaterra a senhora mente com quantos dentes tem na boca. O que está a acontecer ao agregado familiar da Marília é exactamente o contrário daquilo que a política Idália Moniz diz na resposta à nossa pergunta. Mesmo assim, tendo sido avisada para a injustiça de que as três crianças estão a ser vítimas, a senhora Idália Moniz meteu a cabeça na areia e ficou-se pelas palavras de um Direito de Resposta que diz bem da sua falta de sensibilidade e respeito pelos direitos humanos.
Volto ao portão do Hospital de Santa Maria e ao sentimento de respeito que me mereceu a vendedora de castanhas, por me ter dado a entender que sabe que vender castanhas junto a um portão de um hospital não é exactamente a mesma coisa que vender castanhas na Feira dos Santos no Cartaxo. É certamente uma mulher inteligente, embora não saiba tocar violino como a socialista empresária Idália Moniz.

quarta-feira, 21 de outubro de 2009

Uma senhora sem importância


Esta semana entrego o espaço da Crónica a um leitor devidamente identificado que se meteu comigo por causa de uma Carta Aberta que escrevi à secretária de Estado Idália Moniz pedindo a sua ajuda para o caso das três crianças de Foros de Salvaterra que estão a ser vítimas de um “carrasco” da Segurança Social.


Exmo Sr. JAE. Parabéns pelo excelente trabalho e pela qualidade da prosa da reportagem com os deputados que visitaram a casa das três crianças de Foros de Salvaterra.
Depois de ler a sua Carta Aberta à Secretária de Estado Idália Moniz percebi melhor, pela inutilidade do Direito de Resposta da dita cuja, a inutilidade do cargo político que ela ocupa e os valores que a senhora defende. Como é que alguém com dois dedos de testa é capaz de responder a uma Carta Aberta que é um apelo quase dramático com um Direito de Resposta? Estes tipos e tipas da política estão no Poder cegos, surdos e mudos. Só têm tempo para os jogos palacianos; para defenderem os seus tachos; para defenderem e ajudarem os amigos do Partido; para governarem os problemas que os atormentam que derivam do medo que têm de perderem os lugares ou de serem esquecidos na hora das remodelações sempre inevitáveis depois de umas eleições.
A empresária Idália Moniz não só deitou a sua Carta Aberta para o lixo como o mandou dar uma volta com aquela prosa cheia de publicidade gratuita à política do seu Governo. Nunca li nada tão disparatado. Talvez o Senhor mereça o sermão que ela lhe deu. Quem o mandou dirigir-se a gente tão inútil quando podia muito bem ter dirigido a sua Carta Aberta ao povo que ajudou a família das crianças apelando à sua revolta contra o “carrasco” da Segurança Social? Vocês, jornalistas, não resistem ao perfume dos sovacos desta gente poderosa e depois admiram-se de levarem com o desprezo nas trombas. É bem feita se me permite o desabafo. Que lhe sirva de lição e o inspire para, numa próxima, premiar a senhora empresária Idália Moniz com os cornos de um toiro como prémio para a estocada que ela lhe deu e que o Senhor deve ter sentido bem lá no fundo do seu cachaço.
Desculpe por fim esta linguagem taurina mas como perceberá a intenção não é ofendê-lo. Os jornalistas são mais úteis à democracia e à defesa dos mais desprotegidos que todos os secretários de Estado servis e obedientes à política dos chefes.
Creia-me sem muita estima e consideração para não destoar da ensaboadela que levou da empresária Idália Moniz, uma cidadã que está secretária de Estado, e que até pode vir a ser Ministra, mas que não passa nem nunca passará de uma senhora sem importância. J.B.Monteiro

quarta-feira, 14 de outubro de 2009

Em defesa da Marília e dos seus três filhos


Há uma família em Foros de Salvaterra que está a ser vítima de uma injustiça do tamanho do mundo. Uma mulher e os seus três filhos estão a ser vítimas do sistema terceiro-mundista que toma conta das nossas instituições públicas onde funciona a lógica partidária na escolha dos gestores e, pior do que isso, funciona o nepotismo e a ditadura dos velhacos.
O caso é do conhecimento dos leitores de O MIRANTE e nesta edição é possível encontrar os desenvolvimentos mais recentes à volta deste caso.
Nada que se relacione com a política me tira o sono. Tudo o que gira à volta das desfeitas dos políticos, da sua má gestão ou das atitudes maquiavélicas que caracterizam muitas das suas atitudes, me rouba o sono ou merece mais do que um simples lamento. A revolta não é uma palavra do meu dicionário se tiver que me indignar com os caciques de Alpiarça, com os políticos socialistas da idade da pedra que militam em Santarém ou com os dirigentes partidários que se enganam a constituir listas para as autarquias locais, como aconteceu em Salvaterra de Magos. Mas, quando se trata da ofensa aos direitos mais elementares de um cidadão; quando alguém que detém um Poder põe em causa os direitos humanos a coisa pia mais fina e não há político que me cale por mais respeitável que seja o seu nome de família ou o tamanho das suas influências.
O que estão a fazer à Marília e aos seus filhos é uma violação dos direitos humanos. Basta ler o último relatório da técnica da Segurança Social para se perceber a dimensão da perseguição.
A Marília é pobre e com todo este drama que lhe criaram em casa nem o casamento conseguiu segurar. Mas eu sou testemunha desde a primeira hora das lágrimas que ela chorou e ainda chora. Vi a casa e senti ainda quentes os lençóis da cama de onde arrancaram as três crianças às horas a que se procuram bandidos nos seus esconderijos. Acompanhei de perto o esforço de solidariedade à volta da Marília e dos seus filhos e o que foi preciso trabalhar para lhe darem uma casa nova e mobilada.
Esta semana dedico este espaço ao caso da Marília e dos seus três filhos: a Tatiana o Filipe e a Soraia. Até este assunto ficar resolvido, até as crianças voltarem para o colo da mãe, não deixarei cair este assunto em saco roto. Todas as semanas, com mais ou menos palavras, com mais ou menos informação relevante, espero ter capacidade para renovar aqui o sentimento de solidariedade que esta gente precisa para voltar a ser uma família feliz. 

