quarta-feira, 31 de dezembro de 2014

Por amor aos livros

Fim de ano é tempo de revisitar livros e autores. Acabei de ler o novo livro de Miguel Sousa Tavares “Não se encontra o que se procura” e fiquei rendido. Fica aqui a sugestão de um livro novo. O resto são citações de livros relidos nos últimos tempos por amor à literatura e aos grandes escritores.
“Não se deve querer aparentar que se é mais do que aquilo que se é na realidade. Esta é a lição”  Es Excluidos - Elfriede Jelinek 
“Via os pintores da construção civil a deitarem os seus pincéis para o caixote do lixo. E dizia-lhes: Guardem-nos para mim. São mais vivos”. Esta é a cor dos meus sonhos. Miró
“Uma vez o Roberto Marinho dizia a mim a ao Mário: Vocês tomavam táxi até para atravessar a rua. Era uma verdade exagerada, violentada, mas era uma certa verdade”. A menina sem estrela. Nelson Rodrigues.
“Uma cidade torna-se um universo quando estamos apaixonados por uma pessoa.” Justine - Laurence Durrel
“Não admira que o fumo do cachimbo cheire como o arco-íris (:) Portugal levou o cachimbo e o tabaco a todas as partes do mundo”. O puro prazer de fumar. Guillermo Cabrera Infante.
“A veces todo esto me hace interrogarme sobre se seré, de hecho, un novelista, o mis livros no serán, en el fondo, ensayos com personajes”. José Saramago - Un retrato apasionado . Armando Baptista-Bastos
“Só partidos políticos podem promover mudanças (:) o senso de justiça de um artista não pode sujeitar-se ao pensamento único do militante. Impossível ser um bom político sem mentir. Já o artista, porque ama a verdade, não pode fascinar as massas, elas não querem intelectuais, preferem seus iguais.” Morte no Paraíso. A tragédia de Stefan Sweig. Alberto Dines.
“Vim para Lisboa quando publiquei “Aparição” e isso caiu mal nos meios Neo-Realistas. Só houve uma pessoa que tomou o meu partido na altura, o João Rui de Sousa. Ninguém mais. Foi tudo a arrear.” As polémicas de Virgílio Ferreira. Jorge Costa Lopes
“Foi um democrata impertérrito e frontal: passou por duas prisões e por outras tantas evasões rocambolescas, passou por três exílios, três conspirações antimonárquicas ou antifascistas, andou a monte, na clandestinidade (:)” Cifras do Tempo. Para uma nova leitura de Aquilino Ribeiro. Óscar Lopes.
“Deus deu o amor aos homens para que se suportassem a si próprios e ao mundo. No entanto quem ama sem humildade deposita um grande peso sobre os ombros do outro.” De Verdade. Sándor Márai
“A memória é importante para combater a solidão. Gostaria de morrer aos 90 anos como um cavalo exausto, 5 minutos antes de chegar à meta.” Maruja Torres. O que sentem as mulheres. Nativel Preciado.
“Cada vez sou menos teórico nas coisas da vida. É preciso palmilhar a terra de ponta a ponta para se lhe compreender o sentido.” Um Adeus aos Deuses - Ruben A.
JAE

quarta-feira, 24 de dezembro de 2014

Aretino e a vida corrupta dos Cardeais do nosso tempo

Aretino (nasceu em 1492 e morreu em 1556) foi o poeta satírico cujo talento fez do Pasquino uma verdadeira instituição. Com esse nome era conhecida uma estátua mutilada, grega de origem, que até hoje existe num canto de rua da Piazza Navona. As pasquinadas de Aretino, regularmente afixadas ao soclo da estátua para deleite de toda a população da cidade de Roma, acabaram por se transformar numa instituição. Parodiando os almanaques astrológicos muito em voga na época, Aretino fazia previsões humorísticas e julgamentos cáusticos sobre figuras e acontecimentos do dia. Impressos em folhas soltas, eram vendidos nas ruas, contribuindo decisivamente para popularizar o nome do poeta e formar-lhe a reputação de satírico terrível.
Aretino afirma-se como um emancipador da classe dos escritores condenados a viver única e exclusivamente da generosidade dos mecenas, sendo por eles relegados amiúde à mesma condição dos lacaios e serviçais de condição inferior. Se faço o que faço, e por tais meios, é porque eu perseguia a emancipação de toda uma classe; tomei a peito o rebaixamento dos escritores, obrigados a viver de caridade e de esmolas; e mostrei-lhes o caminho da independência”, escreveu o poeta de “Sonetos Luxuriosos”. Foi assim considerado “o precursor do jornalismo moderno por ter feito os poderosos do seu tempo temerem a força da palavra, a palavra que molda a opinião pública e é capaz de abalar tronos ou legitimar reis”.
Nos últimos tempos, duas figuras medonhas da política local, cujos nomes não cito por serem parecidos com os figurões da época de Aretino, referiram-se a O MIRANTE como o Pasquim da região. A comparação encheu-me de orgulho. Mas o orgulho não paga multas em tribunal a quem chama os bois pelos nomes em letra de imprensa. Até nisso os tempos são outros para pior. Aretino morreu como um príncipe rodeado de cortesãs,  protegido pelas doações em dinheiro que chegavam de Inglaterra, Portugal e Hungria. Até o Barba-Roxa, o temível pirata de Argel, lhe enviava presentes em dinheiro.
Falta contar, entre muitas coisas, que ele era considerado um mestre na chantagem pela forma como sabia ridicularizar e denegrir os figurões da época que se recusavam a pagar-lhe. A diferença para os dias de hoje também é medonha: Os jornalistas que ainda levam a profissão a sério um dia vão pagar do seu bolso para voltarem a escrever folhetos clandestinos de forma a poderem gozar, à boa maneira do antigo Pasquim, a vida corrupta dos Cardeais do nosso tempo. JAE

quarta-feira, 17 de dezembro de 2014

A História de Natal do Joaquim

Tive um amigo de escola que tinha a mania de roubar. Assaltava lojas, casas particulares e especialmente os bares das colectividades que exigiam esquemas fáceis. Quando havia um assalto na vila a GNR já sabia quem era o gatuno; era quase sempre o Joaquim já que ele carregava a culpa de ser sempre o ladrão fosse ou não o autor do roubo. Ouvi-o prometer algumas vezes, entre dois dedos de conversa, uma cerveja e um cigarro, que um dia venceria o vício de roubar. Até ao dia em que a prisão de Alcoentre começou a ser a sua residência permanente.
A primeira e única vez que entrei numa prisão foi para o visitar. Fui carregado de cigarros e de um espírito de Natal que só Deus poderá explicar. De verdade não acredito em Deus mas dá-me jeito que ele exista para personagem desta crónica e para justificar a lembrança do Joaquim num tempo de grandes bebedeiras e barrigadas.
Quando saiu da prisão o Joaquim voltou à velha vida de índio sem tenda. Não voltou a roubar, se bem me lembro, mas a sua vida era a de um animal feroz. Um dia entrou na igreja de Nossa Senhora das Dores, onde dormia algumas vezes sem que se soubesse, e pendurou uma corda onde enfiou o pescoço. O suicídio foi durante a noite e Nossa Senhora das Dores estava no altar a confeccionar o jantar para consolo das almas dos pobres e aflitos. Na altura em que terá ido à sacristia buscar salsa para temperar o refogado o Joaquim aproveitou para se fazer de morcego com uma corda presa ao pescoço.
Não acredito na reencarnação nem na vida depois da morte mas, a existir, seria uma grande alegria saber que o Joaquim anda por aí, disfarçado de Pai Natal, a distribuir brinquedos às crianças e esperança aos homens poucos iluminados que estão na cadeia, embora nunca tenham roubado por precisarem de dinheiro para o pão, ou para o tabaco, ou para esses vícios ainda mais comezinhos como o jogo e a vida licenciosa. JAE

quinta-feira, 11 de dezembro de 2014

Banqueiros à solta e políticos presos

Todas as semanas preparo o meu físico e cuido do meu espírito fazendo 200 piscinas. Cem são reais; as outras são imaginárias. Resolvi contar o devaneio. Há uns tempos que vou almoçar todos os dias da semana ao Complexo Aquático de Santarém. A mesa onde almoço tem vista privilegiada para a piscina olímpica interior. A Joana faz-me companhia. Trabalhamos na mesma empresa mas é à hora do almoço que fazemos as reuniões sobre os assuntos mais quentes e pomos a conversa em dia. A ordem de trabalhos começa assim que pomos os pés na rua e, regra geral, é quase sempre sobre o que fez abanar o telhado da casa ou varreu as telhas.
Quando chegamos à mesa do restaurante e os meus olhos caem na água azul da piscina dou o meu primeiro mergulho. Enquanto esperamos pela sopa e a Joana atende as chamadas de telemóvel vão mais dois ou três. Antes do prato principal nunca faço menos de cinco piscinas, ora de bruços ora de costas, sempre a grande velocidade e de forma olímpica com os olhos pendurados na água cristalina.
Cerca de meia hora depois de chegarmos, quando a sopa não vem a ferver ou o prato principal não tem espinhas, e o Marco serve o café curto e bem quente, já dei vinte mergulhos; mais coisa menos coisa. Há dias em que a Joana nunca se cala durante o almoço e atende o telefone dezenas de vezes fazendo acrobacias com o telemóvel e o i-Pad. Nessas alturas nado que me farto; É verdade que o exercício é todo espiritual; mas sem um espírito forte e fantasioso não somos homens nem somos nada nestes tempos tão conturbados de banqueiros à solta e políticos presos.  

O relatório da Mariana desta semana é só desgraças: telefonemas de mães desesperadas que precisam da ajuda da Comunicação Social para internarem os filhos malucos; recados por email de gente aflita a pedir a ajuda que jamais podemos dar e que compete às autoridades. Nem tudo são missões impossíveis. Na maioria dos casos os telefonemas e as dicas dos leitores para trabalhos editoriais são pertinentes e ajudam-nos a cumprir a nossa missão.

O surto da legionella e a forma como a população do concelho de Vila Franca de Xira tem sabido comportar-se prova que somos um povo bom e sereno. Ainda bem que a autarquia tem um presidente de câmara que não é de meias medidas. Ninguém quer olho por olho, dente por dente, mas a culpa não pode morrer solteira. Um crime é um crime, um crime, um crime, e já morreram muitas pessoas, e outras estão apavoradas e podem ficar com muitas marcas, só porque tiveram o azar de estar no lugar errado à hora errada. E não era suposto. O concelho de Vila Franca de Xira é um lugar seguro para viver, ou foi durante muito tempo, e agora já ninguém tem certezas. JAE

quinta-feira, 4 de dezembro de 2014

Os empresários que nos dignificam

Dirigir é o trabalho mais exigente do mundo; temos que saber tudo daquilo que mandamos fazer ou, no mínimo, temos que perceber de tudo sobre aquilo que temos em mãos e que damos nas mãos. Mesmo que a Economia seja o nosso fraco ai de nós se não soubermos entesar-nos com os homens do dinheiro. Mesmo que as contas não sejam o nosso forte ai de nós se não soubermos discutir o preço das mercadorias. Mesmo que as finanças sejam matemática pura e dura ai de nós se não soubermos fazer contas de cabeça. Um jornalista que é só jornalista e não tem que dirigir uma equipa nunca saberá que a conta bancária a zero é muito mais dramático que a página em branco.
Este texto é parte de uma intervenção na entrega do Galardão Empresa do Ano que O MIRANTE organiza há 14 anos em parceria com a NERSANT. Quem julga que estas iniciativas, que duram e ganham prestígio, nascem de boas vontades engana-se redondamente. Fica aqui a nota para ocupar espaço mas também para que as palavras não se percam no meio de tantas páginas e leituras.
Os empresários são os principais parceiros de O MIRANTE nesta longa caminhada. É com eles que temos o grande compromisso de continuarmos a editar este jornal. Sem a publicidade não haveria jornal a preço reduzido nem tiragens que ultrapassam a mediania da imprensa local e regional. É por isso que O MIRANTE faz a diferença e é reconhecidamente um caso de sucesso editorial e empresarial. Quem faz jornais com parceiros políticos ou ligados a interesses empresariais duvidosos fica pelo caminho ou vai sobrevivendo como é público e notório. JAE

