quinta-feira, 18 de março de 2021

Camões, Armando Vara e Idália Serrão


Camões dá nome ao dia de Portugal o que é caso único no mundo. Este é o país de Armando Vara, que de bancário passou a banqueiro, e de Idália Serrão que acabou de cair do cavalo depois de as autoridades terem posto em causa a sua competência para o lugar que desempenha no banco Montepio.


“Este país fica-me apertadinho nas cavas*. Não é preciso citar Alexandre O’Neill nem Fernando Pessoa, muito menos Álvaro Cunhal ou Mário Soares, para termos uma boa frase sobre a questão de ser português. Uma citação de uma das muitas entrevistas de O MIRANTE serve às mil maravilhas para nos revermos na fotografia. Realmente este país é pequenino para tanta truta, e para tanto peixe graúdo, que sonha para a sua vida o que Camões sonhou para Portugal ao transformar  “factos históricos numa epopeia onde a História do nosso povo anda de mãos dadas com os desígnios e a vontade dos deuses”.

Camões dá nome ao dia de Portugal. Caso único no mundo. Foi um poeta desconhecido no seu tempo, morreu em data desconhecida, não há notícia dos seus parentes, onde viveu e, por fim, onde foi sepultado (muito provavelmente em campa comum e sem a dignidade de um lençol embrulhado no corpo).

É próprio dos portugueses estes actos de homenagem depois da morte: as honrarias depois do desprezo e da desumanidade. Hoje, como ontem, os artistas não são os que escrevem, pintam, esculpem, filmam ou simplesmente dão cor à vida colectiva; os artistas, os verdadeiros artistas, são os que dominam o poder financeiro, os que governam os impostos do povo e podem, sem qualquer vigilância, conceder empréstimos de milhões com a garantia que o gato dá ao rato quando o deixa correr mais uns centímetros entre dois buracos.

Armando Vara, um banqueiro do regime que nasceu com o 25 de Abril de 1974, ganhou esse estatuto por ser socialista e amigo de José Sócrates. Só por isso chegou a administrador de vários bancos, entre eles a Caixa Geral de Depósitos, banco do Estado, para assinar pedidos de crédito como se toda a sua vida tivesse sido dedicada a estudar financiamentos bancários e avaliações de risco. Armando Vara foi empregado bancário no início da sua vida; depois chegou a banqueiro por ser filiado num partido político e ter amigos influentes.

Há cerca de 10 anos o Banco Central Europeu apertou as regras de forma a que não voltem a acontecer situações como a de Armando Vara. Os banqueiros estão cada vez mais sujeitos a uma escrutínio que tenta impedir que os espertalhões da política se aproveitem do emblema do partido para roubarem dos impostos dos portugueses os financiamentos para as aventuras empresariais dos seus amigos.

Foi por isso que Idália Serrão acabou de perder, na Associação Mutualista Montepio, o estatuto de administradora com os pelouros financeiro e de contabilidade por intervenção da Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões (ASF). Idália Moniz passou de presidente de Junta de Freguesia de Almoster, em 2010, a deputada e depois banqueira em 2017. A sua formação foi adquirida em cursos de Educação Musical. Quando chegou a vereadora da Câmara de Santarém parecia a amazona de Rui Barreiro, seu parceiro na cavalgada autárquica que acabou mal.

Há três anos, quando saltou da Assembleia da República para o lugar de banqueira, sem qualquer experiência no mundo dos negócios, nem por conta própria, nem qualquer tipo de formação, poucos se indignaram. A classe política dirigente a nível nacional está toda do mesmo lado, ou seja, do lado oportunista das conquistas de Abril de 1974. JAE

* Entrevista a O MIRANTE com Rui Sommer de Andrade, edição 15/03/92.

quinta-feira, 11 de março de 2021

O oiro do nosso território são os rios e as ribeiras mas estão por conta dos poluidores


Em tempo de pandemia as denúncias por crimes ambientais baixaram significativamente a exemplo dos acidentes nas estradas. Só no caso da contaminação dos rios e ribeiras está tudo como dantes e os poluidores continuam a carregar no acelerador. 


Nos últimos tempos voltaram as notícias sobre as suiniculturas, os cheiros e as descargas ilegais que poluem o ar, os rios e seus afluentes. Não é nada que não estivéssemos à espera, embora normalmente estas notícias apareçam em maior número em períodos de Verão, quando as linhas de água ficam com menos caudal.

Apesar de vivermos num tempo e numa época em que a consciência ambiental aumentou significativamente em relação há meio século, nem por isso os poluidores e as indústrias poluentes desapareceram ou são alvo de uma maior vigilância por parte das autoridades fiscalizadoras. Não há números oficiais, mas é sabido que as suiniculturas têm aumentado significativamente na região ribatejana, em parte devido à necessidade de mudança de território dos produtores da região de Leiria que, ainda hoje, fazem do rio Liz um esgoto a céu aberto, mas também da actividade de um sector que emprega cerca de cinco mil pessoas no distrito e é responsável por cerca de 18% da produção nacional.