quarta-feira, 7 de outubro de 2009

Um voto esclarecido


Gosto de votar em todas as eleições. Mas gosto mais de votar para a eleição dos órgãos autárquicos. Sinto-me verdadeiramente a participar na vida da minha comunidade. Nas autárquicas sinto-me representado. O meu voto conta e eu posso pedir contas se ele estiver a ser mal utilizado no caso de ter contribuído para um mau governo ou para uma triste oposição. Não é por acaso que a lei eleitoral demorou tanto tempo a ser revista. E não é por acaso que os autarcas foram os parentes pobres da nossa lei. O nosso regime é democrático mas alguns dos nossos democratas, mesmo escolhendo entre os melhores do PS e os piores do PSD, são mais velhos que o diabo.
Se eu votasse em todos os concelhos da região do Ribatejo, e pudesse escolher entre os melhores candidatos, independentemente dos partidos, escolhia os candidatos que menos vezes me tivessem deixado sem água para tomar banho de manhã quando me levanto para ir trabalhar. Escolhia aqueles que deram menos emprego a pessoas das suas famílias; os que não desviaram estradas nacionais para instalarem superfícies comerciais à beira da estrada;
De entre todos os candidatos escolhia aqueles que prometem horários mais alargados para as piscinas municipais; os que prometem construir e conservar ringues e pavilhões desportivos de forma a que a prática do desporto seja quase uma obrigação na nossa vida e na vida dos nossos filhos; escolhia entre aqueles que prometem ajudar as associações com pessoal técnico e habilitado (há aí novos profissionais a saírem das universidades com licenciaturas em desporto, acção cultural e social, e ninguém pensa neles e na importância que podem ter ligados às associações de cada uma das nossas terras).  Escolhia entre os candidatos/políticos que não vivessem em casas do Estado ou da câmara nem trabalhassem para o Estado ou para as autarquias. Escolhia entre aqueles que não devessem à Segurança Social nem ao Fisco; votava naqueles que dão provas de que são profissionais de sucesso mesmo que o seu ofício seja o de limpa - chaminés. Escolhia os candidatos que compram pelo menos um jornal por dia e que vão ao cinema no mínimo três vezes por ano; E não me esquecia dos candidatos que sabem negociar com o Governo e com as Misericórdias o apoio às famílias mais carenciadas.
Escolhia, sem qualquer dúvida, o candidato que apresentasse a melhor proposta para regar a relva dos jardins da minha terra com água do rio e não com a água da rede pública; Escolhia o candidato que prometesse acabar com o emprego nas autarquias como forma de promover a mandriice, a irresponsabilidade; a corrupção e o compadrio.
 Por último; nunca votaria num candidato que fosse advogado e construtor civil, ou especulador imobiliário, ao mesmo tempo. Nunca votaria em candidatos que promovem o caciquismo ou que dependem dos favores dos caciques. Sou contra os interesses instalados, seja onde for, e tenho pena que esta campanha eleitoral tenha sido, regra geral, a mais pobre de sempre.

quarta-feira, 30 de setembro de 2009

A sombra das figueiras


A sombra mais fresca é da figueira. Depois a seguir talvez seja a da laranjeira. São palavras que cito de memória de uma das últimas conversas com o meu vizinho João Brás. Há dias, no velho porto de Marselha, numa visita a correr, resolvi dar uma volta sem olhar para o relógio. Quando comecei a sentir a camisola suada o sol estava a pique. De repente, onde só se vêem turistas sentados nas esplanadas, gente passeando e barcos atracados com sonhos milionários lá dentro, uma figueira surgiu no caminho. Corri para debaixo dela e ocupei quase metade da sua sombra. E de repente fez-se luz por causa da sombra tão fresca e da nobreza daquela pequena árvore que ocupa um importante lugar no grande, rico e sumptuoso porto de Marselha.


Tenho fascínio pela figura que foi Pablo Picasso e vou atrás do seu passado como um estudante atrás do seu mestre. No entanto se tivesse dinheiro para comprar objectos de arte não comprava Picasso. As suas obras são muito caras e a sua pintura e escultura não é realmente a que mais me encanta.
O que me fascina é a história da sua vida; o percurso do artista, as mulheres que amou e pintou, os negócios que fez, os amigos com quem conviveu, a sua arte para viver a vida e para saber viver da sua arte.
De Paris a Barcelona, de Aix-En-Provence a Antibes, de Málaga a Nova Iorque, Picasso rende mais que as receitas diárias do petróleo do Médio-Oriente. E à volta de Picasso tudo serve para uma exposição. A última homenagem em França leva-nos de Vauvenargues a Cagnes-sur-Mar, de Avinhon a Saint-Paul-De-Vence, de Les Baux-De-Provence a Nice, só para citar alguns lugares na Côte D’ Azur. E num destes lugares, onde construíram o Museu das Imagens, o espectáculo à volta da arte de Picasso é tão grandioso que parece maior que a força da sua arte (como se isso fosse possível!).
Depois, e para acabar que a crónica vai chata, fascina-me ver Picasso ao lado de senhoras e senhores que, aparentemente, passam a vida (quando não viajam em férias) na igreja ou de joelhos perante a adversidade, quando toda a arte de Picasso é provocação e subversão.


Uma mulher da minha terra, que dantes comprava chocolates para os meus filhos, morreu um dia destes. Deixou escrito que queria ser cremada e as suas cinzas lançadas ao mar. Como gostava muito de flores também deixou escrito que queria que dessem aos pobres da terra, em dinheiro vivo, o equivalente ao que gastariam se tivessem que enfeitar a sua urna.
E eu já não choro a morte da minha avó mas todos os dias me lembro dela como me lembro da sombra das figueiras da minha infância.

quinta-feira, 24 de setembro de 2009

Um território de índios


A facilidade com que um cidadão monta uma barraca no leito do rio Tejo e em poucos dias transforma a barraca num local para viver, com esplanada, arame de roupa, pocilga e jardim privado, depende da criatividade de cada um.
Quem passa todos os dias por cima da Ponte D. Luís, em Santarém, e olha lá para baixo, pode observar a recente construção de um desses espaços, talvez o princípio de uma nova urbanização para a história, quem sabe um bom pretexto para que a Região de Turismo cá do sítio possa mostrar trabalho no estrangeiro e assim atrair os turistas que passam a cem à hora na A1 directos a Fátima e a Tomar.


Colocar publicidade nas árvores e nos postes da EDP à beira da estrada é uma grande falta de civismo e de respeito e demonstra hábitos e costumes requentados.
Quem viaja por Espanha e França, só para citar os países vizinhos, percebe que a paisagem também é património e não pode ser poluída com mensagens publicitárias. Sabendo que muitos dos nossos autarcas passam férias nesses países não se percebe a sua falta de sensibilidade para as questões do património. Aqui, neste território de índios, são algumas autarquias que acabam a dar o exemplo. Um triste exemplo que demonstra bem a nossa falta de cultura cívica.


Os problemas que prejudicam o turismo na nossa região dariam pano para mangas se houvesse alguém interessado neste tipo de alfaiataria. E não é só o escândalo dos dirigentes reformados que ocupam lugares à margem da lei. Os dinheiros gastos na recuperação de casas antigas e palacetes, aproveitando os fundos comunitários para o investimento no turismo rural, não passam, na maior parte dos casos, de farsas bem montadas para proprietários ricos valorizarem o seu património. É um escândalo mas ninguém liga. Os governos do país vão-se sucedendo e como a principal preocupação dos políticos é assegurarem os tachos não há vigilância sobre os dinheiros públicos que foram gastos em projectos que depressa, e à boa maneira portuguesa, são adulterados.
As rotas do vinho e do touro bravo são outros dois bons exemplos. Quanto é que se gasta em promoção de actividades dirigidas ao turismo que não existe? Quanto é que cada proprietário recebeu ou recebe para fingir que faz parte de um projecto turístico que não recebe turistas nem nunca recebeu ?


