quarta-feira, 30 de dezembro de 2015

Há velhos que nos fazem falta

A morte do Senhor Francisco Leonor, o antiquário de Almeirim, é uma perda para mim embora não seja da família nem tenha sido seu grande amigo. Era, no entanto, há mais de 30 anos, uma pessoa próxima com quem treinava regularmente a conquista da confiança. A minha postura humilde e bom ouvinte fizeram com que ao longo dos anos soubesse pequenos segredos que ainda hoje me servem de alimento e me dão prazer gerir.
O feitio e a forma de estar de Vasco Graça Moura é um deles. O escritor e político, que comprou casa em Benfica do Ribatejo, era desde há muitos anos amigo e cliente do senhor Leonor. Como a minha curiosidade sempre foi mais intelectual que material ouvi muitas conversas que me deliciaram e me fizeram perceber o mundo em que certa gente se movimenta.Vasco Graça Moura era um perfeccionista e um Homem que não se deixava apanhar nem por um cabelo.
Não posso falar aqui dos casos de figuras públicas manhosas, tão ou mais negociantes que o próprio Francisco Leonor. Mas registei muitos casos de figuras públicas que parecem o contrário daquilo que realmente são. Alguns episódios dariam grandes histórias e alimentariam a curiosidade popular. Mas falar deles tão cruelmente, e agora pela boca de um morto, não seria a melhor maneira de lhes chegar a roupa ao pêlo. Nem o Senhor Leonor me perdoaria. 
É verdade que não há pessoas insubstituíveis. É verdade que o Senhor Leonor deveria parecer a muita gente um tipo forreta, espertalhão, oportunista, etc, etc, nomes que não faltarão no dicionário para quem gosta de apelidar pessoas de trabalho que fazem o mundo girar ainda que seja o nosso pequeno mundo. Eu próprio fui vítima, algumas vezes, da sua arte de negociar; da sua paixão pela conversa que nem sempre era a que mais me interessava. Só o filho da onça é que já nasce pintado. Com a morte de Francisco Leonor voltei a lembrar-me de algum velhos sábios que me ensinaram a sobreviver, ou seja, a viver à custa do meu trabalho sem nunca contar com o ovo no cu da galinha; Muito do que sei devo-o aos homens dos ofícios. O que ainda tenho para aprender nem eu sei.
JAE

quinta-feira, 17 de dezembro de 2015

Estávamos melhor contra Salazar?

“Estávamos melhor contra Franco”. Esta frase gritada por manifestantes em Espanha chocou Luís Buñuel que assim o registou numa autobiografia intitulada “O meu último suspiro” que já reli algumas vezes. Há três décadas alguns jornais locais e regionais portugueses tinham colunistas que faziam a apologia do antigo regime e escreviam contra os partidos de esquerda e os seus militantes como não escreviam contra as misérias do antigamente. Lembro-me de ficar chocado com a leitura e de me questionar sobre como era possível a revolução de Abril não ter mudado todas as mentalidades.
Hoje a grande maioria desses jornais já não se editam e os que sobrevivem já não têm esses colunistas porque entretanto morreram.
Os casos de corrupção que abalam a sociedade portuguesa, protagonizados por políticos e empresários amigos de políticos, fazem com que me arrependa de alguns juízos de valor que fiz de pessoas de bem que, na altura, apelidei com nomes feios. Mais ainda: a forma como os deputados da Nação continuam a misturar interesses do Estado com interesses profissionais é vergonhosa e tão inadmissível nos tempos de hoje como ver alguém a catequizar o fascismo ou a monarquia.
Um jornalista de O MIRANTE tem provas de que um ex-governante de Santarém usou e abusou do seu emprego público para facturar em nome dos seus interesses empresariais. Curiosamente já vamos no segundo pedido ao tribunal para noticiarmos o caso mas o Tribunal acha que primeiro temos que ir a Fátima a pé.
Estávamos melhor contra Salazar do que contra esta gente que meteu dinheiro do Estado no Banif, deixou que o país perdesse milhões com a falência de outros bancos e vai estudar para Paris porque lá o filé mignon é de maior qualidade? Eu acho que não. Vou morrer confiando na democracia que nasceu com o 25 de Abril sem querer saber dos patos bravos que enriqueceram à custa do Estado e à sombra dos emblemas partidários. JAE

quinta-feira, 10 de dezembro de 2015

O Nelson Carvalho, o Mário Calado e os empresários

Estou habituado a ouvir muitas queixinhas de gente que nem sempre é pobre de espírito; faço a gestão conforme posso. Apesar do espírito de Natal arrisco duas questões nesta coluna que certamente vão agradar aos anjos e ofender os criadores  (tudo com letra pequena para que os santos não se zanguem comigo). 
Há um fervor em Abrantes por causa de uma auditoria que Nelson Carvalho mandou fazer no CRIA assim que tomou posse como presidente, numa clara afronta a Humberto Lopes, o dirigente associativo que ele foi substituir. A verdade é que já nos mandaram recados mas, depois, quando vamos para agarrar na história dizem que somos terroristas e queremos é fazer sangue. É certo que vamos contar a história. Quando toca a interesses de gente que se julga muito importante não conheço outro jornal que seja capaz de pegar os bois pelos cornos.
O actual presidente da Junta de Vila Franca de Xira, Mário Calado, é um dos melhores amigos de O MIRANTE. Na última assembleia municipal resolveu usar da palavra e, de jornal na mão, criticou o trabalho do jornalista que acompanha as sessões fazendo dele o mau da fita. Pelo meio deixou os recados habituais para a administração do jornal que são os mesmos de sempre: quando as notícias não agradam a culpa é do mensageiro. 
O MIRANTE agradece ao senhor Mário Calado e, entretanto, mudando de agulha, prometemos que não voltamos a fazer-lhe perguntas sobre a rádio Ateneu.
O Galardão Empresa do Ano que O MIRANTE organiza em conjunto com a NERSANT vai ter lugar esta quinta-feira em Benavente. Fica aqui a lembrança porque a iniciativa marca o calendário das iniciativas da região e continua a ser a melhor forma de valorizar os empresários e as empresas da região onde também trabalhamos e fazemos serviço público. Os empresários, principalmente os pequenos e médios empresários, continuam a ser a salvação do país. São eles que pagam impostos e dão emprego.
JAE

quinta-feira, 3 de dezembro de 2015

Deus vive na Net

Até ao Ano Novo vai ser difícil escrever crónicas. Começa a época das azevias, do Bolo-Rei e dos velhozes. De dia trabalha-se muito e à noite, quando chega a hora do serão, o que menos apetece é escrever crónicas sobre o dia de trabalho. Aliás, com Costa ou sem Costa, o país vai devagarinho recuperando o velho atraso em relação à Europa Ocidental. Dou um exemplo:
Há bem pouco tempo demorei uma eternidade a preencher papéis e a fazer reconhecimentos notariais para depois me dirigir a um serviço público e fazer a transferência de propriedade de um carro. Tinha o problema quase resolvido quando o funcionário reparou que a um canto do formulário alguém tinha usado corrector para desfazer um erro. Foi o bastante para me mandar dar uma volta e repetir todos os caminhos e despesas que já tinha feito. Como já sou burro velho deixei passar dois dias e lá veio o momento de inspiração. Entreguei o trabalho a um advogado que pela internet resolveu o problema em dois dias sem que eu precisasse de voltar a fazer a via sacra nomeadamente recolhendo novas assinaturas.
Deus vive na internet e é amigo de todos os pobres diabos como eu que têm que lutar pela vida e acham que um cêntimo ainda é dinheiro. Não sei quanto vou pagar ao advogado mas pelo menos livrei-me de chamar nomes feios a um funcionário público. Não é coisa pouca para quem anda todo o dia no fanico e não joga nem pede milagres. É evidente que também vou aproveitar o tempo de Natal para me santificar, como todos os pobres diabos e, quem sabe, ainda aproveito a fama do Padre Borga e começo a ir à missa à Chamusca onde o padre cantor enche a igreja matriz. 
Ainda a propósito da internet: França é o país estrangeiro onde os leitores online de O MIRANTE mais procuram as nossas notícias. A seguir vem a Inglaterra; depois o Brasil e a Alemanha.
O MIRANTE vai ter um novo sítio em breve. Já ultrapassamos o prazo de validade do sítio actual mas a política que mantemos de dar informação sem pagamento de assinatura limita o investimento na plataforma online. O MIRANTE tem mensalmente mais de meio milhão de visitantes únicos. E vamos vivendo apenas do investimento publicitário como aliás é política também ao nível da edição em papel. JAE

quinta-feira, 26 de novembro de 2015

Trocar o Tejo pelo Sena

Estive em Paris nos dias a seguir ao actual estado de guerra e cumpri a minha agenda com um ligeiro desvio da Rua Taillandiers onde o Fernando Graça tem um bar que, segundo me contou na altura da inauguração, está decorado com postais antigos de Lisboa.
Por enquanto não troco a minha aldeia por qualquer outra aldeia do mundo. Não troco o Tejo pelo Sena nem morto. Viajei atrás de duas exposições das muitas que se realizam pelo mundo e que nunca chegam a Lisboa, a Santarém ou a Tomar, só para falar de três cidades que fazem parte da minha vida. Uma delas tem por título “Esplendores e Misérias - Imagens da Prostituição de 1859 a 1910” e permitiu-me ver filmes pornográficos no Musée d’Orsay, porventura um dos melhores museus do mundo, ao lado de respeitados senhores e senhoras de todas as idades e nacionalidades, que aceitavam um pequeno desvio das salas onde se exibem pinturas centenárias de Edgar Degas, Edvard Munch, Henri de Toulouse-Lautrec, entre muitos outros autores da época. O desvio é para dentro de uma sala com cortinados vermelhos onde o cinema pornográfico da altura é exibido como obra de arte. São pequenos filmes de autores anónimos que coincidem com o início da era do cinema e que demonstram bem o quanto teria sido importante para nós, cidadãos com o mundo do lado de lá de um computador, que já houvesse cinema no tempo de Sodoma e Gomorra.
Quatro dias de Paris chegam e sobram para ficar com saudades de Lisboa ou da Chamusca, da mota, do cinema à porta de casa, dos livros à mão de semear, dos caminhos da lezíria e da charneca ribatejana.
Esta crónica foi escrita no aeroporto de Orly, enquanto lia o El País, edição de sábado, e tomava outras notas. Ainda não tinha saído da cidade e já viajava para a Feira do Livro de Guadalajara, no México, com os 12 escritores ingleses recomendados por Alberto Manguel; e lia sobre a correspondência de Gabriel Garcia Marquez com Gonzalo Rojas, um poeta chileno que conheci na sua casa, no Chile, e que um dia tenho que ajudar a traduzir para português; e ainda em Paris, lendo o Babelia, continuo a tomar boa nota da situação de guerra que ainda se vive na cidade de Balzac e Zola mas ligado ao mundo pelas palavras de Ian McEwan que em entrevista tenta explicar “o mistério” de haver tanta gente de boas famílias da Europa ligada às causas terroristas que chegam da Arábia. O título da entrevista diz tudo: “Lá utopia es una de las nociones más destrutivas”. JAE

