quinta-feira, 27 de novembro de 2014

A greve dos enfermeiros e a detenção de Sócrates

Mal por mal antes cadeia que hospital. Esta máxima, que conheço desde que entendo um pouco do mundo em que vivo, sempre me fez confusão. Recorro a ela numa semana em que uma das enfermeiras do Hospital de Santarém pediu a uma colaboradora do jornal para que apelasse junto da redacção para que desse conta da luta que os enfermeiros travam no país e no Hospital de Santarém em particular.
Acho o ex-primeiro-ministro José Sócrates um sujeito politicamente muito cruel. Tenho provas da sua irascibilidade desde o tempo em que era ministro do Ambiente do governo de Guterres. Mas estou longe de gritar, como o deputado do PSD, Duarte Marques, que a detenção de Sócrates é a prova de que ele é corrupto. O deputado abriu o seu facebook com a palavra “Aleluia” no dia a seguir à detenção do ex-primeiro-ministro. Pelo que ouço contar retirou o texto horas depois.
Sou dos que acreditam na Justiça mas não me calarei quando achar que ela é criticável. Quem tem cu tem medo como diz o povo. E eu tenho cu e medo mas não sou cobarde. Sei como qualquer cidadão bem informado que ninguém neste país pára uma conspiração contra inocentes se a ordem é para abater. Ou muito me engano ou o processo Casa Pia foi o último exemplo. O facto de não haver ainda banqueiros responsabilizados pelas falências que todos conhecemos é outro exemplo da falta de capacidade das instituições portuguesas para fazerem justiça a tempo e horas. Ou para combaterem o sistema de que a justiça também faz parte.
Sócrates deve ser o único primeiro-ministro de um país democrático que foi contratado para comentador político de uma televisão do Estado dois anos depois de perder eleições.  Se isto não é falta de humildade do próprio, e falta de vergonha de quem manda na RTP, então eu sou uma personagem de romance.
A greve dos enfermeiros faz mossa na saúde de milhares de doentes internados nos hospitais. Sou contra esta onda de greves que os enfermeiros resolveram incluir nas suas formas de luta. A greve deve ser contra o sistema e nunca contra os doentes. Se a greve é a única forma de luta dos enfermeiros...é certo que um dia destes eles ganham a batalha mas muitos doentes vão perder a guerra.
Mal por mal antes cadeia que hospital? Tenho muitas dúvidas. Na cadeia um homem honesto perde o gosto pela vida em dois dias; num hospital sempre encontramos um bom profissional da saúde que nos salva a vida. JAE

quinta-feira, 20 de novembro de 2014

Um ranger de dentes

Ontem aproveitei um ranger de dentes e no local mais improvável limpei o meu carro de todos os jornais e papéis velhos. Quando fazia o caminho entre o carro e o contentor uma pessoa amiga com quem me cruzei disse-me que tinha um familiar que se visse o que eu tinha acabado de fazer “ia ser um 31. Ele separa o lixo e os jornais jamais vão para o contentor”, acrescentou com uma voz ternurenta.
Há um século, no mesmo local, estava a conversar com o meu amigo Eduardo João Martinho e vi como ele guardou o fósforo depois de ter acendido o cigarro. Percebi a intenção e perguntei-lhe se deitar um fósforo para o chão era assim tão grave. A conversa interessava-me já que naquela altura eu tinha mais fome de conversa que de pão. O episódio é vulgar mas a verdade é que aquele pau de fósforo que já era lixo sempre teve um lugar marcado na minha memória. Agora que já contei o episódio vou esquecê-lo. Mas no seu lugar fica o sorriso bondoso da minha amiga que me apanhou a deitar jornais velhos no contentor do lixo doméstico.

