segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

O patife sem importância

Desejo a todos os meus amigos e leitores desta coluna um Feliz Ano Novo. Como sei que tenho amigos especiais aqui vai, escrita,  a mensagem de Ano Novo que escrevi propositadamente, e dedicadamente, para eles.

O patife é o camarada que nos elogia com palavras admiráveis e, nas nossas costas, chama-nos os nomes mais feios do dicionário. O patife regra geral acha-se o nosso melhor amigo mas logo que pode salta-nos para as costas e não nos larga a aba do casaco e lá vai disto que é amizade.
Patife é o gajo que dá para os dois lados, e gosta de jogar nos dois tabuleiros, mas quando se zanga com a vida chama maricas a toda a gente. O patife vai à nossa casa na véspera de Natal para nos dar um presunto e aproveita para espreitar em que lugar da casa se guarda o ouro. O patife é solitário mas também sabe conviver em grupo como os peixes na água. Todo o patife é mentiroso; só Deus sabe quantas vezes ele fala verdade a mentir. O patife não gosta de fazer má figura mas é figurão todos os dias. O patife é democrata, socialista quase sempre, mas na hora de mostrar o que vale até a mulher dele é castigada por pensar de forma diferente; e, no caso de ter filhos, ai deles que cresçam acima daquilo que o patife sonhou para o seu futuro.
O patife pode ser alto ou baixo, magro ou gordo, não há como reconhecer um patife pela altura do esqueleto ou o peso das banhas; verdadeiramente ele sente-se um anão quando inveja os outros e vê-se ao espelho como um gigante quando o dia lhe corre bem em matéria de privilégios. Apesar das misérias que vivem com ele, e dentro dele, o patife é o mais satisfeito dos homens consigo próprio. O patife nunca foi um aprendiz, já nasceu ensinado, por isso ele arrota sentenças sobre o seu trabalho, a sua família de patifes, o seu grupo de amigos patifes que, tal como ele, são todos patifes que se governam bem.
O patife diz que gosta de trabalhar e faz tudo o que está ao seu alcance para mostrar trabalho e, no entanto, à primeira oportunidade o patife descansa em cima do trabalho dos outros; copia os outros, assenta em cima da casa dos outros a sua própria e única casa que é a moradia da vergonha.
O patife nunca se zanga e raramente usa palavras ofensivas; ele é especialista em mandar recados; enviar mensagens de Natal, oferecer caixas de chocolates e garrafas de vinho, dobrar-se e babar-se cada vez que passa pela nossa frente e precisa de esconder o cheiro da sua boca.
É escusado pedir a um patife que se reconheça neste texto ou em qualquer outro que o retrate; ele morre de medo de olhar para si próprio e tem o maior cagaço de um dia ser reconhecido na sua rua como um patife sem importância.

quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

Gente modesta

O MIRANTE publica nesta edição duas entrevistas que fazem a diferença. Mira Amaral e Augusto Mateus trabalham em Lisboa, pertencem à elite que governou e governa o país, mas são duas pessoas que conhecem bem a realidade ribatejana e têm opiniões que nos interessam.
Não é fácil promover o debate na região sobre as reformas das nossas instituições. Quem vive e trabalha por cá acomoda-se, governa-se, açafata-se e, seja no governo civil, seja nos institutos politécnicos, nas associações de municípios, ou na governação de algumas autarquias, os dirigentes não têm queda para o debate nem para pensarem em conjunto aquilo que nos ajudaria a fazer a diferença em relação a Lisboa e ao Porto.
É público e notório a falta de coragem na discussão dos nossos problemas. O nosso grau de cidadania também não ajuda. Somos muitos a fazer barulho nas discussões caseiras mas quando é para dar a cara o anonimato é o nosso forte.
De vez em quando há quem faça a diferença. Na segunda-feira, enquanto fechávamos a edição desta semana, caiu um telefonema na redacção a alertar para o fecho do balcão da Segurança Social de Santarém. O comunicado dos serviços, que alguém pendurou na porta é um bom exemplo do país em que vivemos e dos serviços públicos que nos servem. A nossa notícia não resolve o problema de quem ficou com o nariz colado na porta.
Pode, no entanto, ser uma forma de pressão sobre aquele organismo que obrigue, em situações futuras, os seus responsáveis a serem mais cautelosos na forma de exercerem o serviço público a que estão obrigados.
A Siemens anunciou a contratação de 100 novos colaboradores a breve prazo. Para os encontrar no mercado de trabalho pagou publicidade que anda a ser publicada em vários jornais. Dizem os seus responsáveis que procuram novos talentos “que gostem de aprender, que tenham a humildade de perguntar quando não sabem e que sejam pessoas abertas o suficiente para trabalharem com diferentes culturas”. Como é público e notório já não lhes interessam só os crânios que saem das universidades. Cada vez mais os empresários percebem que o ensino universitário é um embuste tendo em conta as novas necessidades das empresas. E os crânios não são muitos e os melhores preferem emigrar.
A região tem dois politécnicos onde estudam cerca de oito mil alunos. O Politécnico de Santarém está de tal forma organizado que o maior adversário do presidente da instituição pode ser o presidente de uma das escolas. Só quem não quer é que não sabe que a Escola Superior de Gestão é presidida por um senhor que na sombra afronta como bem quer, e pode, a liderança, fraquíssima, até agora, do professor Jorge Justino, que voltou a um lugar onde não tinha deixado muitas saudades. No Politécnico de Tomar e de Santarém há alunos que dizem que alguns professores não passavam num exame do décimo segundo ano. Em Santarém e em Tomar as criticas à falta de qualidade do ensino e à organização das instituições faz as delícias dos velhos do Restelo.
O debate sobre o país que somos e queremos ser devia começar nas instituições de ensino universitário e deviam ser os jovens, ajudados pelos professores, a contribuírem para o avanço da nossa modesta importância no mundo. Infelizmente, até para aprendermos com as grandes instituições de ensino universitário da Europa, parece que somos modestos demais.

quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

Perguntas estúpidas

Há uns anos O MIRANTE editou um livro de poesia de António Ramos Rosa. O poeta veio a Santarém com a mulher Agripina e com o nosso comum amigo João Rui de Sousa, igualmente publicado na colecção Alma Nova, título da referida colecção de poesia de O MIRANTE.
O meu último encontro com o poeta foi nesse dia do lançamento do livro em Santarém, depois de o ter visitado duas vezes na sua casa de Lisboa antes da publicação do livro. Foi num estacionamento de um restaurante da Portela das Padeiras que o esperei e ajudei a sair do carro para nos dirigirmos à mesa do restaurante. Depois de receber o poeta, que saiu do carro ajudado pela mulher, dei-lhe o braço e cumprimentei-o com uma saudação do género, “como é que vai isso mestre”. Já pendurado nos meus ombros, caminhando devagar e falando sem olhar para mim, descascou um ralhete que me deixou literalmente encavacado, embora tranquilo já que estávamos quase em família.
“Que mania a das pessoas cumprimentarem-se com saudações banais. “Como é que vai isso não é uma boa forma de cumprimentar um amigo”, ralhou o poeta com a sua voz pausada, que eu já tinha ouvido e apreciado algumas vezes mas a falar de livros, de mulheres, de amor e de “liberdade livre”.
Esta semana fui a Salvaterra de Magos e reuni-me à porta da Caixa Agrícola com um grupo de pessoas que foi participar numa iniciativa de solidariedade para com Marília Batista e os seus filhos.
Quando cheguei ao local, depois dos cumprimentos habituais a quem chegou primeiro, pus a mão por cima do ombro da Tatiana, de 13 anos, a filha mais velha da Marília, e para fazer conversa perguntei-lhe “como vai a escola”. “A escola não vai, está mesmo ali ao virar da esquina”, respondeu-me ela com um sorriso maroto e uma voz traquina mas de forma tão espontânea que eu emendei a saudação logo de seguida e nem lhe dei tempo para pensar.
Estes dois episódios têm oito anos a separá-los. Têm em comum o facto de ter sido eu a criar condições para os viver. E de, apesar das perguntas estúpidas, nunca me ter sentido estúpido a ser solidário. Quase todos os dias me lembro do poeta António Ramos Rosa e do silêncio ensurdecedor feito à volta da sua Obra, provavelmente porque o poeta ainda não morreu. É, de certo, o poeta português vivo mais importante destas últimas décadas e um dos maiores de sempre. No entanto a sua Obra, inexplicavelmente, está ausente das livrarias. Numa altura em que estará muito perto dos 90 anos, com uma saúde muito precária, os editores precisam do seu cadáver para poderem vender os seus livros. Não encontro outra explicação.
A Marília tem três filhos que foram levados da sua casa de madrugada a meio do sono por um batalhão da GNR a mando de uma organização que se diz protectora de crianças. Depois da indignação pública e da solidariedade, todos os responsáveis lavaram as mãos desta afronta. A família hoje já não existe como antigamente e ninguém sabe até que ponto estes incidentes ajudaram a criar esta infelicidade.
As crianças continuam a abraçar-nos como se fossemos da família deles e nos víssemos todos os dias. Talvez porque até ao dia de hoje ninguém deu a cara pedindo desculpas pelas maldades que lhes fizeram. E eles sabem que nós, mesmo longe, somos a garantia de que já ninguém os arranca da cama, de madrugada, só porque a mãe é pobre e indefesa.

terça-feira, 7 de dezembro de 2010

Santos da terra

Há quem defenda que santos da terra não fazem milagres. Em boa verdade nem sempre é assim. Em Santarém o Instituto Bernardo Santareno já premiou por duas vezes um homem da terra chamado Vicente Batalha que é, ao mesmo tempo, presidente do Instituto com o mesmo nome do prémio e co-organizador da referida iniciativa em conjunto com a Câmara Municipal de Santarém.
Não ponho em causa a justiça dos prémios e os méritos da atribuição. O que me espanta é ver Vicente Batalha, presidente do Instituto Bernardo Santareno, aceitar por duas vezes, em cinco edições, os referidos prémios; e espanta-me mais ainda o descaramento de quem decidiu atribuí-los, sabendo que esta atitude é condenável com todas as letras em qualquer lugar do mundo.
Há uma falta de humildade, e de noção do ridículo, em certa gente que apregoa a prática de bons costumes e depois só faz asneiras. Se os prémios são para terem valor e serem reconhecidos não podem ser atribuídos aos da casa. Principalmente aos que dão a cara pela organização dos prémios como é o caso de Vicente Batalha. Dizer ou escrever mais sobre o assunto já é “bater no ceguinho”.
Uma senhora da aldeia resolveu construir um forno de cozer pão ao fundo do seu quintal. O fumo que saía do forno incomodava o vizinho mas nada a fazer. Rendido aos argumentos de que o fumo vai para onde manda o vento, o vizinho resolveu voltar a fazer queixa ao presidente da câmara argumentando, desta vez que, com o calor do forno, o muro que dividia as propriedades começava a ceder.
O presidente da câmara chamou a senhora e tentou sensibilizá-la para o problema. A senhora perguntou muito educadamente; ó senhor presidente a gente não pode fazer o que quer naquilo que é nosso? Ao que o presidente respondeu; poder pode mas há limites para tudo conforme sabe da experiência que tem da vida. Está bem, vou pensar, respondeu a senhora para o presidente da câmara, deixando-o a matutar na maneira tão serena como lhe virou as costas e prometeu meditar.
Três meses depois a senhora já tinha construído um novo forno a meio do quintal e continuou a cozer o seu pão todas as semanas. O vizinho, inconformado, continuava a bater à porta do presidente da câmara fazendo queixa que o forno ainda lá estava de pedra e cal encostado ao muro do seu quintal.
Um dia a senhora apareceu à frente do presidente da câmara e deu-lhe conta que o problema do forno estava resolvido pois já tinha construído um novo a meio do quintal. O presidente mostrou-se espantado e retorquiu: muito me conta, então construiu um novo e não deitou o outro abaixo? Ao que ela lhe respondeu: não, meu caro, deixe-o estar que o tijolo e o cimento foram pagos na hora, e se o deito abaixo fico com o pé do vizinho no meu pescoço até morrer.