quinta-feira, 19 de novembro de 2015

A Justiça em Tribunal e a defesa de Sousa Gomes

O Tribunal de Almeirim reteve durante cerca de sete anos um processo contra o presidente da câmara municipal, Joaquim Sousa Gomes, que deixou o cargo em 2013. O autarca tem estado a ser julgado em audiências que terminaram esta semana e defendeu-se da acusação do Ministério Público dizendo que sempre quis fazer o bem para a sua terra e para as suas gentes e que não retirou qualquer benefício pessoal do cargo de presidente da câmara como, aliás, é público e notório para quem conhece o autarca, a sua família, e o acompanha no seu dia a dia...
Debilitado fisicamente e psicologicamente, devido a doença, Joaquim Sousa Gomes está a ser alvo de uma injustiça que deveria fazer sentar em tribunal os governantes portugueses que fazem da Justiça um pau de dois bicos. Sousa Gomes está a sentir na pele e na sua própria vida o problema que ajudou a criar levando um tribunal para Almeirim. Se o ex-autarca tivesse sido julgado em tempo justo outro galo cantaria em sua defesa. Nesta altura os juízes do Tribunal de Santarém querem julgar um processo mas o que estão a fazer verdadeiramente é a matar um arguido. A falta de saúde de Sousa Gomes, e o vexame que já manifestou estar a sentir, matam como qualquer cidadão honrado sabe muito bem. Era o Estado Português e os responsáveis pela falta de Justiça nos tribunais portugueses que deveriam estar a ser julgados neste momento e não o autarca reformado com direito a viver em paz os últimos anos de vida.
JAE

Comentário à noticia: http://semanal.omirante.pt/index.asp?idEdicao=731&id=113157&idSeccao=13286&Action=noticia#.Vk2yCHbhBhE

quinta-feira, 22 de outubro de 2015

O exemplo da NERSANT

A semana iniciou-se na região do Médio Tejo com um Encontro Internacional de Negócios promovido pela NERSANT. Fui ver a sessão de abertura e a azáfama dos empresários que meia hora depois já enchiam a sala que a organização preparou para as apresentações e eventuais negócios. É com estas iniciativas que se faz uma região forte. Não vi autarcas, nem responsáveis pelos Politécnicos, nem sei de agentes ligados às associações de desenvolvimento local que se tenham interessado até agora pela iniciativa. Há muitos anos que a NERSANT é um exemplo de associativismo empresarial com provas dadas. Não faz sentido ver algumas instituições a remarem contra a maré ou lutando contra moinhos de vento só porque os Governos ainda apoiam políticas à Dom Quixote.

O PCP não diz uma palavra sobre o jovem activista luso-angolano que está em greve de fome contra os mais elementares direitos num país democrático. José Eduardo dos Santos é Presidente da República há 36 anos de um país que tem a maior taxa de mortalidade infantil do mundo: uma em cada seis crianças morre antes dos seis anos de idade. E este é só um pequeno pormenor do país governado por amigos políticos de Jerónimo de Sousa e companhia. Por mim podem continuar a apregoar o comunismo que eu vou ali inscrever-me na Amnistia Internacional para não me ficar pelas palavras.

Das 64 páginas de O MIRANTE da edição da passada semana mais de metade eram de publicidade. Fui dos que ajudei a repaginar o jornal para que entrasse toda a publicidade de última hora. Na semana passada não vi outro jornal de dimensão nacional ou regional com o volume de publicidade que nós publicamos. Era uma edição normal; o trabalho das nossas equipas é que é sempre anormal; e de vez em quando temos destas boas surpresas. JAE

quinta-feira, 15 de outubro de 2015

Os actores e a vida real

O teatro promovido pelo Carlos Carvalheiro, encenador do Fatias de Cá, tem uma particularidade que é única e merece ser destacada. O encenador não se limita ao trabalho com os actores e à montagem do espectáculo; preocupa-se com o bem-estar dos espectadores e tenta que cada um deles viva uma experiência diferente cada vez que assiste a um dos espectáculos do Fatias de Cá. Nem sempre resulta porque há actores mais envergonhados e há espectadores ainda mais tímidos que fazem questão de fugir às regras estabelecidas, ou seja, há actores que fogem do chá final para poderem confraternizar com os espectadores e há espectadores que demoram a libertar-se dos pruridos quando chega a hora do convívio à mesa a meio do espectáculo. Mas o esforço não é inglório, na minha simples opinião, e deve continuar a marcar a diferença, embora possa roubar espectadores por causa dos preços proibitivos.
Na estreia de Lear, e no final do espectáculo, os actores estavam cansados e percebeu-se perfeitamente que só ficaram para conviver aqueles que assumem a direcção do grupo e fazem questão de dar a cara para que a imagem da organização não fique em causa. Falamos de um pormenor mas que faz toda a diferença. O MIRANTE chegou ao Palácio Marquês da Fronteira por voltas das 16h30 e todos os actores já estavam dentro das instalações. Cinco horas depois os actores estavam a despir a roupa do faz de conta a a vestir a ganga da vida real. E muitos deles gostam de representar e de receber elogios mas a vida em casa espera e é muitas vezes tão cruel como a vida dos reis infelizes e dos seus familiares.
Vítor Hugo é um bom exemplo do que acabamos de concluir. O actor amador da Chamusca tem quase 80 anos de vida, embora a representar tenha a energia de um jovem de 20, na vida real as coisas nem sempre são o que parecem. E para lhe roubarmos um abraço na despedida foi preciso vir ao seu encontro à entrada do Palácio já que a sua grande preocupação, assim que acabou a cena, foi regressar a correr à Chamusca para junto da mulher da sua vida. JAE

Comentário à noticia: http://semanal.omirante.pt/index.asp?idEdicao=726&id=112386&idSeccao=13176&Action=noticia#.Vh97city3uM

O Victor Hugo do teatro

No Palácio Marquês da Fronteira, em São Domingos de Benfica, Lisboa, voltei ao teatro que não o da Politécnica, o Maria Matos, o São Luís ou o Recreios da Amadora, só para citar algumas salas que costumo frequentar. O teatro interessa-me mais pelos actores do que pelas peças. Vou ao teatro para ver representar os meus actores preferidos e observar o trabalho dos meus encenadores de eleição.
A recente visita ao Palácio Marquês da Fronteira (ler página 23 desta edição) tinha como objectivo ver em cena Victor Hugo, Alexandra Carvalho e Humberto Machado, que já conheço de outras representações, para além do trabalho de Carlos Carvalheiro de quem vou ouvindo elogios e que conseguiu por de pé um projecto fora de Lisboa com actores amadores de fora de Lisboa de que haverá muitos poucos exemplos em Portugal.
Cheguei quase uma hora mais cedo ao Palácio para me encontrar com o Victor Hugo que deixou crescer a barba, farta e branca para melhor representar o Rei Lear. E valeu a pena, tanto a hora de conversa como as duas horas de teatro e passeio pelo palácio. De verdade cheguei ao Palácio/residência de José de Mascarenhas eram cerca de 16h00 e só retornei ao Largo da Estefânia, onde tenho um esconderijo, já passava das 21h00.
Ouvi, no meio de tanta conversa, a pergunta habitual sobre se estava a ver o teatro como jornalista ou como simples espectador; mas ouvi acima de tudo o Victor Hugo falar de si e da sua santa terrinha, que também é a minha, com o desencanto que comungo mas ao qual não dou qualquer importância. Foi uma conversa para matar o tempo, beber vinho branco, comer um rissol e fumar dois cigarros; mas deu para perceber o que vai na alma de um homem a caminho dos oitenta anos que ainda faz teatro com uma atitude e uma energia que nos espanta.
Na nossa conversa sobre sentimentos, bairrismos, colectividades e cidadania deu para perceber que vivemos em mundos diferentes e que a minha opinião não coincide com a dele nem o meu espírito está possuído do mesmo Deus que nos alimenta a alma. Mesmo assim, no reencontro depois da representação, quando lhe dei os parabéns pelo papel que tinha acabado de desempenhar, a sua reacção surgiu em forma de pergunta: “não deixei mal a Chamusca pois não; achas que representei bem a nossa terra?” JAE

quinta-feira, 8 de outubro de 2015

A emoção depois da noite eleitoral

Confiando que ainda tenho leitores exigentes não arrisco escrever uma crónica, depois de eleições, sem que o tema seja a emoção que ficou da noite eleitoral. Confesso que nunca vivi de forma tão desinteressada umas eleições legislativas. Mas o problema é meu que estou a ficar desencantado. Um dia isto passa e espero que seja depressa. Na nossa região os principais candidatos das listas dos dois principais partidos são gente sem alma e sem história. O PS tem como principal figura distrital um advogado que acabou de ser condenado em tribunal, em primeira instância, num processo com contornos muito estranhos; e não foi por acaso que o PS teve nestas eleições, no concelho de Ourém, a mais fraca votação de sempre em eleições legislativas. Idália Serrão é uma funcionária da política e não se lhe conhece qualquer profissão se um dia lhe tirarem o “tacho”. O PSD tem na figura de Nuno Serra o mais ‘Pepsodent’ dos sorrisos e a mais calada das bocas. O camarada Duarte Marques, que é o líder distrital de verdade mas aparece como segundo, está tão empenhado na discussão dos problemas na região como eu estou interessado em escrever sobre Pangarés. No seu concelho (Mação) o PSD perdeu 32% dos votos em relação a 2011. Dá para perceber o ego destes jovens republicanos?
Vi nas televisões as mais fracas e tendenciosas reportagens. Os jornalistas fizeram de Ricardo Salgado, Armando Vara e José Sócrates figuras de primeira linha sem lhes colocarem uma única pergunta de interesse. Salgado saiu pela primeira vez à rua desde que está em prisão domiciliária. Ninguém lhe perguntou se tem visto as manifestações dos lesados do BES. Limitaram-se a filmar e às perguntas de quem faz jornalismo com muito respeitinho. Uma vergonha num país onde o Estado controla o jornalismo no audiovisual como se vivêssemos na Coreia do Norte.
António Costa perdeu as eleições mas não perdeu. Aconteceu o que é normal no PS. Vão contar-se espingardas nos próximos anos e o PS em vez de ser oposição vai afundar-se nas habituais lutas internas. Jerónimo de Sousa ainda vai levar a CDU aos números insignificantes do PDR. Entretanto vai cantando vitória aliado aos companheiros de Os Verdes que personificam a maior aldrabice em coligações eleitorais. A Coligação PSD/CDS que ganhou as eleições perdeu 800 mil votos em relação a 2011. Alguém tem dúvidas que se o PS tivesse uma direcção forte e propostas mais ousadas ganhava as eleições? Daqui a quatro anos quero o voto electrónico; uma nova Constituição da República; a reforma do Estado e deputados eleitos por círculos uninominais de forma a sabermos quem nos representa na Assembleia da República e a quem podemos pedir contas ao longo de quatro anos. JAE

quinta-feira, 24 de setembro de 2015

O Armando Alves, a Maria Viana e os “fraca roupas”