José Sócrates fez bem em vir a Santarém lembrar ao país que para o PS é muito importante ter o voto de Francisco Moita Flores, o presidente da CMS eleito nas listas do PSD. António Carmo já disse que vai ganhar a autarquia a brincar falando para uma plateia de trezentos militantes e simpatizantes do PS. Somando todas as declarações e posições políticas apetece dizer; é lá agora o José Sócrates, por precisar do voto de Francisco Moita Flores, que vai pôr em causa a vitória de António Carmo nas eleições autárquicas em Santarém que se realizam quinze dias depois das legislativas!
Sabem o que é que eu acho? Já não há tipos com tomates. Estão todos a trabalhar para o Estado e ao serviço da República. Da República dos tempos dos filmes da Beatriz Costa.

quarta-feira, 16 de setembro de 2009

Notícias da minha terra


Há muitos anos assaltaram-me a loja (no verdadeiro sentido da palavra).
Às quatro horas da manhã bateram-me à porta e quem deu o alerta disponibilizou-se para ir comigo à caça dos gatunos. Uma hora depois do assalto, usando um pequeno truque (que não tem interesse contar para o caso) e o conhecimento que tínhamos das ruas da vila, apanhamos à mão dois dos gatunos (havia um terceiro mas nunca foi possível provar) numa rua do centro da Chamusca da mesma forma como dantes se apanhava peixe nas lagoas.
No dois para dois com os gatunos fui eu o primeiro a ceder. Nunca fui bom a brigar e, sempre que briguei, noutros tempos, era mais com o vinho que com pessoas. No dois para um, que começou logo que eu deixei fugir o gatuno que me tinha calhado, foi então mais fácil levar até à porta da GNR o gatuno que sobrava. Chegou de braço torcido, com alguns murros pelo caminho para acalmar.
O repórter do jornal da minha terra foi à procura da notícia no dia seguinte.
Contei-lhe o que se tinha passado mas pedi-lhe para não publicar a notícia.
Como era amigo dele, e para além de amigo era colaborador e anunciante regular do jornal, a notícia acabou por não ser publicada.
Resolvi recordar esta história para realçar o facto de ser muito fácil, quando se dirige um pequeno jornal, editá-lo à medida dos interesses de quem o dirige ou das pessoas que lhe estão próximas. Embora tenha fundado O MIRANTE com outro espírito não me custa reconhecer que nos primeiros tempos, enquanto fui aprendendo, também cometi alguns erros de amador, como cometeu o meu amigo repórter do jornal da minha terra.
Foram essas experiências, algumas dolorosas, que me obrigaram a apostar mais neste jornal e a fazer de O MIRANTE um projecto profissional e de serviço público.
O facto de viver na mesma rua que muitos dos protagonistas de algumas das nossas notícias, dá a ideia de que sou eu que as escrevo, ou que sou eu que as procuro e mando agendar para dar trabalho à redacção. Aliás, é isso que pensam muitas pessoas que, depois de serem notícia, vão bater à minha porta para pedirem satisfações. E quando eu não abro a porta, por não estar em casa, não estão com meias medidas; se não podem pedir directamente a mim pedem a quem vive na mesma casa que eu.
Quando as notícias sobre as pessoas minhas vizinhas são boas e contentes a minha rua é um sossego e dorme-se à noite na minha cama como se os escapes rotos das motos e o ladrar dos cães fossem música para os meus ouvidos.
Quando as notícias sobre os meus vizinhos são amargas e pouco felizes até o barulho do relógio da igreja matriz a bater as horas faz da minha rua um verdadeiro desacato.
Como eu gosto cada vez mais da minha terra, da minha rua e dos meus vizinhos de sempre. 

quarta-feira, 9 de setembro de 2009

Burrinhos e um pouco salazarentos


No Museu das Belas Artes da cidade do México vi e admirei um quadro com um velho quase raquítico de barbas muito grandes tendo por perto uma jovem e bela mulher de seios desnudados. Diz a lenda que o velho foi preso pela guarda da cidade acusado de um crime que não terá cometido. O castigo foi a prisão e o jejum para que morresse o mais depressa possível.
Três meses depois de ser encarcerado, nas piores condições que se podem imaginar, o velho ainda sobrevivia. Quando alguém se lembrou dele, e foi tentar perceber o que é que o mantinha ainda vivo, sem comer e sem beber durante três meses, começou a correr a notícia de que poderia ser santo.
Um dia alguém espreitou na hora e no momento certo pelo buraco da fechadura e descobriu o segredo da resistência do velho. A sua filha, a jovem e bela modelo do quadro, que tinha sido mãe na noite em que o pai foi preso, alimentava-o durante as suas curtas visitas diárias dando-lhe o leite do seu próprio peito.
Lembrei-me da beleza desta história, recentemente, quando li uma das mais horríveis saídas da pena de um escritor excepcional que escreveu um dos livros que mais gostei de ler nos últimos tempos. Não partilho a história por ser demasiado violenta fora do contexto da trama do livro mas deixo a indicação do livro e do autor para quem gosta de novidades ( As Meninas da Numídia. Mohamed Leftah. Trad. de Jorge Pereirinha Pires. Edição Quetzal).


Tomei boa nota da visita de Hillary Clinton a Angola e a Cabo Verde e não ouvi nem li nada sobre a intervenção de Portugal na organização e preparação desta importante iniciativa para os dois países de língua portuguesa.
Portugal continua a ser um desastre na relação com os países de língua portuguesa. Temos a língua comum de alguns dos países cujas economias podem ser das mais emergentes do mundo, como é o caso do Brasil e de Angola, e ficamos nas covas sempre que a seguir s palavras precisamos de provar alguma coisa relativamente ``a importância que dizemos ter no vértice do triângulo Europa-África-América.
Burrinhos e um pouco salazarentos é o que somos ainda ao nível da política externa comparando com o que podíamos ter aproveitado desta visita de Hillary com o que recentemente nos aconteceu na Venezuela onde fomos pagar tributos indevidos ao fascista que governa aquele país.

