quinta-feira, 30 de abril de 2020

Jornalismo, serviço público e os CTT ao barulho

Os Correios perderam qualidades na distribuição nos últimos anos mas agora com o problema da pandemia o serviço ficou ainda mais prejudicado.

O jornalismo é uma das actividades mais poderosas do mundo mas também uma das mais dispensáveis. Sei isso desde que comecei a escrever neste jornal e assumi o papel de empresário, director e todos os outros que estão associados à criação e fundação de um órgão de comunicação social.

Sempre defendi, mesmo contra ventos e marés, que em tempo de vacas gordas, ou em tempo de pandemia, o jornalismo é sempre serviço público. Se o tempo é de vacas gordas há abuso e corrupção; se a época é de vacas magras há certamente especulação e falta de vergonha. E o jornalismo existe para defender o interesse público e desmascarar os trapaceiros, os que dizem uma coisa em público e outra em privado, os que impunemente abusam do poder político e económico, entre tantos outros exemplos que chocam com os direitos humanos e as leis da República.
Um jornalista tem que estar sempre do lado dos mais desprotegidos. E no seu posto de trabalho não pode depender de alguém que tenha interesse na exploração de negócios, da vida política ou da exploração da ignorância dos mais desfavorecidos. A fundação de jornais, depois do 25 de Abril, esteve quase sempre associada a lutas pelo poder político e económico. Nunca se fará, verdadeiramente, a história do nascimento de um órgão de comunicação social onde um dos fundadores seja um grande empresário ou um político no activo. O exemplo da tentativa de José Sócrates, exprimeiro-ministro, em criar um grupo de comunicação social com empresas amigas, é uma história que deixou rasto mas que no futuro só será contada pela metade. Os tempos são de grande azáfama e já não há espaço para a investigação nem sequer em causa própria.
Uma boa parte dos jornais abandonaram as assinaturas digitais para proporcionarem a leitura, em tempo de pandemia, a todos os cidadãos em situação de confinamento. Enquanto os jornais em papel perdem importância, por que os postos de venda estão fechados e a distribuição porta a porta está dificultada, eis que as empresas entram em contra-ciclo e em vez de aproveitarem a oportunidade oferecem a navegação gratuita nos seus sítios.

O MIRANTE pratica a assinatura mais baixa do mercado dos jornais. Sempre vivemos da publicidade e defendemos que a informação deve ser paga pelos anunciantes ou patrocinadores. Talvez por isso, em tempo de emergência social, sejamos hoje um dos poucos jornais no mercado português que mantém um caderno de classificados e editamos um diário online sem qualquer custo para os leitores.

Os CTT perderam qualidades na distribuição nos últimos anos mas mantinham, apesar de tudo, um serviço mínimo de qualidade na entrega de jornais. Desde que começou o período de pandemia a distribuição tem sofrido muitas falhas. Os CTT já assumiram perante a administração de O MIRANTE que estão a sofrer o mesmo problema de todas as empresas. Vamos esperar, com a compreensão dos assinantes, que este tempo passe depressa e que o serviço da entrega do jornal retome a normalidade. Os CTT são um parceiro importante de O MIRANTE e de toda a imprensa que aposta na assinatura. Esperamos que a sua administração não se confine nos lucros das outras actividades da empresa que nada têm a ver com o serviço público da entrega de correio. JAE.

quinta-feira, 23 de abril de 2020

A memória dos dias e a “Musa Praguejadora” de Ana Miranda

Esta crónica é fruto do entusiasmo na leitura de “Musa Praguejadora”, de Ana Miranda, e regista um tempo em que os rebentos das cepas crescem diariamente ao ritmo da barba dos homens.

Vivemos dias tristes que nem os sonhos das viagens marcadas conseguem dissipar. Mas nem tudo são tristezas; há dias felizes que se vivem a trabalhar e outros que são ainda mais felizes no meio do campo, a cuidar das árvores, que também cuidam de nós, com os ramos cheios de flores, algumas já com frutos do tamanho de bolas de berlinde. Nesta altura do ano as oliveiras já carregam o azeite que há-de chegar aos lagares lá para Novembro. E os rebentos das vinhas das terras da Lezíria crescem todos os dias ao ritmo que cresce a barba dos homens mais jovens deste tempo de pandemia em que vivemos.
Tenho a sorte de ter chegado a uma idade em que o futuro já não me preocupa tanto a nível pessoal. Vivo um dia de cada vez, perdi os medos e as angústias e sinto-me com força e segurança suficientes para continuar a ajudar a construir um mundo melhor, também a pensar no mundo ideal para os meus filhos.
Vivemos tempos tristes mas não de desesperança. Sinto isso todos os dias a trocar mensagens com amigos, e com pessoas muito próximas, que mantêm um espírito de resiliência e de coragem que são comoventes de tanto nos despertarem as boas emoções.
Tenho registado na memória recente a morte de muita gente que me viu nascer, e de outros e outras que me viram crescer como homem e, ao mesmo tempo, como profissional de várias artes, entre elas a de ourives e agora de jornalista. Aprendi todos os meus ofícios trabalhando, ou tarimbando, como é mais uso dizer-se em bom português. E isso é uma marca pessoal de que me orgulho e me obriga a reinventar-me todos os dias sem esquecer que viemos do pó e ao pó voltaremos.