Voltei à cidade do Porto e à livraria de sempre. Quando entrei na loja, na manhã da última sexta-feira, reparei num homem alto e robusto de olhos pregados nas estantes da vasta colecção de livros de poesia. Mais de meia hora depois ainda lá estava observando, espreitando, remexendo. Reconheci-me nele. Às vezes também fico tempos infinitos a revisitar as lombadas dos livros à procura de um que, eventualmente, me tenha escapado e mereça fazer parte da minha vida. O facto de estar na livraria do editor e amigo José da Cruz Santos levou-me, cerca de uma hora depois, à conversa com o homem gigante e de sorriso aberto que tinha observado na primeira meia hora. Afinal era o Armando Alves, um dos mais conceituados artistas plásticos portugueses com uma vasta  e importante Obra, em parte ligada a três editoras: Inova (1968); Limiar (1975) e Oiro do Dia (1980). 
José da Cruz Santos ia falando comigo nos intervalos dos telefonemas e do atendimento do lado de fora do balcão. Sempre pedindo permissão para interromper a conversa. “Desculpe”; “Dá-me licença”. Foi assim até à última partilha e enquanto me foi apresentando ao Armando Alves que, entretanto, me convidou para visitar a sua casa e conhecer melhor a sua Obra.
Era meio-dia quando saí da livraria. Duas horas depois estava na Zona Industrial de Condeixa a comer um prego e a beber uma cerveja depois de uma visita à senhora da asneira. Ainda o sol cantava bem alto e já apanhava abrunhos e ameixas junto ao rio Tejo na Chamusca. Cerca das nove e meia da noite estava em Cascais, no espaço da Maria Viana, para a ouvir em mais um concerto, acompanhada pelo Nanã Sousa Dias. Muito curiosa a forma como ela me recebeu, já depois de ter falado ao João Almeida, da Antena 2, que transmitia o concerto em directo. “Há tanto tempo que não apareces”, como se eu fosse íntimo. De verdade ela é a cantora de serviço, a dona do espaço, a porteira e a principal empregada de mesa. Até enquanto cantava, de olhos fechados, uma canção de Ella Fitzgerald,  Maria Viana tomava conta do negócio. E como ela é magistral a cantar e interpretar!!!!
Eram 11h30 quando saí à rua para dar de caras com o José Carlos de Vasconcelos que andava por ali a passear três livros debaixo do braço. Conversamos sobre livros, jornais e jornalistas durante meia hora até cada um ir à sua vida. O mais curioso da história deste dia de sexta-feira é o que fica por contar. Nas três horas de viagem entre Porto e Lisboa escrevi, de memória, uma crónica sobre o “fraca roupa” do vice-presidente da Câmara de Vila Franca de Xira, Fernando Paulo Ferreira, que ainda não teve coragem de falar a O MIRANTE sobre os erros cometidos no Orçamento Participativo levando muitos dos seus eleitores à indignação. O outro “fraca roupa” que me atazanou o pensamento é presidente da junta de freguesia da cidade. Chama-se Mário Calado e surpreendeu-me pela negativa ao comprar espaço publicitário em cartazes gigantes dentro da cidade para fazer propaganda à sua Obra como político. Em vez de limpar a cidade dos cartazes que fazem do concelho de Vila Franca de Xira um concelho do terceiro mundo ainda contribui para a poluição. Este é um assunto que me interessa por isso numa próxima voltarei à “vaca fria”. JAE

quinta-feira, 17 de setembro de 2015

Os sírios, os moçambicanos e os ribatejanos

Há cerca de dez anos fiz uma viagem a Moçambique para visitar a cidade de Nampula. Dormi uma noite no melhor hotel da cidade que tinha lençóis da cor do carvão, um velho e ferrugento regador como chuveiro instalado num cubículo onde mal cabia um homem. Era ainda um hotel que passava factura mas sem número de contribuinte. Em oito dias comi mais lagosta que em toda a minha vida. Tive uma boa recompensa: sofri uma diarreia que se manifestou em início de viagem numa carrinha 4X4, em estrada de mato, numa distância de mais de 300 quilómetros. Posso dizer, com certeza, que foram as 24 horas mais difíceis da minha vida de viajante.
No último dia da nossa estadia em Nampula fomos almoçar à mata, no meio de uma pequena aldeia, e comemos da panela dos nativos. Éramos cerca de uma dúzia de pessoas e do que me lembro ninguém ficou chocado com a triste realidade que ainda hoje me azeda o espírito. Duas mulheres jovens passeavam entre nós com dois filhos presos à cintura com mais moscas no rosto que abelhas à volta de um cortiço. Das duas ou três vezes que fiz das mãos abanos as moscas nem abriram as asas. Estavam literalmente em cima de rostos quase cadáveres e em vez de moscas pareciam carraças. Não guardei as feições das crianças mas guardei as imagens do sono profundo em que pareciam mergulhadas como se o colo das mães fosse o lugar mais seguro do mundo. De verdade era apenas uma cintura onde as passeavam, já insensíveis à dor e à proximidade da morte.
Lembrei-me deste triste episódio quando alguém muito recentemente sugeriu que perguntássemos aos presidentes das nossas freguesias rurais como é que eles se estão a preparar para o acolhimento de refugiados da Síria. “Era interessante saber como é que o presidente da Junta da Azinhaga, da Moçarria, de Envendos ou do Chouto, lugares onde até as moscas têm melhor vida que as cigarras, se preparam para a ajuda humanitária.” 
A minha convicção é que não se preparam nem têm como se preparar. Alguns até são responsáveis por centros de apoio a crianças e a velhos mas nenhum tem orçamento ou instalações para acolher refugiados. E não vale a pena dourar a pílula; se os refugiados sírios precisarem dos ribatejanos para se livrarem da miséria e da guerra vão ter que aprender rápido a cavar terra para batatas. 
Não sou retornado mas vivi na época o drama de alguns retornados das antigas colónias. De boa vontade e de coração aberto não me importaria de ajudar a acolher crianças moçambicanas, ou sírias, que morrem de fome e de doenças de que já ninguém se lembra em Portugal. JAE

quinta-feira, 3 de setembro de 2015

As cebolas de Rio Maior

A inauguração da Feira Nacional da Cebola que acompanhei um pouco à distância da comitiva oficial, de forma propositada, originou que acabasse a visita sem cumprimentar a maioria dos convidados. A comitiva era pequena mas os corredores por onde circulamos afastaram-me com facilidade e sem perder de vista os principais convidados do executivo de Rio Maior.
A presença discreta, que fiz questão de manter enquanto durou a maior parte da visita, deu para perceber que a maioria dos políticos, em maior número nesta cerimónia, só se aproximam para confraternizar e eventualmente cumprimentar aqueles que os procuram na cabeça do pelotão. Vão todos de fato e gravata, a cabeça entre os ombros, e quando não estão sozinhos a olhar para o chão ou para o membro do Governo convidado, procuram um camarada de partido a quem podem sempre roubar uma conversa ou apoiar as mãos nos ombros.
O facto de caminhar na cauda do pelotão permitiu-me ouvir algumas conversas de deputados e candidatos a deputados nas próximas eleições a espalharem charme junto de alguns expositores. Uma delas, a doutora Idália Serrão, uma das cebolas da política, estava tão embevecida na conversa com três expositores que a julguei a mais feliz dos mortais. No momento de passar por ela, e já depois de ter observado os cumprimentos e a aparente familiaridade, ouvi a apresentação formal. “Sou deputada da Assembleia da República. Estou aqui como convidada”. Nem queria acreditar que a doutora deputada tinha arriscado meter-se com três produtores de cebola de mãos calejadas e aparência simples contrastando com o seu habitual porte altivo e a sua figura muito conhecida da televisão como emplastro atrás dos lideres do PS, ao jeito de um homem do norte que é mais conhecido que o Pinto da Costa. Vi ainda alguns políticos aos pares a tirarem ‘selfies’ e a fotografarem a cerimónia com o telemóvel, provavelmente, para alimentarem a sua página do facebook.
Puxei por este texto para contar finalmente, e para rematar, que o convidado que mais me despertou a atenção foi o filho de Silvino Sequeira, antigo presidente da Câmara de Rio Maior, pai de um igualmente ilustre político da terra, João Sequeira, que é pessoa de confiança de António Costa e que já tem lugar garantido na Assembleia da República na próxima legislatura.  É um dos mais jovens e promissores políticos da região. Para além de ser figura de relevo no Largo do Rato, onde é cumprimentado por senhor doutor por todos os funcionários do PS, é adorado em Rio Maior pelas pessoas mais velhas que o viram nascer e crescer e acham que, por ser filho de Silvino Sequeira, ainda vai alcançar um lugar honroso num qualquer governo do PS. Que se saiba, em toda a sua vida, nunca fez mais nada que política e jogos políticos. Tem um curso universitário, goza da boa fama de ser bom filho, usa roupa e óculos de marca e, segundo se diz, é tão vaidoso e convencido que um dia que chegue à idade do pai vai apagá-lo da História sem ele próprio dar por isso
Como toda a gente sabe a Feira da Cebola de Rio Maior deve o seu êxito aos produtores que vêm das Caldas da Rainha e arredores. Quem sabe os riomaiorenses não tenham em João Sequeira um mágico que transforme as salinas em campos de boa terra para plantar cebolas. Na política, e com esta notável geração de políticos, tudo é possível para bem das terras do interior. JAE

