quinta-feira, 28 de novembro de 2019

As touradas e a imbecilidade humana

Um texto onde se fala do guardião do Tejo, dos ambientalistas, dos deputados ociosos, dos bancos que comem tudo e não deixam nada e de Alves Redol que está em cena em Alverca.


Não há no concelho de Vila Franca de Xira outra figura tão importante culturalmente como Alves Redol. Um século depois do seu nascimento, o autor de A Fanga só não continua actual para quem acha que caminhamos no melhor dos mundos, onde não há “Fronteiras Fechadas”, e o dinheiro e a tecnologia resolvem todas as infelicidades e desgraças de uma civilização cada vez mais dividida e, curiosamente, cada vez mais analfabeta. Num tempo em que está em causa a morte do planeta, os ambientalistas fazem do fim das touradas a sua grande luta contra a imbecilidade humana. Num tempo em que a agricultura usa os pesticidas sem controle, provocando doenças que ninguém é capaz de inventariar; a água de regar as culturas é usada de forma arbitrária, sem qualquer vigilância, os rios são guardados e defendidos por cidadãos, como é o caso de Arlindo Consolado Marques, um herói que os ambientalistas ignoram. Num tempo em que os banqueiros vão à falência, depois de roubarem o dinheiro do povo, e voltam à actividade bancária para continuarem a roubar, mas agora com o apoio do Estado. Num tempo em que a criação de animais de aviário é feita em espaços super lotados, com as aves quase sempre sentadas para engordarem o suficiente no tempo mais rápido possível, sem que o Governo tenha capacidade para fiscalizar as condições sanitárias ou o uso de hormonas, o grande desígnio desta gente é combater as touradas.
Os livros de Alves Redol fazem falta nas escolas como fazem faltam os professores que gostam de literatura, teatro e cinema. Andamos todos a alimentar uma escola onde boa parte dos professores não são avaliados nem estão a trabalhar naquilo que mais gostam; e quando trabalham têm que viver em quartos alugados porque estão a muitos quilómetros de casa. É uma pequena vergonha o ensino em Portugal, com muitas e honrosas excepções, apesar da desgraça. Bastava pôr as Fundações portuguesas a pagar impostos e haveria dinheiro para tirar os alunos e os doentes dos hospitais de dentro dos contentores. Ninguém sabe, nem questiona, os milhões de euros que as Fundações poupam em impostos, que serviriam para Portugal ser um país mais desenvolvido e moderno, mais justo e solidário, com mais justiça e menos desigualdades.
Quem acompanha de perto a política que se faz entre o Terreiro do Paço e a Assembleia da República sabe mais da miséria humana que um toureiro sabe das manhas dos toiros. No entanto, é muito raro ouvir um deputado, ou um ex-deputado, a desmascarar a ociosidade dos eleitos, a falta de trabalho, a pouca importância que têm no Governo do país e da coisa pública. O mais triste é vê-los a deixarem-se usar como os pastores se servem da lã das ovelhas, a maior parte das vezes aceitando trabalhos de assessoria em empresas que são quem, verdadeiramente, manda na Assembleia da República.
Nota: este texto foi inspirado na peça de Alves Redol, Fronteira Fechada, que está em cena no Teatro do Grupo Cegada, em Alverca (Ver texto nesta edição) JAE.

quarta-feira, 20 de novembro de 2019

O MIRANTE 32 anos depois de um outro aniversário

O autor destas linhas tinha 32 anos quando fundou este jornal. Passaram entretanto 32 anos desde a data da primeira edição. Contas feitas e refeitas, o jornal renova-se todos os anos enquanto o pobre escriba faz contas de cabeça à magnitude do tempo.


Esta edição de O MIRANTE assinala mais um aniversário. O MIRANTE nasceu em Novembro de 1987, há 32 anos, exactamente no ano em que o autor deste texto também festejava o seu 32º aniversário. É uma curiosidade que faço questão de partilhar porque estou em cada página da edição deste jornal com o mesmo espírito que estava na primeira edição de há 32 anos.
O jornal nasceu da necessidade de o autor intervir na comunidade. E assim se cumpriu o desígnio. Idealizámos, construímos e depois lançámos no mercado um título que conheceu, até hoje, todas as vicissitudes de um órgão de comunicação social que nunca serviu outros propósitos que a defesa da região e das pessoas da região. Por isso nasceu e cresceu cumprindo ciclos e etapas; ainda temos muito caminho para andar mas já não podemos ignorar o caminho que fizemos.
Há quem garanta que O MIRANTE nasceu em Alverca. Outros que nasceu em Torres Novas. Já me garantiram, olhos nos olhos, que eu era natural de Alhandra e que O MIRANTE era um projecto editorial pago por um capitalista americano. Tenho histórias deliciosas para contar sobre sermos apelidados de comunistas pelos liberais e de liberais pelos comunistas. Já fomos excomungados em muitas reuniões partidárias, lembrados em muitas missas, amaldiçoados por muitos políticos e dirigentes associativos, difamados pelas bocas das pessoas mais insuspeitas da nossa comunidade. É verdade que ao longo dos anos também recebemos alguns elogios mas deixo isso por conta de alguns pecados que cometemos nomeadamente quando trocámos os nomes dos protagonistas das notícias ou fomos injustos a escrever sobre quem não devíamos.
Os 32 nomes referenciados no cimo da capa da edição de aniversário, que sai em conjunto com a edição em que publico esta crónica, são a parte maior do conjunto dos profissionais que aqui trabalham e das empresas que nos prestam serviço. Como é fácil de verificar, na equipa actual há três advogados. Que ninguém julgue que é para fazerem número. Os advogados não escrevem notícias mas defendem quem as escreve. Falo do assunto, não porque seja novidade, mas para chamar a atenção dos leitores mais distraídos para a diferença entre fazer jornalismo e escrever umas coisas nas redes sociais; entre sustentar um jornal que se limita a trabalhar texto de agência ou comunicados oficiais, páginas no Facebook ou no Instagram, e o trabalho de investigar, escrever e publicar, procurando remar contra a maré. Esse é o nosso grande orgulho: vivemos da publicidade e só da publicidade. Esse é também o grande desafio do futuro: até quando uma região tem actividade económica para sustentar um jornal ou, dando a mão à palmatória, temos nervo e somos suficientemente bons a trabalhar para sustentarmos a nossa empresa e os nossos empregos.
Há 32 anos, quando tinha 32 anos, iniciei este projecto certo de que dificilmente o deixaria pelo caminho. Pura ilusão: em 32 anos ajudei a construir um projecto novo, que só agora dá verdadeiramente os seus frutos, mas entretanto fiquei sexagenário. Mais ano menos ano vou ter que mudar de vida como acontece com toda a gente por mais que fujamos do caruncho. Acho no entanto que ainda rendo mais uns anos. Nem que seja a arrastar as asas. Em tempo de aniversário todos os minutos contam para criarmos a ilusão de que vale a pena festejarmos o trabalho e o fruto maduro que nos escorrega das mãos mas que, em contrapartida, já não nos debota o dente. JAE.