quinta-feira, 27 de novembro de 2014

A greve dos enfermeiros e a detenção de Sócrates

Mal por mal antes cadeia que hospital. Esta máxima, que conheço desde que entendo um pouco do mundo em que vivo, sempre me fez confusão. Recorro a ela numa semana em que uma das enfermeiras do Hospital de Santarém pediu a uma colaboradora do jornal para que apelasse junto da redacção para que desse conta da luta que os enfermeiros travam no país e no Hospital de Santarém em particular.
Acho o ex-primeiro-ministro José Sócrates um sujeito politicamente muito cruel. Tenho provas da sua irascibilidade desde o tempo em que era ministro do Ambiente do governo de Guterres. Mas estou longe de gritar, como o deputado do PSD, Duarte Marques, que a detenção de Sócrates é a prova de que ele é corrupto. O deputado abriu o seu facebook com a palavra “Aleluia” no dia a seguir à detenção do ex-primeiro-ministro. Pelo que ouço contar retirou o texto horas depois.
Sou dos que acreditam na Justiça mas não me calarei quando achar que ela é criticável. Quem tem cu tem medo como diz o povo. E eu tenho cu e medo mas não sou cobarde. Sei como qualquer cidadão bem informado que ninguém neste país pára uma conspiração contra inocentes se a ordem é para abater. Ou muito me engano ou o processo Casa Pia foi o último exemplo. O facto de não haver ainda banqueiros responsabilizados pelas falências que todos conhecemos é outro exemplo da falta de capacidade das instituições portuguesas para fazerem justiça a tempo e horas. Ou para combaterem o sistema de que a justiça também faz parte.
Sócrates deve ser o único primeiro-ministro de um país democrático que foi contratado para comentador político de uma televisão do Estado dois anos depois de perder eleições.  Se isto não é falta de humildade do próprio, e falta de vergonha de quem manda na RTP, então eu sou uma personagem de romance.
A greve dos enfermeiros faz mossa na saúde de milhares de doentes internados nos hospitais. Sou contra esta onda de greves que os enfermeiros resolveram incluir nas suas formas de luta. A greve deve ser contra o sistema e nunca contra os doentes. Se a greve é a única forma de luta dos enfermeiros...é certo que um dia destes eles ganham a batalha mas muitos doentes vão perder a guerra.
Mal por mal antes cadeia que hospital? Tenho muitas dúvidas. Na cadeia um homem honesto perde o gosto pela vida em dois dias; num hospital sempre encontramos um bom profissional da saúde que nos salva a vida. JAE

quinta-feira, 20 de novembro de 2014

Um ranger de dentes

Ontem aproveitei um ranger de dentes e no local mais improvável limpei o meu carro de todos os jornais e papéis velhos. Quando fazia o caminho entre o carro e o contentor uma pessoa amiga com quem me cruzei disse-me que tinha um familiar que se visse o que eu tinha acabado de fazer “ia ser um 31. Ele separa o lixo e os jornais jamais vão para o contentor”, acrescentou com uma voz ternurenta.
Há um século, no mesmo local, estava a conversar com o meu amigo Eduardo João Martinho e vi como ele guardou o fósforo depois de ter acendido o cigarro. Percebi a intenção e perguntei-lhe se deitar um fósforo para o chão era assim tão grave. A conversa interessava-me já que naquela altura eu tinha mais fome de conversa que de pão. O episódio é vulgar mas a verdade é que aquele pau de fósforo que já era lixo sempre teve um lugar marcado na minha memória. Agora que já contei o episódio vou esquecê-lo. Mas no seu lugar fica o sorriso bondoso da minha amiga que me apanhou a deitar jornais velhos no contentor do lixo doméstico.

Há 27 anos recebi à porta de casa a primeira edição de O MIRANTE. Uma edição mal impressa, de papel ordinário, com algumas gralhas, ainda por cima em alguns dos anúncios que pagaram essa primeira edição. Foi em família que durante muito tempo dobrávamos e preparávamos os jornais para enviar aos assinantes. 
Nunca vou conseguir explicar o prazer e a alegria de fundar um jornal, escrevê-lo, editá-lo e pô-lo a circular nas caixas de correio. E não é a mim que um dia devem perguntar as razões que levaram 
O MIRANTE a tornar-se um jornal de referência na imprensa regional. As pessoas que fui mobilizando para este projecto, e que ainda fazem parte dele, são mais importantes do que eu na história do jornal. De verdade eu sou, ou era, o garante de que nunca precisaríamos de vender a alma ao diabo para distribuirmos um jornal escrito e editado por jornalistas. Disso me orgulho. O resto é trabalho colectivo; muito ranger de dentes, noites mal dormidas e transpiração. JAE

quinta-feira, 13 de novembro de 2014

Supermercados à beira da estrada

Vila Franca de Xira é notícia nacional pelas piores razões. O assunto merece destaque mas não merece o jornalismo televisivo que se faz em Portugal. As televisões vão para a rua ouvir os cidadãos sobre o surto de Legionella e é ver qual é o canal que consegue os depoimentos mais disparatados e analfabetos. Os jornalistas não fazem o trabalho de forma inocente nem dão voz aos disparates porque lhes apetece. Nas redacções há chefias que assim o impõem; e tudo em nome das audiências que aparentemente se fazem maiores quanto menos esclarecidos e disparatados forem os testemunhos.
As televisões são assim em todo o mundo mas há mundos onde as televisões não têm o monopólio da informação como acontece em Portugal; com a conivência dos políticos.

O MIRANTE tem dado voz, em cima do acontecimento, à intervenção das autoridades que aproveitam as festas para se lançarem na caça à multa. Não gosto de fardas nem de fiscais e acho injusto que se multe por tudo e por nada principalmente quem tem porta aberta e paga impostos. Mas concordo com a actuação ponderada das autoridades para que se castiguem os que trabalham de registadora aberta e os que fogem ao fisco e fazem concorrência desleal. As barracas à beira da estrada que mais parecem supermercados são destes tempos em que uma loja que vende os mesmos produtos tem que ter casa-de-banho e chuveiro e condições que nem um hotel?
No restaurante podemos comer a carne cheia de hormonas, de animais criados com farinha adulterada, mas em casa não podemos matar o porco que criamos a couves e restos de comida? Ou podemos mas tem que ser às escondidas? Um dia destes vamos ser proibidos de criar galinhas e só podemos comer os frangos dos supermercados dos belmiros e companhia?
Tanta pergunta em tempo de Legionella? Espero que me perdoem a falta de confiança na afirmação. JAE

quinta-feira, 6 de novembro de 2014

Enjaulados

Na passada terça-feira fui comemorar o Dia da Imprensa no interior de um barco cruzeiro atracado em Lisboa. Éramos a meia centena de sempre. A diferença em relação há 20 anos é que agora estamos mais velhos e mais pobres; somos figuras secundárias e pouco recomendáveis. Os verdadeiros patrões da Comunicação Social já não cultivam o associativismo; fazem política, são igualmente políticos ou, nalguns casos, compram os políticos. 
A actividade associativa continua mas é só para inglês ver. Na terça-feira lá estive eu outra vez a comemorar o Dia da Imprensa ao lado de algumas pessoas que trabalham em jornais como podiam trabalhar na indústria de aviários.
Tive pena de não ter ficado para o almoço. Deve ter sido agradável. Estavam lá os administradores de jornais que mais perderam leitores e dinheiro nos últimos anos. Entretanto a conversa foi a mesma de sempre. Ouvimos falar sobre o sexo dos anjos porque se falássemos dos nossos assuntos e dos problemas no sector o barco afundava-se e era uma tragédia.

O país que somos está espelhado em dois assuntos que publicamos nesta edição e que contam dois crimes: o de uma cidadã brasileira que está acusada de ter assassinado os dois filhos e o da senhora presidente da Junta de Freguesia de Pernes que foi condenada a três anos de prisão.
A nossa condição de batráquios obriga-nos a ficar em silêncio perante o estado da nossa Justiça. Enjaulados é como estamos nas mãos de alguns políticos, juízes e meia dúzia de ricaços que, sem dó nem piedade, metem-nos o dedo no buraco que temos ao fundo das costas. JAE

quinta-feira, 30 de outubro de 2014

Procura-se editor para Walmir Ayala

Na passada semana montei-me na minha bicicleta e fui até ao Porto beber um café com o editor José da Cruz Santos. Conheço-o das edições “Inova” e “O Oiro do Dia” que fizeram história quando eu ainda procurava os livros pelas referências das leituras dos meus autores preferidos.
Em Lisboa viajo anónimo. No Porto, onde vou mil vezes menos que a Lisboa, parece que estou em casa. O taxista que me levou à Praça Guilherme Gomes Fernandes perguntou-me, quase afirmando, se eu ia visitar a livraria com montra para o largo.
Foram os livros que na passada terça-feira me levaram na mesma bicicleta de quatro rodas a um almoço no Pombalinho. O meu companheiro veio ao meu encontro montado num cavalo. Estacionei a minha bicicleta à porta do restaurante e ele prendeu o cavalo num terreno cercado a 20 metros do restaurante “O Peso”.
Há quase um ano que procuro editor em Portugal para um autor brasileiro que escreveu um romance que comemora em 2014 cinquenta anos sobre a primeira edição. Sou leitor e admirador da Obra literária de Walmir Ayala e gostava de ajudar a dar a conhecer alguns dos seus livros em Portugal mas os editores portugueses preferem os autores americanos e ingleses que saíram das últimas fornadas dos cursos de escrita criativa.
Nos últimos dias as televisões e os jornais deram destaque às eleições no Brasil como se o país fosse o nosso melhor aliado; a gente vê, lê e não acredita; a imprensa ignora a realidade do país a meia centena de quilómetros de Lisboa mas serve-nos as eleições no Brasil à mesa como se estivéssemos todos ligados ao Brasil pelo cordão umbilical. Não estamos; e os governantes só se conhecem para visitas de cortesia e assinatura de protocolos que não passam do papel.
O exemplo mais à mão é a Casa do Brasil em Santarém. Nem o túmulo de Pedro Álvares Cabral na Igreja da Graça merece mais do que umas centenas de visitantes por ano.
Algumas das Obras literárias mais importantes em língua portuguesa são de autores brasileiros e isso é tão importante para Portugal como o que chega pelo Tejo abaixo a Lisboa e fica ali a boiar no Mar da Palha. JAE

quinta-feira, 23 de outubro de 2014

A CIMPOR é um nome numa saca de cimento

A CIMPOR é um nome numa saca de cimento desde que os brasileiros compraram a empresa. Recentemente O MIRANTE noticiou casos de poluição graves que comprometem a qualidade do ar e podem por em perigo a saúde da população de Alhandra que vive mais perto da cimenteira. A mudança de controlo da fábrica ao nível dos accionistas não deveria implicar menor rigor na qualidade ambiental que está nas mãos dos técnicos da fábrica e não nos seus novos accionistas. O problema pode estar na falta de uma administração de proximidade que garanta a permanência dos melhores técnicos e daqueles que, em conjunto, conhecem os riscos da laboração de uma cimenteira em cima de uma vila com mais de seis mil habitantes.
Trago o assunto a esta coluna por ter percebido que a nova administração da fábrica se deve estar marimbando para quem leva com a poluição em cima ao desprezar a gestão dos equipamentos que em boa altura foram construídos para serem moeda de troca pelos efeitos nocivos da fábrica em cima das casas de habitação.
Recordo que no dia 6 de Janeiro deste ano houve uma ruptura num forno da fábrica que estava parado para reparação e manutenção. Na altura mais de uma centena de pessoas deslocaram-se à fábrica para pedirem explicações e para lavarem os seus carros que ficaram cobertos de pó. JAE

quinta-feira, 16 de outubro de 2014

A Justiça que vai ficar na História

Os jornalistas de O MIRANTE são vizinhos do Tribunal de Almeirim onde os processos não andam nem desandam. Até há pouco tempo todos os advogados eram unânimes: ah tens um processo no Tribunal de Almeirim? Então esquece ou faz um acordo mesmo que seja mau. Por causa da reforma judicial e dos problemas informáticos o país só fala dos advogados e dos processos que estão a por em causa a lei e o Estado de Direito.
Estamos solidários com todos os advogados que têm clientes presos, que não conseguem receber o dinheiro das penhoras, etc, etc, e achamos muito estranho que a ministra da Justiça venha dizer que o que se passa é apenas um incómodo. É lamentável que uma ministra da Justiça fale assim. Mas chegou a hora de perguntar: o Tribunal de Almeirim, e outros que existem por esse país fora, não pertencem ao sistema? Os portugueses que têm os seus processos parados nos tribunais que o sistema pôs no índex são portugueses de segunda? O que se está a passar entretanto para haver futuro não é menos gravoso que haver tribunais de Almeirim por esse país fora? Eu acho que sim. E tiro o chapéu à senhora ministra por ter tido a coragem de arriscar esta reforma.