quinta-feira, 20 de agosto de 2015

Deus descalço e em tronco nu

Mas que lindo mês de Agosto. O Entroncamento é a terra do homem fenómeno José Canelo, campeão do mundo de atletismo em maiores de 90 anos. Mas é em Coruche que duas ribeiras em território do Couço (a ribeira de Sor e a ribeira de Raia) dão corpo e vida ao Rio Sorraia que na segunda-feira, feriado municipal, recebeu um barco para visitas guiadas à vila. Quem não acredita que veja o vídeo de O MIRANTE TV publicado no sítio diário. É curioso como um rio que nasce de duas ribeiras, aqui à nossa porta, tem tanta influência na vida de uma terra e representa um investimento sempre em actualização. Há muitos outros que têm o Tejo ao fim da rua onde moram e, ou fazem dele retrete, ou ancoradouro para barcos, quando não é o caso de o ignorarem simplesmente para proveito das indústrias que de vez em quando pintam a sua água da cor do petróleo. E não falamos mais, por agora, de açudes que servem como armadilhas para os peixes, obra de políticos que ainda hoje são considerados como se tivessem sido autarcas modelo, quando não passaram de simples fanfarrões na utilização dos dinheiros públicos em tempos de vacas gordas.
Mas que lindo mês de Agosto. Luís Ferreira, o homem de Cem Soldos que põe de pé o Festival Bons Sons, merece que o apontemos como exemplo. Ao contrário do que é habitual em iniciativas culturais o Bons Sons não vive do favor dos políticos nem do dinheiro do orçamento público. Tem patrocinadores e paga-se com o dinheiro das entradas. Os políticos festeiros da nossa região deviam seguir o exemplo.
Em Dornes, ou na praia fluvial da aldeia do Mato ou em Constância, na confluência do Zêzere com o Tejo, a natureza é espectacular e é um privilégio viver nesta região do Ribatejo. No entanto estamos entregues a meia dúzia de políticos fraquinhos como decisores que vivem em “tocas e gaiolas” e só sabem promover-se a eles próprios. Dou o exemplo do Dr. Pombeiro que, enquanto presidente da Câmara da Barquinha, o melhor que fez foi dar o nome ao cais principal da vila, e agora é secretário executivo da Comunidade Intermunicipal do Médio Tejo, um cargo que, para nossa maior desgraça, lhe dá ainda mais importância que o de presidente da Câmara da Barquinha.
Mas que lindo mês de Agosto. O rio Sorraia, que nasce de duas ribeiras em território do Couço, faz milagres em Coruche. No site “Viver o Tejo” da NERSANT há muito mais informação sobre lugares da nossa região onde Deus ainda anda descalço e em tronco nu.

Mas que lindo mês de Agosto era o princípio de uma frase chorada sobre o que é viver num país em que toda a gente se lamenta com falta de dinheiro e de trabalho mas assim que a pulga aperta vai a banhos para o Algarve e para a linha do Estoril. Mas também era sobre os campos do Ribatejo, onde nesta altura já se faz a vindima, ainda se apanha o tomate e o milho é o rei da paisagem. JAE

quinta-feira, 13 de agosto de 2015

“Poesia-me”

"Poesia-me”. A palavra está escrita num mural algures numa cidade que já esqueci o nome. Ainda hoje me sirvo dela. “Não estamos aqui para viver vidas úteis....mas belas”. Esta frase foi roubada de um livro e está escrita na minha testa para a ler quando me vejo ao espelho. Regra geral estou “aqui” quase sempre a fazer o contrário daquilo que os mestres ensinam; “O livro é um mudo que fala; um surdo que responde; um cego que guia; um morto que vive”. Palavras do Padre António Vieira que é autor do Sermão a Santa Iria de Santarém “na opinião do mundo, uma das virgens loucas que por isso excedeu singular e unicamente a todas as virgens prudentes”. A Obra está a ser reeditada mas o Sermão está na internet disponível para todos os que gostam de ler o mais sábio de todos os padres portugueses que foi condenado em 1667 pela Inquisição e privado de pregar em público, além de ser obrigado a passar cinco anos em degredo, em Roma. Um doloroso castigo pois os sermões transformaram Vieira, citando Fernando Pessoa, no “imperador da língua portuguesa”. A punição deu origem a uma amizade epistolar com Cristina Vasa, ex-rainha da Suécia, que foi morar em Roma depois de abdicar do trono. As cartas, muito eróticas, foram recentemente publicadas em livro, no Brasil, e são uma inspiração para qualquer cristão que se preze, vista batina ou calças de ganga.
O relatório diário da Mariana em Agosto é uma desilusão. Gosto de chegar ao fim do dia e ler os recados dos leitores zangados com a má distribuição do jornal, o recado do leitor azedo com a notícia que saiu incompleta, o telefonema anónimo a denunciar algo errado, as ordens dos leitores que muitas vezes entendem, e bem, que nós somos fraca-roupa e que, muitas vezes, ficamos nas covas. Em Agosto pára tudo. Até os telefonemas dos leitores a protestarem ou a sugerirem notícias. Vivemos num país que, como no tempo das vacas gordas, vai de férias em Agosto. Apesar de ter caído o Carmo e a Trindade com a prisão de José Sócrates e Ricardo Salgado, e de Mário Soares, o Papa da nossa democracia, ser visita assídua dos dois, Portugal vai de férias em Agosto e não discute o preço do hotel nem da diária. O Padre António Vieira gostaria certamente de alterar alguns dos seus sermões caso fosse Santo ao ponto de nos fazer uma visita a cada século. JAE

quinta-feira, 6 de agosto de 2015

Os amigos e os horizontes largos

Uma empresa local ou regional, como é o caso da empresa editora de O MIRANTE, precisa de uma gestão global. Por isso há muitos anos que viajo pelo mundo sempre com um pretexto para visitar uma gráfica, uma feira do livro, um congresso de editores, uma redacção de um jornal ou de uma televisão, muitas vezes só para participar em congressos.
Algumas vezes os interesses imediatos na resolução de certos assuntos estão muito longe dos limites geográficos da nossa área de trabalho. Foi o que aconteceu recentemente: Precisava de falar urgentemente com um professor da Universidade de Coimbra. Depois de várias tentativas sem êxito telefonei ao meu amigo Américo Oliveira que vive em Coimbra e contei-lhe o que precisava. Desligou o telefone e meteu-se a caminho da Universidade. Foi ao departamento onde o Professor trabalha, conseguiu entrar no seu gabinete e ligou o seu telemóvel proporcionando uma conversa que acendeu a luz ao fundo do túnel.
Estou a escrever este texto ainda cansado da viagem mas com a sensação de dever cumprido. Além disso hoje descobri uma terapia espantosa que vou começar a trocar pelos mergulhos na piscina. O assunto que me levou a Coimbra ficou tratado a meio da manhã. O resto do dia foi para revisitar a cidade e os livreiros. A ideia é repetir a façanha todas as semanas visitando outros lugares, de preferência sem trabalho pelo meio.
O meu amigo Américo Oliveira, que ainda teve tempo para beber um café comigo e levar-me ao seu livreiro preferido, não valorizou muito a ajuda que me deu e achou que não tinha feito nada do outro mundo. É uma sorte ter bons amigos que têm os horizontes largos e sem neblinas. JAE

quinta-feira, 30 de julho de 2015

Os jornalistas ao ataque

Ao longo destes últimos anos reuni com vários membros do Governo, sempre na minha qualidade de director deste jornal, aproveitando também o estatuto que fui ganhando por pertencer durante muitos anos aos órgãos sociais dos movimentos associativos do sector. Desde Arons de Carvalho até Augusto Santos Silva e Miguel Relvas não posso dizer que o meu trabalho alguma vez tenha dado frutos. Em todos os casos encontrei os membros do Governo tão ignorantes sobre os problemas da comunicação social local e regional como ignorantes deveriam ser sobre os problemas dos direitos humanos no Quénia.
Uma das últimas audiências foi com o antigo ministro do governo de Sócrates, Augusto Santos Silva. O ministro tinha ao seu lado a directora do Gabinete de Meios (Teresa Ribeiro) e recebeu-me numa audiência sem tempo marcado. Como levava a lição estudada falei 20 minutos sem me calar. A meia dúzia de tentativas para me interromper foram infrutíferas. A questão do preço mínimo de assinatura, o pagamento da assinatura à cabeça, o financiamento encapotado dos Correios com o Porte Pago, os critérios da atribuição do subsídio à reconversão tecnológica e a publicidade do Estado são dossiers cheios de incongruências e com uma gestão política literalmente irresponsável de tão fraquinha. 
Quando acabei de expor os assuntos ao ministro ouvi com satisfação Santos Silva dar a palavra a Teresa Ribeiro para ela lhe explicar o que eram na verdade, trocados por miúdos, os assuntos que eu tinha posto em cima da mesa. Como é evidente fiquei de boca aberta; Santos Silva tinha a pasta da Comunicação Social mas não sabia nada de nada dos assuntos ligados ao sector.
Já no final da conversa que, como era previsível, não teve consequências, ouvi o senhor ministro dizer que para ele o espelho da imprensa local e regional era o jornal da sua terra, que começou a ser-lhe oferecido quando ele era professor numa determinada universidade, e que continuava a chegar embora ele já não exercesse o cargo há muitos anos. 
Esta fraca gente que nos Governa de vez em quando fala verdade e o mundo parece que encolhe e ficamos, também nós, do tamanho dos liliputianos que são os seres do mundo onde vive a grande maioria dos políticos.
Trago o assunto aqui por causa de um texto que o director de informação da TVI, Sérgio Figueiredo, escreveu no Diário de Notícias, edição do dia 27 de Julho, a propósito da personalidade de Augusto Santos Silva. Faz falta mais gente com a coragem do Sérgio Figueiredo que não se compre e venda como quase sempre foi tradição nos grandes órgãos de Comunicação Social. JAE

quinta-feira, 16 de julho de 2015

Um elogio ao fato-macaco

Ando à procura de mulheres para trabalhar que tenham experiência profissional como “gasolineiras”. Precisamos de gente para um ofício que exige prática em vestir o fato-macaco. A ideia que tenho é que as mulheres que trabalham ou trabalharam em postos de gasolina reúnem as aptidões que fazem delas grandes comunicadoras.
Na quinta-feira da semana passada estava no lançamento do novo livro do jornalista João Céu e Silva e partilhei o assunto com a Joana que me disse pelo telefone que já nada era como dantes. “Encontrei um dia destes uma dessas gasolineiras que parecia um pavão e só me apeteceu enfiar-lhe a mangueira pela boca abaixo”, desabafou, ao final da tarde de uma quinta-feira, que é o dia da semana em que tudo arde e cheira a peixe.
Estive meia hora de pé a conversar com a escritora Lídia Jorge que ouviu duas histórias da minha avó Ilda e devolveu duas histórias de vida da sua mãe (As mulheres são uma bruxas; quando ficam mais velhas tornam-se bruxas por causa de saberem tanto da vida e de adivinharem quase tudo o que acontece a quem as rodeia e lhes toca o coração).
O Professor Adriano Moreira foi convidado para apresentar o livro Adeus África. A livraria estava cheia de gente a cheirar a perfume Chanel e eu tinha no nariz o cheiro a gasolina. O Professor dava lições sobre a guerra, a crueldade e o poder das armas, e eu olhava para o telemóvel que tocava, tocava, sem que pudesse atender.
A Vânia, assessora de imprensa da editora, fartou-se de elogiar O MIRANTE enquanto conversava comigo mas eu olhava para ela e só queria ver uma mulher de fato-macaco. A Tânia, que tem 32 anos e foi elogiada publicamente por tudo o que fez pelo texto e pela capa do livro, podia ser a mulher que eu procurava mas não consegui vê-la entre tanta gente que foi ao lançamento do livro.
Enquanto bebo um sumo e como um bolo de coco, para repor energias (estive de pé a tarde toda e o dia de quinta-feira passou a correr), recebo uma mensagem que dizia “amo estar contigo”. Chegou por engano. Nesse dia, alguém que me é muito próximo, esteve toda a tarde “em cima” de uma gasolineira e deixei-a escapar. JAE