quarta-feira, 2 de setembro de 2009

O brilho do ouro scalabitano


José Sócrates veio a Santarém receber o ouro oferecido pelo município scalabitano na semana em que voltamos a fazer manchete com a situação de incompatibilidade de Joaquim Rosa do Céu à frente dos destinos da Região de Turismo de Lisboa e Vale do Tejo.
A edição de O MIRANTE caiu nas mãos de Sócrates em plena visita ao convento de S. Francisco onde decorreu a cerimónia da entrega da medalha de ouro da cidade. Sem saber o que o esperava, Sócrates recebeu o jornal sorridente e resolveu ler, em voz alta, o título da manchete como para agradecer a oferta do jornal. Quando percebeu o incómodo da situação, que deixou também a comitiva mais próxima do primeiro-ministro em silêncio, desembaraçou-se do jornal e comentou com a voz ainda mais excitada que conhecia aquele personagem e que ele deveria andar por ali. E depois lá seguiu o caminho da mina de ouro que Francisco Moita Flores lhe apontou em pleno coração de Santarém, a cidade que Sócrates conhece apenas de brevíssimas passagens, ignorando, por exemplo, que no último reinado socialista foi a cidade portuguesa que mais licenças concedeu para a instalação de grandes superfícies comerciais, o negócio mais ruinoso para a economia de qualquer concelho.
O ouro entregue a Sócrates por Francisco Moita Flores não o desresponsabiliza das malfeitorias que o Partido Socialista continua a permitir, nomeadamente ao nível das regras de conduta de alguns dos seus dirigentes nacionais e locais. Um Partido com as credenciais do PS não pode dar guarida a dirigentes manhosos e mentirosos, que usam e abusam de obscuras manobras para se perpetuarem no Poder, seja ele qual for, minando e corrompendo o regime democrático.
Nas próximas eleições legislativas não voto Sócrates se este Governo não repuser a legalidade a tempo e horas em instituições onde reina o oportunismo e a negociata.
O facto de ter votado nele nas últimas eleições obriga-me a deixar claro que se quer o meu voto outra vez vai ter que pôr na ordem os gestores de luxo que minam as instituições, malfeitores que não conhecem o sentimento de culpa e para quem as noções de responsabilidade cívica e ética são tão importantes como aquilo que vai agora pelo Tejo abaixo.
Também não voto Ferreira Leite nem sob ameaça. Não me identifico com o PSD nem com os barões que tomaram conta do partido. Aparentemente este é o PSD mais retrógrado desde Cavaco Silva.
Se Sócrates não mostrar, nos dias que faltam para acabar a sua governação, o brilho do ouro scalabitano com que quiserem premiar as coisas boas que fez ao longo da última legislatura, votarei nos partidos alternativos e ainda sem representação parlamentar.

quarta-feira, 26 de agosto de 2009

A política como disciplina


Sou um homem orgulhoso por ter a maioria dos meus melhores amigos fora dos circuitos da política. A política interessa-me como disciplina da cultura; de resto subscrevo aquilo que Ferraz da Costa disse recentemente numa entrevista ao Expresso: “Portugal não tem dimensão para se roubar tanto”.
Sinto-me envergonhado por viver e trabalhar num país cujas instituições são geridas por reformados. Dou um triste exemplo: Joaquim Rosa do Céu goza a sua merecida reforma a gerir, pelos vistos ilegalmente, uma instituição que movimenta milhões de euros. Toda a gente diz que o Turismo é uma das maiores apostas da nossa economia; que só sobreviveremos à custa do dinheiro que chega de fora: dos emigrantes e dos turistas que encontram em Portugal um país de sonho e bons costumes. Alguém acredita que com o sector do Turismo entregue a políticos reformados saíremos um dia da cepa torta?


Pacheco Pereira é o cabeça de lista do PSD no distrito de Santarém às próximas eleições autárquicas. Não tenho nada contra o ilustre comentador e opinador de jornais e televisões (para além de excelente autor). Mas é outro reformado. Ainda por cima pediu a reforma com base nos anos de trabalho como deputado. É justo que volte a exercer o mesmo cargo ainda por cima liderando as tropas? A malta dos trinta e dos quarenta é nova demais para governar este país? Não está na hora de exigir à classe política mais ambição e renovação?


O “Correio da Manhã” e o ”Público” são o exemplo de dois grandes jornais de referência com uma redacção de jornalistas de primeira linha para tratar os assuntos de Lisboa, e uma dúzia de profissionais avençados, que têm dois ou mais empregos, a trabalharem na província.
E a gente espanta-se com este país em que até os jornais de referência são um mau exemplo.
Quem acompanhou o caso do “monstro de Almeirim”, que fez manchete no Correio da Manhã, sabe do que falo. Quem acompanha o “Público” diariamente, e lê os textos sobre os problemas da nossa região, sempre tratados com pinças e a favor da corrente, sabe ainda melhor onde quero chegar.

quarta-feira, 19 de agosto de 2009

Uma região sem administração


No Verão passado, por esta altura de Agosto, fui atacado por dois cães de raça na maracha do Tejo no campo da Chamusca. Assim que encostei a bicicleta ao canavial, e me fiz notado, dois cães correram na minha direcção de tal forma que pensei: “estou frito”. Fiz imediatamente aquilo que mandam as regras. Estendi os braços ao longo do corpo e em sentido colei-me ao chão. Com os cães a meio metro de mim, rosnando e saltando com as patas dianteiras quase ao nível da minha cintura, fiz uma estátua durante cerca de 10/15 segundos, ou seja, uma eternidade até que uma voz feminina mandou recuar os cães.
Um casal de jovens estrangeiros acampou na maracha e enquanto dormiam uma sesta tinham dois cães raivosos a guardá-los. Escusado será dizer que depois do susto dei meia volta, agarrei na minha bicicleta e fui à procura do rouxinol da caneira para outras bandas (embora a propriedade, por onde eles passaram para entrarem na maracha, seja minha). Mas não saí de lá sem reparar que o cavalheiro que acompanhava a jovem e bonita mulher continuou a dormir a sesta tranquilamente em cima de uma manta e tranquilamente lá ficou a dormir .
O caso vem a propósito porque na passada semana ajudei a juntar a uma mesa de um restaurante responsáveis pela Associação de Beneficiários da Lezíria Grande de Vila Franca de Xira e dirigentes empresariais da região de Santarém. A lezíria na zona do Médio Tejo não é nada parecida com a lezíria de Vila Franca. Mas os problemas são os mesmos embora em menor dimensão. Enquanto na lezíria de Vila Franca se instalou a ordem com o controle de todas as pessoas que entram naquele espaço, disciplinando a conduta dos caçadores, pescadores e gente aventureira que anda por ali com a casa às costas, na lezíria, para os lados de Santarém, ainda é tudo como Deus quer. E até as marachas, que deviam estar para o rio como a luz eléctrica está para as ruas das cidades vilas e aldeias, não tem uma entidade que peça contas e que obrigue os proprietários a conservá-las. Ao contrário, há muita gente soberba que de ano para ano vai roubando, centímetro a centímetro, espaço na maracha, procurando assim produzir mais uns milhares de quilos de milho ou de tomate, com os inconvenientes que não é difícil adivinhar.
Numa região às portas de Lisboa, com a terra mais produtiva do país, servida por um rio tão generoso como uma placenta, vivemos realidades tão distintas ao nível da organização do território, e dos interesses da generalidade das pessoas, que parece que estamos no terceiro mundo. Há uma divisão administrativa do país que, é facto comprovado, não coincide com os interesses das populações e faz de nós o país agrícola mais pobre da Europa desenvolvida.

quarta-feira, 12 de agosto de 2009

Um dia fui à bruxa


Inspiro-me nas novelas da vida política portuguesa para fugir ao tema que enche as páginas dos jornais e os noticiários das televisões.