Vivemos tempos tristes mas nunca me sinto triste; nem quando vejo lágrimas no rosto de quem não sabe o que fazer da vida. Tenho dois amigos de longa data a lutarem contra o cancro; sempre que tenho notícias deles percebo melhor o quanto sou um sortudo; fugir do coronavírus e manter distanciamento social, para não adoecer, é uma brincadeira comparado com aquilo que sofrem as pessoas que caminham para os hospitais e não podem falhar as consultas.
Picasso dizia que para se ser jovem é preciso viver muito tempo. Esta crónica é fruto do entusiasmo na leitura de “Musa Praguejadora”, de Ana Miranda, que conta a vida de Gregório de Matos, e de “Picasso, Criador Destruidor”, que foram as minhas melhores companhias nos últimos dias. Ana Miranda biografou a vida de Gregório de Matos (conhecido pelo Boca do Inferno) de tal forma que o livro se lê como um romance de aventuras. Muito do que está escrito nas 555 páginas do livro é a História de Portugal e do Brasil do século XVII e a grande marca do génio de Gregório de Matos que, como todos os génios, acabou por morrer pobre e enjeitado pelos seus contemporâneos depois de uma vida tão atribulada que incluiu uma deportação para Angola.

No dia em que escrevo esta crónica ouvi o presidente do Sindicato dos Médicos dizer que 15% dos infectados com o coranavírus são profissionais de saúde. Falta contabilizar os profissionais dos lares, e das outras unidades de cuidados de saúde espalhadas pelo país, para termos a noção exacta do que é uma profissão de risco, e de quanto vale ficar em casa com o ordenado garantido faça sol ou faça chuva.

O aeroporto de Lisboa, que estava a abarrotar de gente e era território de negócios chorudos para as grandes marcas nacionais e internacionais, está fechado como a loja do meu vizinho Carlos que vende livros em segunda mão num espaço de dez metros quadrados, na rua mais pobre e mal iluminada da minha cidade. Foi lá que vi, e não comprei, um azulejo com estes versos atribuídos a Gregório de Matos: “o honesto é pobre, o ocioso triunfa, o incompetente manda”. JAE.

quinta-feira, 9 de abril de 2020

CAP e Marcelo Rebelo de Sousa lavam mais branco

O presidente da República Portuguesa já nos habituou às conversas caridosas e bem intencionadas. Em tempo de pandemia precisamos de governantes tesos e não de políticos beijoqueiros e lambanceiros.

Andamos todos cheios de pressa a pedir ao Governo de António Costa que tome medidas para apoio à economia e não deixe morrer as empresas e os empregos. E com razão. Os políticos não são de confiança e quem não se fizer ouvir agora bem pode berrar depois que já vai ser tarde demais. E todos sabemos o quanto a Europa tem as tetas grandes para quem sabe mamar. As ajudas em tempo de crise calham sempre aos mesmos. Nesta altura as grandes empresas com centenas de trabalhadores já têm o pessoal por conta do Estado. Tão fácil como ir lavar as mãos ao Tejo.
É difícil governar em tempo de crise? Claro que é; mas será que não merecíamos melhores políticos quase meio século depois do 25 de Abril de 1974?
O Presidente da República interrompeu a quarentena para visitar a Lezíria Grande e dar uma mãozinha à agricultura. Falou pouco e o seu discurso foi paupérrimo como se não soubesse nada de searas e muito menos de tomates, mas falou o suficiente para dizer que já não voltará a sair à rua tão depressa e que vai respeitar o isolamento em tempo de Páscoa. Só a CAP conseguia que um Presidente da República furasse o isolamento social em tempo de pandemia para ir para o meio do campo falar aos portugueses. De verdade não disse nada, só se mostrou, como se fosse um modelo, uma espécie de ave rara, um artista do circo político. Mas a CAP também não quer mais do que aquilo que o Presidente lhes deu. Para eles a luta política também passa por mostrarem aos portugueses que têm sua Excelência o Presidente da República do lado deles. O resto é com a força de trabalho que cada agricultor há-de ter e com a sorte que os há-de ajudar, se quando for tempo de colheita as fábricas estiverem a laborar ou aceitarem pagar o suficiente pela produção de forma a que a colheita valha a pena.