quinta-feira, 2 de julho de 2015

Joaquim Veríssimo Serrão

Tenho uma admiração especial pelo Professor Joaquim Veríssimo Serrão. Já devo ter contado que me meti com ele numa altura em que prefaciou um livro de Maria Manuel Cid, mulher ilustre de quem guardo saudades e por quem também tinha verdadeira admiração. Era minha vizinha e cheguei a sentar-me com ela à camilha na sua casa. A minha embirração com o Professor derivava dos salamaleques que ele gostava de cultivar e que admitia à sua volta. Joaquim Veríssimo Serrão é doutro tempo e aquela forma respeitosa como aceitava convites para conferências e para prefaciar livros era a sua melhor forma de ser útil a quem o procurava. Atitude que só o valoriza, dá sinal da sua incomensurável paciência e bondade e, acima de tudo, devolve, ou devolvia, o Homem que está por detrás do grande autor da “História de Portugal”. Professor insigne e personagem incontornável da nossa História dos últimos anos sem lugar nas fotos ao lado dos políticos da nossa praça e dos seus interesses mesquinhos e pífios.
Como, entretanto, (passados quase 30 anos) fizemos amigos comuns, cheguei a participar em almoços em que um dos seus maiores amigos e admiradores lhe tentava vender a realidade actual da nossa democracia, com a mesma perseverança e atitude que ele depois respondia, recordando os nomes dos oportunistas e dos vira-casacas do regime, e insistia que Salazar não era assim tão mau como o pintavam.
Era uma opinião coerente, assumida entre amigos, que trago aqui porque estamos todos mais tolerantes, para não dizer desiludidos, com os vendilhões de todos os templos e de todos os tempos, e as ideologias estão cada vez mais esbatidas, e os chamados progressistas parecem os novos fascistas do nosso tempo. Fruto da discussão, a conversa acabava com Joaquim Veríssimo Serrão a dar a mão à palmatória, para contentamento desse nosso amigo, que tem por ele a maior admiração intelectual e gostava de o sentir mais ligado à terra.
Joaquim Veríssimo Serrão está numa residência para idosos há alguns anos, assim que teve um achaque que o deixou diminuído. Ainda corresponde aos afectos dos amigos e beija a mão das senhoras amigas que o visitam. Quando estamos com ele apetece apertá-lo contra o peito como fazemos com os nossos filhos ou fazíamos aos nossos avós quando tínhamos saudades. 
Uma vez ouvi o provocador do Mário Cezariny dizer que tinha muitos amigos a passarem-lhe a mão pelas costas mas depois das festas, com ou sem livros, todos o abandonavam à porta de casa e deixavam-no sozinho a enfrentar as noites que nunca mais tinham fim. A última vez que visitei o Professor Joaquim Veríssimo Serrão tive vontade de entrar na sua solidão e deixar lá um poema de Maria Manuel Cid. JAE

quinta-feira, 18 de junho de 2015

Fazer farófia e política

No dia 13 de Junho completaram-se dez anos sobre a morte de Álvaro Cunhal e Eugénio de Andrade. O meu amigo e velho editor José da Cruz Santos escreveu indignado pela ausência de um parágrafo nos jornais a assinalar a efeméride. Não teve toda a razão quanto a Cunhal mas Eugénio passou ao lado de toda a imprensa. E realmente não devia. É uma das vozes maiores da poesia portuguesa de sempre e deixou uma Obra que marcou e vai marcar várias gerações. Recentemente reli a biografia de Marguerite Yourcenar, outra das vozes eternas da literatura, e lá está Eugénio no seu caminho.
Na passada semana um jovem que estuda jornalismo nos EUA esteve na redacção de O MIRANTE a tentar perceber como se faz jornalismo de proximidade. Foi em reportagem para a Igreja da Graça onde está sepultado Pedro Álvares Cabral e aquilo que ele observou é hilariante. Os turistas são tão poucos que faz doer ter a igreja aberta e com as luzes acesas. Pedro Álvares Cabral e o Centro Histórico de Santarém perderam importância depois da gestão política dos últimos autarcas como foi o caso de Rui Barreiro e Moita Flores que só ajudaram à desgraça.
O 25 de Abril foi há mais de 40 anos mas só agora se está a viver a verdadeira revolução na justiça portuguesa que prende preventivamente durante dois anos sem ter que dar cavaco. Foi preciso cair na malha da Justiça um ex-primeiro-ministro, cheio de amigos à direita e à esquerda, para se clamar que o rei vai nu. Pobres dos pobres que até agora ficaram presos e humilhados enquanto os José Sócrates deste país governaram e fizeram política como quem faz farófias.
Recentemente foi notícia o facto de Portugal ser o país da União Europeia onde os tribunais condenam três vezes mais por abuso de liberdade de expressão. Há um atraso civilizacional na grande maioria das instituições portuguesas comparadas com as do primeiro mundo. Basta perceber como se comportam as figuras públicas portuguesas quando são chamadas à realidade e acusadas na praça pública. Enquanto perseguirem assim os jornalistas mais espaço existe para o compadrio, a corrupção e a irresponsabilidade nas gestão de todos os Governos. 
JAE

quinta-feira, 11 de junho de 2015

O cabeça de lista e o Hospital de Santarém

Se eu tivesse poder de decisão na edição deste jornal como tinha quando o fundei - escrevia e editava, já lá vão quase 30 anos - mandava muitas notícias para o cesto dos papéis e não publicava fotos de gente que tem cara de parvo e pela-se para aparecer seja por bem seja por mal. Ainda bem que não sou eu que decido. Certamente que o jornal seria muito mais mal escrito e com muito menos interesse para a generalidade dos leitores.
O que é que pode fazer um jornal de proximidade pelas pessoas doentes que todos os dias, às dezenas, estão “internadas” em macas nos corredores do Hospital de Santarém por falta de camas e de condições mínimas de acesso ao Serviço Nacional de Saúde? A reportagem que O MIRANTE publica nesta edição sobre as condições em que os doentes esperam por internamento no Hospital Distrital de Santarém é obscena e deveria ser motivo para que o director do hospital pedisse contas e desse conta de vez em quando. Os hospitais deveriam ser lugares de respeito pela vida humana e pela dignidade dos profissionais que ali prestam serviço. A forma como os doentes estão a ser tratados no hospital de Santarém não é só culpa da administração do Hospital mas é à sua administração que devemos pedir contas.
Os políticos no activo da área do poder que representam a região são na sua generalidade fracas personagens. Nuno Serra, o líder, é literalmente uma figura de quinto plano na política nacional ou regional. Não lhe conheço um estado de alma nem uma medida como deputado que obrigue os seus eleitores a tirarem-lhe o chapéu. Nuno Serra pode vir a ser cabeça de lista pelo PSD às próximas eleições, como querem muitos militantes seus amigos e camaradas de luta, mas espero bem que até lá mostre trabalho e currículo (que não seja ao nível das guerras internas no Partido que são ao nível daquilo que Moita Flores tentou fazer a Ricardo Gonçalves que lhe sucedeu na Câmara de Santarém). JAE

quinta-feira, 4 de junho de 2015

As palavras emprestadas

Ando numa azáfama para chegar a um certo dia deste mês de Junho. Sinto-me como uma fera no seu covil. As paixões honram a miséria do Homem. Bem aventurados os que pecam e se degradam porque será deles o reino da Terra. Desconfiai dos que tudo aceitam, explicam e compreendem. A incompreensão é um dos ingredientes da inteligência. Deus é o vento da noite que entra por uma porta mal fechada. A minha eternidade cabe dentro de um dia. Ficar sozinho depois de morto é um privilégio incomparável. Os homens são cães: lambem os ossos do dia. A palavra camélia é mais bela que a flor. A invectiva é a arma dos jovens; o aplauso é a abjecção dos velhos. Na viagem da vida não perdemos apenas os nossos dentes e cabelos. Também os nossos incontáveis e sucessivos eus vão caindo como penas. O amor deve ser como no cinema mudo: apenas gestos. Não há necessidade de palavras. Um monossílabo é excesso. Jamais aprenderei a morrer. Mesmo no momento final haverei de estar ao lado da vida.
Ando numa azáfama a ler vários livros ao mesmo tempo para chegar a um certo dia deste mês de Junho e começar tudo de novo como o avarento em cuja casa até os ratos morriam de fome; ou como o indivíduo que se sente a viver sempre uma vida inacabada, um sonho que se repete toda a vez que o sol nasce.
Tudo o que aqui vai foi roubado de um livro de Lêdo Ivo, “Confissões de um Poeta”, que já li e reli e que mesmo assim mantenho por perto quase ao nível das minhas mãos liquidas. O dia é mal escrito. JAE

quinta-feira, 28 de maio de 2015

Os Decisores do Vale do Tejo

O MIRANTE é um parceiro privilegiado do Instituto Politécnico de Castelo Branco. Embora a área de intervenção do jornal não chegue a Castelo Branco, somos verdadeiramente respeitados naquela região e o nosso trabalho é apreciado e valorizado. Assim como dantes havia concelhos do Ribatejo a reivindicarem maior atenção e presença dos nossos jornalistas, chegou a altura de sermos publicamente convidados a sairmos do Ribatejo e assumirmos uma edição para a região centro.
É interessante esta relação com as instituições que concorrem, de certo modo, com aquelas que acompanhamos de mais perto, pois é isso que nos permite uma melhor avaliação do nosso trabalho, assim como uma atitude crítica e exigente com os nossos melhores parceiros de proximidade.
Uma coisa é certa: o Instituto Politécnico de Castelo Branco tem um presidente que faz toda a diferença na dinamização da instituição de ensino superior. Os resultados da liderança de Carlos Maia falam por si mas fica aqui o registo porque é merecido.
O lançamento público do Guia Autárquico editado por O MIRANTE (ver notícia nesta edição) permitiu ouvir algumas vozes de políticos que normalmente não se encontram nos debates nem na discussão de assuntos que deveriam ser mais abrangentes e de interesse regional. O MIRANTE é reconhecidamente um elo de ligação entre todos os concelhos do Ribatejo. O nosso Poder é o da ligação com as populações e com os agentes económicos e socioculturais. Com o nosso trabalho online conseguimos hoje uma visibilidade nacional e internacional para os assuntos da região que dificilmente encontra paralelo em outras organizações. Sabemos da importância do nosso trabalho mas que ninguém nos julgue acomodados; cada vez que elegemos um analfabeto para gerir uma câmara, ou uma freguesia, damos passos atrás; cada vez que o presidente do Politécnico de Tomar, ou de Santarém, fraquejam nas suas convicções, quando as têm, as regiões ficam mais frágeis e à mercê dos decisores que mandam nos gabinetes de Lisboa; e deixamos de andar para trás para cairmos de cu.
O próximo desafio editorial de O MIRANTE é editar um Guia sobre ‘Os Decisores do Vale do Tejo’. Esperemos para ver. JAE