Os juízes estiveram reunidos em congresso e pediram aumentos de ordenados à senhora ministra. E vão tê-los. Toda a gente se lembra da recente condenação de um homem que roubou para comer num supermercado do Porto. Toda a gente anda a perguntar que Justiça se deve fazer aos juízes que são tão bons a produzir sentenças nos pequenos crimes e nos grandes não têm mãos que cheguem para condenar os poderosos. Mário Soares está na capa do jornal “Expresso” da passada semana a abraçar Isaltino Morais e a confessar que ele foi vítima num país onde os grandes criminosos ficam impunes. Se os juízes não responderem, com mais trabalho e coragem, aos desafios que lhes estão a ser feitos há muitos anos, a democracia portuguesa já foi. Aliás, quem vai ficar na história daqui a muitos anos não é Passos Coelho nem Cavaco Silva; é a Justiça e os seus protagonistas que têm ficado muito mal no retrato. Basta lembrar as prescrições no caso Jardim Gonçalves e o resto que nem é bom falar porque é mau demais. JAE

quinta-feira, 9 de outubro de 2014

As mulheres e os livros

As mulheres e os livros foram, e ainda são, o que de mais importante aconteceu na minha vida. Até hoje. O assunto vem a propósito da minha preferência por literatura no feminino, embora não seja faccioso, e da minha simpatia por E.L. James e pelos seus três volumes da trilogia de “As 50 Sombras de Grey”.  Só li de fio a pavio o primeiro volume; os outros li-os com a minha habilidade para passar os olhos e reconhecer terrenos já pisados.
 Fui eu que descobri no meio da entrevista ao director da Biblioteca Municipal de Vila Franca de Xira aquela célebre sentença de que “As 50 Sombras de Grey” não entravam no Olimpo vilafranquense. Fui um dos maiores culpados de toda a polémica que já fez correr muita tinta e que obrigou o director a cumprir ordens e a comprar os três volumes de literatura erótica para mulheres e homens mal casados e mal f*.
Como nunca esqueço uma boa história, e gosto de acompanhar os êxitos literários, tenho continuado a seguir as tabelas de vendas dos livros em Portugal. Com espanto reparo que os três volumes de “As 50 Sombras” continuam na lista dos mais vendidos.
Um dia destes uma mulher falou-me no assunto; disse-me que leu o livro com espanto e que todas aquelas cenas também a motivaram e fizeram sonhar. Depois deu testemunho sobre todas as suas amigas que leram o livro igualmente com paixão e interesse pela história. “Todas as mulheres percebem que aquele homem não existe; mas existe o que ele faz com a personagem feminina; e é isso que torna o romance interessante”.
Trago este assunto a lume porque dizem que vem aí o filme baseado na história.
Nos meus livros preferidos tenho autoras muito melhores que E. L. James e As 50 Sombras de Grey. Por exemplo “Entrega”, da jornalista australiana Toni Bentley, que comecei por descobrir na Feira do Livro de São Paulo (Brasil) que é uma das maiores do mundo. Mas o livro é tão bom e tão pornográfico que alguém que seja apanhado com ele pode ser acusado de alta traição a um casamento ou a um namoro. Uma mulher com as “As 50 Sombras de Grey” debaixo do braço é só uma mulher que anda a ler um dos livros do momento. 
A trilogia de “As 50 Sombras de Grey” foi o que de melhor aconteceu às mulheres e aos homens no último século em matéria de literatura erótica. Pelo menos para a grande maioria dos leitores em português. Quem quiser dar uma espreitadela à ‘Entrega’ sempre pode discordar de mim por uma boa razão. JAE

quinta-feira, 2 de outubro de 2014

Somos todos uns “gatunos”

No departamento comercial de O MIRANTE onde trabalha uma equipa de dez pessoas a facturarem publicidade, somos uns ladrões. Foi assim que o senhor Cunha, um nosso assinante do estrangeiro, nos tratou durante dois telefonemas seguidos insistindo que tínhamos que lhe publicar um anúncio ao preço de 2011. Nesta casa, do outro lado do telefone, há uma paciência infinita para quem nos chama ladrões e para quem se pendura no nosso pescoço a agradecer o trabalho que fizemos numa ou noutra reportagem, neste ou naquele caso em que ajudamos a fazer andar o mundo.
O relatório diário da Mariana é um pedaço de prosa para azias, diarreias, dores de cabeça e reumatismo. Que pena não poder ser comercializado; renderia fortunas. Que pena os textos não poderem ser adaptados para teatro; certamente seria um êxito à Lá Féria.

O ano passado, por esta altura, O MIRANTE patrocinou a actividade desportiva de um grupo com uma boa história no associativismo regional. Passou um ano e durante este tempo não recebemos uma carta, um convite, um sinal de que o nosso patrocínio tinha chegado em boa altura e por boas mãos. O que chegou entretanto foi uma nova carta a pedir a renovação do patrocínio. Desta vez a carta não se limitava a pedir o cheque; trazia pedidos de desculpas e outras histórias que não vale a pena contar. Fica a nota mas não mais do que isso. O associativismo é uma actividade nobre demais para que pague o justo pelo pecador. Este ano já apoiámos outras associações e fomos mais cuidadosos na escolha.
Deixo aqui uma novidade para quem me ler. Em 2015 O MIRANTE vai apoiar mais associações numa política de ligação com as comunidades dos 23 concelhos onde trabalhamos e somos o jornal da terra. Para quem leva o seu trabalho a sério fica a informação para começarem a adiantar trabalho caso assim o entendam. JAE

quinta-feira, 25 de setembro de 2014

Crónica de uma inauguração

Nesta crónica ignoram-se os discursos, as felicitações, os homenageados, os artistas, os políticos e muitos dos ilustres convidados que se não tivessem comparecido teriam inviabilizado a inauguração.
 No momento em que começou a cerimónia de inauguração da Fábrica das Palavras em VFX o Jardim Constantino Palha, a dois passos da cerimónia, era o lugar perfeito para estar em paz com a vida; meia dúzia de crianças e uma dúzia de adultos ocupavam um dos jardins à beira Tejo mais feliz e bem cuidado.
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A meio do passeio começamos a ouvir ao longe a banda do Ateneu Artístico Vilafranquense, sinal que a cerimónia tinha começado a horas(16h). Quando chegamos havia um mar de gente em frente do edifício da nova biblioteca municipal que se ergue imponente à beira Tejo. A banda tocava de frente para um conjunto de personalidade alinhadas a poucos metros e aparentemente em fila por ordem de importância institucional. Na frente os líderes locais no Poder e os convidados mais importantes. Logo atrás os vereadores da oposição e alguns líderes de instituições locais e regionais. 
Depois de uma volta ao “bilhar grande” infiltramo-nos no meio dos convidados de honra para quem a banda tocava. Perguntamos ao vereador João de Carvalho se não se sentia despromovido em segunda fila na inauguração de uma casa que ele próprio tinha viabilizado com o seu voto. Sorriu e ao ouvido confessou que não estava ali para ter protagonismo. “Tenho outras formas de ser protagonista”, desabafou. 
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Rui Rei, ali por perto, foi mais político na resposta a uma provocação do género; “deixei a política activa; estou num projecto de trabalho muito importante para a minha vida. Mas um dia é certo que o PSD vai substituir o PS no Poder em Vila Franca de Xira”, disse o vereador que já teve pelouros a tempo inteiro e que nos últimos anos sonhou ser presidente da Câmara de VFX mas acabou por ver presidente o homem que mais o enervou enquanto foi vereador com pelouros.
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Alberto Mesquita esteve 10 minutos a saudar as entidades presentes e convidados especiais. Depois falou mais 10 minutos. Quando agradecia o trabalho da sua antecessora, Maria da Luz Rosinha, o comboio passou, fez um barulho ensurdecedor como é normal, e as palmas substituíram as palavras elogiosas do presidente que ficaram suspensas na garganta. “Há muita tarimba e muito barulho de comboios nesta gente das inaugurações”, desabafou alguém atrás de mim que parecia ser um homem bem informado.
Assim que o barulho do comboio seguiu até Lisboa voltaram as palavras elogiosas de Alberto Mesquita para a Mulher que já tem lugar na história de Vila Franca de Xira por ter mudado o rosto da cidade depois de uma gestão comunista de muitos anos que, dizem, pouco feliz. Alguns apelidam de “desgraçada”.
Rosinha, de rosa vermelha ao peito, como é habitual, fazia a diferença entre as personalidades alinhadas a ouvirem a banda. Alberto Mesquita falou a ler do papel mas mesmo assim ainda teve tempo para furar o protocolo quando dirigia palavras de agradecimento ao arquitecto Miguel Arruda e tentou encontrá-lo com os olhos entre os convidados. Como não o viu parou o seu discurso até o próprio anunciar a sua presença de braço no ar chegando-se à frente. Um momento que ajudou a desanuviar das palavras de circunstância que sempre se dizem nestas cerimónias. Aliás, a maior prova de que quem escreve os discursos nem sempre está atento à realidade foi a saudação especial ao “professor doutor Arquimedes da Silva Santos”, títulos que teriam sido muito bem substituídos pelo de escritor, de preferência adiantando também alguns dos títulos dos seus livros que, tenho a certeza, 99 por cento das pessoas presentes nunca ouviu falar ou, se ouviram, já não se lembram.
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Para confirmar que ninguém é perfeito António Mega Ferreira falou a seguir a Alberto Mesquita e deu uma “seca” a quem o ouviu lendo um ensaio sobre a Obra e a Vida de Álvaro Guerra e o seu importante papel como cidadão e intelectual. Mega Ferreira só pode ter ido desencantar a uma das suas gavetas o texto que leu sobre Álvaro Guerra que, apesar do seu valor, não merecia ser diferenciado de outros escritores importantes de VFX como Alves Redol ou Soeiro Pereira Gomes.
Cá bem atrás, enquanto Mega Ferreira repetia a grande admiração pela Obra de Álvaro Guerra, a nossa companhia eram dois elementos da Associação Promotora do Museu do Neo-Realismo. Perguntei-lhes se tinham sido convidados e disseram que não. Com eles a militância fala mais alto que os convites. Enquanto Mega Ferreira falava da trilogia de Álvaro Guerra, e do seu estatuto como embaixador e ribatejano, os meus interlocutores recuavam cerca de quinze minutos no tempo e lembravam que o orador tinha prometido falar pouco e, entretanto, já tinha falado mais tempo que o presidente da câmara.
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António, o cartoonista do jornal Expresso, estava longe da confusão e dos discursos numa conversa a quatro, sempre com aquele seu ar misterioso de “escritor de desenhos”. À pergunta, “então como é que vai a crise”, respondeu que “os grupos e os grupinhos tomaram conta da sociedade portuguesa. Quem não pertencer à Maçonaria e companhia não se safa”, desabafou.
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Ao nosso lado uma das mulheres mais famosas da freguesia, Ana Câncio, espreitava a cerimónia com aquela cara de reformada aos 40 anos e um exemplo de que a política nem sempre é para os melhores e para os que são exemplo na vida pública.
No final do discurso mais chato da últimas inaugurações, (Álvaro Guerra que nos desculpe lá no Olimpo) o pessoal afunilou junto a todas as portas de emergência da Fábrica das Palavras que estavam abertas excepcionalmente. Curiosamente a porta rotativa era a mais utilizada com a complicação que se imagina numa situação de excesso de carga.
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O barco varino estava estacionado a vinte e cinco metros da margem e dava um ar de festa à água do rio que espelhava o sol radioso do fim da tarde.
Uma pequena multidão sentava-se no muro em frente da Fábrica das Palavras de costas para o rio. O sol ainda ia alto e podiam ver-se ao longe centenas de gaivotas rente às águas.
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Dez minutos depois da entrada da multidão na Fábrica das Palavras já havia fila na casa-de-banho das senhoras. A dos homens estava normal. Mega Ferreira foi pela mão do arquitecto seu amigo pregar uma mijadela depois de fumar um cigarro logo a seguir à cerimónia. O arquitecto ia recebendo algumas palmadas nas costas e perguntando sorridente às pessoas que o saudavam se tinham recebido o convite.
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No primeiro piso o bar tinha duas filas ao longo do balcão. O café custava 0,70€ “e o resto é por aí acima”, informou-me um velho conhecido com a barriga encostada a uma mesa mas sem bebida por perto. Pensei alto: já lá vai o tempo das bebidas grátis no final das inaugurações. Às vezes as dificuldades ajudam a moralizar os costumes em família. As famílias políticas e as outras, acima de tudo.
O vereador João de Carvalho era um dos que estava com a barriga encostada ao balcão sempre rodeado de amigos. O José Fidalgo, ex-presidente da junta de freguesia, era o mais cumprimentado. Não havia quem não passasse a seu lado que não lhe estendesse a mão. Pelo calor das suas palavras e pelo impulso com que saíam da boca era fácil perceber quem eram os que o cumprimentavam por serem amigos e os que o saudavam por ele ainda ser, na cabeça de alguns, o presidente da junta.
Durante o tempo em que estive junto ao bar, sem beber, fui fotografado duas vezes para o facebook. Quem me fotografou junto das minhas companhias não me conhece, logo não me procurem na internet porque não estarei identificado nas fotos ao lado dos meus ilustres interlocutores.
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“Nesta terra quem não reclama não é atendido”, diz um professor da Escola Reynaldo dos Santos numa conversa, para mim sem sentido, dirigindo-se a José Fidalgo. Mário Nuno, o adjunto do presidente Alberto Mesquita, passa por perto e aproveita para mandar uma bicada. “Estão a começar uma tertúlia”, disse, sorridente, e desandou.
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Dei três passos para o lado do Tejo ainda no primeiro andar e ouvi as primeiras criticas à falta de comparência de algumas identidades na inauguração da Fábrica das Palavras: O Turismo de Lisboa e o Governo da Nação não se fizeram representar. Gente da má-língua ainda tentou atribuir as culpas todas às divisões internas no PS de António José Seguro e António Costa mas é evidente que o momento era de dar largas ao veneno que cada um tem de sobra debaixo da língua quando a conversa mete política.
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Mário Coelho estava sentado numa mesa a autografar a sua autobiografia. O homem com cara de toureiro, de lenço ao pescoço, trazia o livro do matador vilafranquense debaixo do braço e arrancou-lhe ali mesmo um autógrafo que já não fui a tempo de registar para a posteridade porque o meu telemóvel às vezes é mais teimoso que os vereadores da CDU no exectivo da Câmara de Vila Franca de Xira. A propósito: disseram-me que os vereadores estavam na festa mas confesso que não os vi.
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A subida ao terceiro piso da Fábrica das Palavras é um deslumbre. Ali se percebe que esta é obra do regime. Maria da Luz Rosinha e Alberto Mesquita já têm um lugar na pequena eternidade reservada aos homens que chegam ao Céu, com recomendações especiais enviadas do planeta Terra. A vista sobre o rio Tejo, e a ponte e o casario junto às margens, é soberba. Quem tem um rio ao pé da porta não sabe a riqueza que Deus lhe deu. Sempre que vou a Vila Franca de Xira e percebo a ligação da cidade com o rio lembro-me dos políticos que governaram nos últimos quarenta anos a cidade de Santarém e pergunto-me se todos eles não tiveram problemas com a água, em pequenos, quando as mães lhes davam banho.
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Encontrei a comitiva oficial no terceiro piso e o vice-presidente dizia alto que tinha perdido de vista alguém, logo ele que era o mais alto da comitiva.
Neste piso a vista sobre a cidade é quase total. De um lado o rio Tejo e do outro o casario da cidade que, vista dali, tem outro encanto. Do lado do rio fomos encontrar um proprietário a contar e mostrar a um amigo o problema com uma habitação cujo telhado ruiu este ano. Assim como a história deste proprietário não tem lugar neste texto, também o presidente da câmara achou que não tinha que dar para aquelo peditório e passou por nós, que estávamos com os olhos na paisagem, como se passa por vinha vindimada. Cumprimentou quem lhe apeteceu e lá seguiu a sua visita ao edifício liderando a comitiva. 
Nesta altura fui cumprimentado com um forte aperto de mão pelo vice-presidente do município, Fernando Paulo Ferreira, que me deu um sorriso de orelha a orelha e um “bem-vindo” como se eu tivesse acabado de chegar de Marte. Já estive dezenas de vezes ao lado do senhor e passei por ele muitas vezes nas ruas de Vila Franca de Xira e foi a primeira vez que recebi um cumprimento efusivo. Vá lá saber-se se não foi do efeito da gravidade uma vez que estávamos no terceiro andar e em cima de uma placa suspensa que só pode causar vertigens a quem tem medo de alturas.
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O piso onde vai ficar a administração e os funcionários da Biblioteca é o mais espectacular. Quero trabalhar aqui, apeteceu-se dizer em voz alta a uma senhora que se pendurava na paisagem ainda mais encantada do que eu com a luz e a majestade do lugar.
O corrimão que acompanha a escadaria do edifício da biblioteca mereceu a maior critica que ouvimos em toda a visita. “Os corrimãos são redondos; este gera desconforto e insegurança. Os arquitectos são assim”, desabafou um dos convidados atrás de mim que passou a conversa para outro que ia à frente e que corroborou por inteiro o que o seu conterrâneo acabava de dizer.
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Às 17h40 estava de novo de volta ao piso onde fica a biblioteca para as crianças. Até ali só tinha visto homens aos abraços e às palmadas nas costas. Finalmente encontrei senhoras a cumprimentarem-se com beijinhos. Uma delas era a ex-presidente da câmara que me perguntou ao seu estilo “então o que é que acha?”. Respondi-lhe o óbvio e não perdeu tempo a repetir-me que foram dez anos de muita luta e que há uma pessoa chamada Luís Matas de Sousa, o urbanista, que bem merece ser referenciado publicamente pois foi um dos poucos que nos acompanhou e se dedicou a este processo desde o início sem virar a cara à luta. Rosinha deu-me o recado ao ver-me tomar apontamentos mas não conseguiu continuar a conversa pois daí a segundos já estava a dar mais beijinhos e abraços a quem a procurava.
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Desci ao rés-do-chão e cumprimentei o diretor da Escola Secundária Alves Redol,Teodoro Roque, e não só pusemos a conversa em dia como terá nascido ali uma ideia que pode dar frutos no futuro e representa uma boa colaboração de O MIRANTE com as escolas secundárias da região.
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Eram 18h00 quando voltei a entrar no Jardim Constantino Palha. A meio do jardim já se notava o frio da tarde. Havia ainda menos pessoas nos bancos e no café à beira rio. Os barcos parados ainda falavam com a água do rio Tejo a mesma linguagem que eu tinha percebido no caminho para a Fábrica das Palavras mas eu já nem dava por isso nem me interessava. Muito menos achei graça aos patos que andavam por ali feitos vaidosos sem terem que assistir a inaugurações e trabalhar ao fim-de-semana. JAE