O nosso problema é que não é só a CAP que vive de negócios e de compadrios deste género com o Estado e com os políticos que o governam e representam. As outras associações fazem o mesmo. Por isso é que andamos todos com o credo na boca a tentarmos que o Governo decrete medidas urgentes para mantermos as empresas saudáveis e garantirmos os empregos. Ninguém está com calma para esperar e ver o que isto vai dar. Estamos todos com medo que os nossos governantes, mais uma vez, fujam com o rabo à seringa e os mais fracos é que tenham que ficar com o vírus da fome e da desgraça.

Em Portugal as pequenas e médias empresas representam 99% da actividade comercial e industrial. São os pequenos negócios que ainda fazem de Portugal um país decente. É por isso que nestas alturas é uma tristeza ver o Presidente da República a fazer jeitinhos em tempo de isolamento, com as televisões atrás de si para garantir o tempo de antena, e no outro dia a fingir que está a sensibilizar os bancos para serem meiguinhos nas taxas de juro. Como se a gestão dos bancos, e a gula dos banqueiros, pudesse ser controlada por uma política de boas vontades e de conversas caridosas. Temos aí o exemplo da Caixa Geral de Depósitos que foi até hoje, a par do BES, o maior escândalo financeiro em Portugal; e só Armando Vara é que está preso e, pasme-se, por tráfico de influências em negócios com um empresário do ferro-velho. JAE.

quinta-feira, 2 de abril de 2020

Ganhar leitores à custa do coronavírus

O MIRANTE online teve um milhão de visitantes únicos na semana passada devido às notícias sobre a pandemia. Caso para dizer que somos uma boa companhia para quem fica em casa.

A pandemia do coronavírus ocupa todo o tempo de antena das televisões; e os jornais para lá caminham. Na passada semana O MIRANTE online teve um milhão de visitantes únicos o que quer dizer que tivemos o dobro dos leitores que vivem na região ribatejana que é a nossa área de influência. Em meados da passada semana reforçámos as notícias sobre o tema publicando online todos os despachos da agência Lusa que consideramos importantes para orientação dos leitores. Porque está tudo em causa por causa da pandemia vamos manter o tema nesta coluna. E desta vez não deixo de registar o facto de TODOS os órgãos de comunicação social continuarem a apontar os números dos mortos chineses como se alguém soubesse o que se passa na China, um território com 1.400 milhões de habitantes governado por um Imperador. É incrível a falta de respeito para com os leitores e o branqueamento que fazemos a um regime comunista que só divulga e dá a conhecer o que muito bem entende.
Escrevo esta crónica a uma terça-feira, sentado numa espécie de secretária, ao lado de uma equipa que não desmobilizou nem vai desmobilizar. O correio electrónico mantém a ligação ao mundo e aos leitores; e todos os dias recebemos colaboração, embora muita dela não se ajuste ao nosso estatuto editorial porque segue a linha das redes sociais que é denunciar sem provas e no conforto do anonimato.

Uma semana antes da eclosão do vírus estive em Madrid para visitar a ARCO. Passei uma tarde a tentar perceber do que vivem as galerias de arte, quem estava na montra, e aproveitei para visitar os dois principais museus da cidade. Não paguei entrada porque a profissão dá-me entrada gratuita em qualquer destas feiras ou museus do mundo. Em Lisboa, na edição do ano passado da ARCO, não consegui entrar com a carteira de jornalista nem com o cartão multibanco; tinha que pagar em dinheiro vivo. Recusei-me e preferi ignorar que Lisboa ainda é, em muitas situações, uma rua movimentada de Madrid, e certa gente do mundo das galerias portuguesas fazem lembrar os contrabandistas de outros tempos.

Sigo diariamente um blog de um médico que me ajuda a perceber melhor o mundo em que vivo e a desculpar as pessoas que acham que enfiadas debaixo da cama ficam mais seguras; mas também os mesmos de sempre que acham que o pior só acontece aos outros.

Tenho um velho amigo, com 84 anos, que trato de forma afectiva por EdMar, que acabou de se livrar de um vírus hospitalar e logo de seguida do coranavírus. Está de regresso a casa para voltar a fumar a sua cigarrilha. E eu a sonhar que vou ter, até morrer, um espírito sábio e sereno como o dele.

Muitas autarquias da região anunciaram medidas de apoio às populações que são uma boa razão para confiarmos nos políticos de proximidade que elegemos para o governo das nossas aldeias, vilas e cidades. Ficamos todos à espera que as ajudas já anunciadas, e as que ainda faltam anunciar, incluam um plano de contingência para apoio aos idosos que são a parte mais fraca desta batalha contra o coronavírus. JAE.