quinta-feira, 21 de maio de 2015

Os dias em Coruche e as noites na Chamusca

A vila de Coruche tem um slogan que se ajusta bem à qualidade de vida que proporciona a quem lá vive. Coruche inspira. É uma escolha feliz. Um fim-de-semana por lá ao ritmo de uma empresa de organização de eventos confere um sentido à nossa vida que ultrapassa todas as contrariedades que nos deprimem neste tempo de vacas magras, violência gratuita e festejos clubisticos que fazem de nós gente do paleolítico.
Em Coruche percebemos como se investe o dinheiro em obras públicas que servem a população do concelho mas também o turismo e o desenvolvimento da região. Coruche tinha um rio sem água e de repente é o local ideal para andar de canoa e para realizar concursos mundiais de pesca. Coruche é a povoação do Ribatejo mais distanciada da auto-estrada mas é aquela onde nos sentimos mais perto das nossas origens. É incrível como os restaurantes servem bem; como as casas-de-banho públicas estão asseadas; como os espaços verdes estão cuidados, como tudo está organizado para proporcionar qualidade de vida e bem-estar a quem lá vive ou a quem visita a vila.
Vivi por lá o fim-de-semana em que na Chamusca, a minha terra de origem, a organização da Semana da Ascensão me deu música de sirenes e tambores até às seis da manhã durante uma semana. Apeteceu-me chorar de raiva por saber que numa semana em que duas dúzias de gajos se divertem até às seis da manhã, bêbados e provavelmente drogados, há centenas de pessoas a sofrerem nas suas casas por não conseguirem dormir, para não falarmos daquelas que morrem de sofrimento numa Unidade de Cuidados Continuados Integrados que fica quase ao lado do palco onde as “bestas” levam a música mais alto que Deus já elevou as mãos em defesa dos homens.
Em nome da festa e das tradições há pessoas que perdem o juízo e cagam nas autoridades? E as autoridades deixam que caguem em cima delas sabendo que alguém está a ofender os nossos mais reais e sagrados direitos que é descansar de noite porque os dias são cada vez mais um castigo?
Na semana em que Coruche mais me inspirou (conheço Coruche como conheço a Chamusca) levei com as tradições alcoólicas da Terra Branca ao ponto de me apetecer mudar de casa. Falo do assunto porque sei que sou também a voz de quem esteve perto da loucura e achou que não ia aguentar tanta noite de sofrimento. JAE

quinta-feira, 7 de maio de 2015

Fechado para férias

Há um estabelecimento comercial no meu caminho que vai mudar de gerência. Os antigos sócios vão para a reforma que bem merecem. A loja está fechada e na porta tem um aviso a informar “fechado para férias”. Percebo a intenção. Um dia quando me reformar também vou ter essa dificuldade em assumir a derrota. Há gente reformada desde os 40 anos graças às benesses que o regime criou noutros tempos. E andam por aí na política a fingir que são da Associação 25 de Abril. Nem de propósito. Conheço bem a associação pelas almoçaradas que realiza todas as semanas e agora também pela opinião que tem de Santarém, a cidade mais triste do país, onde passa um rio que parece que foge para Lisboa.
Esta semana voltamos a passar o dia inteiro num tribunal numa sessão de um julgamento que começou e acabou no mesmo dia, coisa rara nestes tempos. Passamos muitos dias do ano em tribunal a “pagar” pelo exercício da profissão. Os leitores querem a melhor informação e a melhor informação muitas vezes tem um preço muito acima do valor de uma assinatura, ou até do valor de mil anos de assinatura; tem o valor do exercício da cidadania. É disso, muitas vezes, que vive o jornalismo. 
O MIRANTE publicou na passada semana um Guia Autárquico que mostra a vitalidade do nosso projecto editorial. Falo do assunto porque as autarquias vivem momentos de grandes mudanças e é preciso estar atento à importância do Poder Local. Este Guia aproxima-nos mais dos eleitos e do seu trabalho. Mostra quem são os rostos da política de proximidade. Somos todos responsáveis por uma parte do trabalho que os nossos autarcas estão a fazer. Por isso é justo que os identifiquemos e lhes demos voz. Há muita gente na política que não presta; que se candidatou apenas a pensar nos seus interesses pessoais; mas são uma minoria.O poder local é a melhor memória do 25 de Abril de 1974. JAE

quinta-feira, 30 de abril de 2015

Os farsolas dos políticos

Os políticos tentaram interferir mais uma vez na direcção editorial da comunicação social em Portugal. Aproximam-se as eleições e todos querem a mesma coisa: visibilidade e tempo de antena. Um dia destes vão conseguir os seus objectivos; é mais que certo. As televisões e a maioria dos jornais de referência fazem questão de convidar políticos influentes para os seus espaços de opinião. Basta lembrar que a grande maioria dos comentadores televisivos já foram membros de governos e os actuais comentadores desempenham lugares importantes de direcção nas estruturas partidárias. Um regabofe para quem tem paciência para os ouvir ou para os ler. Eu não. Faço questão de desligar o som da televisão quando eles falam e de os ignorar nos jornais já que escrevem sempre mais do mesmo.
O lugar que o PSD deu a Sócrates como comentador da RTP, menos de dois anos depois de ter perdido as eleições, foi um dos mais descarados favores que a televisão pública fez a um ex-governante. E ninguém acredita que este convite não tenha mãozinha do PSD; ou de gente importante do PSD para sermos mais precisos.
Como é evidente os jornalistas influentes cerraram fileiras e os políticos vão deixar cair as suas boas intenções que era criarem oportunidades iguais na comunicação social para todos os candidatos. Era um caso para rir se não fosse um caso de idiotice política que um dia nos pode sair caro.
Mais uma vez O MIRANTE antecipou-se à tempestade que agora desabou sobre os meios de comunicação social. Nas últimas três campanhas eleitorais já não cumprimos os serviços mínimos para não sermos multados e levados a tribunal. Ficou, e vai continuar a ficar, mais espaço para as notícias.
Se vivêssemos num país politicamente evoluído teríamos os políticos a pedirem aos jornais mais espaço para as notícias de sociedade e de serviço público em favor dos mais desprotegidos e das instituições injustiçadas pelo regime. Como somos ainda um país de idiotas políticos temo-los aí a tentarem competir entre eles a ver quem é o mais farsola. JAE

quinta-feira, 23 de abril de 2015

Joaquim Rodrigues Bicho

Morreu o Senhor Joaquim Rodrigues Bicho um dos homem mais importantes do concelho de Torres Novas. É um dos que vai ficar na História do concelho e da região; não por ter sido político mas por ter exercido a cidadania. Já contei neste jornal como o conheci há quase 30 anos quando visitei a redacção de O ALMONDA e vi fechar uma edição. Não me escondeu nada do seu trabalho e das suas opções editoriais. Fui lá para aprender como se fechava a edição de um jornal e trouxe a lição bem dada. Ninguém me conhecia o suficiente para confiarem tanto em mim. A verdade é que o Senhor Joaquim Bicho abriu o livro como se eu fosse da família. Nessa tarde ouvi conversas que ainda hoje me responsabilizam porque não correspondem nada à minha maneira de pensar e de estar neste cargo de dirigir um jornal. Tudo o que vi e ouvi foi de boca calada, respeitando a diferença e, acima de tudo, tentando merecer a oportunidade de ser testemunha.
Fui seu fiel leitor nas páginas de O ALMONDA e considero as suas crónicas verdadeiras lições de vida. Sempre muito bem escritas e com mensagens de pessoa sábia. Muitos dos seus escritos deveriam ser obrigatórios nas escolas do concelho de Torres Novas. Assim seria mais fácil ensinar as crianças a gostarem da sua terra, da sua região e do seu país. JAE

quinta-feira, 16 de abril de 2015

Quem são os presidentes das juntas de freguesia?

Na passada terça-feira a bola dos miúdos que jogavam no recreio da escola veio bater no vidro do meu carro e por pouco não me despistava. Como percebi que a bola tinha ficado debaixo do carro parei e fui devolvê-la com um longo lançamento por cima das redes.
Demorei alguns segundos a decidir se devia parar o carro, sair e devolver a bola. Depois de fazer o lançamento reparei que havia pelo menos uma pessoa disponível para fazer o que eu fiz. Fiquei ainda mais contente comigo próprio. Lembro-me de outros tempos, no mesmo local, em que eu era a criança e como não havia redes, e os muros eram baixos, bola na estrada era bola perdida ou ralhete pela certa.
Os tempos mudaram para melhor. Estamos mais civilizados. E as crianças da escola também já não ficam debaixo dos carros por andarem a correr atrás da bola. Mas nada é perfeito nem devemos dormir na forma. Esta semana O MIRANTE conta a triste história dos jardins infantis de Vila Franca de Xira que estão ao abandono por incúria das juntas de freguesia. Não havendo terrenos baldios como dantes, nem segurança nas ruas como antigamente, os parques são o mínimo que as autarquias devem oferecer às crianças da terra. Mais de uma centena de parques infantis sem manutenção, a maioria deles fechados, é desmazelo e falta de respeito pelas crianças e pelo bem-estar das populações. JAE

quinta-feira, 9 de abril de 2015

Uma engenhoca mata peixes

A água do Rio Tejo em Abrantes chega ao açude da cor do petróleo e depois do açude vai deixando ao longo das margens uma espuma que é um verdadeiro bilhete de identidade da poluição com nome e rosto.
Nestes últimos dias fui três vezes ao açude e pude confirmar aquilo que sempre foi a voz do povo: aquela obra foi a maior avaria do ex-presidente da câmara, Nelson Carvalho, e talvez a maior trapalhada da sua gestão, descontando o negócio ruinoso que ele apadrinhou entre Alexandre Alves e o município.
Depois do que aconteceu aos peixes na última sexta-feira a Câmara Municipal de Abrantes tem que arranjar rapidamente uma solução para o açude. A autarquia não pode fazer do açude uma máquina de matar peixes. O que se passou nos últimos dias é mau demais para ser verdade e deixa-nos tristes e revoltados. Aquela engenhoca tipo mamarracho do “passa peixe” não funciona, nunca funcionou nem vai funcionar. O que vi e ouvi contar aos pescadores deve passar de boca em boca para que não se volte a repetir; de nada serve a GNR mandar afastar os mirones e mandar apagar fotos de jornalistas-cidadãos; e os responsáveis da autarquia e da protecção civil não ficam bem na fotografia ao tentarem esconder o sol com uma peneira. Está à vista de todos que os equipamentos do açude não têm manutenção e que o rio foi tomado de assalto pelo betão. JAE