Comentário à noticia: http://bit.ly/1mVLGrf

Somos todos jornalistas

Vivemos tempos novos que é preciso saber entender para não nos perdermos pelo caminho. Há muitos anos tinha como referência nomes cimeiros da vida portuguesa. Lia o Mário Castrim, Fernando Piteira Santos, Baptista-Bastos, Mário Mesquita, Urbano Tavares Rodrigues, José Gomes Ferreira e muitos outros jornalistas e escritores que considerava meus mestres. Para mim o ofício de jornalista era mais importante que qualquer outro. Mal sabia eu que o ofício é tão exigente: que não se enriquece nesta profissão e que se nos descuidamos acabamos cada dia da nossa vida a dar pau e costas que é a forma mais humilhante de trabalhar.
Há muitos anos que sei que encontrar pelo caminho bons jornalistas é mais difícil que encontrar bons médicos, bons engenheiros, bons escritores e empresários. Encontrar um jornalista com qualidades profissionais e humanas é tão raro como encontrar médicos de família, na verdadeira acepção da palavra, embora a profissão seja cada vez mais exigente e, no caso do jornalista, me pareça, a cada dia que passa, que vai entrar em extinção. 
A  Internet veio criar a ilusão de que somos todos jornalistas através das redes sociais. Nada mais errado. Já há gente a pagar caro essa exposição e da sua família e dos seus modos de vida. Vai ser ainda pior no futuro.
 Nos últimos anos tomei nota de algumas experiências profissionais com jovens jornalistas e posso testemunhar que a grande maioria vai acabar a ganhar a vida noutras profissões. A última experiência foi com um jovem de 30 anos que depois de um dia de trabalho veio dar o dito pelo não dito argumentando que não esperava ser obrigado a tanta exposição na rua. Gosto mais de trabalhar de forma anónima, disse-me o aprendiz de feiticeiro aparentemente encantado com a possibilidade de fazer uma carreira literária tendo o jornalismo como passatempo. 
Tenho quase a certeza que a grande maioria das pessoas que borregam quando lhes cheira a trabalho estão no desemprego; se não estão são filhos ou enteados de alguém que ganha dinheiro fácil para os sustentar. O Estado Social que criamos, e que tanto choramos, é injusto para muita gente mas é fantástico para uma boa maioria. Fantástico, repetiria, se pudesse, estalando a língua para que o leitor percebesse o quanto eu acho que a palavra se ajusta ao que quero deixar escrito. JAE

quinta-feira, 18 de setembro de 2014

Hotel Chelsea

Há mais de 30 anos que comecei a escrever um livro sobre stress. Escrevo-o no meu corpo e as palavras que fazem dele uma obra-prima são as marcas que tenho na pele, nos ossos e nos neurónios. A ideia de o tornar público derivou da minha última visita ao médico que só não me bateu por eu ser um homem de barba branca. Já não são as dores musculares, a falta de sono, a falência de algumas capacidades tão necessárias para uma vida de boa qualidade. O livro, que é o meu corpo, começou a cheirar a mofo que é o último estágio do papel antes do bolor e do consequente apodrecimento.
 Preciso de um cu novo como no tempo em que a minha avó ralhava comigo por ser tão descuidado e um lingrinhas a comer. Preciso de reaprender a dançar o tango e a valsa, de voltar a jogar às cartas, de me esquecer de comer a correr atrás dos pardais e na apanha dos espargos e dos cogumelos silvestres.
Há 30 anos sonhava viajar até São Francisco depois das paragens obrigatórias nas sete maiores cidades do mundo. Já viajei. O ano passado, ao sair de um hotel numa dessas cidades, dobrei a esquina e encontrei uma loja de luxo com o nome de um amigo de há 30 anos. Entrei e chamei por ele. Sorridente, o Pedro parecia ter menos 30 anos que eu, devido à boa vida. Nesse dia escrevi no meu corpo, território de muitas tempestades, que estava na altura de reaprender a viver.  
Na hora em que escrevo este texto, pela noite dentro, sou uma saca de 50 kg cheia de stress atada pelas orelhas com um atilho de cordel.
Acabei de ler um livro de uma escritora norte-americana, quase da minha idade, que fixou residência no Hotel Chelsea em Nova York na mesma altura em que eu era ajudante de guarda-livros na Chamusca; morava numa casa de adobos e aprendia a ler e escrever poesia.
Agora mesmo dei um pontapé no stress. Sinto-me outra vez com 30 anos a virar a esquina da rua onde moro, a caminho do trabalho, com a cabeça cheia de projectos e de ideias para viajar. Hei-de morrer a lutar sem atilhos nas orelhas da saca de 50kg.

Do relatório da Mariana: Recebemos várias chamadas a confirmarem o número da conta da Patrícia Duarte uma vez que está em nome de outras pessoas. Temos vindo a explicar que é uma conta solidária que está em nome de várias entidades entre elas o presidente da junta de freguesia e o Provedor da Santa Casa da Misericórdia de Pernes. JAE

quinta-feira, 11 de setembro de 2014

O António ganhou as eleições à Maria

As eleições para a federação distrital do PS deixam um sinal que vale a pena ter em conta. Os dois candidatos têm missões diferentes na política e um trabalho que não se compara. António Gameiro (AG) é um dirigente local sem responsabilidades autárquicas dignas de registo e Maria do Céu Albuquerque (MCA) é uma presidente de câmara com a responsabilidade de liderar a Comunidade Intermunicipal do Médio Tejo. Só nesta instituição tem mais trabalho num dia que um deputado da nação num mês. AG pertence ao velho lobby do PS que trabalha mais em Lisboa que na região. MCA não foi à luta para vir a ser deputada, ou ficar em posição privilegiada para ser deputada, a confiar na sua palavra, e passa a vida em trabalho de proximidade.
Se a lógica não fosse uma batata MCA tinha ganho estas eleições a brincar. O PS precisa de gente credível e com trabalho no terreno e AG é um advogado como muitos outros que pululam na Assembleia da República à espera de um lugar ao sol ou, melhor dito neste caso, debaixo do sol à espera que ferva. Fui ao lançamento de um livro deste advogado numa sala da Assembleia da República e nunca assisti a tanta vaidade e cagança. O AG que eu conheço é um sujeito político do PS a nível nacional e só perde tempo com as questões regionais quando lhe sobra tempo. E é daqueles que se for preciso vai dar um mergulho no Tejo ou no Zêzere mas a sua praia é a do Guincho.
MCA quis conquistar a distrital sem trabalhar muito e sem preparar o terreno chamando para o seu lado os dirigentes concelhios, não só aqueles que moram na sua rua e na sua linda cidade, como todos os outros que fazem a diferença. Ainda tentou mas foi muito tarde. E bem podia ter dispensado a companhia dos trolhas do costume, como é o caso do humorista António Rodrigues, de Torres Novas. Ganhar a distrital do PS ao AG e ao Paulo Fonseca é mais fácil que ir a Fátima a pé mas muito mais difícil que tomar conta do Castelo de Abrantes.
As derrotas políticas não envergonham mas era bom que começassem a envergonhar. O que se passa no seio do PS é mau demais para ser verdade num país onde as pessoas falam cada vez mais de Salazar e das suas virtudes como Homem. JAE