Trago o assunto aqui por causa das notícias também repetidas sobre a poluição no rio Nabão. É tempo dos responsáveis políticos falarem verdade e assumirem as suas responsabilidades, uma vez que, neste caso, não há suiniculturas que os salvem do pecado das descargas das ETAR que, ou não existem ou não funcionam. 

Um dos casos mais mediáticos dos últimos anos passou-se nas nossas barbas e teve a ver com a poluição do rio Tejo. As imagens de Janeiro de 2018 correram mundo e ainda estão bem gravadas na memória de muitos de nós. Na altura a Inspeção-Geral do Ambiente e o Ministério Público abriram inquéritos, os responsáveis políticos foram ouvidos no Parlamento e o Estado deu início à despoluição do rio, retirando muitos milhares de toneladas de material orgânico do leito do rio. A factura deste trabalho chegou aos dois milhões de euros que, tudo indica, terá sido enviada aos responsáveis pela poluição onde estavam incluídos os patrões das indústrias de celulose, nomeadamente da Celtejo, em Vila Velha de Ródão.

Mais de três anos depois ainda não há culpados e a factura continua por pagar apesar de haver cinco arguidos no processo.

Uma última nota, apanhada na rede, que diz bem do estado em que vivemos: nos últimos dez anos, num universo de cerca de mil e quinhentas denúncias, só perto de uma centena chegaram a tribunal e foram a julgamento, embora todas elas tivessem sido resolvidas com multas, apesar do Código Penal para este tipo de crimes prever prisão que pode ir até oito anos, caso se comprove que a poluição pôs em causa a vida humana.

Com o estado de pandemia em que vivemos até os acidentes na estrada diminuíram para menos de metade. Só os poluidores é que continuam a carregar no acelerador provocando o caos nos rios e nas linhas de água que são o oiro do nosso território. JAE.

quinta-feira, 4 de março de 2021

A vida é só química.

Podemos não saber nada sobre Cervantes ou Shakespeare e ter uma vida muito produtiva. Mas se não soubermos nada sobre química não beneficiamos de tudo o que foi alcançado pela civilização nos últimos anos.


Cultura é tudo oque fica depois de esquecermos tudo o que aprendemos. A frase é antiga, mais do que sabida e repetida, mas faço questão de a relembrar a mim próprio quase todos os dias. Embora as principais fontes do conhecimento não sejam só a leitura e a escrita, para a grande maioria de nós ainda são a fonte principal da aprendizagem e da sabedoria. A conversa serve para introduzir uma descoberta que me fez ficar ainda mais careca do que já sou. O curioso é que foi durante a leitura do jornal El País, que lia religiosamente todos os dias e que, com a pandemia, tenho descurado assim como outras leituras. Uma entrevista com o cientista e prémio Nobel Roger Kornberg vivia deste título que dá o mote a toda a conversa: “As pessoas resistem à ideia, mas a vida é só química”. Dentro do texto, numa única resposta a uma das perguntas do jornalista, o cientista, filho de outro Nobel da medicina chamado Arthur Kornberg, explica o seguinte:  “Você pode não saber nada sobre Cervantes ou Shakespeare e ter uma vida muito produtiva. Mas se você não souber nada sobre química, em minha opinião, não beneficia de tudo o que foi alcançado pela civilização. Os tempos mudaram e a química é a primeira coisa. Há 100 anos sabia-se tão pouco sobre qualquer ciência que você não precisava saber muito de física para ser uma pessoa culta e bem-sucedida. Importava o que você sabia de termodinâmica ou cosmologia? Realmente não. Mas no século XX surgiram a química, a biologia, a bioquímica, a medicina moderna. Há pouco mais de 100 anos, as doenças eram atribuídas a desequilíbrios nos fluidos corporais. Não havia cura para nenhuma doença, havia tratamentos: sangrias, purgantes agressivos. Se há 200 anos você não sabia nada sobre química, biologia ou medicina, não fazia grande diferença na sua vida. Mas hoje faz muitíssima diferença. Acredito que se as pessoas fossem mais bem formadas em química e em biologia estariam menos dispostas a abusar de sua própria fisiologia com drogas, fumo”... ( tradução do Google).

A entrevista, que pode ser encontrada na Internet com uma simples pesquisa, é uma lição para quem passa a vida a julgar que já sabe tudo com a arrogância de quem verdadeiramente não está a ver um palmo à frente dos olhos.

Esta edição de O MIRANTE é acompanhada com uma edição especial com 60 páginas dedicada em grande parte à nossa iniciativa Personalidades do Ano. Dei uma ajudinha mas o trabalho é de toda a equipa editorial e comercial. Falo do assunto porque as escolhas dos jornalistas de O MIRANTE voltaram a proporcionar homenagens a figuras da nossa região que não deixaram o seu crédito por mãos alheias e deram excelentes testemunhos de si e do seu trabalho. Agora é esperar que a pandemia acabe, ou deixe de ser tão perigosa, para lhes entregar pessoalmente as distinções. A cada edição das Personalidades do Ano ficamos mais cientes do nosso papel como jornalistas mas também como agentes de mudança, da mudança que eleva a nossa autoestima e faz do nosso território e das nossas gentes um exemplo que ninguém deve ignorar. JAE.