terça-feira, 30 de novembro de 2010

Outra vez a liberdade de imprensa

Um advogado de Santarém, Oliveira Domingos, que prestou serviços à câmara municipal da cidade no tempo do socialista Rui Barreiro meteu-se numa briga com o actual executivo exigindo indemnizações e pagamentos milionários. O MIRANTE teve acesso à informação e fez notícia. O advogado em causa, um dos muitos advogados que prestam serviços milionários às autarquias e entidades públicas, muitas vezes auferindo avenças vergonhosas, não gostou de ver o assunto tratado no jornal e muito menos gostou de se ver retratado no artigo com uma das fotos do nosso arquivo. Vai daí escreveu ao jornal a pedir explicações, escreveu ao presidente da câmara com ameaças e, por fim, fez queixa ao Ministério Público. Antes disso exerceu um Direito de Resposta nestas páginas. Tudo pode ser lido em www.OMIRANTE.PT na Secção Dossiers, para quem não faz arquivo do jornal em papel.
Lá fomos todos em família prestar declarações ao Ministério Público, aparentemente porque assim deve ser quando alguém se julga ofendido na sua honra e ao Ministério Público não resta mais do que cumprir o seu dever.
Mas não foi só isso que aconteceu desta vez. Por incrível que pareça, o Ministério Público entendeu que os jornalistas de O MIRANTE, e o presidente da câmara, Moita Flores, cometeram crime de difamação.
Não há uma palavra ofensiva nos artigos por parte dos jornalistas nem, aparentemente, por parte do presidente da câmara. O advogado está realmente em litígio com a câmara e quer que ela lhe pague aquilo que ele acha que tem direito. O presidente da câmara confirmou tudo, e o advogado em causa no “direito de resposta” não desmentiu nada do que escrevemos a não ser a questão dos números que, para ele, são uma coisa e para a autarquia serão outra, uma vez que, a terem que ser pagos com juros e IVA, constituirão uma boa batelada.
Ora aqui está um bom exemplo da forma como funciona a “nossa” Justiça. Lá vamos nós alimentar o “sistema” com o pedido de “abertura de instrução”. Lá vamos nós para tribunal, quem sabe até ao julgamento, por causa de um advogado que acha que é prima-dona e pode contrariar, não sei como, a lei do país que consagra a liberdade de imprensa.
Portugal continua a cair no ranking dos países onde a liberdade de imprensa tem sido mais molestada. Estamos em 40º lugar (segundo os dados da associação Repórteres sem Fronteiras)  atrás de muitos países da América Latina como o Chile, ou de África, como Cabo Verde. Que falta de vergonha é esta que nos coloca, ao nível da liberdade de imprensa, atrás de países como o Uruguai,   Polónia, Mali, Ghana e apenas a um lugar da Tanzânia ?

quarta-feira, 24 de novembro de 2010

Uma miséria de gente

Anabela Rato, a directora da Segurança Social de Santarém é a imagem deste país onde metade das pessoas trabalha para o Estado e a outra metade procura governar-se do Estado. Quem a escolheu para aquele cargo sabia muito bem o que ela valia. Nada do que tem vindo a público é novidade para quem conhecia, e conhece, a senhora professora. Idália Moniz, a secretária de Estado mais invisível que já passou pelos governos do país, deve estar muito satisfeita com o trabalho da sua eleita e amiga Anabela Rato. Estão uma para a outra. O PS devia ter vergonha das pessoas que escolhe para dirigir a coisa pública e emendar a mão dando dignidade aos lugares e ás instituições. Aparentemente estamos condenados a esta miséria de gente, e nem a indignação pública os envergonha e os faz recuar na intenção de nos reduzirem à insignificância como país.
“Sempre me interessaram os perseguidos e as vítimas”. “O mundo muda todos os dias e muitos dos jornalistas que trabalham hoje nas redacções dos jornais pararam no tempo”. “Os factos são sagrados e os comentários são livres”. “A mentira tem a perna curta”. “A independência tem um custo; é preciso saber se estamos disponíveis para pagar esse preço”. “É facílimo ser escritor e muito difícil ser jornalista”. “Nenhum de nós é bom a fazer tudo”. “O Secreto Adeus”, do Baptista Bastos, é um dos melhores livros para dar a ler a gente distraída com a política por ser um relato em nome de uma geração que defendeu valores e se bateu por princípios sem nada pedir em troca”.
Orlando Raimundo esteve em Alverca a apresentar o quarto livro da colecção Saber mais sobre desta vez dedicado aos museus do concelho de Vila Franca de Xira. Não pude estar presente como gostaria. Recuperei, por isso, apontamentos da última vez que o ouvi apresentar uma das suas obras. Ficam aqui ( em cima ) as citações que ilustram o seu pensamento e a sua forma de estar na vida.
A edição de aniversário de O MIRANTE mostrou mais uma vez a força editorial da redacção deste jornal e a colaboração das pessoas e entidades que vivem e trabalham na região onde escolhemos mostrar serviço. Dá gosto trabalhar assim. O mérito também é da equipa comercial e de marketing que permite este serviço público que muito nos honra.
A página de O MIRANTE dos leitores é uma aposta ganha há muitos anos. Mas nunca fiando nos desafios dados como conquistados. Fica aqui o desafio a todos os leitores que gostam de escrever sobre os assuntos da sua terra ou da sua região. Usem e abusem da caneta ou do endereço electrónico do director do jornal; e ponham o dedo na ferida que nós ajudamos a dar-lhe visibilidade.

quinta-feira, 18 de novembro de 2010

Pela porta pequena

Amo e sou amigo de dois jovens em fases diferentes da sua integração no mundo dos adultos. Um está na idade de entrar na universidade e começou agora a aprender a tocar viola. Vi um ensaio recentemente, a um domingo à tarde, e revi-me há muitas décadas a fazer o mesmo embora em toda a minha vida nunca tivesse agarrado numa viola. Mas sonhei fazer aquilo tantas vezes quando era jovem que acho que, em sonhos, toquei viola para todos os meus amigos.
O outro, que é outra, acabou agora a universidade mas teve que ir trabalhar para a “estiva”. Ouvi-a contar num grupo de amigos como é viver com o ordenado em atraso, vendo os colegas de trabalho a insultarem o patrão quando ele passa de fato e gravata pelo meio da fábrica, mandam à fava o seu chefe e fumam um “charro” com a maior das descontracções atrás de uma máquina que não se cansa de parir objectos azuis. Tudo para suportarem melhor, ou “na maior”, a desilusão do ambiente fabril, o enjoo da falta de dinheiro em casa para os bens de primeira necessidade, e a angústia de terem que viver num país onde já nem os empresários conseguem ser heróis.
Confesso que amo os dois jovens amigos com a mesma intensidade e sinto-me rejuvenescido a viver com eles a alegria de os ver aprender a tocar viola, ou a viverem a surpresa, ou a tristeza, da entrada no mundo do trabalho pela porta pequena.
Um dia no jardim público da minha terra, frente à minha casa, ouvi uma mulher responder ao pedido de uma outra que a convidava a sentar-se no banco do jardim enquanto o Centro de Saúde não abria portas. “Ò mulher, eu vou lá sentar-me nesse banco de jardim. Que vergonha!” Reproduzo as palavras como ela as disse, e parece que a estou a ver de saia e blusa preta, com um carrapito igual ao que a minha avó Ilda usava, com umas mãos grossas à frente da barriga penduradas num saco preto a imitar pele de cobra.
Eu mesmo, aos 18 anos, embora fosse companhia dos copos e das noitadas de gente da média burguesia, muito mais velha que eu, não entrava nos dois principais cafés da minha terra, por achar que não tinha estatuto para isso. Foi a minha consciência de classe, seja lá isso o que for (os dias de hoje já não são o que eram) que me impedia naturalmente de entrar naqueles espaços que, alguns anos depois, já frequentava sem quaisquer constrangimentos.

Nota: José Saramago fazia anos no mesmo dia em que este jornal foi fundado. O documentário José e Pilar, que está aí para todos vermos e revermos, tem uma cena em que José avalia, de soslaio, o traseiro da sua mulher. Como vi escrito por aí nos jornais, nestas últimas semanas em que me perdi a viajar, “amar é olhar a bunda da nossa própria mulher”.

quinta-feira, 11 de novembro de 2010

À mão esquerda

O que circula na internet torna os jornalistas cada vez mais necessários. Quem manda num jornal não é o seu proprietário mas sim os seus jornalistas se não se conformarem, se se derem ao trabalho de pesquisarem, escreverem sobre boas matérias, se souberem descobrir o que interessa aos leitores, se se derem ao trabalho de pensar como deve ser o jornal do dia seguinte para não parecer mais velho do que o do dia anterior. Sílvio Waisbord (23 de Outubro 2010, auditório da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul).
Com algumas boas e honrosas excepções, o jornalismo que se pratica hoje em Portugal é uma farsa na grande maioria dos casos praticada por um bando de modelos da alta burguesia que ignora o povo. Dantes o jornalismo era feito por gente que vinha do povo e da classe média baixa, que conseguia transmitir objectivamente uma visão popular dos acontecimentos. Hoje é o que se pode ver: todos os dias os jornais noticiam as carnificinas que lhes são servidas de bandeja pelas autoridades policiais ao serviço do jornalismo sensacionalista ou, ao contrário, somos esmagados diariamente por notícias e reportagens da caserna, de onde só chegam as novidades que interessam aos vendilhões do templo (O que ficou no computador da crónica da passada semana intitulada “um país pouco seguro”)
“Um juiz não é um Deus. O seu dever é adaptar os factos aos princípios, julgar espécies infinitamente variadas servindo-se de uma medida determinada. Se um juiz tivesse o poder de ler na consciência e de identificar os motivos a fim de pronunciar sentenças equitativas, cada juiz seria um grande homem. Portugal tem necessidade de cerca de mais dois mil juízes. Nenhuma geração tem dois mil grandes homens ao seu serviço e com menos forte razão não pode encontrá-los para a sua magistratura” (adaptado de “Máximas e Pensamentos” de Honoré de Balzac).
“O que se constrói durante o dia à noite desmorona” (Balada do folclore da Transsilvânia).
“Feliz aquela que efabulou o romance depois de o ter vivido” (Sophia de Mello Breyner Andresen)
“Liberal é o sujeito que monta nas costas de outro, que quase esmaga com o seu peso, que diz que sente muito, que fará o possível e o impossível para o libertar da carga pesada, menos, é claro, sair das suas costas”. Tolstoi, definições sobre o liberalismo.
“Prefiro o paraíso por causa do clima e o inferno pela companhia” Mark Twain
“Se um homem não remover a causa dos seus erros continuará cometendo sempre os mesmos erros. Aliás, o mesmo vale para uma nação, e quem sabe para o próprio planeta que não sendo mais que um adolescente, como é o caso da terra, acabará por se destruir” “À Mão Esquerda”. Autobiografia romanceada de Fausto Wolf. Um romance denso, vigoroso, surpreendente, quase escandaloso, em que uma boa parte das personagens são as maiores figuras ainda vivas do jornalismo e da literatura brasileira.

quarta-feira, 3 de novembro de 2010

Um país pouco seguro

Há 28 meses um carro de reportagem de O MIRANTE foi abalroado num cruzamento em Almeirim por um condutor que não parou a um sinal de Stop. Mais de dois anos depois, apesar da culpa logo assumida no local na presença da GNR, a companhia de seguros do condutor que originou o acidente não assumiu de imediato as suas responsabilidades. Como acontece na generalidade das vezes neste país de brandos costumes, tivemos que ir atrás do prejuízo. E fomos mesmo. E até tivemos direito  a um pedido de desculpas do Provedor do Cliente da companhia. Mas estava escrito que íamos continuar a ser tratados como a generalidade das companhias de seguros tratam os cidadãos inocentes. A conversa começou e acabou sem um intermediário pelo meio a dar a cara e a negociar olhos nos olhos. Tudo começou e acabou, por enquanto, no papel. E para não variar há-de acabar no tribunal que é o grande justiceiro para as grandes empresas, como é o caso das companhias de seguros, que falham na sua missão de servirem os cidadãos como manda a Constituição Portuguesa, uma das mais modernas do mundo.
Mais de três décadas depois da revolução dos cravos, da revolta dos capitães como Salgueiro Maia, que honra Santarém, um tribunal da cidade decidiu amordaçar a redacção de O MIRANTE aceitando uma providência cautelar que roça o ridículo e seria gozada em qualquer tribunal do primeiro mundo. Em Portugal amordaçaram-nos e fizeram-nos sentir medo de continuarmos o serviço público a que nos propusemos na convicção de que ainda vale a pena ter ideais, lutar por eles, viver do que se ganha honradamente à margem do sistema, e lutar por uma sociedade que não seja apenas aquela que os capitalistas da banca, das sociedades de advogados e dos seguros, entre outras, dominam descaradamente com a ajuda da classe política que exerce a profissão de lobista.
Apesar de termos sido amordaçados , e de este ser um caso único em Portugal, segundo julgamos saber, apesar das várias tentativas junto de pessoas importantes e influentes nas redacções de vários jornais, não conseguimos até hoje passar uma informação sobre o caso num outro órgão de comunicação social.
É fácil comprovar que este caso envergonha as companhias de seguros: que estamos na presença de um braço de ferro com recurso a um grande gabinete de advogados e com um pedido de um indemnização milionária que assusta qualquer cidadão indefeso e sem dinheiro para se defender em igualdade de circunstâncias. Mas quem trabalha num órgão de comunicação social como O MIRANTE não pode tremer perante as adversidades. Devemos ser os últimos  a virar as costas às dificuldades que sabemos serem comuns à generalidade dos cidadãos. Se somos vistos pelos leitores como um exemplo de coragem e de cidadania no exercício da nossa profissão, como é que íamos admitir que uma companhia de seguros fizesse gato-sapato de nós como faz todos os dias do cidadão indefeso?
Portugal tem uma das mais modernas constituições dos regimes republicanos, onde os direitos dos cidadãos estão consagrados num texto que não deixa margem para dúvidas sobre os nossos direitos. Mas a verdade é que ainda há muitos políticos, jornalistas, advogados e juízes que, com facilidade, fazem do texto da Constituição Portuguesa uma folha de couve que, diariamente, se dá aos coelhos criados em cativeiro.

