quinta-feira, 27 de dezembro de 2018

Viajar para viver e aprender

Um dia destes viajei pela primeira vez num cruzeiro pelo mar das Caraíbas. Embarquei numa cidade americana e depois visitei a Jamaica e o Haiti mas só rente às sobrancelhas. Os cruzeiros são viagens de sonho de que nunca se acorda. Avisaram-me antes que ia ficar surpreendido com o número de pessoas idosas que ia encontrar a trabalhar principalmente nas zonas de embarque. E assim foi. Dezenas de idosos, coxos e marrecos, impecavelmente fardados, solícitos, cheios de genica, com uma disposição de quem está a começar a vida profissional.
Demorei mais do que devia a observá-los e a rememorar outros tempos e outras pessoas que ainda me são queridas e que recordo com saudade. E também olhei por mim abaixo. E revi-me em alguns gestos, em algumas rugas, em algumas corcundas, em muitas mãos delicadas mas com os dedos tortos, nas pernas arqueadas mas também na falta de cabelo e nas covas dos olhos.
Ia preparado para a realidade porque numa conversa com amigos alguém disse que na grande América do Norte as reformas não são como na Europa. As pessoas têm que trabalhar até ao fim da vida e das posses. Não há reformas chorudas aos quarenta e cinco anos como aconteceu em Portugal. Nem aos sessenta e quatro como acontece agora. Lá trabalha-se até ao fim da vida e com um sorriso no rosto. Depois do que vi não tenho dúvidas: eu quero morrer a trabalhar como eles nem que seja a vender gelados numa praia.

Quantas igrejas tem o céu?
Porque não ataca o tubarão as impávidas sereias? 
É verdade que a esperança se deve regar com orvalho? 
As lágrimas que não se choram esperam em pequenos lagos? 
Partilho versos de Pablo Neruda, do Livro das Perguntas, porque sempre que se aproxima um ano novo o poeta chileno traz-me boas recordações. Desejo um Feliz Ano Novo a todos os leitores desta coluna. JAE

quinta-feira, 20 de dezembro de 2018

Livros para oferecer no Natal


O autor desta crónica espera todos os anos pelas listas dos melhores filmes e dos melhores livros do ano como uma criança aguarda pelas prendas do Pai Natal; Desta vez atrevo-me também a sugerir livros que me marcaram e que eu acho que todos devem ter em conta na hora de se prendarem a si próprios ou às pessoa dos seus afectos.
Memórias de Adriano e A Obra ao Negro de Marguerite Yourcenar. O primeiro é um texto maravilhoso sobre o conhecido Imperador; o livro aborda todos os aspectos da vida humana, não deixando de fora nem o sono. O segundo é uma biografia de um herói do século XVI atraído pelo hermetismo e a ciência. Dois livros para que um Homem se descubra a si próprio e nunca mais se perca na vida.
A Louca da Casa de Rosa Montero. É já um clássico embora tenha sido editado há uma dúzia de anos. Se o leitor não engrenar na leitura é porque está cansado; durma uma noite tranquila e volte no dia seguinte para se redimir.
As Idades de Lulu de Almudenas Grandes. É um livro que recomendo a quem acha que a literatura erótica é toda ao nível da E.L. James ou do grande Henry Miller.
O Mundo de Ontem de Stefan Zweig. Uma autobiografia de um dos maiores escritores e biógrafos da literatura mundial que viveu e morreu no Brasil. Quem o ler nunca mais vê o mundo da mesma forma.
Memorial do Convento de José Saramago. O melhor livro do autor de Pequenas Memórias; Cuidado com as aparências: não há bons livros fáceis de ler. Se não conseguir entusiasmar-se à primeira leitura experimente uma segunda ou uma terceira vez. O esforço vale a pena.
À Beira do Corpo de Walmir Ayala. Um romance fascinante que se lê em dois dias e que conquistou ao longo das últimas cinco décadas várias gerações de leitores.
Um Homem Querendo Vender Sua Morte de Eliezer Moreira. Um romance premiado de autor brasileiro que tem um personagem chamado Antônio Finaflor, filho natural – obviamente imaginário – de certo empresário português da indústria de fumo estabelecido em São Félix, na Bahia.
“Um Deus passeando pela brisa da tarde” de Mário de Carvalho. Um livro para quem acha que um dia também vai ser escritor. Uma viagem à língua portuguesa com uma mestria incomparável na língua de Camões.
E como o espaço não dá para mais: toda a poesia de Ruy Belo, Jorge de Sena e Sofhia; As Canções de Bilitis de Pierre Louys;  Walden ou a vida na floresta de Henry David Thoureau. JAE

quinta-feira, 13 de dezembro de 2018

A Caixa Agrícola da Chamusca de outros tempos


A Caixa da Chamusca já não é o que era dantes. Vasco Cid e companhia isolaram a instituição do mundo financeiro, o que também é perigoso para a actividade. 