Há três décadas, naquela idade em que um homem é capaz de fazer trinta por uma linha, fui à bruxa levado por uma vizinha que gostava muito de mim. Eu tinha pouco mais de 20 anos e não sabia dizer que não a uma pessoa que me queria muito bem. E a minha curiosidade era daquelas que podia matar. Como não morri, nem sequer de susto, fiquei com uma boa história para contar. A bruxa pôs-se a adivinhar e eu, antes que a aventura terminasse, não me fiz rogado e comecei a fazer perguntas. Como a bruxa não conseguiu responder-me no presente com a mesma habilidade com que tinha previsto algumas situações no meu futuro, saí do seu consultório em passo de corrida e mais ou menos excomungado.


Tenho a memória cheia de lugares e de pessoas que encontrei nas minhas viagens. Lembro-me com muita frequência de uma visita ao Museu de Arte Moderna de Nápoles, em Itália, e de ver uma sala com as paredes nuas e cheia de vidros no chão. Perguntei a um guia que tipo de arte é que se encontrava naquela sala. A explicação foi rápida e concisa: o autor tinha atirado um vidro contra uma das paredes e o desenho que os vidros fizeram no chão ao caírem constituíam a obra de arte.


O meu avô paterno não sabia ler nem escrever mas era um mestre a contar histórias que ainda hoje recordo e procuro insistentemente nos alfarrabistas. Mas são as histórias da vida real que mais me marcaram e que me servem de alimento. Um dia contou-me que teve uma cabra às portas da morte durante sete dias. Ao sétimo dia lembrou-se de mandar rezar o quebranto ao animal e, de uma hora para a outra, a cabra já vendia saúde e começou a comer com o apetite de quem não se alimentava há um ano. Foi um milagre contava ele cada vez que eu o interrogava sobre o assunto e dizia não acreditar em bruxarias.


Queria fugir ao tema da política mas a coluna ainda aguenta mais palavras.
Os dirigentes nacionais do PS e do PSD vão à bruxa todos os dias e não se fazem rogados a pôr em prática os conselhos das feiticeiras.
É minha convicção que a maioria da nossa classe dirigente faz da política a arte de mandar vidros contra as paredes para desenharem no chão os seus verdadeiros predicados e as suas reais intenções.
Por último: dou um garrafão de cinco litros de azeite a quem souber rezar o quebranto e ainda acredite que é possível salvar das mãos destes políticos miseráveis o grande rebanho de cabras do qual a grande maioria de nós faz parte.

quarta-feira, 29 de julho de 2009

Uma carta do Brasil


Uma amiga, casada com um inglês, a viver no Porto, contou-me recentemente que a sogra telefonou-lhe de Londres a perguntar se em Portugal estavam a par das notícias sobre a morte do Michael Jackson. Que raiva, desabafou. Um amigo brasileiro, descendente de poloneses, enviou-me o texto que resolvi partilhar por ser o espelho da forma como a classe média brasileira ainda vê Portugal e os portugueses. O texto é uma piada. O Brasil é a nossa melhor descoberta mas também é o melhor testemunho de que já não somos o mesmo povo que deu novos mundos ao mundo. Somos mais o povo que gosta de contar piadas sobre alentejanos. Ora aqui está uma boa vingança que chega do Brasil.
Querido filho Manoel Joaquim
Escrevo-te esta linha para que saibas que a mãe está viva. Vou escrever bem devagar, pois sei que não consegues ler depressa. Caso estejas sem tempo de escrever à mãe, manda uma carta dizendo que quando estiveres mais tranquilo vais mandar notícias. Se tu viesses hoje aqui em casa não irias reconhecer mais nada, porque mudamos.
Temos agora uma máquina de lavar roupa. Mas não trabalha muito bem. Na semana passada pus lá 14 camisas, apertei o botão e nunca mais as vi. Vai ver que esta marca Hydra não é das melhores.
Tua irmã Maria está grávida. Mas ainda não sabemos se vai ser menino ou menina. Portanto,não podemos te dizer se vais ser tio ou tia. Teu pai arranjou um bom emprego. Tem 2300 homens abaixo dele. É o responsável pelo corte da grama do cemitério.
Quem anda sumido é teu tio Venâncio, que morreu no ano passado. Lembras-te do teu tio Joaquim? Então... afogou-se no mês passado num depósito de vinho. Oito compadres dele tentaram salvá-lo, mas o tio lutou bravamente contra eles. O corpo foi cremado há duas semanas. Levaram oito dias para apagar o incêndio.
Os engarrafadores de refrigerante aqui finalmente tiveram a grande idéia de colocar uma indicação na tampinha, dizendo “abra por aqui”. Facilitou-nos muito a vida.
Espero que os daí façam a mesma coisa.Caso esteja difícil para ti, a mãe te manda algumas garrafas. Teu irmão, João Manuel, continua o mesmo de sempre.Semana passada fechou o carro com as chaves dentro. Perdeu um tempão indo até a casa pegar a cópia da chave, para poder tirar-nos todos de dentro do automóvel. Estava um calor de rachar.Por falar em calor, o tempo aqui está muito estranho. Esta semana só choveu duas vezes.Na primeira vez choveu durante 3 dias e na segunda vez choveu durante 4 dias.
Esta carta te mando através do Gabriel, que vai amanhã para aí. A propósito, será que podes pegá-lo no aeroporto?
Lembrei de uma coisa importante. Terás um problema para falar com a mãe,caso decidas escrever-me. Não sei o endereço desta casa nova.
A última família que morou aqui, antes de nós, também era portuguesa, levou a placa da rua e o número da casa para não precisar mudar de endereço.
Se encontrares Teresa, dê-lhe um alô da minha parte. Caso não a encontres, não precisas dizer nada.
Adeus.
Tua mãe que te ama.
Fátima Manoela da Alcova
P.S. Ia mandar-te 2000 euros, mas fica para outra vez. Já fechei o envelope.

quarta-feira, 22 de julho de 2009

Onde é que está a notícia ?