quarta-feira, 27 de outubro de 2010

O segredo de Carlos Cunha

Carlos Cunha foi dos políticos da região que mais trabalho me deu como jornalista. Foi com ele na qualidade de Governador Civil que tive a primeira grande prova de que o Poder tem caras muito distintas. Com um relatório do IGAT na mão, que comprometia o seu trabalho à frente do município de Alcanena, ignorei várias e insistentes ameaças e fiz o que me competia. Carlos Cunha retaliou como pôde. E posso testemunhar que não foi meigo no uso das armas que tinha ao seu alcance.
Muito tempo depois, com o andar da carruagem, começaram as cedências. Um amigo comum juntou-nos num almoço num hotel de Santarém em dia de eleições para a direcção do Sport Lisboa e Benfica. Encontrámo-nos à porta do Hotel.
Cumprimentámo-nos. No início da saudação esclareceu que estava de regresso de Lisboa, onde tinha ido votar, e aproveitou para me dizer olhos nos olhos que eu era tal e qual a cara de Vale e Azevedo. Ouvi e calei. Mas estava dado o mote para o nosso almoço de”reconciliação”. Ainda hoje me lembro do prazer que me deu dizer-lhe de viva voz o que sempre me moveu e continua a mover na liderança deste projecto editorial. O nosso companheiro de mesa chegou a ameaçar abandonar o almoço a meio se não abrandássemos o discurso.
Quando se criam estados de guerra na relação entre jornalistas e políticos não há vencedores. Mas, uns mais do que outros, criam condições para irem vencendo batalhas.
Muitos anos depois, e muito tempo após Carlos Cunha abandonar a vida política activa, convidei-o para uma entrevista. Disse-lhe que passado era passado e que teria muito gosto em o entrevistar para fazer um balanço da sua vida como cidadão e como político. Não recusou mas foi adiando a resposta dando a entender que jamais chegaria o dia e oportunidade que eu procurava. Rendo-lhe essa homenagem. Para mim a recusa para uma entrevista de balanço foi uma forma de assumir que o seu tempo político tinha terminado e que não estava em condições de remexer no passado.
Mas deixemo-nos de sentimentalismo: Carlos Cunha assumiu um protagonismo político de grande relevância no concelho de Alcanena, e na região, enquanto Governador Civil e presidente da Federação do PS. Não tenho dúvidas que enquanto autarca foi uma figura importante no concelho de Alcanena. Como Governador Civil e como líder regional dos socialistas foi um mau político.
Aceitava muito mal as críticas e não lhe reconheço trabalho que o faça ficar na História por muitos anos.
Sou testemunha de relatos de várias pessoas que o acusavam, enquanto político, dos mais variados actos de abuso de poder. Mas também ouvi de amigos comuns elogios à sua capacidade de trabalho e de liderança.
Depois de deixar a vida política activa Carlos Cunha tentou refazer a sua vida criando uma empresa. Pelo que sei as coisas não lhe correram bem e faltaram-lhe as solidariedades que precisava para vencer. Caso para dizer que Carlos Cunha foi vítima do sistema que ele próprio alimentou e que continua aí a sustentar pequenos monstros que tomam conta da coisa pública.
Apesar das divergências lamento não ter conseguido conquistar-lhe a última entrevista. Não me culpo pela falta de insistência. Carlos Cunha levou consigo, na hora da sua morte, o segredo que o tornou o mais solitário dos políticos da nossa região destes últimos vinte anos.

quarta-feira, 13 de outubro de 2010

Galináceos

Um dia critiquei aqui, nesta coluna, uma determinada instituição da nossa terra e fui corrosivo com a equipa dessa instituição, sem ferir o seu líder, uma pessoa acima de qualquer suspeita quanto ao valor dos seus ideais de serviço público.
Desde essa altura que as pessoas que trabalham comigo pagam caro as minhas palavras. Como o “pessoal” com quem me meti é gente com Poder (mandam mais que o chefe que está cada vez mais ausente), só não nos torcem o pescoço porque nós não vivemos no galinheiro, como é o caso deles e delas.
Amiúde somos criticados por vivermos no melhor dos mundos. A razão principal é verem como a equipa de O MIRANTE tem profissionais que sabem facturar em publicidade o suficiente para garantirem a liberdade editorial deste projecto.
O que a maioria dos críticos não sabe é como todos nós somos arte e engenho para levarmos a água ao nosso moinho. E o que sacrificamos da nossa vida pessoal para compensarmos aqueles a quem prometemos e não queremos faltar; sejam os leitores que confiam no nosso trabalho jornalístico, sejam os anunciantes que confiam na veracidade das nossas tiragens e do número de leitores.
Não me canso de falar desta realidade por que é um espelho do país em que vivemos. O caso que opõe O MIRANTE à Vitória Seguros é outro exemplo de uma luta entre David e Golias. A forma como somos tratados em várias instituições, desde os ministérios a autarquias, é muitas vezes ao nível dos países do terceiro mundo. Só nos aguentamos nas pernas porque somos homens sem medo e acreditamos no valor do nosso trabalho.
Guardo uma entrevista publicada num jornal local espanhol ao treinador de futebol Jesualdo Ferreira. Diz o texto da caixa da entrevista por baixo de uma foto a seis colunas:
Jesualdo Ferreira é mais próximo do que parece. Durante a entrevista manteve uma especial cumplicidade com o fotógrafo, António Salas, com frases como "O que é que faço? Caminho na tua direcção? Aqui vai sair uma boa foto" ou, quando sugeriu posar junto a uma das balizas, "Será que não cai?". O redactor gráfico do SUR mostrou-lhe a instantânea que abre esta entrevista - precisamente aquela sobre a qual tinha mais dúvidas - e ficou encantado. E quando Salas se foi embora, prosseguindo o seu trabalho na Feira - a entrevista tinha apenas começado - despediu-se dele com um "Que sorte tens, já te vais embora...!"
Em que cidade de Portugal, e em que jornal português, Jesualdo Ferreira seria capaz de falar assim desta forma tão afectiva? Em Málaga é possível. A cidade tem quase milhão e meio de habitantes mas os jornais locais cumprem o seu papel sem terem que vender a alma ao diabo.
No galinheiro onde vivem, temporariamente, as pessoas a que me refiro no princípio desta crónica ainda se pensa como no tempo da pedra lascada. Eles acham que nós dobramos a coluna por não nos pagarem o que devem e darem o dito por não dito. Cambada de galináceos!

quarta-feira, 6 de outubro de 2010

Dois encontros especiais

Na última quarta-feira fui a Torres Novas passear a pé pela cidade. Gosto de Torres Novas e guardo daquela cidade as melhores recordações da minha adolescência. Perdi-me por Torres Novas e fui dar um abraço ao senhor Fernando Duque Simões, da Fótica. Conversámos mais de uma hora numa esplanada de um café na rua da sua empresa fundada há mais de meio século. Comovi-me a certa altura quando ele me recordou a “folha de couve” que era O MIRANTE há vinte anos quando eu o escrevia, e editava, e angariava publicidade ao mesmo tempo. O Senhor Simões foi dos primeiros empresários fora do concelho da Chamusca a perceber que valia a pena investir em publicidade nas nossas páginas. E o jornal ainda era, timidamente, um órgão de informação para os principais concelhos do médio Tejo.
Comovi-me com o reencontro. Eu estou diferente como a noite do dia. Ele está igual; Homem inteligente, sereno, discreto, hoje como ontem adiando a entrevista prometida há anos. Comovi-me com as palavras elogiosas sabendo que ele falava do homem que eu fui e não do que sou. Quando lhe dei um abraço de despedida apeteceu-me arrumar o mundo em que vivo. Quero chegar à idade do Senhor Simões com a serenidade e o espírito lúcido que sempre lhe conheci e voltei a testemunhar neste reencontro. Não sei se vou ser capaz. A minha loja já não dá para uma rua antiga de uma cidade pacata onde todos os cidadãos se conhecem pelo nome e, a cada hora que se encontram, falam dos dramas e das alegrias que acabam de viver. Como, aliás, tive oportunidade de confirmar enquanto conversámos na esplanada.
No dia a seguir a este reencontro estive em Vila Franca de Xira, noite dentro, a moderar um debate sobre associativismo. Na mesa onde me sentei também estava Mário Calado, o presidente do Ateneu Vilafranquense. Sempre que falou da sua actividade associativa à frente do Ateneu recordou os anos de infância, adolescência e idade adulta, em que o Ateneu foi parte importante na sua formação como Homem. No meio de alguns depoimentos subiram-lhe as lágrimas aos olhos e disse com todas as palavras que o Ateneu tinha sido a coisa mais importante da sua vida.
Não conhecia o Senhor Mário Calado mas aquelas horas de convívio foram suficientes para perceber que ainda há gente muito boa para vestir a camisola por uma causa colectiva. Ouvi-lhe contar muitas histórias que fazem o dia-a-dia de um dirigente associativo, com problemas graves herdados de outras direcções, mas nunca lhe ouvi um remoque aos autarcas da terra, ou aqueles que deixaram o caminho dinamitado, ou sequer ao Governo do país que como todos sabemos ignora o associativismo quando não é praticado pelos senhores da CAP, da CIP, e de outras tantas organizações poderosas que o Governo controla quando quer com dinheiros para a formação, que se tornou o grande negócio do associativismo dos nossos dias.

quinta-feira, 30 de setembro de 2010

As ovelhas e a Justiça

Portugal devia ter um tribunal em cada concelho do país. Se um determinado território tem condições para ser concelho então devia ter um tribunal para que a justiça, esse símbolo máximo da soberania, pudesse ser exercido com celeridade e em igualdade de circunstâncias para com todos os portugueses.
As palavras são de António Marinho e Pinto, bastonário da Ordem dos Advogados, e foram proferidas em Santarém recentemente. Curiosamente não atraíram a atenção dos jornalistas que acompanharam a conferência e, por isso, não mereceram notícia nos vários jornais que fizeram eco das suas palavras.
A agenda mediática é feita de outros assuntos que servem melhor a especulação jornalística, ou seja, a criação de novos tribunais, o estado medieval da nossa Justiça e dos nossos tribunais, a farsa dos rituais, a incompatibilidade entre o exercício da advocacia e o cargo de deputado, o estatuto dos juízes, entre muitos outros.
Reivindicar um tribunal para cada concelho do país parece uma utopia se tivermos em conta os interesses instalados. Com a descentralização da Justiça, a influência dos poderosos seria muito menor, e lá se ia o país medieval que Marinho e Pinto não se cansa de denunciar. Com um tribunal em cada concelho a justiça teria que ser obrigatoriamente mais célere e mais justa.
A verdade é que a ideia parece impossível de levar à prática até para aqueles que todos os dias repetem na comunicação social as mesmas lamúrias de sempre.
Na semana em que Marinho e Pinto esteve em Santarém fui parte em julgamento num tribunal da região. Fomos chamados em rebanho. Éramos mais de duas dezenas de testemunhas vindas das mais variadas partes do Ribatejo. Na hora da chamada só ficaram quatro das cerca de duas dezenas. Dessas quatro pessoas só foram ouvidas duas. O resto regressou a casa depois de uma manhã perdida ao serviço de uma Justiça que é lenta e acima de tudo desorganizada.
Situações como esta acontecem todos os dias nos tribunais portugueses. E não há políticos que nos defendam; não há juízes que dêem um murro na mesa; não há povo que se revolte em associações que defendam o direito a uma melhor e mais justa cidadania.
Na mesma semana respondi num outro processo perante o Ministério Público como arguido antes sequer de ser ouvido. Bastou que um cidadão melindrado com uma notícia, daquelas que fazem o “prato do dia”, se sentisse ofendido e fizesse queixa, e lá fui eu como uma ovelha responder perante factos e acusações que nem lembravam ao diabo.
Isto está bom é para quem vive à custa do Estado e se refugia nos partidos políticos para garantir o futuro. Custa caro andar por aqui de espinha direita e não dever nada, como ovelha, a todos os cabrões do rebanho.