A Caixa de Crédito Agrícola da Chamusca era o banco dos chamusquenses. Uma instituição de proximidade que gerava confiança e atraia clientes. Regra geral a casa estava sempre cheia e fazia a diferença na comparação com as dependências de outros bancos.
A gestão dos últimos vinte anos, protagonizada por Vasco Cid, que para além de ser presidente do Conselho de Administração era também director executivo, deitou tudo a perder. Depois de muitas guerras internas, entre membros de famílias da região que sempre mandaram na Caixa, Vasco Cid levou a melhor e foi dono e senhor nos últimos anos. Até há pouco tempo quando foi obrigado a atirar a toalha ao chão por razões de saúde.
Vasco Cid é um dirigente de outros tempos que não fez sequer a tropa do associativismo. É um gestor feito à pressa, cheio de maus vícios, com um temperamento autoritário, um verdadeiro autocrata de serviço. Tem nesta altura 75 anos e reformou-se recentemente. A Caixa ganhou um novo protagonista chamado Carlos Amaral Netto, um gestor de profissão com 34 anos. Só lá está por solidariedade entre famílias que sempre geriram a Caixa mas, pelo que se conhece dele, é um homem destes tempos e uma pessoa com carácter.
A Caixa é que já não é o que era dantes. Vasco Cid e companhia isolaram a instituição do mundo financeiro, o que também é perigoso para a actividade. Mas quem mais ficou a perder foram os clientes. O roubo dos cofres, onde cerca de uma dezena de clientes guardavam as suas grandes e pequenas fortunas, é um duro golpe na confiança de uma instituição que dificilmente não será penalizada no futuro.
Nota: Este texto é dedicado a Francisco Mascarenhas, na foto com Vasco Cid e Fernando Amaral Netto, um antigo dirigente associativo da Chamusca, que também foi durante muitos anos figura marcante na gestão da Caixa. Era um homem de respeito, que não ganhava dinheiro com o seu trabalho associativo, que ajudava toda a gente que o procurava; deve-se a ele uma boa parte do crédito que a Caixa Agrícola da Chamusca teve junto da população do concelho. JAE

quinta-feira, 6 de dezembro de 2018

O Elogio da Maria da Luz Rosinha

Boa altura para elogiar a deputada Maria da Luz Rosinha, ex-presidente da câmara da Vila Franca de Xira, que não vendeu a alma ao diabo e preferiu estar do lado do povo do que do primeiro-ministro.

A guerra das touradas está a dar água pela barba aos políticos. Ninguém esperava que a primeira grande divisão no partido do poder ( PS) se devesse à tauromaquia que é uma actividade cultural em vias de extinção.
A divisão, ao meio, dos deputados do Partido Socialista representa um duro golpe na auto-estima de António Costa que, recentemente, viu a sua ministra da cultura, Graça Fonseca, tomar o partido dos portugueses civilizados contra os bárbaros que ainda gostam de touradas e largadas de toiros.
Boa altura para elogiar a deputada Maria da Luz Rosinha, ex-presidente da câmara da Vila Franca de Xira, que, apesar de ser uma pessoa que está deputada a convite de António Costa, e ser uma figura de proa do Partido Socialista, não vendeu a alma ao diabo e preferiu estar do lado do povo do que do lado do primeiro-ministro.
Rosinha é das pessoas da política que eu posso dizer que me marcou como jornalista. Ganhei algumas guerras importantes contra ela no exercício do meu trabalho, mas perdi outras tantas. As que ganhei foram todas à custa do tempo e do mérito do trabalho das pessoas que fazem, ou fizeram, parte da equipa de O MIRANTE. As que perdi foram todas em razão do interesse dos leitores do jornal e, em particular, dos de Vila Franca de Xira.
Quando chegámos ao concelho, sem explicações e sem sentirmos necessidade de as darmos, só faltou chamarem-nos Tarzan. Uns diziam que íamos para lavar dinheiro; outros que tínhamos um projecto político por trás do projecto editorial. Só não inventaram sobre nós aquilo que o diabo já inventou.
Maria da Luz Rosinha fez o seu papel e esperou para ver. Quando percebeu que nós éramos um projecto editorial editado e governado por jornalistas, abriu o livro e começou a relação pessoal e profissional de respeito mútuo que ainda hoje se mantém.
Fomo-nos conhecendo devagar, devagarinho, com episódios pelo meio que são antológicos e que só provam a riqueza do nosso trabalho e o privilégio de editarmos um jornal, que, não sendo de cobertura nacional tem a mesma importância, devido à relevância da região ribatejana e dos seus protagonistas.
Uma vez encontrámo-nos, por acaso, em Paris, dentro do Museu do Louvre, com a mesma naturalidade com que nos encontramos muitas vezes no Museu do Neorealismo, em Vila Franca de Xira, ou nas festas do Colete Encarnado, ou até nas mil ruas do concelho onde acontecem coisas que justificam a nossa presença.
A posição de Maria da Luz Rosinha no apoio às touradas, que considero cada vez mais uma actividade em extinção e uma luta perdida a médio prazo, por culpa dos empresários manhosos que tomaram conta da actividade, merece um elogio por ser um apoio corajoso e contra a corrente. Também sou aficionado e não gosto de ver e ouvir os políticos do Terreiro do Paço, em Lisboa, que nasceram como nós atrás de uma moita, armarem-se em príncipes dos bons costumes, e esquecerem aquela máxima de que quando um homem assume uma função pública deve considerar-se propriedade do público. JAE