A verdadeira notícia desta semana não é a recandidatura de Pedro Ribeiro nas listas do PS à Câmara de Almeirim. Toda a gente palpita que Pedro Ribeiro é o candidato natural à sucessão de Sousa Gomes. Se não for é que será de admirar. Para mim a notícia é o estado de saúde de Francisco Leonor, o conhecido homem das antiguidades da cidade que, segundo sei, está a regressar de um período de internamento no hospital. Toda a gente da cidade a quem perguntei por ele nestes últimos tempos tinha uma história para contar do Senhor Leonor.
A verdadeira notícia em Tomar não é o facto de haver sete candidatos a presidente de câmara. Para mim a notícia é o regresso de António Paiva à luta pela reconquista do poder pelo PSD e pela vitória do homem que ele chamou para a sua equipa enquanto foi presidente. Na política estes exemplos são muito raros. Quem sai fica sempre a torcer para que os que vêm atrás fechem a porta. Ver António Paiva a defender a continuidade do seu trabalho num projecto de um seu ex-vereador é um sinal de que em Tomar nem todos estão no mesmo saco de gatos.
A notícia em Vila Franca de Xira não é o facto de Maria da Luz Rosinha apagar a luz das casas de banho dos homens quando é a última a sair do edifício da câmara ou, até, a sua confissão de que José Sócrates lhe terá dito que a intenção das quotas para as mulheres foi para proteger os homens num futuro próximo. Para mim o que é notícia é o facto de Rosinha se recandidatar a mais um mandato depois da polémica sobre a revisão do PDM que deixou marcas nas discussões com os agentes locais das várias freguesias. Quando toda a gente da política lisboeta promete segurar a população, e reactivar as tradições nos bairros mais populares, o concelho de Vila Franca de Xira, que já tem cerca de 130 mil habitantes, prepara-se para receber mais trinta mil nos próximos quatro anos. Para mim é aqui que está a notícia. E saber que toda esta gente vai sair de Lisboa ainda me deixa mais espantado.
Para mim a notícia não é o facto do presidente da Entidade Regional de Turismo de Lisboa e Vale do Tejo, o socialista Joaquim Rosa do Céu, não ter entregue, como devia por questões legais e éticas, a sua declaração de rendimentos no Tribunal Constitucional depois de ter tomado posse do novo cargo. Notícia para mim continua a ser ele ter dito, na altura, que desconhecia o negócio da transacção de terrenos na zona industrial de Alpiarça em que o pai embolsou uma boa maquia. A gente acredita porque não nos resta outra alternativa mas que é difícil engolir lá isso é. Então o presidente da câmara tem o seu próprio pai a negociar terrenos com o município e não sabe ? Ora aqui está uma boa notícia que continua a merecer actualização.

quarta-feira, 15 de julho de 2009

Joaquim Rosa do Céu: o Príncipe Perfeito


Lenine passou os últimos dias da sua vida a caçar rouxinóis à pedrada. As imagens estão num filme de um jovem realizador russo que mostra um Lenine de traços rígido e apopléctico. Levaram-no para um sítio na Crimeia, na Primavera, para a beira de um lago, ao sol, esperando que aí se sentisse bem. Mas os rouxinóis roubavam-lhe o sono todas as manhãs. Então certa manhã precipitou-se para o jardim e começou a perseguir os rouxinóis. Agarrou em pedras que lhes atirava. De súbito sentiu que não era capaz de levantar as pedras: paralisara. Era a vingança elegante -leve como um sopro, mas implacável- dos rouxinóis sobre o grande revolucionário, que não podia suportar o seu canto.
O relato vem no novo livro do escritor Imrer Kertész (prémio Nobel 2002) e serve às mil maravilhas para retratar o estado de espírito do ex-presidente da Câmara de Alpiarça, Joaquim Rosa do Céu. No dia em que O MIRANTE publicou um texto sobre eventuais favorecimentos do ex-presidente da câmara ao seu pai, agente imobiliário com negócios no concelho onde o filho era o “manda-chuva”, O MIRANTE passou a inimigo público do autarca alpiarcense. O caso acabou em nada, como aliás acabam todos estes casos depois de muitos anos em tribunal. Mas O MIRANTE, no seguimento do que fizeram outros órgãos de comunicação social, não escondeu a notícia. Pelo contrário: demos a visibilidade que o caso merecia não deixando de fazer também, como é nossa prática, o contraditório. Mas as pedradas de Rosa do Céu contra O MIRANTE nunca mais pararam. Impotente para fugir aos jornalistas da casa que acompanham a vida política local e regional, Rosa do Céu porta-se como um Lenine da política quando as notícias não lhe agradam e perde a cabeça quando vê uma máquina fotográfica nas mãos de um jornalista de O MIRANTE.
Procurando responder a uma crónica publicada recentemente neste espaço, e a um texto publicado na secção Cavaleiro Andante, onde lhe chamamos o Príncipe Perfeito, Rosa do Céu publicou como publicidade paga no jornal O Ribatejo o mesmo texto ofensivo que recentemente também conseguiu publicar neste jornal com a ajuda de uma entidade reguladora ao serviço do PS de que Rosa do Céu faz parte.
Às críticas que lhe fiz, e faço, por ser um político medroso, calculista, paranóico, com a mania da perseguição, incapaz de ser solidário, movimentando-se no meio partidário como um gestor de luxo, um Príncipe Perfeito, Rosa do Céu respondeu com insinuações dirigidas à minha pessoa que se não fossem o espelho da sua personalidade seria caso para dizer que o homem está louco.
Depois da publicação do texto recebi uma dezena de telefonemas solidários de dirigentes do Partido Socialista da região, alguns deles de pessoas que se sentam nas mesmas tribunas políticas de Rosa do Céu. Não faço uso desses nomes por razões que os leitores compreenderão. Mas deixo o registo nem que seja para dar conta que ainda há gente séria e lúcida no PS, que sabe diferenciar as notícias e as opiniões das calúnias. 

quarta-feira, 8 de julho de 2009

O MIRANTE não é um jornal do PS *


Na passada semana, no dia do fecho do jornal, depois de uma jornada que só acabou às quinze horas, almocei a correr e fui a correr ainda mais depressa para a gráfica onde imprimimos O MIRANTE. O jornal cresce, a equipa cresce, tudo vai crescendo devagarinho. Só quando surgem as contrariedades é que nos lembramos que quanto mais subimos maior é a queda.
Com as três edições a caminho da gráfica pelas estradas virtuais fomos em equipa pela A1 a 139 à hora tentar perceber mais uma vez as razões para a má impressão do jornal, as fotos sem qualidade, as cores alteradas, os planos sobrepostos que desvirtuam as imagens, as contrariedades no mailing que atrasam a chegada do jornal aos assinantes, enfim, mil e um problemas que se escondem numa organização que deveria ser perfeita tendo em conta o preço que pagamos.
Eram seis e meia quando saí a correr da gráfica e dei um salto à praia de Oeiras. Como estava ali perto resolvi acabar o meu dia esticado ao sol. Até às nove horas pareceu-me que passou uma eternidade e a sensação foi de que sentia-me compensado depois de um dia duro de trabalho.
Foi o sentimento do dever cumprido que me fez voltar atrás no tempo e recordar mais uma vez a imagem que guardo do antigo director do jornal da minha terra, que eu conheci quando ainda era muito jovem, e com quem colaborei dirigindo uma secção do jogo de damas.
Na altura em que o jornal era impresso em Rio Maior, cruzei-me várias vezes com o senhor António Bento na estrada entre a Chamusca e Santarém quando ele, na sua vespa, que não devia dar mais do que 50 à hora, cumpria sozinho uma função que, hoje, eu e os meus companheiros de trabalho também cumprimos religiosamente: escrevemos, fotografamos, editamos, paginamos, filmamos, vamos discutir para a gráfica os problemas das novas tecnologias japonesas, enfim, fazemos tudo e mais um par de botas. A grande diferença é que temos menos tempo para viver a nossa vida e mostrar bom trabalho.
Deitado na areia da praia de Oeiras, depois de um dia filho da mãe, ainda tive tempo para fazer três telefonemas para provocar notícias e, um deles, quem sabe, para nos abrir novos horizontes para continuarmos a crescer mesmo sabendo que quanto maior for a subida maior será a queda.