quarta-feira, 22 de setembro de 2010

A teia de aranha

Em Portugal há uma justiça para pobres e uma justiça para os ricos. Não é só ao nível dos tribunais e do acesso aos grandes gabinetes de advogados. É também nas questões culturais. Os portugueses regra geral têm medo das fardas e muito medo das togas. Neste capítulo vivemos quase todos como na idade da pedra.
Nos últimos tempos os governos socialistas aumentaram ainda mais a injustiça no acesso à justiça. Um cidadão que se queira defender até à última instância pode ter que gastar nas custas judiciais o equivalente a seis meses de ordenado. Mais de um terço da população portuguesa, contas por alto, é descriminada devido à sua situação social e económica num serviço público que faz toda a diferença numa sociedade verdadeiramente democrática. Em Portugal, por causa do estado da nossa Justiça, há muita gente a clamar por Salazar. Dói ouvir e dói ainda mais escrever. Mas quem anda por aí e ouve os cidadãos sabe com que nomes eles baptizam os nossos governantes que hoje dizem uma coisa e amanhã fazem outra. E, no entanto, o resultado é sempre o mesmo; os ricos ficam mais ricos e os pobres continuam a empobrecer.
Não há na sociedade portuguesa, nestas últimas dezenas de anos, um caso de provocação ao estado de desgraça em que estamos metidos como a eleição de António Marinho e Pinto para bastonário da Ordem dos Advogados. O livro que recentemente Marinho e Pinto publicou, contando aquilo que foi o seu mandato destes últimos três anos, é um relato que todos deviam conhecer para perceberem como este homem foi capaz, está a ser capaz, de mexer com os interesses mais obscuros e milionários que lixam a democracia em que vivemos. “Um combate desigual”, assim se chama o livro, vai ficar na história e ser matéria de estudo daqui a muitos anos quando as pessoas puderem interrogar-se como foi possível viver nos tempos de hoje num país tão triste e colonizado, tão corrupto e decadente, numa época em que a grande maioria dos países da Europa já resolveu há muitos anos, e em grande parte, as grandes questões, como a da Justiça, que fazem a diferença entre a nossa civilização e os tempos da barbárie.
No livro “Um combate desigual” Marinho e Pinto não só afronta os grandes interesses instalados como torna ridículas as calúnias e as infâmias que foram levantadas contra si depois de ganhar as eleições com um resultado histórico que deixou a concorrência em estado de choque.
O exercício do cargo de Bastonário, ou o exercício da cidadania, que neste livro se pode ler nas mais variadas formas, desde os textos que fazem a história do exercício de Bastonário até aos textos de opinião e discursos oficiais, todos eles são exercícios de luta e de uma grande coragem no combate por uma Justiça que não seja apenas uma teia de aranha que os fortes rompem facilmente e onde os fracos ficam presos e enredados, às vezes para toda a vida.

quinta-feira, 16 de setembro de 2010

Chapa 8

O Castelo de Almourol é o edifício número 8 do património das Forças Armadas Portuguesas. É assim que ele é conhecido e referido nos serviços e é assim, chapa 8, que o Castelo de Almourol tem sido valorizado e cuidado nestas últimas dezenas de anos.
Não se percebe como é que um monumento ímpar do património português está entregue às Forças Armadas. Percebe-se, aliás, se formos coniventes com os trapalhões/farsantes dos políticos que passam pelos governos do país como cão por vinha vindimada. Está justificado, pelo menos para mim, o estado de abandono do Castelo de Almourol que é, mesmo assim, pasme-se, um dos lugares mais visitados pelos turistas estrangeiros depois do Santuário de Fátima e do Convento de Cristo.
Imagine-se o que vão dizer de nós, para as suas conversas de café, os ingleses, os franceses, os alemães, que chegam à beira do Tejo e ficam a ver o Castelo de Almourol da beira do rio da mesma forma que olham um boi se por acaso a visita guiada à região do Ribatejo incluir uma ganadaria onde os bois pastam no meio da charneca ou da lezíria.
Bois sentados é como eu vejo às suas secretárias todos os responsáveis que permitem que um monumento como o Castelo de Almourol seja um monte de pedras no meio do rio à guarda dos excelentíssimos coronéis das Forças Armadas. Só quem não sabe como funcionam as Forças Armadas, como a instituição é velha e tem falta de meios, não percebe o ridículo que é ter à sua guarda um dos símbolos do património português.
Só existe uma razão para esta distracção dos doutos responsáveis pela preservação e valorização dos monumentos portugueses; ficaram todos senis, ou vão querer fazer do interior do país um jardim zoológico, com novas espécies, que somos todos nós que aqui vivemos e trabalhamos.
Não acabo sem deixar claro que soube recentemente que há um projecto de revitalização do Castelo de Almourol, e da pequena ilha, graças à iniciativa e à paciência e perseverança de instituições da região. Mas eu sou daqueles que só acredito quando puder ver. Desde que me conheço que nas minhas visitas à ilha o que mais me marcou foi sempre a constatação do número de pessoas que vão lá arrear a calça (diz-se cagar em português vernáculo).

quarta-feira, 8 de setembro de 2010

O mundo está perigoso

Só há uma forma de viver mais ou menos tranquilo neste país que nos deu o berço; não abraçar cegamente a não ser os nossos filhos e as pessoas que amamos.
O mundo está perigoso em África, na Ásia e na América Latina. Mas na Europa, para além de perigoso, está infrequentável.
Conto uma história que me foi contada na primeira pessoa, e por quem a viveu, na véspera do tribunal ler a sentença desse processo monstruoso para a justiça portuguesa chamado Casa Pia.
Um homem de cerca de 60 anos, casado de fresco, com filhos quase quarentões, estava a cuidar do seu filho bebé quando um pequeno incidente originou uma ferida na região do ânus. Sozinho em casa, desesperado por ver sangue, recorreu ao hospital da sua terra. Com o bebé nos braços esperou cerca de meia hora frente a um médico de serviço nas urgências que falava ao telemóvel como se estivesse no seu consultório particular. Bebé na marquesa de rabo para o ar, perguntas e algumas observações maliciosas para o pai, que na altura ele não entendeu muito bem, e ordem para seguir para um hospital central.
De novo nas urgências algumas horas depois, o homem ficou a perceber, pela forma como o médico o tratou, e questionou, que era suspeito de ter abusado do filho. Não o avisaram, perguntaram-lhe como se não acreditassem que ele não sabia que era suspeito de ter violado o filho com alguns meses de idade. Não, respondeu o homem, e isto só pode ser um pesadelo, ia acrescentando, enquanto se sujeitava a análises e a perguntas e também foi falando do seu estado mental e contando como tudo tinha acontecido. Foi um azar que eu não consegui evitar. Estava a tratar dele na ausência da mãe que chega mais tarde do trabalho e o que aconteceu não pode parecer uma violação. Eu sou pai na idade de ser avô mas sinto-me no meu perfeito juízo, disse, talvez de outra forma mas com todas estas palavras.
De volta às urgências do hospital da sua terra, depois da humilhação no hospital central, o homem, que na altura já estava acompanhado pela mulher e por um contingente de familiares, viu-se confrontado com a obrigação de se separar do filho já que os médicos lhe anunciaram que o bebé ia ser entregue à comissão de protecção de menores.
Resistindo até onde lhe foi possível, o homem acabou por levar o filho para casa, não sem antes ter percebido, e sentido, no mais fundo do seu ser, que para a maioria dos médicos que falaram com ele e o interrogaram e cuidaram do filho durante o acto da urgência hospital, ele era suspeito de ser, não exactamente o pai da criança mas o monstro que há uns meses tinha infectado com sémen a vagina da sua jovem companheira.
O bebé está bem, a ferida sarou depressa sem que tenha sido necessário voltar ao hospital, mas o homem ainda vai ser ouvido pelo Ministério Público e os resultados da recolha da saliva e do sangue ainda não são conhecidos.

quarta-feira, 1 de setembro de 2010

O vereador analfabeto da cultura de Tomar

O vereador da Cultura da Câmara de Tomar, Luís Ferreira, é um senhor de 43 anos que nunca exerceu longamente uma profissão. A sua vida, depois de ter acabado o tempo de andar de livros debaixo do braço, foi ser adjunto deste e daquele político, secretário e tudo o mais que a política permite nesta e naquela instituição. Luís Ferreira faz parte de uma geração de políticos que, graças ao 25 de Abril, conseguem hoje mandar no país sem nunca terem passado pela escola da vida exercendo uma profissão.
Se Luís Ferreira fosse um político sério, capaz, intelectualmente bem formado, já tinha pedido a demissão de vereador da Cultura da Câmara de Tomar depois dos disparates que escreveu sobre o escritor António Lobo Antunes e sobre os cidadãos do seu concelho.
O caso é público, volta às páginas desta edição de O MIRANTE, e não preciso de recordar aqui as calinadas e a forma infantil como o senhor vereador da cultura resolveu comentar, de forma a que o público tivesse acesso, um caso triste que pôs Tomar na imprensa pelas piores razões.
Tomar é a segunda cidade mais importante da Região Centro. Tomar, logo a seguir a Fátima, é o concelho mais visitado do país pelos turistas que saem de Lisboa ou do Porto. Tomar tem uma História e uma vida cultural ligada a nomes como José Augusto França, Lopes Graça, etc etc etc. Uma cidade com a importância de Tomar não pode ter um vereador da Cultura tão irresponsável e iletrado como o senhor Luís Ferreira.
Alguém no seu perfeito juízo devia chamar este senhor à razão e confrontá-lo com os disparates que escreveu e depois confirmou no meio da grande barafunda que foi a polémica à volta do convite a António Lobo Antunes.
Eu sei que na opinião da maioria dos meus leitores estarei a exagerar. Haverá até muitos deles que dirão: este tipo que escreve é maluco. Está a sugerir que o vereador se demita quando ele está na vereação a representar o Partido Socialista para ser o futuro presidente da câmara. Talvez os leitores tenham razão. E no fundo no fundo o Luís Ferreira até nem é má pessoa. E deve ser um excelente chefe de família. Mas este texto é sobre o anão político em que Luís Ferreira se transformou, muito mais do que já era, e não sobre a pessoa e os seus méritos enquanto homem de bom coração.
Nem daqui por um século Portugal terá uma classe política distinta, sabedora e com estatuto para merecer a honra de governar o país e as instituições da República. Falo de Luís Ferreira mas também poderia falar de camaradas do seu partido que são da mesma escola e que passam pelo mesmo crivo. Se Luís Ferreira não pedir a demissão do cargo, o que é mais que certo e sabido, tal é a falta de vergonha desta gente que faz da política profissão, pelo menos que ganhe juízo. Tomar merece um vereador da Cultura que, no mínimo, seja uma pessoa culta.

quarta-feira, 25 de agosto de 2010

Nossa Senhora da Conceição

Por trás de um cronista inchado de opiniões esconde-se muitas vezes um homem de palavras que nem sempre consegue traduzir as suas ideias. Não é por acaso que noventa e nove por cento dos cronistas da nossa praça só falam do mesmo e estão sempre a bater no ceguinho. Se alguém pedisse ao Pacheco Pereira, ao José Manuel Fernandes ou ao João César das Neves que escrevessem sobre assuntos que não envolvessem os membros do Governo, ou aqueles que gravitam à sua volta, nesse dia perdiam o brilho e, provavelmente, perdiam o dinheiro da avença.
Portugal é o caminho de um lado ao outro do Mosteiro dos Jerónimos; vê-se que existe país olhando para a Torre de Belém e confirma-se o valor da paisagem do cimo do Parque Eduardo VII. O resto é província. E os cronistas da nossa praça, escravos do Poder que servem, embora autorizados a morder canelas, tudo escrevem para disfarçarem este mal português de séculos de quanto mais Lisboa mais Portugal.