Comentário à noticia que pode ser visitada através do link http://bit.ly/1qIMtLY

Moita Flores: o Franciscano

Francisco Moita Flores já não é vereador da Câmara de Oeiras e desde a tomada de posse só compareceu a uma reunião do executivo. O ex-autarca pediu por quatro vezes a suspensão do mandato. Dos quatro pedidos de suspensão três deles tiveram como justificação a sua actividade literária. Moita terá sido pressionado pelo PSD para deixar  o lugar vago e dar espaço a quem quer fazer trabalho de oposição no executivo liderado por Paulo Vistas. Ou seja: Moita perdeu as eleições em Oeiras e teve que ser o PSD a dar-lhe um empurrão para deixar caminho livre a quem quer trabalhar. Moita Flores enche a boca dizendo que é um homem de bons costumes e que está na política para servir. Este é o seu melhor exemplo.
A justificação de Moita Flores para pedir a suspensão do mandato é tontinha e merece ser publicitada. Aliás, merece que lhe acrescentemos a seguinte nota. Enquanto foi presidente da Câmara de Santarém Moita Flores ausentava-se com muita frequência e a desculpa era sempre a saúde precária de um familiar. De tal forma exagerou na desculpa que à sua volta todos gozavam com o curso de “primeiros socorros” que ele deveria andar a treinar na família. Esta desculpa durou anos e justifica tudo aquilo que Moita Flores deixou por fazer e geriu da mesma forma, ou pior, que Rui Barreiro. Faltava-lhe tempo para governar a câmara e tomar conta dos seus assuntos.
Enquanto esteve em Santarém Moita Flores foi especialista em desculpas e esquemas como os que usou em Oeiras. Um dia saiu à rua de bicicleta em Santarém e fez-se fotografar dizendo que a cidade era ideal para andar de triciclo. Só deverá ter usado a bicicleta nesse dia. Outra atitude curiosa foi o aluguer de casa na cidade. A casa existia mas Moita Flores ia dormir todos os dias a Lisboa e regressava pela manhã nos dias em que os outros afazeres não o prendiam na capital. Ao contrário do que fez crer o ex-presidente da Câmara de Santarém e a sua famelga nunca se fixaram em Santarém.
São muitas as qualidades de Francisco Moita Flores.Tantas como os seus predicados como político da raça daqueles que andam nestas andanças para cuidarem da vidinha. Mais um bocadinho de vergonha e será um verdadeiro Franciscano. JAE

quinta-feira, 4 de setembro de 2014

Uma vida divertida

Há duas semanas fui almoçar ao Sardoal e os dois casais que estavam no restaurante eram velhos conhecidos e fizemos uma festa. Dois dias depois fui almoçar a Alverca e encontrei dois amigos de Santarém que encheram a casa com um dá cá um abraço. No final da passada semana fui almoçar a Torres Novas e ao dar uma volta pela cidade parei em dois lugres míticos e falei com pessoas que já não via há quase 30 anos. Matamos saudades e prometemos que as próximas ausências serão menos espaçadas como se todos nós ainda tivéssemos mais 30 anos pela frente. Ontem fui almoçar ao Entroncamento e só ouvi falar mal do presidente da câmara como se eu, ou o jornal onde trabalho, fossemos a solução para “adoçar” ou “civilizar” um tipo que gosta tanto de jornalistas como os cães gostam de azedas.
Gosto de almoçar fora do jornal e visitar amigos e conhecidos. A recordação do almoço no Sardoal ainda dura; fui visitar a Quinta de Valle da Louza, uma propriedade construída no século XVIII cheia de História e de boas memórias. Graças à aventura da descoberta desta Quinta e do encanto que ela esconde entre árvores e casas centenárias voltei a sentir o prazer de visitar alfarrabistas e enchi o caderno de poesia do quotidiano que vai enchendo a minha vida cada vez mais divertida e surpreendente.
Não sei a quem interessa este tipo de crónica mas confesso que ando maricas com as palavras. Vou escrever a dizer mal do Diabo quando sei que é isso que ele mais gosta? Desta vez faço o gosto ao dedo. Falo dos meus almoços pela região onde trabalho e que regra geral acabam sempre com sabor a mousse de chocolate ou fruta da época.
Do relatório da Mariana (de segunda-feira): email do sr. António que nos ligou de França onde reside há 46 anos. Diz que tem uma doença incurável; que não pode vir a Portugal e que tem o pai, com 92 anos, numa situação deplorável. Fez um apelo para que tornássemos público o seu caso. António, um leitor do Entroncamento, ligou a dizer que fez um mês que faleceu o médico Artur Barbosa e que gostava de saber se tínhamos alguma informação sobre se havia missa por sua alma. Hoje foi o dia dos assinantes novos: recebemos cinco pedidos de novas assinaturas de Ourém, Rio Maior e Póvoa de Santa Iria. JAE

quinta-feira, 28 de agosto de 2014

O Banco da minha terra

A grande maioria dos portugueses anda assustado com os escândalos financeiros que minam a nossa democracia. O caso do BES é a prova que estamos nas mãos do Diabo, ou seja, nas mãos de gente sem escrúpulos que não obedece a regras nem tem medo de reguladores.
Cem, mil ou um milhão de euros que tenhamos depositado num Banco são para muitos de nós o que nos dá segurança na vida; deitamo-nos e levantamo-nos com a cabeça no dinheiro que temos guardado a pensar na ajuda a um familiar, na possibilidade de uma doença ou até na ajuda do orçamento do mês para a farmácia. De repente há um bandido, desses que são banqueiros, que borregam e o nosso coração pára só de percebermos que já não podemos acreditar em ninguém. Depois do caso BES o país nunca mais será o mesmo. Veremos o que nos reserva o futuro.
Dantes o meu banco era a Caixa Agrícola da minha terra. Ter o dinheiro na Caixa era como ter o dinheiro no cofre da minha casa. Há muitos anos que isso deixou de ser assim. A Caixa é uma cooperativa mas é gerida por um senhor, ou uns senhores, que se julgam DDT (Donos Disto Tudo). Desde há muitos anos que muita gente como eu desconfia daquela gestão e procura outras organizações mais seguras. A verdade é que já não há organizações seguras ou de confiança. Por isso tenho pena que a Caixa Agrícola da minha terra não seja ainda o meu banco e o da minha gente. Tenho pena que tenha deixado de ser o balcão mais concorrido da minha terra e o lugar onde sabíamos que podíamos contar com o serviço de proximidade que é aquilo que temos cada vez menos ao balcão das instituições financeiras lideradas pelo Espíritos Santos e companhia.

José Sócrates disse em Paris, meses depois de ter perdido as eleições, que as dívidas dos países não são para pagar; são para ir pagando. Ricardo Salgado, o banqueiro  DDT (Dono Disto Tudo) citou o Papa Francisco dias depois de ter sido descoberto como um dos maiores trafulhas da história portuguesa mais recente. Sócrates está na RTP a comentar a vida pública portuguesa como se fosse o maior estadista português do último século. Não tarda Ricardo Salgado estará num qualquer altar de uma igreja portuguesa dessas que tudo perdoam aos ricos e abastados ou seja aos de sangue azul que ainda mandam nos gabinetes dos Ministros sejam eles quem forem. JAE

quinta-feira, 14 de agosto de 2014

Os “bacocos” do PSD

O PSD de Santarém distribui um comunicado à imprensa a informar que vai pedir uma audiência ao Ministério Público pelas razões que têm feito notícia e a que 
O MIRANTE tem dado visibilidade, como é o caso desta semana; o PSD de Santarém diz ainda no referido texto que não faz “declarações bacocas” sobre processos  em segredo de justiça. Gostava de saber quem é que, na opinião do PSD de Santarém, anda a fazer declarações bacocas sobre o pedido de dissolução do executivo da Câmara de Santarém;  e aguardo com muita expectativa os resultados da reunião entre o Ministério Público e os camaradas Nuno Serra e companhia. Veremos se os bacocos dão flor. É normal, em tempo de Verão, apanhar passarinhos pelos caminhos mas, pelo vistos, começa a ser tempo de apanhar também passarões.
Comprei o jornal Público diariamente nos últimos 22 anos. Mesmo em férias alguém o comprava por mim. Lia-o quase sempre de fio a pavio. Assisti e fui testemunha do seu nascimento e de todos os problemas que o jornal teve no mercado. Chegámos a comprar páginas de publicidade no Público para publicitarmos O MIRANTE. Esta semana deixei de comprar e mudei para o “Diário de Notícias” que só comprava de vez em quando. É uma homenagem ao jornal onde cheguei a escrever e onde vivi algumas situações hilariantes que me ajudaram a conhecer melhor o mundo em que vivo. Quanto ao Público comecei a lê-lo no computador o que não é a mesma coisa… mas quase.
Tenho cada vez mais a certeza que o jornalismo é uma profissão em extinção. As redacções das televisões têm jornalistas para dissecarem as notícias dos jornais e os jornais têm cada vez menos jornalistas porque as vendas são fracas e o mercado da publicidade já não é o que era. Não é por isso que o mundo vai acabar. Mas com menos jornalistas a democracia fica mais fraquinha. E os bacocos que querem dar flor ficam com mais caminho livre para nos fazerem passar por parvos;  eles, os avestruzes, que na sua grande maioria vivem de expedientes e só fazem política nos intervalos dos negócios. JAE

quinta-feira, 7 de agosto de 2014

Boa viagem Artur Barbosa

Morreu o Artur Barbosa. Para quem não sabe era o cabo-verdiano mais europeu e ribatejano que já conheci em toda a minha vida. Estou sem palavras porque era amigo do Artur Barbosa. Era médico de profissão e eu tinha a sorte de ser doente dele. Doente, quer dizer: embora eu fosse tratado sempre com mil cuidados e atenções às vezes era eu que, antes de sair do seu consultório, o aconselhava a descansar mais e a cuidar da sua saúde. O Artur Barbosa escapava-se algumas vezes do seu trabalho para viajar pelo mundo mas quando estava ao serviço trabalhava a todas as horas. E por isso tinha uma multidão de gente ao seu cuidado que ele tratava e atendia como se fossem da sua família.
Há-de haver certamente pessoas que não gostavam do Artur Barbosa. Mas eu posso garantir que ele era um ser humano excepcional; um homem que muitas vezes juntava a hora do almoço com a do jantar em nome da sua profissão e dos seus doentes que tratava com carinho e como melhor podia quando tinha que se repartir entre tanta solicitação.
Assim como não há livros que nos entretenham o espírito na hora de uma dor de dentes também não há palavras para falarmos do profundo desgosto de perdermos um bom amigo. Na hora de ouvir o Padre Borga a encomendar a Deus a alma do Artur Barbosa, ofícios que acompanho com o mesmo interesse com que leio romances, achei as suas palavras pobres para aquilo que o Homem e o médico representava para tanta gente. Mas quem sou eu para avaliar as palavras sábias de um padre que lê a Bíblia todos os dias quando eu próprio, que conhecia bem o médico e o Homem, não tenho imaginação nem vocabulário para falar do Artur Barbosa, o meu amigo que morreu na cama de um hospital alguns dias depois de um acidente, leia-se AVC, de que se safam muitos mortais provavelmente muito menos comprometidos com a eternidade.
O médico e escritor António Lobo Antunes disse numa entrevista que havia muita gente a tentar compreender nos seus romances aquilo que ele próprio, que os escreveu, ainda não compreende muito bem. E logo de seguida cita versos de Garcia Lorca para se mostrar espantado com os valores das palavras essenciais. “Pelo teu amor me dói o ar, o coração e o chapéu”. Foi nessa entrevista que Lobo Antunes disse que a poesia é como a resposta que Júlio César deu quando lhe perguntaram qual era a melhor morte: “A que é inesperada”.
Boa viagem Artur Barbosa.
JAE

quinta-feira, 31 de julho de 2014

O 25 de Abril de alguns

A Câmara Municipal da Chamusca organizou, por alturas das comemorações dos 40 anos do 25 de Abril, alguns espectáculos que não foram do agrado de toda a gente. Até aqui nada de novo. A novidade surgiu em forma de desabafo na caixa de comentários do sítio da Biblioteca Municipal da Chamusca quando um cidadão resolveu criticar a autarquia por ter contratado alguém que é um caloteiro e que, como figura pública, não representa nada daquilo que são os valores conquistados com o 25 de Abril de 1974. O comentário era forte, provavelmente contava uma verdade dura de roer e, talvez por isso, só esteve online no sítio da biblioteca durante uns dias até que alguém sentiu autoridade suficiente para o apagar.
Trago o assunto a este espaço de comentário mas bem podia tê-lo desviado para uma sessão de humor deste jornal. Talvez até sobrasse mais espaço para gozar com a situação e com a caricatura que são certas pessoas.
Há tipos que passaram, e ainda passam, uma vida inteira a chular o Estado e a viverem à custa do erário público como se tivessem nascido abençoados, ou Deus, com o seu infinito Poder, lhes tivesse dado a permissão de cagarem em cima dos princípios sagrados que norteiam a vida dos cidadãos com as contas em dia.
Do relatório da Mariana de segunda-feira; Estavam no atendedor cinco chamadas do fim-de-semana; todas de pessoas que querem denunciar situações (relatório à parte que seguiu para a redacção). Ligou-nos o nosso assinante, e membro do Clube de Leitor, Augusto, para nos dizer que a partir de hoje não quer receber mais o nosso jornal por causa das palavras obscenas que escrevemos. Hoje tivemos outro cancelamento de assinatura por dificuldades financeiras que foram explicadas de viva voz. Ligaram da agência (:) do Porto a perguntar se era verdade estarmos com falta de papel e se podíamos garantir que a publicidade do cliente deles ia sair esta semana, situação que resolvi por email com conhecimento para a Joana.  JAE