433 foi o número de anúncios pagos que publicamos na última edição de O MIRANTE o que corresponde, mais coisa menos coisa, a 50 páginas de publicidade numa edição que se publicou com 96 páginas. Não conheço outro jornal que se publique no mercado português que mostre trabalho como nós mostramos. E é certo que não vamos ficar ricos. Mas é assim que, desde sempre, nos defendemos dos sacanas que vivem dos honorários do contrabando político com os bolsos cheios a rasgarem-lhes as entranhas, os rins e o baço.


* Na próxima semana, fica prometido, acabo com esta história que me tem estragado os títulos da minha crónica.

quarta-feira, 1 de julho de 2009

O MIRANTE não é um jornal do PS *


     Gostava de escrever um livro com todas as minhas histórias de riso. Sei que não tenho génio para isso nem vagar para me entregar a um ofício que é muito mais de escravo que de sultão.
     Há uns anos frequentava o mesmo ginásio que um conhecido ministro do Governo de Durão Barroso com quem tinha umas “contas a ajustar” por causa da distribuição de subsídios aos jornais. No dia certo, à hora certa, encontramo-nos nos balneários, partilhando cacifos lado a lado. Cumprimentei o sr. ministro com um olhar sorridente e olhei em frente enquanto pendurava a minha roupa. A resposta, como não podia deixar de ser, foi um cumprimento educado. Viva sr. ministro, ainda bem que o encontro. Deve ter muito para me contar sobre os apoios que o Governo este ano atribuiu a um conjunto de jornais todos do mesmo grupo que ainda por cima tem como negócio principal a construção civil. Foi mais de meia hora de conversa com os calções na mão e a toalha ao ombro. A conversa foi muito civilizada, apesar de aguerrida, mas fiquei sempre com a sensação que o ministro mudou de ginásio para não voltar a cruzar-se comigo na hora do descanso.
     Foi no mesmo clube que um dia ouvi o Herman José em amena cavaqueira com dois amigos a propósito do processo Casa Pia. Como a conversa era picante fiz trinta por uma linha para fazer render o tempo que me tinha levado ao balneário para olhar o telemóvel e ver se tinha algum recado urgente. Devo ter demorado um quarto de hora a consultar o dito cujo. Foi tão demorada a consulta e a teatralização do acto que deu para ouvir um dos protagonistas dizer que o melhor era falar mais baixo que a conversa estava interessante mas havia um tipo a ouvir com cara de jornalista. Eu sorri e não fingi que era surdo. Saí do local com um até já e com uma nova toalha na mão. Fiquei com matéria para uma primeira página. Não pelas revelações mas pela opinião que o tio Herman tinha sobre a Justiça e os episódios curiosos das investigações e das ditas fugas de informação.
     No passado sábado, enquanto batia os braços e as pernas dentro da piscina como os tipos que sabem nadar (de verdade eu aprendi a nadar na água funda do rio Tejo, e para mim nadar é sempre fugir da água funda), reparei que a um canto, junto aos degraus, o Cristiano Ronaldo fazia alongamentos. Eu nadava de costas como sempre e ele de dez em dez segundos, depois de endireitar aquele corpo que parece o tronco de uma árvore, dirigia o olhar na minha direcção e sorria. Queres ver que ele pensa que eu sou a Margarida Rebelo Pinto (que também é nossa colega no Clube) ?
     Ah! falta contar que a certa altura adormeci na espreguiçadeira e fui acordado por um ronco muito estranho que me pareceu de um jogador de futebol. Quando olhei para o lado, a pensar que o Cristiano ainda lá estava de telemóvel na mão e com a toalha enfiada na cabeça como um muçulmano, o que vi foi uma inglesa de 20 anos a olhar para mim com cara de espanto. Bolas!! Bem diz o meu filho Bernardo que eu ressono alto sempre nas piores alturas.


     * Depois explico este título que não tem nada a ver com a crónica.

quarta-feira, 24 de junho de 2009

Quem não salta é lampião


     Tenho um amigo de longa data que é das pessoas que conheço uma das mais educadas do mundo. Pratica tudo o que são bons costumes e ainda se lembra dos dias de anos dos amigos; beija a mão das mulheres; pergunta sempre pela família; escreve cartas à mão; telefona a ser solidário por tudo e por nada; enfim, diria que não há no mundo melhor alma do que a dele.
     Uma vez fui ver um jogo de futebol ao seu lado e percebi que o meu amigo não é de ferro. O nosso clube ganhou por cinco a zero. Mas, não sei como nem porquê, ele encontrou dezenas de razões para chamar cornudo ao árbitro, filho da p. ao desgraçado que estava à nossa frente e, mesmo a perder, ainda exibia orgulhoso o cachecol do seu clube; corrupto ao árbitro auxiliar que por azar assinalou mal um fora de jogo, um único fora de jogo e o resultado já estava em três a zero; e mafioso ao treinador da equipa visitante. E mesmo num encontro com a pior equipa do campeonato ainda se levantou meia dúzia de vezes para pular como um adolescente e gritar em coro com uns milhares de fanáticos que “quem não salta é lampião”.
     Enfim, o que eu queria dizer parece que ficou claro (ou não ?); por dentro de um homem de bons costumes, como é o meu amigo, não é difícil encontrar um ser humano que num mundo à parte seria capaz de editar um dicionário de asneiras e, quem sabe, dependendo das circunâncias, deitar abaixo uns quantos sobrolhos se a força e a dureza dos seus punhos o permitissem.


     Fico a dever à NERSANT, que todos os anos organiza uma prova de aventura, a oportunidade de testar as minhas capacidades físicas mas também, e acima de tudo, o meu espírito de tolerância. Tudo o que são grandes contrariedades na nossa vidinha, nomeadamente problemas no trabalho e com os filhos, cornadas dos amigos e dificuldades em dormir, podem ser simples contrariedades comparadas com as dificuldades das provas das edições do Challenger da NERSANT. Este ano a coisa foi mais pacífica mas, mesmo assim, pessoalmente, tive uma das melhores oportunidades de perceber como a vida é dura e nem Deus Nosso Senhor nos pode livrar de irmos para a cama a um sábado ás 10 da noite com o esqueleto feito num oito depois de uma prova de BTT em que me aconteceu de tudo. O mais espectacular foi a descoberta da beleza de um percurso de charneca de 10 km entre Barquinha e Constância. O mais divertido foi ter utilizado o telemóvel para tirar algumas notas pelo caminho e, assim que cheguei à margem do rio Zêzere, ter deitado tudo a perder com um mergulho no rio. O telemóvel não se salvou, e os apontamentos, pelo que me lembro, eram só embalos do momento. Quanto ao mergulho ainda sinto no corpo a diferença entre os oito e os oitenta.

quarta-feira, 17 de junho de 2009

Um exército ao serviço dos cidadãos


“Para fazer um soldado é preciso desfazer um civil”.