Há 15 dias vesti a camisola da Junta de Freguesia de Santa Susana ali para os lados de Alcácer do Sal. Paguei três euros para ir à festa e dancei ao som do Chave d’Ouro. Comprei umas rifas, comi um frango assado, bebi uma imperial e no meio de duas centenas de alentejanos senti-me entre a minha gente que é do Ribatejo mas também tem sotaque.
Oito dias depois desci em Málaga num daqueles aviões de brincar que levam 20 pessoas, já a contar com os dois pilotos, e fui à feira. Dizem as estatísticas que vão à Feira de Málaga todos os anos cerca de seis milhões de pessoas durante os treze dias que dura o evento. Estive lá cinco dias a testemunhar como se organiza uma feira e como se envolvem as empresas, as associações, os governos e as instituições numa festa que enche todos os dias as páginas dos vários jornais da cidade. E, para além de encher um recinto onde cabem vários campos de futebol, e onde o pessoal se diverte a sério, enche, até à meia-noite, as ruas principais de Málaga dando-lhes uma alegria e um colorido que só visto.
Como não vivo em Santa Susana nem em Málaga transporto tudo o que observo em viagem para a minha região e para a terra onde vivo e trabalho. E o resultado é desanimador. Ainda por cima isto vai de mal a pior. E o problema não é a falta de dinheiro. É a falta de bairrismo. A falta de liderança. A desfaçatez daqueles que nos tratam como indígenas. Perguntem aos escalabitanos se não gostavam de ter uma feira que lhes enchesse a cidade de gente e de festa durante 13 dias e vão ouvir a resposta. Só os senhores da CAP é que acham que não merecemos mais que uma festa porreira. Santa Susana nos valha já que Nossa Senhora da Conceição, padroeira de Santarém, resolveu voltar-nos as costas.

quarta-feira, 18 de agosto de 2010

Todos os nomes

Vítor Barros foi afastado da administração da Companhia das Lezírias. Terá sido desde o 25 de Abril o pior gestor que passou pela Companhia. Os agricultores não gostavam dele. Apesar daquele ar bonacheirão foi sempre muito arrogante na relação com os verdadeiros agentes de desenvolvimento que sustentam a Companhia e lhe dão nome. Vítor Barros foi afastado da administração por uma falha de gestão denunciada, segundo se diz, por uma pessoa que o próprio terá convidado para trabalhar na empresa pública. Mais do que um comissário político fraquinho do Partido Socialista, Vítor Barros foi um inábil na gestão, na relação com os agricultores e, para sua grande desgraça, na relação com a sua própria gente. Esperam-se melhores dias na Companhia.

Os políticos adoram jogadores de futebol que marcam golos, actores que enchem plateias, artistas que ficam famosos e, agora, cada vez mais, empresários de sucesso. Não admira por isso que ministros, secretários de Estado e políticos das mais variadas áreas do poder adorem juntar-se a estes agentes de sucesso quando a vida lhes corre bem.
Foi o que aconteceu mais uma vez em Amiais de Cima, Santarém, no passado dia 13, aquando da visita do ministro da Economia, Vieira da Silva, a pretexto da assinatura do protocolo entre o IAPMEI e a empresa  J.J. Louro Pereira. É público que o empresário de Amiais de Cima tem uma actividade empresarial de grande sucesso; que, graças a uma gestão familiar das suas empresas, tem um êxito que não é comum encontrar por esse mundo fora. Quem conhece a forma como a empresa é gerida não achará nada de especial. O Senhor Louro trabalha todas as horas do dia e faz questão de ser o bom e o mau da fita, chova ou faça sol na empresa. A sua mulher, Isabel Brissos, é a pessoa que o acompanha a todas as horas sempre ao seu lado mas também onde ele não pode estar ou não sabe estar tão bem como ela.
E são eles dois que da mesma forma que agarram numa vassoura para varrer o chão de uma sala sabem procurar e encontrar um cliente, em Portugal ou no estrangeiro, que lhes garanta a compra da produção para meia dúzia de anos. E não estamos a falar da gestão de uma pequena e simples empresa. A família Louro gere várias empresas e dá emprego a cerca de 1300 pessoas.
Não gosto de ver os políticos a darem sinais de que o país não é só Lisboa e, assim que acabam de “assinalar”, aí vão eles nas suas comitivas de gente ociosa a caminho dos gabinetes de Lisboa onde se partilha o Poder.

quarta-feira, 11 de agosto de 2010

Bandarilhas assassinas

Contrariando aquilo que é norma num grupo de forcados, que é marcar um treino do grupo para uma picaria ( em Vale de Cavalos), um antigo cabo do grupo da Chamusca, no tempo em que eu tinha 18 anos, mandou-me para a cara de quatro vacas à saída do curro. Lembro-me como se fosse hoje do medo que tive e do êxito que arrecadei graças ao excelente conjunto de forcados que o grupo tinha na altura.
Perdi o medo de ir para a cara de um animal e hoje vejo com os olhos bem abertos um forcado a levar umas cornadas de um toiro e, embora me emocione como toda a gente, o meu entendimento é que só se perdem aquelas que ficam no chão. Esta crueldade foi-me ensinada e não sinto qualquer vergonha em a assumir.
Já quanto à crueldade a que os toiros estão sujeitos enquanto são toureados a minha opinião é diferente daquela de há muitos anos. Os defensores dos direitos dos animais têm razão quando se manifestam. Aquelas bandarilhas com arpões de cinco centímetros de comprimento e dois centímetros de largura, quando não são ainda maiores, podiam ser evitadas e a festa não perdia com isso. O sofrimento do animal era minorada, e de que maneira, e nem por isso os artistas viam prejudicada a sua arte.
Porque conheço bem os meandros da festa, e senti na carne o carácter dos animais, pegando-os ou ajudando a pegar, não compreendo como é que ainda há directores de corrida que deixam tourear animais tão nobres em deficientes condições físicas, muitas vezes com problemas causados durante a embola ou no transporte para a praça, entre muitas outras causas possíveis. Outra questão: embolar um toiro, depois de lhe cortar os cornos, se não for feito por quem sabe da poda, pode configurar um crime ainda maior que fazer sofrer o toiro na praça em deficientes condições físicas, ou com aquelas bandarilhas com arpões que metem medo só de os termos por perto; para se conseguir embolar um toiro recorre-se muitas vezes a métodos pouco ortodoxos que violam as leis dos direitos dos animais. E, por último: os forcados morrem por causa das bandarilhas. E o que é curioso é que toda a gente fecha os olhos como se alguns forcados tivessem escrito na testa que nasceram para morrerem durante uma pega por causa da puta de uma bandarilha que resolveu fazer história. Ridículo e lamentável continuar a defender-se que sem bandarilhas assassinas a festa dos toiros perde a graça.
Que fique bem claro que esta minha atitude de aliado dos defensores dos direitos dos animais não tem nada a ver com o sacrifício dos forcados. Sou pelas tradições mas sem o uso da crueldade. Assim como já não gosto de ver fotos de leões mortos em caçadas ( acabei de reler, por tanto gostar, África Minha, e de visitar em Copenhaga o Museu de Karen Blix), nem de elefantes mortos a tiro por caçadores de marfim, também entendo cada vez mais que a festa dos toiros deveria ter mais em conta a dignidade e o carácter do animal e menos os interesses e os velhos hábitos ( em muitos casos ainda marialvas e fascistas ) dos artistas que vivem da festa.

quinta-feira, 5 de agosto de 2010

Matar pardais

A maioria das pessoas públicas, com responsabilidades políticas e sociais no nosso país, julgam que os jornais e os jornalistas são todos iguais. Mais coisa menos coisa ou somos todos umas grandes bestas ou uns tipos bestiais. É conforme o prato da balança onde somos pesados e o dono e os interesses do dono da balança. Mais de duas décadas depois de ter dedicado a minha vida a esta profissão mantenho o espírito inicial; se for preciso pago para editar o meu jornal. Se for preciso também pago para escrever. Se não tiver outra solução desvio do orçamento familiar o que for necessário para pagar o preço do papel do jornal onde escrevo, tenha 8 ou 80 páginas. Claro que tudo isto tem limites. E eu também não nasci ontem e não hei-de andar por aqui assim tanto tempo que valha a pena despir a pele.
A generalidade das pessoas públicas e com responsabilidades políticas e sociais julga que compram um jornal ou um jornalista com a mesma facilidade com que pagam uma avença a um cacique de serviço. Não tenho qualquer intenção de contribuir para a mudança de mentalidades desta gente antiga e retrógrada que nos governa na maior parte das instituições. Mas é dever de quem é jornalista, e leva esta profissão a sério, repetir até à exaustão que não se cala com uma simples mordaça uma voz que nasceu livre e entretanto ganhou asas.
Ao longo da minha vida profissional, exposto como todos os que servem a causa pública, também já fui vítima de jornalistas que são pagos para escreverem, independentemente daquilo que a sua consciência manda. Nunca lhes liguei importância e a resposta mais ordinária que lhes dei foi o desprezo que é a melhor arma que conheço para matar pardais.
Também é claro como a água que um tipo como eu, que aprendeu a nadar no Tejo aos oito anos, ainda por cima às escondidas dos pais e dos avós, não pode ser levado muito a sério. Um tipo como eu, que se for preciso paga para escrever, seja num jornal de 8 ou 80 páginas, um tipo assim não pode ser lá grande coisa. É exactamente por isso que eu, e muitos outros como eu, pagam do bolso para escrever tal como alguns médicos consultam de borla, alguns advogados defendem em tribunal sem cobrar um cêntimo, e muitos outros profissionais pagam do seu bolso para serem úteis à comunidade onde vivem e sentem orgulho de pertencer; e até agradecem que nem dêem por eles.
Agora é moda abrir os noticiários das televisões com os resultados financeiros das empresas que dominam a nossa economia. Todos os dias vamos para a cama com o Espírito Santo, o Belmiro, o Zeinal e mais os não sei quantos gestores milionários que, à luz do jornalismo actual, são os grandes protagonistas do “cada dia nos dai hoje”. Eu pago do meu bolso, se for preciso, para continuar a trabalhar nas aldeias do meu país, editando notícias de proximidade e servindo a minha região, mesmo na condição de colono, num país onde os grandes empresários abrem bancos e superfícies comerciais para arrecadarem a dizima como nos velhos tempos.

quarta-feira, 28 de julho de 2010

Mais diplomatas e menos políticos

Há meia dúzia de anos visitei a Roménia integrado numa comitiva de empresários e autarcas do Cartaxo. Em Bucareste, na hora de reunir com o Cônsul de Portugal naquele país, ouvi da boca do diplomata um conselho surpreendente. Atenção, meus caros amigos, se vêm para investir na Roménia cuidado com as parcerias. Como sem parcerias não há investimento o segredo é escolher os melhores parceiros. Como a democracia na Roménia ainda é muito frágil, e o poder político domina o poder judicial, na hora dos conflitos, que os vossos futuros sócios acabarão sempre por provocar, quando mais lhes convier, lá se vão os vossos anéis juntamente com os vossos dedos.
Não me lembro do nome do diplomata nem sequer da cara que ele tinha e ainda há-de ter. Mas lembro-me de ter ficado siderado pela revelação já que ele punha em causa a nossa viagem que, embora também fosse cultural, tinha o investimento como grande objectivo.
Lembrei-me deste episódio quando li recentemente nos jornais o repto do Presidente da República, Cavaco Silva, apelando aos empresários portugueses para que invistam em Angola. Conhecendo como conhecemos a situação política daquele país, Aníbal Cavaco Silva só pode estar a brincar com os empresários portugueses que não conhecem a realidade angolana. Os que conhecem não vão para lá investir e se vão levam as costas quentes como é o caso das grandes empresas portuguesas dominadas por empresários que têm o telemóvel do primeiro-ministro seja ele qual for.
O que me espanta neste apelo, feito em visita oficial com fato e gravata e, provavelmente, num grande ambiente de troca de prendas, é este descaramento do político que exerce o mais alto cargo da Nação. Invistam em Angola diz Cavaco Silva. Com a actual situação política, social e económica daquele país, apetece dizer que vá para lá ele com os seus filhos e os seus netos e todos os seus amigos.
Não tenho nada contra os angolanos. Gosto do país e conheço pessoas que me falam daquele território como eu falo da minha terra. Mas factos são factos. Os angolanos têm uma esperança de vida que se situa em média nos 38 anos. E não há liberdade para circular nas estradas de todo o país quanto mais para escrever poesia ou cantar a Grândola Vila Morena.
Por fim: um diplomata, um simples diplomata anónimo a trabalhar num país da Europa, consegue ter mais juízo político que um Presidente da República em visita oficial a um país governado com mão pesada, por uma família que jamais deixará o poder de livre vontade. E que deve ser mais rica que todo o povo angolano junto.