Há 27 anos recebi à porta de casa a primeira edição de O MIRANTE. Uma edição mal impressa, de papel ordinário, com algumas gralhas, ainda por cima em alguns dos anúncios que pagaram essa primeira edição. Foi em família que durante muito tempo dobrávamos e preparávamos os jornais para enviar aos assinantes. 
Nunca vou conseguir explicar o prazer e a alegria de fundar um jornal, escrevê-lo, editá-lo e pô-lo a circular nas caixas de correio. E não é a mim que um dia devem perguntar as razões que levaram 
O MIRANTE a tornar-se um jornal de referência na imprensa regional. As pessoas que fui mobilizando para este projecto, e que ainda fazem parte dele, são mais importantes do que eu na história do jornal. De verdade eu sou, ou era, o garante de que nunca precisaríamos de vender a alma ao diabo para distribuirmos um jornal escrito e editado por jornalistas. Disso me orgulho. O resto é trabalho colectivo; muito ranger de dentes, noites mal dormidas e transpiração. JAE

quinta-feira, 13 de novembro de 2014

Supermercados à beira da estrada

Vila Franca de Xira é notícia nacional pelas piores razões. O assunto merece destaque mas não merece o jornalismo televisivo que se faz em Portugal. As televisões vão para a rua ouvir os cidadãos sobre o surto de Legionella e é ver qual é o canal que consegue os depoimentos mais disparatados e analfabetos. Os jornalistas não fazem o trabalho de forma inocente nem dão voz aos disparates porque lhes apetece. Nas redacções há chefias que assim o impõem; e tudo em nome das audiências que aparentemente se fazem maiores quanto menos esclarecidos e disparatados forem os testemunhos.
As televisões são assim em todo o mundo mas há mundos onde as televisões não têm o monopólio da informação como acontece em Portugal; com a conivência dos políticos.

O MIRANTE tem dado voz, em cima do acontecimento, à intervenção das autoridades que aproveitam as festas para se lançarem na caça à multa. Não gosto de fardas nem de fiscais e acho injusto que se multe por tudo e por nada principalmente quem tem porta aberta e paga impostos. Mas concordo com a actuação ponderada das autoridades para que se castiguem os que trabalham de registadora aberta e os que fogem ao fisco e fazem concorrência desleal. As barracas à beira da estrada que mais parecem supermercados são destes tempos em que uma loja que vende os mesmos produtos tem que ter casa-de-banho e chuveiro e condições que nem um hotel?
No restaurante podemos comer a carne cheia de hormonas, de animais criados com farinha adulterada, mas em casa não podemos matar o porco que criamos a couves e restos de comida? Ou podemos mas tem que ser às escondidas? Um dia destes vamos ser proibidos de criar galinhas e só podemos comer os frangos dos supermercados dos belmiros e companhia?
Tanta pergunta em tempo de Legionella? Espero que me perdoem a falta de confiança na afirmação. JAE

quinta-feira, 6 de novembro de 2014

Enjaulados

Na passada terça-feira fui comemorar o Dia da Imprensa no interior de um barco cruzeiro atracado em Lisboa. Éramos a meia centena de sempre. A diferença em relação há 20 anos é que agora estamos mais velhos e mais pobres; somos figuras secundárias e pouco recomendáveis. Os verdadeiros patrões da Comunicação Social já não cultivam o associativismo; fazem política, são igualmente políticos ou, nalguns casos, compram os políticos. 
A actividade associativa continua mas é só para inglês ver. Na terça-feira lá estive eu outra vez a comemorar o Dia da Imprensa ao lado de algumas pessoas que trabalham em jornais como podiam trabalhar na indústria de aviários.
Tive pena de não ter ficado para o almoço. Deve ter sido agradável. Estavam lá os administradores de jornais que mais perderam leitores e dinheiro nos últimos anos. Entretanto a conversa foi a mesma de sempre. Ouvimos falar sobre o sexo dos anjos porque se falássemos dos nossos assuntos e dos problemas no sector o barco afundava-se e era uma tragédia.

O país que somos está espelhado em dois assuntos que publicamos nesta edição e que contam dois crimes: o de uma cidadã brasileira que está acusada de ter assassinado os dois filhos e o da senhora presidente da Junta de Freguesia de Pernes que foi condenada a três anos de prisão.
A nossa condição de batráquios obriga-nos a ficar em silêncio perante o estado da nossa Justiça. Enjaulados é como estamos nas mãos de alguns políticos, juízes e meia dúzia de ricaços que, sem dó nem piedade, metem-nos o dedo no buraco que temos ao fundo das costas. JAE