quinta-feira, 2 de abril de 2015

Exercer a cidadania contra os banqueiros

Esta crónica é um apelo aos mais esclarecidos da nossa urbe; um apelo aos homens de bom coração que gostam da sua rua e amam a sua terra e as suas gentes. Os bancos têm falta de dinheiro por causa da crise. A grande maioria das pessoas está a levantar o seu dinheiro ou a deixá-lo à ordem para qualquer imprevisto. Anda uma azáfama danada nos altos quadros dos bancos a imporem resultados aos gerentes das agências. A ordem é clara e não tem segredos; vendam aos novos e velhos, aos mais e menos esclarecidos, os produtos que mais interessam ao banco. Precisamos de capital, não podemos adormecer, o dinheiro é o nosso negócio, quem não souber trabalhar perde o emprego.
É mais ou menos isto que os empregados dos bancos ouvem dos seus superiores quase diariamente impondo resultados ao final do mês. Os clientes menos avisados, muitos deles com idade para serem filhos dos funcionários dos bancos, se não forem cautelosos vão continuar a investir as suas poupanças em produtos tóxicos. Quando precisarem do dinheiro ele já se evaporou nos negócios ruinosos dos banqueiros. Quando morrerem os seus herdeiros vão ficar com contas comprometidas em depósitos manhosos feitos por pessoas que precisam de garantir o seu emprego e por isso não questionam mais a ética e as boas práticas do negócio.
Depois do BES vai ficar tudo igual. Já não há limites para quem domina o sistema. Depois do que se passou com Ricardo Salgado, que era considerado o príncipe dos banqueiros, o dono disto tudo, o maior amigo dos políticos influentes que usam cravo na lapela, só nos resta acreditar em milagres.
Entretanto voltemos aos velhos tempos e em vez de campanhas de alfabetização assumamos que é um dever de cidadania avisar os incautos sobre as intenções dos banqueiros. Devemos e temos obrigação de exercer a cidadania informando os nossos amigos, familiares e vizinhos sobre como podem defender-se dos enganos dos donos do dinheiro.
Os juros dos depósitos a prazo são ridículos. Quem não sabe o mundo em que vive vai aceitar dois ou três por cento num produto sem retorno garantido. Anda tudo a disparar pólvora seca contra o que já não tem remédio mas o sistema bancário vai continuar a tentar triturar aqueles que ainda não caíram no conto do vigário.
O coração mais negro da maldade fez com que Ricardo Salgado e o seu banco deixassem milhares de portugueses na pobreza depois de uma vida de trabalho. É justo que na nossa rua, na nossa aldeia, na nossa terra, sejamos solidários e avisemos os mais velhos e impreparados para lidarem com os bancos avisando-os de que já não há rendimentos nas contas a prazo. Se receberem ofertas é porque lhes estão a tramar a vida. JAE

quinta-feira, 26 de março de 2015

Os mentirosos

A vida política entre quatro paredes no Largo do Rato ou na rua de S. Caetano (à Lapa), sedes do PS e PSD, respectivamente, está cheia de memórias tão dramáticas quanto hilariantes. Basta pensar em Mário Soares com os seus 90 anos de vida e em Sá Carneiro que já desapareceu há 34 anos para imaginarmos quantas centenas de figurinhas e figurões já circularam pelas salas cor-de-rosa e laranja destes dois prédios de Lisboa.
Um dia ouvi contar que Marcelo Rebelo de Sousa mijava da janela do seu gabinete para o quintal quando não podia desperdiçar tempo. Uns meses antes da eleição de António Costa ouvi António José Seguro no Largo do Rato falando em família. Começou assim o seu discurso: “o que vos vou dizer hoje e aqui é tudo mentira. Estou a gozar com as minhas próprias palavras pois já ninguém acredita nos políticos quando eles usam da palavra”. A sala ficou em silêncio e só se via, e ouvia, o sorriso amarelo de António José Seguro.
Não sou a pessoa certa para contar histórias da vida partidária. No dia em que morreu Sá Carneiro a minha memória ainda estava cheia de histórias da vida interna no PCP mas já passaram tantos anos que só de as lembrar fico parecido com o jarreta do Jerónimo de Sousa.
Tenho um amigo que um dia destes, já no tempo de António Costa, falou com o Largo do Rato onde agora também trabalha a Maria da Luz Rosinha que pertence ao núcleo duro de Costa. A história que ele me contou é muito parecida com aquelas que lembro do tempo da pedra lascada.
Os partidos políticos são máquinas de gente que apodrece debaixo das mesas, nos fundos das jarras, morrem e reproduzem-se como os bichos da madeira, os ratos dos sótãos e das garagens.  
De vez em quando tentam reinventar-se, como é agora o caso do PS com António Costa e Maria da Luz Rosinha que só pode estar em missão de serviço. Mas a maioria silenciosa fica lá dentro a minar, a manter o emprego, a cuidar da vidinha, a vigiar e a alimentar o sistema para que a vida deles nunca deixe de ser essa coisa podre e miserável que assenta na mentira e nas mal feitorias. JAE

quinta-feira, 19 de março de 2015

Encher os Jardins da Liberdade

Não conheço a maioria dos engenheiros e arquitectos das câmaras municipais da nossa região mas tenho má opinião sobre o trabalho de muitos deles. Nunca digeri a azia que me provocam as últimas obras no Largo do Seminário, em Santarém. Nem imagino quem foram os engenheiros que assinaram as obras naquele espaço e não aceito que os políticos que as aprovaram sejam gente de bom juízo. O chão é demasiado escorregadio quando chove e no Verão atravessar o Largo do Seminário é uma experiência parecida com a de fazermos uma sauna ou banho turco na via pública.
Nos últimos anos fizeram-se obras em algumas ruas de Santarém que merecem o mesmo reparo critico pela falta de engenheiros inteligentes para pensarem esta cidade. As obras em causa têm passeios da largura daqueles que ladeiam os Campos Elísios, em Paris, já que os passeios da Avenida da Liberdade, em Lisboa, são bem mais pequenos e ajustados à realidade. Os engenheiros burros desenham as estradas à medida de dois carros e depois o resto que se lixe. Não importa se há estabelecimentos comerciais à beira da estrada e se esse comércio é abastecido por via terrestre com a necessidade evidente de os carros estacionarem em cima do passeio. O que torna ainda mais burras estas engenharias é o traço contínuo nas estradas que é para ser desrespeitado a cada vez que um carro estaciona ou pára em frente de um estabelecimento comercial para descarregar ou carregar mercadoria.
Como é evidente quem mora e trabalha em cidades como Santarém tem quase sempre a polícia à perna pois cada obra de engenharia parece feita em parceria com os interesses das autoridades que nos multam e ofendem a cada multa.
Não conheço a maioria dos engenheiros que desenharam as últimas obras em Santarém nem quero saber dos políticos que as aprovaram mas gostava de ver na presidência da câmara alguém que, num futuro a médio prazo, tivesse coragem política para desfazer as ovo-rotundas e abrisse as estradas para os carros circularem já que sem carros uma cidade não ganha pessoas para encher os Jardins da Liberdade.
Eu sei que criticar é fácil. E que este exercício pode ser injusto para muita gente que merece o título de engenheiro de obras. Mas a realidade está aí para quem tiver olhos na cara. Os engenheiros parece que desconhecem as necessidades dos cidadãos e, pior do que isso, parece que nunca viram como crescem e evoluem as cidades modelos da Europa. JAE

quinta-feira, 12 de março de 2015

A importância de se chamar Pombeiro

O rio Tejo, que é o rio da minha aldeia, continua a ser para mim um ilustre desconhecido. Não só nunca o desci desde a nascente até à foz como não conheço o rio para lá de Abrantes. E embora seja um apaixonado pelas suas margens e pelas suas marachas nunca encontrei com quem partilhar as minhas alegrias e preocupações.
Curiosamente, no dia em que almocei pela primeira vez com três desses militantes apaixonados pelo rio, que o conhecem como eu conheço os portos da minha área de residência, ouvi no rádio do carro, a caminho do almoço, a presidente da Câmara de Abrantes numa entrevista na Antena 1 anunciando ao mundo que a Associação de Municípios do Médio Tejo estava a protestar contra aquilo que para os autarcas do Médio Tejo é um verdadeiro atentado ao rio e aos interesses das populações.
Foi um tempo de antena e pêras. Cheguei à doca de Lisboa onde tinha o almoço marcado e ainda fiquei no carro para não perder nada da conversa. Depois liguei para 
O MIRANTE e dei a novidade. Ninguém tinha ouvido ou sabido de qualquer comunicado. A conversa era séria e Maria do Céu Albuquerque não é gaga a falar de coisas sérias. Dizia, entre muitas verdades cruéis, que o rio em tempo de Inverno nem sequer leva um caudal ecologicamente sustentável. Coisa que nós vemos todos os dias e que nos angustia mas que não podemos resolver nem tão pouco sabemos como mostrar indignação.
É evidente que fiz do assunto tema de conversa ao almoço. E comecei logo ali a perguntar quem é que na Associação de Municípios do Médio Tejo acha que resolve o assunto da falta de água no rio sem o envolvimento das populações e das suas associações, dos seus órgãos de comunicação social e dos políticos de toda uma região que não só do Médio Tejo. 
Passaram mais de cinco semanas sobre esta tomada de posição dos autarcas. Tempo suficiente para que o assunto já tenha sido esquecido depois de um comunicado muito bem elaborado cujo original deve estar num arquivo do chefe de gabinete de Passos Coelho e o respectivo duplicado na pasta de arquivo do Senhor Pombeiro, que é uma espécie de manga de alpaca da Associação de Municípios do Médio Tejo.
Por último: conheço o documento por me ter sido enviado por um amigo de Lisboa e foi com essa informação que fizemos notícia na altura. Pelo que percebo nem o site da associação fez notícia ou publicou o comunicado.  JAE