quarta-feira, 21 de julho de 2010

Bater no ceguinho

Na passada segunda-feira comecei o meu dia parando 15 minutos junto ao balcão da antiga relojoaria Silva, tempo suficiente para começar o dia a ouvir a dona Maria do Carmo Delgado a lembrar-me crónicas de que já nem guardava memória. Tinha a cabeça cansada e tirei a manhã para visitar algumas capelinhas onde gosto de rezar pela minha saúde mental. Da Chamusca segui para a Golegã onde me sentei em cima de um tractor alimentando a ideia de que um dia destes perco a cabeça e compro uma máquina daquelas para fazer o gosto ao dedo. No Entroncamento entrei numa casa de electrodomésticos mas foi numa loja de fotografias que encontrei conversa. Primeira grande proposta do dia: uma página em O MIRANTE só para falar de moda e da noite na região. Depois de um café e mais meia hora de conversa passei por um viveirista em Torres Novas e fui saber o que é que se pode plantar nesta altura. Como se não soubesse fui encontrar as plantas e as flores envasadas ao preço do ouro. Fiquei por ali meia hora a cheirar a terra molhada e a planear o pomar da minha vida.
O telemóvel ia tocando mas nada que me roubasse a atenção. Mudei de número e de endereço de e-mail há cerca de um ano e a minha vida ganhou qualidade.
Entrei em dois concessionários de automóveis e pela enésima vez perguntei o preço de uma carrinha 4X4 de caixa aberta. Um dia vou comprar para deixar de lado o meu velho Volvo mas, até lá, ainda vai correr muita água por debaixo das pontes. Passei por uma empresa na zona industrial de Santarém e sentei-me na cadeira do administrador a falar sobre a vidinha. Aquele homem viajou comigo um dia pela Europa e levava um livro na mão que depois me ofereceu e que marcou a minha vida. Trouxe duas garrafas de vinho e um abraço do reencontro com alguém que, apesar das diferenças, tem o mesmo gosto pela vida.
Entrei depois em mais duas empresas com as portas meio abertas. Não encontrei quem procurava mas espreitei a crise pelo buraco da fechadura. É graça de Deus termos sensibilidade e juízo para aprendermos com os erros e os espalhanços dos outros?
Às duas e meia da tarde estava num restaurante do centro da cidade de Santarém a comer cerejas depois de meio prato de bacalhau com grão. Senti-me cansado e fui buscar ao fundo da gaveta a memória de que o meu dia fora de casa tinha começado ao balcão da farmácia onde trabalha o sportinguista mais descrente que existe ao cima da terra; no domingo transpirei com uma enxada nas mãos e deixei secar a roupa no corpo. Resultado: estou com um pigarro na garganta e pelo que conheço de mim vem aí constipação pela certa.
Espanto-me por saber que sou amigo de gente de espírito livre, e libertário, que é leitora assídua de livros de auto-ajuda. Tenho duas crónicas escritas a dizer mal. Esta manhã de convívio, apesar do cansaço, deu-me a volta ao espírito. Recuso-me ser advogado do diabo. Antes uma crónica narcisista que maldizente só porque sim e é fácil bater no ceguinho.

quarta-feira, 14 de julho de 2010

A falência dos empresários

José Eduardo Carvalho (JEC), presidente da NERSANT, tem vindo a apelar junto dos empresários da região para que se juntem ao coro de protestos contra as políticas dos últimos governos na relação com as empresas. Na última reunião em que estive presente, na passada semana, o seu discurso foi de tal forma cáustico e alarmante que provocou entre os seus pares comentários do género “acalme-se lá senhor presidente que nós não podemos fazer figura de revolucionários”. JEC respondeu num tom que já lhe oiço há algum tempo. “Nesta altura a situação é tão má que é impossível passar entre os pingos da chuva. Ou saímos em defesa dos nossos interesses ou vamos ficar atolados. Não podemos ser coniventes com as desgraças que estão a matar as empresas. Se isto continuar como está é certo que vamos morrer na praia se não morrermos entretanto na forca”. Foi assim que se expressou o líder dos empresários da região que é sem sombra de dúvida o único líder regional a fazer-se ouvir regularmente e o único que consegue falar e ser ouvido para além das fronteiras de um só concelho.
Embora não tenha uma boa impressão sobre a maioria dos empresários, concordando no entanto que há uma minoria que faz a diferença, percebo cada vez mais que a crise está a ter bons efeitos na forma como olham para a sociedade e como devem comportar-se nas relações com a comunidade e os governos, sejam eles quais forem.
Este grito de revolta de JEC, que certamente vai aumentar à medida que aumentarem o número de falências das empresas, e as actividades criminosas da banca e de outras instituições, como é o caso dos tribunais que sendo tão lentos, impedem o funcionamento a tempo e horas de qualquer justiça. Este grito de revolta vai tornar ainda mais ridícula a acção dos sindicatos, da maioria dos sindicatos, e de alguns protestos contra os patrões.
Para que a região e o país tenham futuro é preciso que as empresas e os empresários cuidem bem dos seus interesses e não se deixem esmagar pelo Estado, e pela banca, de forma a que continuem a manter e a criar empregos, continuem a dinamizar a vida social e económica da região onde se inserem, e mantenham uma produção de bens e serviços que seja concorrencial com as das grandes empresas internacionais que, surpreendentemente, inundam o nosso mercado e não têm nome nem rosto.
É dos lucros das empresas que vem aquilo que a sociedade precisa que é o emprego. Mesmo numa altura em que tanto se fala nos compromissos dos empresários com a biodiversidade, a sustentabilidade e a acessibilidade, a maior responsabilidade social que se pode pedir aos empresários é que cuidem em primeiro lugar dos seus próprios interesses. Se deixam falir as suas empresas a este ritmo adeus região e adeus Europa.

quarta-feira, 7 de julho de 2010

O ridículo pode matar

Há situações ridículas que nos chocam e nos obrigam a dar a mão à palmatória. A Câmara de Santarém pagou recentemente duas facturas de vinte euros a um fornecedor do concelho a quem deve cinco mil há muito tempo. O recibo foi emoldurado no dia em que chegou à empresa para que todos os seus clientes o vissem e dessem conta do ridículo.
Não é a primeira vez que sou abordado por munícipes para me darem conta da dimensão do monstro que é a Câmara de Santarém. Conheço e tenho boas relações com uma pessoa próxima de Moita Flores que já me confidenciou que a solução para acabar com os podres na câmara era denunciar os incompetentes e trazer os casos para a praça pública. Mas para isso era preciso muita coragem política e muita gente a trabalhar para depois haver quem substituísse os incompetentes. Foram muitos anos de regabofe e há muito engenheiro e doutor que ganhou poder por falta de autoridade dos autarcas anteriores. E não é agora pelos lindos olhos de Moita Flores que vão mudar. Não basta ter poder político e autoridade moral e intelectual para gerir, nos dias de hoje, a Câmara de Santarém. É preciso ter uma equipa. E neste capítulo Moita Flores está muito mal. Não só não tem equipa que lhe valha como não tem gente na câmara disposta a aceitar as mudanças de regras. Rui Barreiro e a sua cambada de actores políticos, que o acompanharam e dele viveram e se sustentaram ao mesmo tempo, deixaram a autarquia dinamitada e em risco de falência. Não foi a falência financeira que Rui Barreiro tanto gritou e berrou quando roubou o poder dentro do PS ao seu camarada Noras e depois conquistou a câmara. O que ele deixou como herança a Moita Flores, para além da quase falência financeira, foi a falência moral. A falta de valores e de ética por parte de grande parte daqueles que têm o poder nas mãos ao desempenharem cargos na administração pública sem a vigilância informada e sabedora daqueles que detêm o poder de mandar e fiscalizar.
O gabinete de Comunicação Social da câmara tem mais funcionários que os dois jornais locais que se editam na cidade. Nem por isso a câmara tem uma mailing-list actualizada para enviar aos agentes do concelho. Falo no gabinete de comunicação social e na falta de vergonha que é sustentar um gabinete daqueles, não por falta de coragem para escrever sobre os outros mas porque nada sei sobre os outros e tudo é tão secreto nesta autarquia que até para nos enviarem uma cópia de uma conta-corrente precisamos de meter um requerimento ao Presidente da República.
Uma literacia actual inclui nos seus “elementos básicos” as matemáticas, a música, a arquitectura e a biogenética. Lembro-me sempre deste conceito de Steiner, que considero actual, quando sou obrigado a dar a mão à palmatória no exercício da minha cidadania.

quarta-feira, 30 de junho de 2010

A realidade a preto e branco

Viver e trabalhar fora dos grandes centros como Lisboa e Porto custa os olhos da cara quando chega a hora da verdade, ou seja, quando queremos chegar onde os outros chegam em termos de qualidade de vida e de acesso aos bens de consumo.
Ouvir um primeiro-ministro a felicitar um jornalista de O MIRANTE por o ver de câmara na mão, enquanto também tomava notas, como aconteceu recentemente, não me deixa feliz. Pelo contrário: prova que apesar de vivermos num mundo global, onde todos podemos fazer milagres com um telemóvel de última geração, ainda somos olhados com espanto como se vivêssemos na idade da televisão a preto e branco.

Nos últimos dias tomei boa nota da denúncia pública dos nossos maiores cineastas quanto à actuação da Lusomundo que o Governo, através da PT, comprou ao Coronel Silva. E da revolta que vai no meio por a maioria dos cineastas se sentirem excluídos e, nalguns casos, censurados por os seus filmes estarem guardados em armários (Manoel de Oliveira é um deles, o que torna mais importante esta manifestação de revolta).
A impotência que atinge cada vez mais uma certa elite portuguesa, da área do cinema, do teatro, da música e de tantas outras actividades, tem para mim o sabor amargo da satisfação de verificar que estamos cada vez menos sozinhos nas vilas e aldeias do interior a lutar contra um país dominado por uma classe de políticos e empregados do Estado que vivem à custa dos bons conhecimentos e da proximidade do Poder.
Com a crise, inevitável num Estado cheio de gente obesa e retrógrada, os problemas em Lisboa e no Porto começam a ser exactamente iguais aos problemas daqueles que, por amor à terra e às suas raízes, sempre entenderam que o país merece o milagre da descentralização.
Com os erros acumulados nestes últimos anos, desde Guterres, Durão e agora Sócrates, para não falar do reinado duvidoso de Cavaco Silva, que foi incapaz de cumprir a promessa de reformar a administração pública, começam agora verdadeiramente as discussões sobre a falta de justiça nos tribunais, por ser demorada, e atrás disso a nossa falta de cultura para sermos cidadãos mais exigentes no que toca à vigilância política que devemos ter sobre quem sempre nos governou, e governa, até aos dias de hoje.