quinta-feira, 24 de julho de 2014

Os idiotas e as PME

O BPI promove todos os anos junto do IAPMEI (e nós agradecemos) a candidatura da empresa editora de O MIRANTE a PME do ano. Embora ganhemos sempre o título ainda não ganhamos o campeonato. A empresa não tem saldos negativos mas o banco, à cautela, exige todos os anos a entrega do balancete não vá o diabo tecê-las, embora todos os movimentos estejam garantidos por uma penhora de bens imóveis. Grande admiração, desilusão ou surpresa? Nem por isso: Só para quem não anda nesta vida há séculos!
O actual director da SIC Notícias, António José Teixeira, disse há cerca de uma dezena de anos que ninguém melhor que um jornalista para gerir um projecto de comunicação social. Nunca esqueci a conversa informal mas muito proveitosa num hall de hotel enquanto esperávamos por uma boleia para um congresso de jornalistas num tempo em que ainda havia congressos de jornalistas. AJT tem razão; na maioria dos casos é assim. Infelizmente para a imprensa há muitos excepções à regra. O que não falta por aí são tipos a quererem vender bem, e a bom preço, o jornal aos leitores depois de o terem vendido bem, e a bom preço, aos anunciantes. No final não conseguem uma coisa nem outra.
Duas crónicas seguidas a escrever sobre a profissão e a empresa; mas não é por medo de escrever sobre os idiotas da política embora os juízes entendam que chamar idiotas aos políticos é crime; é por falta de consideração por políticos e juízes (com as honrosas excepções).    
Do relatório da Mariana da última segunda-feira: A primeira chamada do dia foi do senhor Helder, de Torres Novas. Diz que tinha uma empresa que teve de encerrar devido a fraudes (:) O nosso assinante Manuel, do Forte da Casa, desta vez não foi para reclamar não ter recebido o n/ jornal porque tinha acabado de o receber, mas porque tinha passado por trás das escolas e queria denunciar um caso 
(:) O nosso assinante de VFX, Manuel, “no gozo” a perguntar se as tropas do D. Afonso Henriques vieram cá em Julho de 1939 travar a batalha contra os Mouros (:) Augusto, assinante de Perofilho, para nos expressar o seu desagrado em relação a esta notícia” “Matador de Vila Franca contratado para seis corridas em Espanha”. Diz-nos que o António João Ferreira não é nem nunca foi de Vila Franca. Tem 75 anos e viu-o nascer em Perofilho. Ligou Vitor, nosso leitor “Expresso”, a denunciar o caso de uma oficina na sua aldeia onde trabalham de noite (:) JAE

quinta-feira, 17 de julho de 2014

Viajar com relatórios

Andei a viajar para ganhar tempo ao tempo. Escrevi todos os dias mas não para publicar. Leio mais do que escrevo. E acima de tudo leio relatórios de trabalho. Partilho com os leitores parte resumida do relatório da Mariana da última sexta-feira e desafio aqueles que gostam do jornal a inscreverem-se no Clube de Leitores e sugerirem iniciativas que tenham a ver com o interesse próprio ou da terra onde vivem. Para quem julga que editar um jornal é só escrever notícias aqui fica um cheirinho de um dia ao telefone e de alguns assuntos que nos caem no colo. 
Recebemos 37 chamadas. Para as assinaturas ligou-nos a irmã do nosso assinante António, de Riachos, para nos dizer que ele está hospitalizado desde Janeiro, para retirarmos o jornal porque já não consegue ler. Ela também é assinante. Ligou-nos o professor Miguel, da Alemanha, para dizer que já enviou a ficha de inscrição para o Clube do Leitor. Este ano não vem a Portugal porque vai para o Congo com os Médicos Sem Fronteiras. Mas assim que vier vem fazer-nos uma visita. Ligou ainda o nosso assinante de Samora Correia, José, que tem 83 anos. Foi operado à vista e só consegue ler com uma lupa; não vai renovar a assinatura que terminou em Junho. Ligou ainda Augusto, nosso assinante do Cortelo, Santarém, que tinha reclamado a falta de entrega da edição da semana passada  e a quem enviamos a segunda edição na segunda-feira, para nos dizer que já vamos na quarta-feira e também não recebeu.  Na conversa disse que não era só com o nosso jornal; que os carteiros trocam a correspondência. Algumas cartas dele vão parar à Quinta da Pimenteira que ainda é longe; que devíamos fazer um artigo a denunciar estas situações e não só quando os carteiros fazem greves. Para o departamento comercial recebemos 15 chamadas que foram transferidas como segue (:) Para falar consigo ligou o Francisco, de Alpiarça, e o António, de Benavente, mas disseram que voltavam a ligar (:) Junto envio ponto de situação relativamente ao contactos pendentes da semana que acaba hoje. JAE

quarta-feira, 2 de julho de 2014

Editorial - A lógica do Poder

A população da Carregueira (Chamusca) assustou-se mais uma vez com um acidente no Parque do Relvão. Desta vez foi um incêndio na Resitejo. O fogo durou várias horas e teve a intervenção de mais de uma centena de bombeiros. Um jornalista de O MIRANTE esteve à porta das instalações e nunca conseguiu falar com os responsáveis da câmara municipal e da protecção civil que estavam no local. A informação que fomos partilhando online foi conseguida pelo telefone sempre junto do Comando Distrital de Operações de Socorro. A população da Carregueira foi a responsável pela vitória histórica do PS nas últimas eleições autárquicas. Ninguém tem dúvidas que a escolha dos eleitores espelha a desconfiança e a falta de informação sobre o Parque do Relvão. Os eleitos socialistas gozam de um poder que, aparentemente, não merecem. Informar na hora, principalmente em casos de desgraça ou de possível desgraça, que pode pôr em risco pessoas e bens, faz parte da lógica do Poder e da sociedade de informação que ajudamos a construir. Se estes políticos, bafejados na hora do voto pelas desconfianças das populações, não perceberem isso bem podem começar a arrumar a tralha.

O porco e a Parker

A minha avó Ilda oferecia regularmente cestos de ovos, morangos e figos aos médicos e funcionários do centro de saúde da sua terra. Todos os dias me lembro da avó Ilda. Se há coisas boas que aprendi com ela foi a partilhar e a ser agradecido. Não nasci invejoso, sendeiro ou intrujão mas mesmo assim vigio-me regularmente para ter a certeza que honro os compromissos que a minha avó me deixou.
Um ex-amigo confessou-se na minha casa, onde a minha mulher lhe serviu um opíparo jantar, como se ele fosse a Rainha de Inglaterra, que coleccionava canetas. Um dia, num passeio por Lisboa, numa zona que me faz lembrar o largo onde moro, na Chamusca, descobri uma Parker de colecção com um estojo onde podia guardar-se a coroa de D. Afonso Henriques. Por causa do preço lembro-me de ter começado a namorar a caneta com a altivez própria de um derriço que sabe ter a noiva na mão. Durante muitos meses, com a arte que aprendi com os homens dos sete ofícios a quem aviei muitos copos de vinho, conversei com a dona da loja, vi o fundo da tampa da caneta, confirmei os quilates do ouro do aparo, enfim, chegou uma altura em que me senti dono da caneta de tanto a ter na mão e fazer baixar o preço.
Um dia, com a Ponte 25 de Abril por cima da cabeça, de volta à lojinha, fui avisado que a caneta já tinha sido vendida. Disfarcei o desgosto e fui esmurrar a parede do edifício ao lado bem longe dos olhos da lojista para que ela não se risse de mim como eu merecia.
Recentemente, com alguma vergonha na cara, voltei à loja da caneta Parker e de outras canetas que fazem a minha delícia de coleccionador sem cheta e sem paciência de coleccionador. A caneta voltou à estante e a senhora da loja, com o ar mais natural deste mundo, disse que não se lembrava de mim, que a caneta ainda estava quente de ter chegado à loja há tão pouco tempo. No momento em que escrevo ando a renegociar a caneta; quem sabe se para oferecer a um dos meus filhos, talvez aquele que um dia melhor souber recordar as memórias da avó Ilda com quem dois deles ainda beberam café e comeram pão com ovo frito sentados à braseira.
Quanto ao ex-amigo, a quem a caneta estava destinada, terá sido vítima de um criador de porcos. Ele era o bácaro mais inteligente ao cimo da terra; gordo e redondo, sempre com as unhas sujas e grandes para não estranhar as pocilgas por onde passava no seu ofício de javardo oficioso. Quando o conheci andava disfarçado de intelectual e político. Foi nessa condição que entrou na minha casa e comeu da minha panela. É verdade que deixou um cheiro a barrasco mas nada que o eucaliptal que tenho quase ao pé da porta não tivesse ajudado a disfarçar numa casa como a minha que tem tantas janelas, verdadeiras e imaginárias, como o Palácio de Queluz. JAE

quarta-feira, 25 de junho de 2014

Adoro panquecas

As sociedades, por vezes, são como os caranguejos; caminham para trás. 
Não há nada a fazer que não seja ter um projecto de vida que contrarie o da sociedade em que vivemos. Ninguém me obriga a ver televisão às oito da noite quando todos os canais transmitem as mesmas notícias desgraçadas e os discursos dos mesmos políticos chatos e incultos; ninguém me obriga a cair na armadilha daqueles que dão a voz de comando para que a sociedade retroceda de forma a satisfazer as clientelas e os mesmos de sempre que se alaparam ao Poder.
Num mundo onde a grande maioria das pessoas é parca em leituras, principalmente de jornais, as televisões aproveitam para organizar a sociedade do espectáculo que nos leva a esta desgraça em que vivemos; 
Deixo aqui uma receita para a felicidade (usada já há uns anos) que pode ser aproveitada por quem tiver um mealheiro; um dos melhores hotéis do mundo (dos mais baratos)  para curar insónias e azias é o Nyhavn em Copenhaga. O segredo é viajar na Primavera ou no Verão e dormir a sesta todos os dias com a janela aberta para poder adormecer ao som das gaivotas. Rente à noite é normal encontrar um baile à beira-rio com o charme e a gente bonita que se pode encontrar num salão de um palácio em Viena de Áustria. Nem precisamos de saber falar inglês. Ali fala-se com os olhos e o sorriso e, às vezes, com as mãos se elas não estiverem muito transpiradas.
Nota: Imaginem o Paulo Bento a gerir uma empresa convocando todos os profissionais doentes só porque tem medo de meter o ofício no corpo dos novos aprendizes! E já agora imaginem o António José Seguro a abraçar o António Costa quando ele ganhar o PS. Por fim: imaginem que o Sócrates, no tempo do outro Governo, tinha vendido o Rio Tejo aos alemães. Alguém acredita que ele não seria na mesma comentador residente da RTP, onde debita todas as semanas textos de teatro que anda a escrever para o seu novo livro. 
Adoro panquecas mas já não tenho espaço para explicar as razões da minha boca gulosa. JAE

quarta-feira, 11 de junho de 2014

Somos todos culpados

O actual presidente do conselho de administração do Hospital de Santarém , José Josué,  foi chamado à pedra pelos políticos da região e safou-se com palavras mansas. Para ele a culpa é do Governo que não lhe dá médicos e dinheiro. Faltou contar como contesta a falta de condições e de que forma se organiza com os responsáveis locais e regionais para cumprir a sua função em defesa dos cidadãos cuja qualidade de vida depende dos bons serviços do Hospital. Todos sabemos que estes lugares de Direcção não são fáceis. A maior prova é o que se passa no Centro Hospitalar do Médio Tejo, onde nos últimos tempos tem sido difícil dispor de um corpo clinico estável. Mas quem aceita estes lugares deve ser mais competente e menos político. O Hospital de Santarém tem os melhores equipamentos que existem no país para o tratamento do HIV e para as doenças de foro oncológico, entre muitas outras. Apesar da crise, tem um grupo de médicos que faz a diferença em algumas especialidades. Falta saber se com esta administração não vamos perder o muito que ainda temos. Devemos ser exigentes e vigilantes. E pedir aos políticos que nos representam que não se deixem enganar com as desculpas de que o Governo de Passos Coelho tem que saber que as urgências dos hospitais não funcionam e as seringas acabaram. JAE

quinta-feira, 5 de junho de 2014

Editorial - Santarém merecia melhor CNEMA

Sábado, 7 de Junho, começa a 61ª Feira do Ribatejo. Como vem sendo hábito soubemos melhor da data do acontecimento quando a organização do evento encheu a cidade de Santarém com cartazes de plástico, a exemplo do que fazem as organizações que abusam dos critérios largos da autarquia para publicitarem de forma selvagem.
Faz agora um ano, desafiamos os responsáveis do CNEMA e da câmara municipal a organizarem um debate público sobre o presente e o futuro da Feira. Aquele espaço está por conta de uma organização que não defende os interesses da cidade e do concelho e tudo o que ela herdou tinha dono e fazia parte do património de Santarém.
Os últimos presidentes do município foram um desastre na defesa e governação dos interesses da autarquia em favor da CAP (Confederação dos Agricultores Portugueses), a organização que mobiliza os dirigentes que tomam conta do CNEMA. As batalhas que têm sido travadas entre as várias administrações e a autarquia davam um filme. Depois de todas as batalhas há uma guerra para vencer. Se o actual presidente, Ricardo Gonçalves, for fraco e inseguro, a CAP pode ficar ainda mais dona do CNEMA e a seguir tomar conta da Igreja da Graça e do Jardim das Portas do Sol que nada a impedirá.
Que a 61ª edição da Feira do Ribatejo seja um sucesso. Vamos todos à Feira. Não há CAP nem João Machado que possam impedir a festa ou calar a voz dos indignados com a pouca vergonha das deliberações milionárias que incluem trocas de terrenos e outras contrapartidas que um dia conheceremos.