quinta-feira, 5 de março de 2015

Lídia Jorge é uma descamisada

Há escritores que me fascinam. Lídia Jorge é um deles. Gosto da autora de O Dia dos Prodígios pela originalidade da sua escrita e pela coerência da sua voz. É dos grandes escritores portugueses vivos que não aceita fretes dos jornais ou das revistas para dizer banalidades como esses escritores da moda analfabetos que devem a venda dos seus livros à propaganda enganadora. No dia em que a autora de O Vale da Paixão esteve em Vila Franca de Xira andei por outros caminhos onde me cruzei com a última edição da Colóquio Letras onde Lídia Jorge fala em entrevista com a jornalista Ana Marques Gastão. Fica aqui um resumo de uma conversa no papel que a meio da tarde me encheu a alma.
“Sinto esperança no colectivo, que nunca me é abstracto. Nesse aspecto pertenço ao grupo dos prostitutos da esperança ( : ) Acho que sou uma pessoa de combate.
Existem degraus imprecisos onde todos os homens se sentam. Por alguma coisa escolhi para epígrafe de um dos meu livros os versos de Dylan Thomas que falam dessa simbiose entre o carrasco e o inocente. “ Eu não tenho jeito para dizer ao homem enforcado/ Como da minha argila é feito o lodo do carrasco”.
Eu não aspiro à paz. Ela não é deste mundo. A menos que nos refiramos ao intervalo de sossego que acontece entre o desassossego. Aí sim, a paz transforma-se num armistício prolongado (:).
É preciso dizer que a felicidade existe. Experimenta-se e é objetiva. Mas não é narrável. Já a infelicidade é narrável (:).
Sei que sou uma caçadora atrás de uma presa inalcançável (:) Quando inicio um livro sou uma descamisada.
Os anos passam, a sociedade moderniza-se, e no entanto continua a existir um país indolente e amedrontado, que não se expressa. Um país que não encontra os gestos certos para acenar na rua, nem a voz própria para dizer o que lhe vai na alma (:) não deixa de ser extraordinário como somos ainda uma sociedade que voltou a ter um medo salazarista quando culturalmente nos tornamos cosmopolitas e modernos (:).
Quero entregar ao leitor o melhor texto possível. Como uma prenda fechada. Por isso ele não me é indiferente, nem está ausente, mas não cedo, nem concedo, porque o respeito. Quero que o nosso jogo seja limpo (:) se não nos entendemos paciência (:) Entre escritor e leitor o texto não é negociável”. JAE

quinta-feira, 26 de fevereiro de 2015

Uma grande maioria

Num texto de apresentação de um livro chamado “O Bordel das Musas”, João Cutileiro conta que “há pouco mais de 150 anos, na Praça do Giraldo, havia autos de fé e execuções com palco e tudo. Ainda hoje se pode ver que do palco dos Condes de Murça sai uma plataforma de ferro adossada à igreja de Santo Antão (onde meus pais casaram) para que os então nobres e os seus amigos tivessem regalias de primeiro balcão: )”. Só em 1957 um editor francês conseguiu publicar, sem correr o risco de ser preso, os primeiros livros do Marquês de Sade, esse sublime energúmeno que recentemente fez furor em Paris numa exposição no Museu d´Orsay 200 anos depois da sua morte.  A instituição da Inquisição persistiu até ao início do século XIX. O filósofo alemão Theodor Adorno perguntou, em 1949, se era possível escrever poesia depois de Auschwitz.
Tomei algumas notas que ficaram esquecidas no computador e recupero-as agora para dizer como Ortega y Gasset nas suas Meditações do Quixote: Cada dia menos me interessa sentenciar; a ser juiz das coisas vou preferindo ser seu amante”.
Falar é fácil. Escrever é um pouco mais difícil mas facilita-se falando para o gravador e depois mandando transcrever. Quem anda na faina como nós sabe que ainda há muita gente por aí com comportamentos e mentalidades dos tempos de antanho. Os banqueiros aproveitam-se dos políticos, e os políticos aproveitam-se dos banqueiros, e o mundo continua a ser sustentado por uma grande maioria que trabalha todos os dias de sol a sol. A minoria, esses excelsos energúmenos que regra geral são banqueiros ou donos de grandes empresas, são o próprio sol e só descansam quando a noite cai e engolem a lua. JAE

quinta-feira, 5 de fevereiro de 2015

O encontro do século em Vila Franca de Xira

À mesma hora em que se discutia matemática e poesia no Museu do Neo-Realismo, com Eugénio Lisboa, o toureiro José Júlio era alvo de uma festa de homenagem no dia dos seus 80 anos.
Uma boa parte dos homens dos touros são iletrados. Sabem quem foi Ernest Hemingway e Pablo Picasso, por razões especiais, mas não pescam nada sobre poesia ou literatura ou pintura, para falarmos apenas das artes mais convencionais. Se falarmos de alguns empresários, repito, de alguns empresários, iletrados é uma palavra elogiosa. De verdade são uns pequenos trafulhas.
Teria sido uma boa “tourada” juntar as duas iniciativas e enquanto Eugénio Lisboa falava da escola pitagórica, da beleza dos tetrassílabos nos versos de João de Deus ou de Henrique Segurado, dos matemáticos poetas como Paul Valery ou Mira Fernandes, ao mesmo tempo José Júlio pudesse falar dos seus passes de mágico com o capote, da forma como o sangue circula nas veias de um toureiro quando olha de peito descoberto os cornos afiados de um toiro, da arte de mostrar no chão da arena aquilo que um poeta ou matemático deixa escrito no papel.
Juntar Eugénio Lisboa e José Júlio a meio da tarde, em Vila Franca de Xira, para falarem de poesia, matemática e touradas, seria certamente o encontro e o acontecimento do século à beira Tejo em terras lusas. Certamente que seria uma grande honra para todos menos para aqueles que vivem com a alma e os olhos no passado e passam a vida na gosma, de língua afiada a pedirem estátuas e nomes de ruas aos políticos, quando não é o caso de exigirem que a cidade acorde todos os dias de manhã curvada e rendida aos génios da má-língua. JAE

Comentário à noticia: http://semanal.omirante.pt/index.asp?idEdicao=690&id=106809&idSeccao=12323&Action=noticia#.VNosPvmsXh4

terça-feira, 6 de janeiro de 2015

As Flores do Mal


Fernando Pessoa não pertence à lista dos poetas que Witold Gombrowicz zurziu num manifesto lido em 1957 em Buenos Aires perante uma plateia de intelectuais que, revoltados, o obrigaram a fugir a sete pés. Falando da criação em poesia como de um "extracto farmacêutico", Gombrowicz acusa os poetas modernos de "escreverem para eles próprios, para a sua própria fruição estética, se bem que, ao mesmo tempo, façam tudo e mais alguma coisa com vista a publicarem as suas obras". "Os poetas escrevem para os poetas. Os poetas cobrem-se mutuamente de louvores e prestam mutuamente homenagens uns aos outros". Sobem "uns para as costas dos outros", acusa Witold Gombrowicz que diz ainda que "os poetas profissionais são como seres que não se exprimem porque exprimem versos".

O autor do manifesto "Contra a Poesia" não conheceu Fernando Pessoa nem o seu drama em vida. Se tivesse conhecido talvez não tivesse publicado este manifesto sem ter escrito, nem que fosse em rodapé, que Fernando Pessoa foi o único grande poeta moderno que escreveu uma Obra maior que a sua vida e a sua vaidade, e que fez questão de a deixar quase inteira numa arca, como se deixam as antiguidades aos herdeiros sabujos.

"Pertenço a um género de Portugueses/Que depois de estar a Índia descoberta/Ficaram sem trabalho" ( : ). Eis Pessoa no seu melhor, num livro concebido como Obra de Arte, desde logo por ostentar uma capa em madeira, nada a fingir, trabalho bem feito que irá ter seguidores, certamente, e trabalho gráfico incomum na paginação de poemas e textos que nas palavras de Manuel S. Fonseca, o editor, "bebem absinto e vinho louro e tanto fumam ópio como deitam fora um cigarro meio fumado".

Ao lermos textos tão importantes da Obra de Pessoa e dos seus heterónimos, em que "o poeta se funde fisicamente com as suas drogas" lembrámos-nos de Witold Gombrowicz e da sua critica à poesia moderna considerando-a como "extracto farmacêutico". Aparentemente não há nada que ligue estas duas realidades assim como as 51 fotos de Pedro Norton que ilustram o livro não têm qualquer ligação aos textos do poeta que preferia "pensar em fumar ópio a fumá-lo/e achava mais seu olhar para o absinto a beber que bebê-lo..."No entanto as fotos falam com os poemas e dos poemas da mesma forma que Witold Gombrowicz assume logo no início do seu manifesto que "quase ninguém gosta de versos e o mundo dos versos é fictício e falso".

Pedro Norton fotografa para dizer também que a fotografia é uma arte que precisa de ser reinventada. A sola do sapato em confronto com o movimento desfocado dos pés, o fundo branco da maioria das fotos e a quase ausência de rostos, fazem deste conjunto de fotografias um bom exercício para que outro Witold Gombrowicz venha dizer que já nada era como no tempo em que Gerard Castelo-Lopes ficava dez minutos a focar a sua objectiva antes de disparar a velha Kodak e nascer uma foto quase perfeita.

O meu fotógrafo de arte de eleição é Fernando Lemos que, ao contrário de Fernando Pessoa, viajou para o outro lado do mundo e não ficou em Lisboa "a fumar a vida". Aliás, Fernando Lemos tem uma Obra gigante, mais na escultura e na pintura que na fotografia, feita a partir do Brasil para onde se mudou em 1953. Recordá-lo enquanto folheamos o livro e lemos Fernando Pessoa, e tentamos decifrar as fotos de Pedro Norton, é uma boa forma de homenagear Fernando Lemos que tem uma Obra ímpar que merecia mais divulgação em Portugal.

Com estas fotos Pedro Norton estende a sua arte à nossa admiração, como nas suas fotos alguém estende o braço para espetar a seringa, ou cospe no lavatório, ou dá voltas na cama preso pelos cabelos. Todas as fotos são metáforas de um passado recente que lembram heranças esquecidas, desventuras, tormentos, solidão e pecado; "Um mundo de Absinto, ópio, tabaco e outros fumos" de que tratam os poemas de Pessoa e que, ao fim de várias leituras do livro, acabamos por achar que as fotos também falam e impõem a cada novo olhar.

Há ainda algo de um cigarro meio fumado que se deita fora a meio do caminho, na forma como algumas fotos nos marcam a memória de uma religião que está presente na nossa vida desde a infância, e que nos acompanha pela vida fora, neste caso mais como forma de praticarmos o sacrilégio que a oração.

As Flores do Mal são uma edição Guerra & Paz com uma tiragem de 1500 exemplares numerados em algarismos árabes e eu tenho o número 65 oferta de um amigo.


Texto de Joaquim Emídio publicado na edição online de O MIRANTE, na secção Livros que São Vidas, disponível através do link: http://www.omirante.pt/index.asp?idEdicao=54&id=78484&idSeccao=560&Action=noticia#.VKu4kHvLHGA