O governo de Sócrates já tem pronta a nova lei da televisão para apresentar no Parlamento. A grande novidade, como não podia deixar de ser, é a abertura da televisão aos operadores locais e regionais. As directivas europeias assim o obrigam. Mas, como em Portugal ainda vivemos todos num país do faz de conta, este Governo vai mandar para o Parlamento uma lei de televisão sem ter frequências para atribuir. E esta é apenas uma das caricaturas desta lei.

segunda-feira, 28 de junho de 2010

O homem que teve que voltar à sua terra para acabar de nascer

À Isabel, sempre.
A João Domingos Serra e João Basuga, e também a Mariana Amália Basuga, Elvira Basuga, Herculano António Redondo, António Joaquim Cabecinha, Maria João Mogarro, João Machado, Manuel Joaquim Pereira Abelha, Joaquim Augusto Badalinho, Silvestre António Catarro, José Francisco Curraleira, Maria Saraiva, António Vinagre, Bernardino Barbas Pires, Ernesto Pinto Ângelo - sem eles não teria sido escrito este livro.
À memória de Germano Vidigal e José Adelino dos Santos, assassinados. 
Esta dedicatória é das primeiras edições do livro “Levantado do Chão” e desapareceu dos livros de Saramago nas edições mais recentes. Pelo que ela representa na vida de um livro, e não de um escritor, resolvi partilhá-la. Li “Levantado do Chão” com entusiasmo mas já numa quarta edição . Daí para cá só me maravilhei de verdade com os “Cadernos de Lazarote”, onde o autor se expõe de forma nua e crua com todas as suas virtudes e defeitos. É por lá que Saramago diz ter começado a “Contar uma vida pelos dedos e encontrar uma mão cheia”. Para quem procura a alma de um escritor recomendo as leituras deste diário, publicado em vários volumes. E não esquecer “As Pequenas Memórias” onde o escritor imortaliza a Azinhaga, sua terra natal. 
Resolvi partilhar esta dedicatória para dar conta do tamanho que pode ter a vida de um homem. Maria João Avilez escreveu um dia sobre Mário Soares a propósito do apagamento da vida pública de muita gente que resolveu fazer-lhe frente: os grandes homens, para o serem, têm que esmagar pelo caminho muitos homens pequenos( cito de cor). Saramago não esmagou os companheiros de viagem dos seus primeiros livros mas remeteu-os para as edições antigas. Até parece injusto mas provavelmente não é. “Levantado do Chão” continua a ser um grande livro com uma história que tão depressa não se apagará da nossa literatura. Saramago começou a viver outra vida quando um dia precisou de se separar do seu passado mais antigo.
O poder da palavra é um poder maior que o poder do ouro, do dólar ou do euro. Muito maior que o poder conferido por quem exerce cargos políticos. Saramago foi jornalista toda a vida e sabia que o poder da palavra move montanhas. Por isso criava polémica nos seus discursos e nas suas opiniões políticas e religiosas. Até na hora da morte conseguiu tirar o sono a Cavaco Silva que está presidente da República Portuguesa. Se na hora da morte também houver lugar para sorrisos, Saramago estará de boca rasgada a rir-se da figura que obrigou a fazer o representante máximo do seu país.
Não fui, e ainda não sou, um grande leitor da obra de Saramago. Gosto da sua poesia e li “Os poemas Possíveis” várias vezes de fio a pavio. Saramago publicou “Os poemas possíveis” em 1966 e a edição que eu guardo é de 1982 quando a Caminho reeditou os poemas com uma nota do autor que, já nessa altura, reconhecia que era o romancista da altura “a raspar com unha seca e irónica o poeta de ontem”. Mas era dos seus poemas que eu sempre falava a quem me interrogava por esse mundo fora sobre a sua vida e obra. E ser vizinho do pé da porta de Saramago sempre foi pretexto para falar da Azinhaga e da aldeia que se vê da minha terra quando subimos ao Senhor do Bonfim ou à Senhora do Pranto. Porque um homem, por mais voltas que dê ao mundo, carrega sempre consigo o lugar e a condição em que nasceu. 
“Quem não nos deu amor não nos deu nada”. Citação de Saramago, de um poema de João Rui de Sousa, publicada nos Cadernos e datada de 16 de Junho de 1992. O homem podia ter mau feitio como realmente diziam e vão continuar a dizer e escrever. Mas era um camarada fiel e um homem honrado. E de todos os seus livros e milhões de palavras escritas nos seus romances atrevo-me a citar uma frase roubada ao “O Ano da Morte de Ricardo Reis: “um homem, se quer uma coisa, não a deixa ao acaso, faz por alcançá-la”.
Nas margens do Almonda e do Tejo, onde Saramago em criança se defendia do calor do sol abrigando-se nas marachas, nas terras da Azinhaga onde o escritor teve que voltar um dia “para acabar de nascer”, deviam ser sepultadas as suas cinzas.

quarta-feira, 23 de junho de 2010

Saramago e a loucura

Tenho fascínio pelo mundo secreto dos escritores e artistas em geral. Talvez por isso gosto, acima de tudo, de ler biografias muito mais do qualquer outro género literário. As biografias e os diários dão-nos a dimensão do ser humano ao mesmo tempo que nos revelam o artista. Em duas ou três centenas de páginas há quem nos revele de forma magistral aquilo que foi uma vida de 70 ou 80 anos. Sabendo que a vida está cheia de eternidades, quando se vivem as grandes alegrias e as grandes depressões, poder ter a história de uma vida num livro ou num filme é um dos milagres que eu mais agradeço.
Quem um dia escrever a biografia romanceada de José Saramago terá mais material do que todos aqueles que, até agora, escreveram a biografia de outros grandes artistas que tiveram, como Saramago, a arte de construir uma Obra e a sorte de viverem muito tempo para a poderem consolidar junto do público e, em muitos casos, a poderem reescrever.
O caso de José Saramago, que deu à literatura portuguesa o único Nobel, é um bom exemplo daquilo que vale a união entre dois povos. Em Espanha Saramago é tão lido como em Portugal. A sua morte foi tão sentida como em Portugal. Quem um dia escrever a sua história vai ter que falar da criança pobre que nasceu num pequeno povoado junto ao Tejo, num lugar onde “a terra é plana, lisa como a palma da mão”, e que a meio da vida conseguiu o que até hoje nenhum português havia conseguido: conquistar a Espanha e os espanhóis que foram sem sombra de dúvida os principais responsáveis pelo facto de Saramago ter chegado ao Nobel.
José Saramago deixou aos seus leitores, aos estudioso da sua Obra e principalmente aos admiradores que o vão querer continuar a venerar, uma autêntica mina de ouro. Até na hora da sua morte Saramago consegui pôr o Vaticano a dizer que ele era um escritor maldito. Como toda a gente sabe os grandes génios da humanidade foram sempre condenados, em vida ou na hora da sua morte, como malditos ou loucos. Saramago não enlouqueceu mas soube lidar bem com a loucura daqueles que não foram tolerantes o suficiente para aceitarem a sua Obra e a influência que ela teve, e vai continuar a ter, nos espíritos maus cultos de todas as nações modernas e civilizadas.

quarta-feira, 16 de junho de 2010

Uma organização pornográfica

Esta semana comi papa Cerelac e gostei. Há anos que andava para voltar a saborear. Não esqueço, mas também sei que nunca mais vou encontrar, o sabor daquela farinha depois feita papa que em miúdo ia levantar à igreja da Senhora das Dores, na Chamusca, onde se distribuíam alimentos para os pobres. Não me lembro quem me mandava lá mas lembro-me tão bem de gostar que ainda tenho de memória o prazer e a felicidade desses momentos em que matava a fome, o desejo, a falta, coisas que estão gravadas na memória e que são maiores do que eu.
Um amigo da política disse-me há muitos anos que sabia, antes de qualquer barómetro ou sondagem, quando é que o seu partido começava a ganhar terreno junto do eleitorado e podia levá-lo à cadeira do Poder: era quando as prendas começavam a chegar a casa, mais uma vez, com regularidade.
Claro que a Igreja, na missa e na sacristia, e falta saber se também no confessionário, mete o bedelho na política todos os dias. Não há nada a fazer. Está escrito que será assim até ao fim dos séculos. Cavaco Silva deu uma lição promulgando a lei do casamento entre pessoas do mesmo sexo respeitando a vontade do Parlamento. Mas a igreja é intolerante e vive mal com a democracia. A igreja, enquanto organização, é pornográfica quando condena, por exemplo, o uso do preservativo. Eu sei que estou a bater no ceguinho. Mas é importante que enfrentemos os padres das nossas freguesias. Ouvir a voz de Cristo é não ficarmos rendidos às palavras melosas que os padres repetem todos os dias na missa lendo a Bíblia não como um belo livro de poesia mas como um livro de sentenças.
Claro que o Governo interferiu na linha editorial da TVI. É claro que Armando Vara e José Sócrates metem o bedelho todos os dias, se puderem, junto das chefias das redacções, quando não é directamente junto dos jornalistas. Sempre foi assim. António Guterres salvou o Jornal do Fundão quando era primeiro-ministro por ser o jornal da sua terra. Foi também nessa altura que o Governo mandou comprar o grupo de comunicação social do Coronel Silva. Foi há tão poucos anos mas quem é que já se lembra disto?
É claro que o Governo manda, quando pode, na RTP, na RDP e na agência LUSA. Alguém tem dúvidas? Só quem não conhece o meio e não conhece as pessoas que o frequentam. E depois há jornalistas que se pelam para serem influenciados. Basta ver como saltam das redacções para assessores dos membros do Governo e de outros organismos públicos.
Foi a farinha, a memória da farinha depois feita papa, que provei do pacote do meu sobrinho Tiago, que me embalou para esta crónica. Começo a ter memória grande demais para o meu gosto.

terça-feira, 8 de junho de 2010

A justiça e os advogados

Há um sentimento generalizado na sociedade portuguesa de contestação ao trabalho dos juízes e magistrados do Ministério Público. Os livros publicados com histórias mirabolantes da nossa justiça, algumas notícias que aparecem diariamente nos jornais e a postura do actual bastonário da Ordem dos advogados, são responsáveis em grande parte por essa onda de descrédito.
Eu já fui a julgamento dezenas de vezes, quase sempre como réu, e não tenho razões de queixa dos juízes nem dos magistrados do MP. Sempre fui tratado com respeito. E se algumas vezes me vi em palpos de aranha foi por falta de experiência e de maturidade. Para a generalidade dos portugueses o tribunal é um papão. E de verdade não é. É um lugar onde se faz justiça mas onde todos somos tão livres lá dentro como cá fora. Ou, pelo menos, era curial que fossemos. Como não há regra sem excepção também já fui maltratado por uma juíza ignorante que só podia estar a fazer o frete a alguém. Mas isso passou e, como em tudo na vida, não há bela sem senão.
O que originou este escrito foi um episódio vivido recentemente num tribunal. O julgamento esperado há muito tempo começou a horas e com a presença de todos. O juiz teve o cuidado de não de começar o julgamento sem chamar os advogados das partes ao seu gabinete. Mas, mal começou, os advogados que acusavam pediram ao juiz a junção de um documento de prova que, segundo eles, lhes tinha chegado ás mãos há apenas uns meses atrás. Resultado: a outra parte não dispensou os dez dias que a lei lhe dá para consultar o documento e ouvir as partes envolvidas, e o juiz não teve outro remédio senão suspender os trabalhos e marcar, para finais de Novembro, nova audiência.
O juiz não fechou a sessão sem avisar os advogados que não é por acaso que os chama ao seu gabinete antes de iniciar as sessões. Vª. Exª. sabem muito bem que ao pedirem a junção de documentos durante o julgamento estão a dificultar o trabalho e a proporcionar este tipo de situações, lamentou.
Depois de olhar para a agenda, o juiz decidiu: fica marcado nova sessão para daqui a seis meses. Tenho pena que não possa ser antes mas o vosso processo não pode passar à frente de outros que já vêm do início de 2001.
Ora aqui está uma prova de que a justiça não funciona só por falta de funcionários judiciais, por falta de tribunais em condições e por haver juízes que não sabem lidar ainda com a balança da justiça. Os advogados são uma pedra na engrenagem e o actual Bastonário, Marinho Pinto, tem toda a razão quando pede mais respeito para a classe por parte dos juízes. Mas os juízes deveriam ser poupados as estas espertezas dos advogados que lhes impedem o exercício sério e célere da profissão. Há advogados que trabalham para escritórios que tem mais poderes que alguns juízes. E isso deveria ser denunciado pelos representantes dos juízes apresentando exemplos como este em que fui testemunha efectiva e parte importante na decisão de não cairmos na armadilha que aparentemente estava a ser montada. Como se a justiça para muita gente não fosse mais do que a arte de ludibriar e fazer dos outros parvos ou atrasados mentais.