“O plural de marechal é marechais. O plural de general é degenerados” Boris Vian


Não gosto de fardas nem de bandeiras. Não gosto nem me comovem os sentimentos nacionalistas e bairristas que costumam mobilizar multidões.
A haver um exército em Portugal deveria servir para proteger o meio ambiente; para evitar o tráfico de droga; para proteger os cidadãos indefesos que são roubados e espoliados diariamente por grupos de assaltantes organizados.
Nos tempos da bomba atómica e das armas químicas é um disparate manter um exército de homens fechados em quartéis alimentando uma estrutura militar que custa ao País muitos serviços nacionais de saúde e de educação.
A organização de paradas militares com pompa e circunstância faz-me sempre lembrar os mortos na guerra. Não há nada que justifique uma guerra; nada deveria justificar a mobilização de homens e de mulheres para vestirem a farda de soldados em tempos de paz.
Não gosto de fardas nem compreendo a existência de um exército organizado se não for para nos defender do crime organizado; dos bandidos que se dedicam ao tráfico de mulheres e de crianças e a todos os tipos de assaltos que tornaram a nossa vida num inferno.
A parada militar do 10 de Junho em Santarém não foi um sinal de vitalidade da nossa democracia nem dos nossos valores patrióticos. Foi mais uma amostra do que nos acostumamos a ver noutros tempos, quando os portugueses morriam em África combatendo numa guerra que ainda hoje nos magoa e divide.
Como a guerra já não é o que era dantes, depois de Hiroxima e Nagasaki, e depois de África, um corpo de tropas em Portugal deveria ser um contingente de homens ao serviço da Cruz Vermelha, da Unicef, da Amnistia Internacional e, acima de tudo, ao serviço dos cidadãos portugueses na sua luta diária contra a insegurança nas ruas e nos estabelecimentos comerciais, a degradação do meio ambiente, os atentados à floresta e às áreas protegidas, na luta contra a máfia do crime económico e de sangue cada vez mais organizado.

quarta-feira, 10 de junho de 2009

Os fazendeiros do Cnema


     A pretexto das comemorações do 10 de Junho em Santarém, o Presidente da República escreveu um texto dirigido à equipa de O MIRANTE para elogiar o nosso trabalho ao serviço da região. Estamos obrigados a fazer mais e melhor para merecermos o elogio da mais alta figura do Estado português que nos honrou com o seu interesse e a sua leitura (ver texto na página 15 desta edição).
     Para não perdermos tempo recusamos, no dia em que recebemos a mensagem do Presidente da República, um convite da Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC), para uma tentativa de conciliação com a administração do Cnema. Os homens da CAP colocaram a nossa empresa no índex e têm vindo nos últimos tempos a complicarem a vida aos jornalistas desta casa. A ERC, criada por este Governo para evitar os abusos dos jornalistas, em vez de pôr os fazendeiros do cnema em sentido, e mandar cumprir a Constituição Portuguesa e os valores do 25 de Abril, telefonou numa tentativa de nos pôr a “pastar caracóis”.
     A CAP é dona e senhora do Cnema. Pode até comprar a cidade de Santarém com monumentos e tudo; e embrulhar no negócio os pacóvios dos políticos locais que lhes deram tanto poder e hectares de boa e honrada terra. O negócio de O MIRANTE é jornalismo de serviço público. Se nos expulsarem da cidade vamos para os escombros da Ribeira de Santarém. Lá temos a certeza que o povo nos dará guarida. E não é plausível que aqueles terrenos interessem aos especuladores, aos vendilhões do templo, sequer aos fazendeiros da CAP para as suas grandes negociatas.


     Há uns anos atrás, timidamente, começamos a reservar uma página da nossa edição para as cartas dos leitores. Nos dias de hoje, com a grande ajuda da internet, podemos seleccionar entre as cartas e comentários recebidos aqueles que merecem a publicação. No futuro teremos que repensar a estratégia e dar ainda mais espaço à palavra dos leitores.
     É a contar com o futuro que criamos o Clube dos Leitores de O MIRANTE.
     Fica aqui esta nota numa altura em que já nos mobilizamos para mais uma iniciativa que faz a diferença no panorama da imprensa regional e nacional. São os leitores na generalidade que nos ajudam a fazer a diferença.
     Apesar de tudo a iniciativa continua a ser arrojada principalmente devido ao facto de muitos leitores não enviarem as suas cartas e comentários devidamente identificados. O desafio está feito. O caminho faz-se caminhando.

quarta-feira, 3 de junho de 2009

A cereja em cima do bolo


No dia em que escrevo este texto ouvi da boca de um autarca de Santarém a informação de que a cidade tem cerca de meia centena de obras com estaleiro montado.
O povo diz nas ruas que era uma sorte para o concelho que o 10 de Junho se comemorasse em Santarém todos os anos. Eu ouço e concordo. A conquista para Santarém das comemorações do 10 de Junho e a visibilidade que a cidade e a região vão ter em todo o mundo justifica plenamente esta azáfama que percorre toda a cidade.
Os socialistas de Santarém, acomodados na vereação durante todo este mandato, depois de perderem a câmara mais importante da região, tentaram várias vezes resumir o trabalho de Francisco Moita Flores e da sua equipa a simples organizadores de festas. Ora aqui está a cereja em cima do bolo. A quatro meses de uma nova disputa eleitoral, que são as autárquicas de Outubro, Francisco Moita Flores conseguiu para Santarém a maior festa de todas as festas: a celebração do 10 de Junho, Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas.
Os socialistas, rendidos e acomodados nos seus lugares de vereadores, nem piam. Rui Barreiro, o cabecilha, continua a inchar provavelmente ainda sob o efeito dos comprimidos que tomou para digerir a derrota que destronou o PS de mais de 30 anos de poder local na capital de distrito.
Santarém está aparentemente rendida a um projecto político e de vida de Francisco Moita Flores que pode resgatar a cidade do atraso de muitas décadas. É possível, e é desejável, que os socialistas inaptos não voltem tão depressa ao poder neste pobre concelho. Chega de barbaridades, de malfeitorias, desleixo, palermices e tontices.
As comemorações do 10 de Junho em Santarém acontecem numa altura em que já aquecem os motores para as eleições autárquicas. É bom perceber que as obras na urbe não são para inglês ver nem para figurarem nas novas colecções de postais ilustrados da cidade. 


P.S. Eu voto nas eleições do dia 7 de Junho. Embora não esteja a gostar do que ouço na campanha eleitoral vou votar para continuar a homenagear a liberdade conquistada com o 25 de Abril. E a Europa, e esta ideia de um conjunto de países solidários e amigos, merece que sejamos cidadãos militantes.