quarta-feira, 4 de junho de 2014

A melhor forma de roubar os bancos

Uma pesquisa recente no arquivo digital de O MIRANTE levou-me a reler a história triste de Nelson Pita, de Foros de Salvaterra de Magos, que depois de uma tentativa frustrada para roubar dinheiro da agência do banco Millennium, em Samora Correia, foi condenado, meses depois do assalto à mão armada, a mais de sete anos de cadeia. Não soube mais nada da vida de Nelson Pita, nem sei se o assaltante, ou a sua pobre família, conseguiram resolver, sem armas, os problemas financeiros que o levaram à loucura. O que sei, e dou conta disso porque acho espectacular que certas coisas ainda aconteçam sem que a justiça funcione, é que é muito mais fácil roubar um banco pedindo dinheiro emprestado que imitando o cidadão de Foros de Salvaterra.
Há largos anos que a imprensa portuguesa noticia os inúmeros esquemas com que a classe mais rica do país se financiava, e provavelmente ainda se financia, para comprar acções na Bolsa, participar no aumento de capital de empresas ou investir em várias frentes dos negócios à portuguesa. Há administradores bancários que assinaram de cruz alguns desses empréstimos chorudos e a taxas de juro irrisórias dando como aval apenas, e só, o próprio investimento, como se emprestador e beneficiário fossem da mesma família e comessem todos os dias à mesma mesa.
A notícia de O MIRANTE sobre o assalto frustrado de Nelson Pita acaba a informar que este teria apanhado mais anos de cadeia se não tivesse negociado com o banco o pagamento de 1265 euros para compensar os estragos no tecto do edifício da agência bancária. Falta saber se a justiça portuguesa anda a negociar com os ditos administradores bancários o quanto eles têm que pagar de indemnizações antes de os meterem na cadeia como fizeram com Nelson Pita. JAE

quarta-feira, 28 de maio de 2014

“Portugal é um bordel em autogestão”

“Portugal é um bordel em autogestão”. De tanto ouvir esta afirmação um dia tinha que a escrever. Ouço-a repetidamente há cerca de duas dezenas de anos e voltei a ouvi-la na passada semana numa reunião de empresários e da boca da mesma pessoa. A frase é muito forte e apetece desligar da conversa quando se ouve alguém a extremar assim o discurso não deixando margem para sonharmos com a luz ao fundo do túnel. Da última vez reparei que os ouvintes, comparsas como eu, estavam mais atentos e menos chocados com as palavras. “Eu não quero nada com o António Saraiva, da CIP, porque jamais aceitarei que o patrão dos patrões portugueses seja um tipo que começou a vida como sindicalista na Lisnave”. Esta é outra das afirmações dezenas de vezes repetida e que, ao contrário do que é habitual, em vez de perder sentido com o passar do tempo ganha cada vez mais actualidade  porque os empresários, principalmente os pequenos e médios, estão cada vez mais na mão de meia dúzia de bancos e de uma dúzia de capitalistas. Hoje não é pobre quem tem um emprego certo e ganha um ordenado; é pobre quem tem uma empresa e não sabe como contratar mão-de-obra especializada e como resolver os problemas das dívidas acumuladas.
Duas palavras para os figurões dos políticos que nos governam já que eu acho que isto está mau mas ainda não é verdadeiramente “um bordel em autogestão”. As eleições são uma forma dos políticos disfarçarem as suas más intenções quanto à governação do “bordel”. De outra forma mudavam a lei eleitoral; limitavam os mandatos dos deputados e não só dos autarcas; taxavam mais os ricos e não roubavam das reformas; abriam mais tribunais e não fechavam os poucos que existem; formavam mais juízes e faziam de Portugal um país do primeiro mundo. “Bordel” é uma metáfora injusta para um país que foi pátria de Camões e Salgueiro Maia. Mas que cheira a “pocilga” isso não tenho dúvidas.  JAE

quarta-feira, 21 de maio de 2014

Tom Fleming em Tomar

A NERSANT levou a Tomar um conferencista daqueles que traz o mundo nos olhos e todas as manhãs pisa o chão novo das américas do mundo. Fui ouvi-lo para depois pedir contas aos autarcas que estivessem por lá. Sabia que ele ia falar de bibliotecas abertas ao público como se fossem mercados; que ia mostrar exemplos de como se podem cativar pessoas para os centros históricos; tinha a certeza que ia ouvir falar de inter-relações; criatividade cívica; “Não há milagres mas muitas oportunidades para milagres”, disse Tom Fleming, depois de dar paletes de exemplos de como se revigora e transforma culturalmente uma cidade.
Não vi autarcas com responsabilidades. Curiosamente a organização convidou o professor Manuel Reis Ferreira que para a sua intervenção elegeu Tomar e a marca Templária. Depois de informar que o Convento de Cristo recebe anualmente cerca de 180 mil turistas, que passado quarenta minutos estão a ser empurrados para os autocarros que os transportam de regresso a Lisboa, deixou o seguinte testemunho que diz bem da nossa pobreza franciscana no que respeita a politicas culturais e económicas.
 “O Convento de Cristo tem muitas portas para abrir, não só no sentido literal e material do termo, como no sentido estratégico e mesmo imaterial. Para este (dia) elegi abrir uma porta muito especial: a porta do Castelo Templário. Porque Templária é a marca da cidade e porque Templário é o início deste Convento de Cristo e desta bela cidade e porque, estranhamente, sem dizer mesmo, misteriosamente, este Castelo Templário tem sido um castelo esquecido, desconhecido de muitos cidadãos e do mundo. A importância do conjunto, Castelo e Charola Templária, representa uma época da história que nos leva a Jerusalém e à nossa nacionalidade. Porque é que um Castelo, que é um dos mais notáveis testemunhos da arquitectura militar e Templária (ibérica e europeia), de fundamental importância na definição das fronteiras de Portugal, como ainda hoje são das mais antigas do mundo, está fechado ao público?”. Não havia na sala quem pudesse responder. JAE

quinta-feira, 15 de maio de 2014

Encontros e desencontros

Nos últimos tempos falhei encontros importantes; com o Adelino Gomes em Abrantes;  com o Otelo em Santarém;  com o Tiago Guedes no Cartaxo. Estou sempre a falhar encontros importantes porque o meu sonho é cada vez mais estar em todas ao mesmo tempo e depois poder escrever, ou não, conforme a minha vontade. Faço bem a gestão destes desencontros porque tenho hábitos diários de leitura e viajo com alguma regularidade. O prazer de ler diariamente um bom livro, ou de abrir caminho, regularmente, numa nova viagem, são experiências que compensam o pesadelo do trabalho diário que muitas vezes é quase um castigo. O livro é mais sagrado; ficamos mais eternos cada vez que encontramos a matéria com que se fazem os sonhos. As viagens são os abdominais da vida; sem o desconcerto, e o desconforto de tudo o que nos acontece, antes e durante uma viagem, nunca conheceríamos os segredos do olhar das rainhas quando olham os servos com que se deitam.
De um livro quero aquilo que se pode ouvir num “jardim japonês”: “Ao minuto de gozo do que chamamos Deus, fazer silêncio ainda é ruído”. ( Adélia Prado). De uma viagem espero sempre a absolvição por tudo o que de mal fiz a mim próprio e me faz sofrer de todas as maleitas do século que vão desde o stress à falta de sono. E em cada viagem vou pedindo como quem esmola: “Ó meu corpo, protege-me da alma o mais que puderes. Come, bebe, engorda, torna-te espesso para que ela me seja menos pungente” (Maria Noel). JAE
Nota Final: Morreu José Manuel Cordeiro; empresário, dirigente associativo e, imagine-se, político. Se todos os políticos fossem como ele este mundo seria bem mais justo. A lembrança do seu nome chega para o homenagear; tenho a certeza que ele aprovaria, na hora da despedida, palavras simples e gestos comedidos.

quarta-feira, 23 de abril de 2014

Recordações da Laura

A jovem que na passada quinta-feira morreu debaixo de um comboio na Estação de Santarém foi colega da minha filha no liceu de Santarém. Recentemente estivemos aos beijinhos e abraços no centro da cidade num daqueles encontros casuais que servem para matar saudades. A Laura era linda. Achei-a mais linda ainda depois de saber que ela tinha abandonado o Convento e a ideia de viver para sempre com o vestido de freira. Ainda guardo a memória do seu sorriso e do seu belo rosto de freira sem Convento. Não sei quantas pessoas a namoraram nem quantas lhe roubaram beijos. Não sei quantas pessoas a desiludiram. Nem toda a gente se suicida por amor ou por falta de amor. Certamente que ninguém se deixa “apanhar”por um comboio por excesso de amor no coração.
“Haja vertigem, um ranger de dentes e um grãozinho de loucura e a obra é boa” (Mário Saa). Acho que foi esta frase que faltou partilhar com a Laura naquela inesquecível tarde de sol em que os comboios passavam na estação cheios de pessoas felizes a caminho de casa. JAE

quarta-feira, 16 de abril de 2014

Homenagear palavras

Faço minhas as frases fortes dos depoimentos que enchem o suplemento sobre os 40 anos do 25 de Abril incluído nesta edição de O MIRANTE. Não conseguiria dizer mais sobre a data e o que ela representa para mim. Tirei as aspas para que a minha liberdade de usar as palavras ficasse quase perfeita. Fui vizinha de Salgueiro Maia e ouvi da sua boca relatos do 25 de Abril. Tenho memória de um país cinzento que existia antes do 25 de Abril. O Estado é um monstro que vive à custa do povo em vez de o servir. As gerações anteriores à minha cresceram com a angústia de irem para a guerra. Apesar de todos os defeitos o nosso sistema político é o adequado ao nosso país. Muitos portugueses ainda não perceberam que o Estado somos todos nós. Alguns atropelos à democracia afastam-nos dos valores de Abril. Temos o desafio de nos superarmos para fazermos todos os dias um novo Abril. Sem o 25 de Abril eu não teria sido eleito para o cargo que ocupo hoje. O 25 de Abril não é uma foto mas sim um filme em movimento.... Não concebo a democracia sem mais igualdade e mais justiça social. Com tristeza vejo centros de saúde encerrados e pessoas sem médico. Celebrar Abril é denunciar o que põe em causa a liberdade. Tirando a liberdade o resto foi uma desilusão. A diabolização dos políticos não ajuda em nada a preservar a democracia. As ingerências do Governo nas autarquias são contrárias aos ideais de Abril. Acredito que vamos retomar o Portugal solidário de Abril. Vivemos em democracia embora haja quem nos queira convencer do contrário. O poder local tem vindo a ser atacado e tenta-se diminuir a sua capacidade de intervenção. Só valorizamos o que conhecemos, o que respeitamos… Não podemos ser um país que maltrata os idosos e incentiva os jovens a emigrar. Eu e a minha irmã nascemos em França por o meu pai estar envolvido na luta contra a ditadura. Foi o 25 de Abril que me deu a oportunidade de tirar um curso superior. Como autarca tenho obrigação de defender uma das grandes conquistas de Abril. A justiça é fraca perante os fortes e forte perante os fracos. Precisamos de uma revolução mas com recurso às armas da participação cívica. JAE

quarta-feira, 9 de abril de 2014

Navegar é preciso

Na tarde de apresentação do livro de José Fidalgo Gonçalves comentei, entre apresentações e em jeito de moderador que gosta de molhar o bico, que a intervenção de Maria da Luz Rosinha sobre o livro de José Fidalgo tinha excedido as expectativas e que não tinha notado qualquer divergência entre eles, pelo que, a existir alguma divergência no plano do pensamento ou da acção política, ninguém diria pela forma como a oradora falou do autor.
A plateia sorriu e fez-se um burburinho que durou três segundos. Depois tudo voltou ao normal. No fim da sessão, que durou cerca de duas horas, chegaram as reacções mais estranhas para quem, como eu, leva o trabalho a sério.
“Não gostei nada daquela observação. Bem podia ter-se evitado. “É pá, você queria incendiar a sala logo no início da sessão”. “Boa, Joaquim Emídio, gostei, dou-lhe os parabéns em nome da sociedade civil de Vila Franca de Xira”. Com um sorriso amarelo e, nalguns casos, com respostas de circunstância, esperei pela hora de desmobilizar e fazer-me à estrada que nesse dia tinha jantar de aniversário.
No outro dia, já refeito do meu primeiro êxito assinalável como moderador e editor, fez-se luz: José Fidalgo foi presidente da Junta de Vila Franca de Xira nos últimos três mandatos e saiu a meio do último. Quem o substituiu fez quase tudo para desvalorizar o seu trabalho. No dia do lançamento do livro, que foi anunciado quase um mês antes da data, estava a realizar-se uma assembleia municipal convocada para duas horas antes desta sessão. Por último: nas últimas eleições autárquicas o Partido Socialista perdeu a junta de freguesia para a CDU.
É difícil fazer opinião no espaço de um comentário, como é o caso, mas apetece-me deixar aqui expresso que dou tudo o que tenho e não tenho para navegar nestas águas onde posso ajudar a fazer o contraponto. JAE

