quinta-feira, 27 de maio de 2010

Um novo romance

O mercado editorial português conta desde há cerca de um mês com um novo romance de Francisco Moita Flores. “Mataram o Sidónio” é um romance que nos remete para o início do século XX, o tempo da pneumónica, a época em que se realizava trabalho pioneiro na área da investigação forense; o romance constrói-se à volta da tragédia e dos mistérios que rodearam o assassinato de Sidónio Pais mas Moita Flores aproveita para visitar todos os dramas políticos, sociais e humanos da época e, pelo meio, conta-nos a história de vida de Asdrúbal D’ Aguiar, o médico legista que foi responsável pela autópsia ao corpo de Sidónio Pais ( assassinado na Estação do Rossio em Dezembro de 1918). Moita Flores é um dos nossos melhores escritores na criação de personagens e volta a surpreender com a recriação da figura de Asdrúbal D’ Aguiar.
Com a autoridade que se lhe reconhece no domínio da investigação criminal e das ciências forenses e o conhecimento que adquiriu estudando, trabalhando e ensinando sobre as muitas matérias ligadas a estas áreas, Moita Flores constrói um romance comovente principalmente pela forma como faz emergir na sua escrita os protagonistas que, muitas vezes, parecem convocados de figuras que povoam a vida pública portuguesa destes últimos anos.
Deixo a crítica literária para os especialistas. O que me interessa partilhar com os leitores desta Última Página é o sentimento de que o livro é um belo romance, no seguimento daquilo que o autor já nos habituou noutros livros como é o caso do mais recente “A Fúria das Vinhas” ou de alguns dos mais antigos como “Filhos do Vento” ou “Polícias sem História”. ”Mataram o Sidónio” já vai na segunda edição e tem lançamento público marcado para o próximo dia 1 de Junho. Deixo aqui algumas das muitas passagens do livro que assinalei numa primeira leitura:
“Não tenha dúvidas meu caro. Cada passo que damos nesta sala, cada descoberta na nossa Repartição da Polícia Científica, cada conclusão toxicológica do nosso laboratório, são tiros certos contra o coração da prova judiciária assente na tortura e no testemunho”.
“Odeio a presunção. Não suporto aqueles que têm o dever de saber e não sabem. Aqueles que se acomodam quietos sem olhar para o que os rodeia, ou se olham, não conseguem outra coisa que ficar quietos. Odeio o oportunismo, Asdrúbal ( ... ). Não ouves um único protesto por não respeitarem o dever de saber”.
“Por cada homem sábio que surgir, aparecerão cem ignorantes voluntários para desfazer e usurpar-lhe o lugar a que tem direito por saber. Por estudar, por trabalhar.”
Aquilo não é um governo civil é uma banca de venda de notícias. Já disse isso ao governador civil. Você não tem uma Polícia, tem uma casa de putas onde cada uma quer mostrar aos clientes que é melhor do que a outra.”
“Mas não sei se sou capaz de amar outra vez. A vida ensinou-me que o amor tem a morte dentro de si.”
“Não mereces. És demasiado certinho para tratar com essa corja de aldrabões, ratos da mesma ninhada. Políticos e polícias nasceram da mesma barriga.” 
“Ninguém é feliz no egoísmo. Ninguém ama uma só pessoa, uma só paisagem, uma só árvore. É grande o espaço que sobra para o sofrimento que, mais cedo ou mais tarde, afoga amantes e não amantes.”

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