terça-feira, 1 de junho de 2010

Os palermas do costume

Este espaço é para escrever sobre a nossa região e a nossa gente; sobre os nossos problemas e as nossas histórias. Nem sempre é possível cumprir o prometido. Não somos um verbo-de-encher no meio do rectângulo e a verdade é que o país parece uma mentira monumental. Há muito tempo que José Sócrates deixou de ser o tipo teso e esclarecido que convenceu o povo português com a sua autoridade e o seu olhar de antes quebrar que torcer. Pelo andar da carruagem um dia destes continuamos muito orgulhosos do nosso primeiro-ministro, que continua teso que nem um pau de virar-tripas, mas nem sequer temos força para o fixarmos olhos nos olhos de tal forma que ele e os seus dilectos ministros e secretários de Estado vão empobrecendo a nossa gente.
É difícil perceber como é que em tempo de vacas magras os gabinetes dos governantes vão gastar este ano mais dinheiro em deslocações, mais carros de luxo, mais milhões na aquisição de bens e serviços, mais euros para suas excelências os ministros e secretários de Estado se passearem a 200 à hora com os batedores da GNR a fazerem o alarido do costume quando deviam era andar a trabalhar no combate ao crime.
Que nos tratem como venezuelanos ou colombianos até se compreende pois somos um povo ainda muito salazarista e/ou gonçalvista (ou somos tudo ou nada), e bem merecemos os chefes que nos governam. Mas daí até fazerem de nós marcianos vai uma grande distância. Sócrates sabe muito bem que tem os dias contados como primeiro-ministro e que jamais recuperará a credibilidade que ganhou noutros tempos. Fazia um grande serviço ao país se entregasse o poder a um dos seus camaradas de partido, desde que não fossem as idálias moniz e os ruis barreiros desta governação, esses sim, o espelho do país miserável em que nos estamos a tornar.
Dou um exemplo para se perceber melhor quanto somos uns saloios ao tirarmos o chapéu a estes políticos manhosos que nos calharam em sorte. Em Inglaterra, o ministro das Finanças, num dos anúncios de combate à crise, anunciou que os ministros vão começar a andar a pé ou de transportes públicos. Não é brincadeira não senhor. Só parece mentira aos que, como nós, nos comovemos com o coração aos pulos quando assistimos à chegada a uma festa dos nossos ministros e secretários de Estado: as sirenes dos batedores da polícia, e a pompa e circunstância que acompanha um palerma de um governante português, em Inglaterra já não se usam nem nas cerimónias de todos os dias onde participa a Rainha. Por cá ainda vivemos no país do faz de conta, como aliás se vive nos países do terceiro mundo onde o negócio do petróleo, dos diamantes, das armas e da droga, faz toda a diferença.

quinta-feira, 27 de maio de 2010

Um novo romance

O mercado editorial português conta desde há cerca de um mês com um novo romance de Francisco Moita Flores. “Mataram o Sidónio” é um romance que nos remete para o início do século XX, o tempo da pneumónica, a época em que se realizava trabalho pioneiro na área da investigação forense; o romance constrói-se à volta da tragédia e dos mistérios que rodearam o assassinato de Sidónio Pais mas Moita Flores aproveita para visitar todos os dramas políticos, sociais e humanos da época e, pelo meio, conta-nos a história de vida de Asdrúbal D’ Aguiar, o médico legista que foi responsável pela autópsia ao corpo de Sidónio Pais ( assassinado na Estação do Rossio em Dezembro de 1918). Moita Flores é um dos nossos melhores escritores na criação de personagens e volta a surpreender com a recriação da figura de Asdrúbal D’ Aguiar.
Com a autoridade que se lhe reconhece no domínio da investigação criminal e das ciências forenses e o conhecimento que adquiriu estudando, trabalhando e ensinando sobre as muitas matérias ligadas a estas áreas, Moita Flores constrói um romance comovente principalmente pela forma como faz emergir na sua escrita os protagonistas que, muitas vezes, parecem convocados de figuras que povoam a vida pública portuguesa destes últimos anos.
Deixo a crítica literária para os especialistas. O que me interessa partilhar com os leitores desta Última Página é o sentimento de que o livro é um belo romance, no seguimento daquilo que o autor já nos habituou noutros livros como é o caso do mais recente “A Fúria das Vinhas” ou de alguns dos mais antigos como “Filhos do Vento” ou “Polícias sem História”. ”Mataram o Sidónio” já vai na segunda edição e tem lançamento público marcado para o próximo dia 1 de Junho. Deixo aqui algumas das muitas passagens do livro que assinalei numa primeira leitura:
“Não tenha dúvidas meu caro. Cada passo que damos nesta sala, cada descoberta na nossa Repartição da Polícia Científica, cada conclusão toxicológica do nosso laboratório, são tiros certos contra o coração da prova judiciária assente na tortura e no testemunho”.
“Odeio a presunção. Não suporto aqueles que têm o dever de saber e não sabem. Aqueles que se acomodam quietos sem olhar para o que os rodeia, ou se olham, não conseguem outra coisa que ficar quietos. Odeio o oportunismo, Asdrúbal ( ... ). Não ouves um único protesto por não respeitarem o dever de saber”.
“Por cada homem sábio que surgir, aparecerão cem ignorantes voluntários para desfazer e usurpar-lhe o lugar a que tem direito por saber. Por estudar, por trabalhar.”
Aquilo não é um governo civil é uma banca de venda de notícias. Já disse isso ao governador civil. Você não tem uma Polícia, tem uma casa de putas onde cada uma quer mostrar aos clientes que é melhor do que a outra.”
“Mas não sei se sou capaz de amar outra vez. A vida ensinou-me que o amor tem a morte dentro de si.”
“Não mereces. És demasiado certinho para tratar com essa corja de aldrabões, ratos da mesma ninhada. Políticos e polícias nasceram da mesma barriga.” 
“Ninguém é feliz no egoísmo. Ninguém ama uma só pessoa, uma só paisagem, uma só árvore. É grande o espaço que sobra para o sofrimento que, mais cedo ou mais tarde, afoga amantes e não amantes.”

quarta-feira, 19 de maio de 2010

Excitações políticas

Não tenho paciência para escrever sobre o que penso do Governo de Sócrates. Mas, falando com os meus botões, sempre me apetece perguntar como é que certa gente que vive em excitação permanente em frente das câmaras de televisão e das máquinas fotográficas, consegue dormir ou fazer amor com o/a parceiro lá de casa quando têm algumas horas livres para sujarem os lençóis do enxoval. Dizem os grandes pensadores que os poetas e romancistas criam mais e melhor a partir da falta. Não tenho a certeza que os nossos políticos, depois de diariamente tanto se excitarem perante as plateias e as câmaras de televisão, consigam ter uma vida afectiva e amorosa que os salve da miséria humana em que se transformaram, dizendo hoje uma coisa e fazendo outra no dia a seguir, a pretexto de que só assim salvam o país e a democracia.  Como…. se nem a reputação de homens públicos conseguem salvar?

A indiferença é o pior dos males de uma sociedade. Por isso não fico indiferente à nota pública do Provedor da Misericórdia de Santarém que, a pretexto dos apelos dos irmãos, vem pedir contas ao vereador Vítor Gaspar da Câmara de Santarém por este ter sugerido em afirmações públicas que a Praça Celestino Graça é “propriedade” da autarquia. Toda a gente sabe que não é. Mas, pelos vistos, o vereador tem as costas largas e toca de malhar em ferro frio. A Câmara de Santarém já fez mais pela praça de toiros em cinco anos que a Mesa fez nos últimos 30. Quem é que tem andado nestes últimos anos a gastar do orçamento para encher a praça durante a época taurina e dar vida àquele espaço que, para muita gente, até há bem pouco tempo, só merecia o camartelo?

A Chamusca inaugurou a sua nova biblioteca. Não fico indiferente à inauguração mas tenho a certeza que com a falta de verbas e a falta de vontade vamos ter uma biblioteca virada para as escolas (nada contra) mas de costas voltadas para a população. É assim com as piscinas municipais. Quem quiser fazer piscina na Chamusca tem que voltar aos tempos de escola. As associações e câmara não se entendem nem têm força de vontade para criarem hábitos que permitam a abertura da piscina em horários compatíveis com quem trabalha. A desculpa é que não há pessoas suficientes para rentabilizar o equipamento nos horários que mais interessam à população. Ora bolas!.

quarta-feira, 12 de maio de 2010

Ganhar sem trabalhar

A Fundação José Relvas continua a pagar vencimentos a funcionários que passam o dia “a olhar para o boneco” enquanto não resolve o diferendo com a Câmara de Alpiarça relativamente a uma candidatura a um projecto. Neste, como noutros casos, Rosa do Céu deixou contratualizado aquilo que ele próprio não sabia se ia gerir; deixou ainda a presidência da câmara dinamitada o suficiente para complicar a vida a quem viesse a seguir, já que outros interesses o esperavam na Entidade Regional de Turismo para onde foi ganhar a vidinha. Está provado, com o endividamento da autarquia, que Rosa do Céu defraudou as expectativas dos eleitores que nele confiaram. Como se não bastasse o “fartar vilanagem” que parece ter sido o seu último mandato, Rosa do Céu está agora a braços com uma mais que evidente incompatibilidade à frente da Entidade Regional de Turismo. Mas aos bons costumes e aos ideais da República Rosa do Céu e o Partido Socialista respondem com silêncio e arrogância. O secretário de Estado do Turismo disse esta semana a O MIRANTE que não conhece o assunto nem nunca ouviu falar. E assim vamos vivendo no reino da Dinamarca. No entanto a tolice triunfante destes governantes faz mossa e quezílias à nossa gente mas, por muito que nos arrelie, que se há-de fazer? Os tolos nunca saberão que são tolos senão no outro mundo, e é neste que todos queremos barafustar e pedir justiça, mais vergonha e decência.

A organização da última expo-criança em Santarém é um bom exemplo de como vivemos no melhor dos mundos. Toda a gente se ri da forma como se faz a gestão do espaço do Cnema mas ainda não há Sociedade Civil, nem haverá nos próximos tempos (pelo andar da carruagem), que assuste os xicos-espertos que vivem à custa do orçamento.
A Câmara de Santarém, segunda maior accionista do Cnema, devia tomar medidas urgentes para sair daquela empresa. Uma vez que a sociedade civil não funciona, compete à Câmara de Santarém dar o exemplo, já que também tem a mão na massa, e é responsável, ainda que indirectamente, pela forma como nos tiram, ao nível do desenvolvimento, o pão da boca como se nos tivessem presos à manjedoura.  Organizar uma expo-criança sem incentivar a presença das crianças só pode ser brincadeira de Carnaval. Cobrar à entrada e depois voltar a cobrar no recinto para assistir a determinados espectáculos nem na Disney em Paris.
Estamos a falar de uma feira para crianças com entradas pagas ao preço de uma refeição, mais caras que um bilhete de cinema ou de teatro. Ainda por cima com a presença de expositores que vão lá para venderem os seus produtos. Repito: a Câmara de Santarém não pode ser conivente com o circo que está montado no Cnema. Ninguém leva a sério uma região que tem um Cnema gerido desta forma. A câmara e todas as instituições de bem ligadas à administração devem uma satisfação à opinião pública pela má gestão daquele espaço que custou muito dinheiro aos cofres do Estado.

quarta-feira, 5 de maio de 2010

Portugal é uma azinhaga

O jornal diário “i”, do Grupo Lena, caiu recentemente que nem uma casa de cimento construída em cima de terra movediça. Ninguém tem dúvidas que o jornal foi uma encomenda para fazer frente no mercado aos jornais que são assumidamente contra-poder. Só que o Grupo, gerido por homens que sabem muito de construção civil e obras públicas e quase nada de comunicação social, entregaram o projecto a um jornalista que, pelo nome e pelo currículo, jamais aceitaria editar um jornal à medida de certos interesses. António Barroca e companhia, quando se meteram nesta aventura, só tinham a experiência de gestão de jornais locais e regionais. E aí, nesse terreno, é o que todos sabemos; compram jornais como quem compra lotes de terreno e depois investem apenas o suficiente para que o título não morra. Uma miséria de negócio e de produto que empobrece as comunidades, que deixa mal o país da Europa em que vivemos, que é de caras uma espécie de investimento encomendado em troca das obras de alcatrão e cimento. E é, ainda, uma heresia se compararmos com o grau da exigência do Grupo Lena a outros níveis. Comprar jornais locais e regionais para que eles não morram e depois fazer deles folhas de couve, geridas por curiosos ou por jornalistas que são obrigados a terem dois empregos, é obra de empresários tacanhos e com vistas curtas. E, pelo que sabemos, não é essa a realidade na administração do Grupo Lena na generalidade dos seus negócios. Nos jornais locais e regionais, e agora no “i”, está provada a incompetência. Resta saber se a administração do Grupo, onde pontifica António Barroca, tem coragem para mudar para o sector da construção civil os trolhas que tem a gerir o sector da comunicação social.

Portugal é uma azinhaga para algumas pessoas que enriqueceram facilmente à custa do Estado. Não vale a pena explicar as razões sem ser com bons exemplos. Este caso do insucesso do “i” e o facto do Grupo Lena dizer à boca cheia que é líder na imprensa regional é um bom exemplo; todos os jornais que o Grupo comprou em Portugal nos últimos anos foram oferecidos a meio mundo antes deles os comprarem. E, depois da compra, quase todos ficaram editorialmente ainda mais pobres do que já eram. A diferença é que passaram a ter quem os sustente. É preciso explicar mais e melhor como é que tudo isto ainda funciona no nosso país que alguns continuam a entender que não passa de uma azinhaga?