quarta-feira, 2 de abril de 2014

Serviço público e exemplo de cidadania

 O Poder Local é uma das maiores conquistas do 25 de Abril. A conclusão é velha e tem sido repetida até à exaustão pelos políticos e pelos agentes ligados a instituições locais e regionais que precisam das autarquias como de pão para a boca. Todos sabemos, no entanto, que nem sempre os políticos locais privilegiam as parcerias e a governação democrática. Há autarquias e autarcas que nos seus ministérios comportam-se ainda pior que os governos de Lisboa. Das últimas eleições autárquicas saíram executivos que estão a trabalhar com fôlego renovado; políticos que estão a tentar reorganizar o Poder Local numa direcção que não seja só a do compadrio e a do salve-se quem puder. A realidade económica a isso obriga. As mudanças no tecido económico e social, e a necessidade de aproveitamento de sinergias, não deixam outras alternativas. Mas do querer ao fazer vai um grande passo. Nomeadamente se tivermos em conta que para se ter êxito na gestão política de um território é preciso somar qualidades humanas e boas experiências de vida e de trabalho.
A edição recente do livro de José Fidalgo, “Autarquia Inclusiva & Participada”, é um bom exemplo de um autarca que, depois do trabalho feito, que é modelar nalguns capítulos, soube tirar proveito da sua passagem pelo Poder Local. O livro não é só trabalho de autor e realização pessoal; é serviço público e exemplo de cidadania. JAE

quarta-feira, 26 de março de 2014

Envinagrados

Um homem com cerca de setenta anos ralha-me junto ao expositor de jornais de uma grande superfície comercial por eu estar no seu caminho e sugere, entre dentes, que eu sou um pendura (eu e mais cinco ou seis que fazem o mesmo que eu). E é verdade. Enquanto ele, aparentemente, compra o jornal xpto diariamente como quem compra uma pastilha ou um maço de cigarros de determinada marca eu folheio jornais, portugueses e estrangeiros, e vejo se me interessam, se não estão todos impressos com as mesmas notícias trabalhadas  em cima de informação já recalcada dos últimos dias.
Mando-lhe uma boca na desportiva dizendo-lhe que as pessoas envinagradas devem ir ao médico ou morrem a meio do dia; entretanto ele exalta-se e responde que acabou de vir do médico mas dando as costas e mostrando que é só brigão de palavras.
A coisa ficou por ali mas da provocação do homem retirei uma boa lição; lembrei-me que também eu ando envinagrado há anos e que se não me curo ainda vou morrer azedo. E no entanto tenho escrito na testa o seguinte ditado; para ajudar a resolver um problema não há nada melhor que um dia a seguir ao outro com uma noite pelo meio. JAE

quarta-feira, 12 de março de 2014

Dizem que Deus existe

O meu avô Manuel Emídio trabalhava há cinquenta e muitos anos a roçar mato nas propriedades da Casa Amaral Netto. Eu era seu companheiro de jornada. Saíamos de casa de manhã bem cedo, ele a pé e eu em cima da albarda da burra, e íamos pela charneca adentro para onde era preciso roçar o mato para proteger a floresta dos fogos. Lembro-me como se fosse hoje. O meu avô cortava em média cerca de setenta paveias de mato pagas a meio tostão, que ao sábado de cada semana ia receber ao escritório da Casa perante o meu olhar luminoso por estranhar que lhe pagassem sem conferir. No dinheiro que o meu avô recebia havia uma pequena parte que era minha. Embora passasse o dia com o olhar espantado perante a beleza das saramântigas, havia uma pequena roçadoira para mim de forma a que eu também pudesse ganhar o meu dia. O meu avô não queria mas eu fazia questão de cumprir as seis ou sete paveias por dia.
Partilho esta lembrança na semana em que morreu a Anita do José Ceboleiro. O esgoto que sai da casa de família para a rua está a metro e meio abaixo do chão de barro e uma boa parte fui eu que a abri com lágrimas nos olhos porque a picareta faz doer a carne e os ossos.
Sou muito feliz ao recordar os tempos antigos e se fosse possível registava todos os dias as memórias da vida na infância e fazia um monumento de palavras à Anita do José Ceboleiro, que acabou de morrer, mas também à Júlia do António Serôdio que está no Lar da Misericórdia da Chamusca e parece uma alma do outro mundo a sofrer o que ninguém merece. E ainda dizem que há Deus!! JAE

quarta-feira, 5 de março de 2014

Os fracassos no trabalho

A nossa vida é cheia de fracassos e de oportunidades perdidas. Por cada instante de felicidade batemos cem vezes com a cabeça na parede. Por cada noite bem dormida acordamos mil vezes a meio da noite. Sou dos que colecciona fracassos como alguns juntam dinheiro. Tenho um álbum cheio de más recordações como muitas famílias têm gavetas cheias de fotos das crianças, das férias, das viagens, dos casamentos e baptizados.
De fracasso em fracasso vou vivendo e também festejando, quando o rei faz anos, a alegria de algumas pequenas mas significativas felicidades que no entanto podem durar apenas alguns minutos ou segundos.
Um dia viajei atrás de um sonho para conhecer um dos maiores fracassos da minha vida. Meti na cabeça que conhecia a pessoa ideal para realizar um projecto de trabalho e fui estrada fora, noites e dias, até conseguir encontrar-me com o figurão que é dono deste mundo e do outro, tem asas nos braços e umas pernas tão altas que dão para atravessar o Atlântico com uma passada. Quando chegou a hora de me sentar à volta de uma mesa para comer filet mignon e depois fazer a digestão da comida e de todas as palavras que levava no bucho, pesadas e afiadas como pedras na vesícula, falei, falei, falei até me doerem os queixos. A primeira vez que me calei foi para ouvir: “Joaquim, já me deste meia dúzia de boas ideias; só para ouvir tudo isso que partilhaste já valeu a pena o nosso almoço, é um êxito essa tua ideia. Não a contes a mais ninguém por agora que eu quero pensar no assunto”. Foi até hoje. Saí de casa para ir à caça de elefantes e fui caçado feito um coelho. JAE

quarta-feira, 26 de fevereiro de 2014

O elogio das Personalidades do Ano 2013 eleitos pelos jornalistas de O MIRANTE

O MIRANTE tem uma história que se confunde com outras histórias de outras empresas e instituições da região. Ao longo dos anos, com trabalho, muita paciência e alguma sabedoria, erguemos um projecto editorial que deve muito aos seus jornalistas mas também aos estrategas que, até agora, têm sabido como financiar o projecto. E como é que se financia um projecto editorial sem vender a alma ao diabo, ou seja, sem depender de Pedro ou de Paulo e não ter que mostrar o jornal a alguém estranho à redacção antes dele seguir para a gráfica?
Esse é o segredo que vem do tempo em que tivemos que aprender à nossa custa, errando, insistindo no uso do verbo querer, reescrevendo o verbo fazer, e acima de tudo perdendo o medo de fazer caminho contra tudo e contra todos fazendo fé na nossa competência e no nosso profissionalismo.
Agora é mais fácil escrever um texto do que há 15 anos ou 20. Agora é mais fácil realizar entrevistas e reportagens. Agora a informação pinga por aí em tudo o que é nariz e até as árvores parece que, em vez de darem laranjas e pêssegos e alperces, parece que vão começar a dar informação de proximidade a confiar nos bruxos de serviço. É mentira como todas sabemos. Basta abrir as televisões e perceber como somos usados e literalmente gozados com um jornalismo abaixo de cão que só tem piorado a cada ano que passa.
Este início de conversa tem uma justificação que me apresso a explicar antes que seja tarde. Andamos todos muito nervosos com o estado do país porque já descobrimos que isto não vai lá com meias palavras nem com boas intenções. Nós somos, nós jornal O MIRANTE, somos o melhor exemplo para mostrar o estado deplorável da nossa justiça, o estado deplorável a que chegaram algumas das nossas instituições, o estado inqualificável a que se submetem alguns organismos públicos que estão na mão de mangas de alpaca e de chantagistas que só sabem o que se passa no seu pequeno circulo de interesses, e que têm uma visão da democracia lida nos alfarrábios dos ingleses e dos alemães, mas praticada como se fossemos território marroquino, ou turco, com as devidas desculpas aos marroquinos e aos turcos naquilo que eles já são mais evoluídos que nós e mais inteligentes que os nossos velhos agiotas.
Esta sala está cheia de gente ilustre que conhece de perto os problemas que nós vivemos e que afectam também as instituições onde trabalha cada um de nós. Mesmo assim não me calo, ou por outra, não falo baixinho, porque a Justiça não funciona para os pobres; o Estado não é bom parceiro dos pequenos e dos médios empresários que são a alma da nossa terra; o país continua a ser o percurso entre assembleia da república e as docas ou, em alternativa, entre a praça do comércio e a assembleia da república com passagem por escritórios importantes.
Não há país para além dos interesses instalados em Lisboa. Não há país que resista aos interesses instalados nos grandes negócios que têm o Estado por trás, ou têm os bancos que o Estado protege, ou o Sistema que o Estado alimenta, para que os seus servidores possam continuar a mandar como monarcas. Não são só os políticos que estão em causa: é o Sistema que nós permitimos que continue a vigorar que permite aos agiotas de serviço, que ocupam os lugares importantes nas grandes instituições do Estado, que boicotam, que fazem gato sapato daquilo que deveria ser sagrado que é o interesse nacional e o dever de lealdade para com os interesses do país.
Um solicitador de execução ou um advogado manhoso por trás de interesses instalados, que podem ou não viabilizar a continuação de um negócio do qual dependem muitas famílias , faz toda a diferença entre um pais civilizado e um país do terceiro mundo. E nós sabemos, nós sabemos que o país ainda tem muitos manhosos, e idiotas, e agiotas a mandarem naquilo que devia ser sagrado e que é fundamental para fazermos a diferença como país e como nação, ou como pátria de muitas regiões e de muitas diferenças, que é aquilo que melhor distingue os homens, os homens que, para além de serem e se sentirem parte de uma comunidade, têm raízes e asas para andarem pelo mundo como andam na rua onde brincaram em crianças.
Ponto final mas sem parágrafo pelo meio. Esta iniciativa da redacção de O MIRANTE é inspirada no trabalho e no exemplo de muita gente que fomos encontrando pelo caminho fazendo caminho. Alguns deles já morreram mas continuam no nosso coração. Outros ficaram pelo caminho mas deixaram marcas.
Não sei qual é o segredo de cada uma das personalidades deste ano para atingirem o sucesso. Não sei mas posso tentar adivinhar. Não há equipas sem líderes; não há evolução sem tumulto; se não formos um exemplo naquilo que fazemos e dizemos não poderemos exigir que os outros que trabalham connosco o sejam; se formos mentirosos e mesquinhos e idiotas é disso que será feita a nossa vida de todos os dias, e é desse veneno que provaremos por muito que tenhamos capacidade para adoçar a saliva.  Se passarmos a vida a fugir por entre os pingos da chuva, e não tivermos corpo e espírito para aguentar com as tempestades, sejam elas secas ou molhadas, não iremos longe nos nossos objectivos de vida.
Esta quarta-feira, na nossa habitual reunião de trabalho, tivemos em conta tudo o que lemos neste suplemento onde são publicadas as vossas entrevistas na qualidade de personalidades do ano eleitos pelos jornalistas que ajudamos a dirigir num jornal onde a maioria de nós ainda se sente jornalista de rua e de tarimba.
E é por isso que recordo aqui cada uma das vossas entrevistas porque estão lá as razões para a nossa escolha e, na grande maioria dos casos, as razões para que eu continue, pessoalmente, motivado a dar o meu melhor a este projecto editorial e a fazer tudo para que ele não tenha vida curta como acontece frequentemente na comunicação social de todo o mundo.
Há um segredo para o nosso sucesso que será certamente, por razões evidentes, diferente de todos os vossos que é a nossa ligação com os leitores. Quem trabalha no nosso jornal sabe desde a primeira hora que damos a maior importância aos leitores na vida do jornal. E é por isso, acima de tudo por isso, que todas as semanas e todos os dias temos histórias de proximidade que depois são notícia nas televisões e nos outros jornais, muitas vezes ou a maior parte das vezes já com o selo da nossa marca que, desde há uns anos a esta parte, embora seja local e regional, tem valor e reconhecimento nacional e internacional.
Muitas das nossa notícias são aproveitadas por correspondentes de televisões alemãs e francesas e americanas, por sítios brasileiros e australianos, por jornalistas de secretária da grande maioria dos jornais de Lisboa, que têm os seus profissionais atrás de um telefone, para ficarem mais baratos à empresa, à pesca daquilo que nós sabemos fazer bem na proximidade com os leitores e com os seus interesses, ou os interesses de quem lhes está próximo, porque é da proximidade que nós vivemos e temos êxito no nosso trabalho.
JAE

Texto lido na cerimónia da entrega dos Prémios Personalidade do Ano no dia 20 de Fevereiro de 2014.