terça-feira, 30 de novembro de 2010

Outra vez a liberdade de imprensa

Um advogado de Santarém, Oliveira Domingos, que prestou serviços à câmara municipal da cidade no tempo do socialista Rui Barreiro meteu-se numa briga com o actual executivo exigindo indemnizações e pagamentos milionários. O MIRANTE teve acesso à informação e fez notícia. O advogado em causa, um dos muitos advogados que prestam serviços milionários às autarquias e entidades públicas, muitas vezes auferindo avenças vergonhosas, não gostou de ver o assunto tratado no jornal e muito menos gostou de se ver retratado no artigo com uma das fotos do nosso arquivo. Vai daí escreveu ao jornal a pedir explicações, escreveu ao presidente da câmara com ameaças e, por fim, fez queixa ao Ministério Público. Antes disso exerceu um Direito de Resposta nestas páginas. Tudo pode ser lido em www.OMIRANTE.PT na Secção Dossiers, para quem não faz arquivo do jornal em papel.
Lá fomos todos em família prestar declarações ao Ministério Público, aparentemente porque assim deve ser quando alguém se julga ofendido na sua honra e ao Ministério Público não resta mais do que cumprir o seu dever.
Mas não foi só isso que aconteceu desta vez. Por incrível que pareça, o Ministério Público entendeu que os jornalistas de O MIRANTE, e o presidente da câmara, Moita Flores, cometeram crime de difamação.
Não há uma palavra ofensiva nos artigos por parte dos jornalistas nem, aparentemente, por parte do presidente da câmara. O advogado está realmente em litígio com a câmara e quer que ela lhe pague aquilo que ele acha que tem direito. O presidente da câmara confirmou tudo, e o advogado em causa no “direito de resposta” não desmentiu nada do que escrevemos a não ser a questão dos números que, para ele, são uma coisa e para a autarquia serão outra, uma vez que, a terem que ser pagos com juros e IVA, constituirão uma boa batelada.
Ora aqui está um bom exemplo da forma como funciona a “nossa” Justiça. Lá vamos nós alimentar o “sistema” com o pedido de “abertura de instrução”. Lá vamos nós para tribunal, quem sabe até ao julgamento, por causa de um advogado que acha que é prima-dona e pode contrariar, não sei como, a lei do país que consagra a liberdade de imprensa.
Portugal continua a cair no ranking dos países onde a liberdade de imprensa tem sido mais molestada. Estamos em 40º lugar (segundo os dados da associação Repórteres sem Fronteiras)  atrás de muitos países da América Latina como o Chile, ou de África, como Cabo Verde. Que falta de vergonha é esta que nos coloca, ao nível da liberdade de imprensa, atrás de países como o Uruguai,   Polónia, Mali, Ghana e apenas a um lugar da Tanzânia ?

quarta-feira, 24 de novembro de 2010

Uma miséria de gente

Anabela Rato, a directora da Segurança Social de Santarém é a imagem deste país onde metade das pessoas trabalha para o Estado e a outra metade procura governar-se do Estado. Quem a escolheu para aquele cargo sabia muito bem o que ela valia. Nada do que tem vindo a público é novidade para quem conhecia, e conhece, a senhora professora. Idália Moniz, a secretária de Estado mais invisível que já passou pelos governos do país, deve estar muito satisfeita com o trabalho da sua eleita e amiga Anabela Rato. Estão uma para a outra. O PS devia ter vergonha das pessoas que escolhe para dirigir a coisa pública e emendar a mão dando dignidade aos lugares e ás instituições. Aparentemente estamos condenados a esta miséria de gente, e nem a indignação pública os envergonha e os faz recuar na intenção de nos reduzirem à insignificância como país.
“Sempre me interessaram os perseguidos e as vítimas”. “O mundo muda todos os dias e muitos dos jornalistas que trabalham hoje nas redacções dos jornais pararam no tempo”. “Os factos são sagrados e os comentários são livres”. “A mentira tem a perna curta”. “A independência tem um custo; é preciso saber se estamos disponíveis para pagar esse preço”. “É facílimo ser escritor e muito difícil ser jornalista”. “Nenhum de nós é bom a fazer tudo”. “O Secreto Adeus”, do Baptista Bastos, é um dos melhores livros para dar a ler a gente distraída com a política por ser um relato em nome de uma geração que defendeu valores e se bateu por princípios sem nada pedir em troca”.
Orlando Raimundo esteve em Alverca a apresentar o quarto livro da colecção Saber mais sobre desta vez dedicado aos museus do concelho de Vila Franca de Xira. Não pude estar presente como gostaria. Recuperei, por isso, apontamentos da última vez que o ouvi apresentar uma das suas obras. Ficam aqui ( em cima ) as citações que ilustram o seu pensamento e a sua forma de estar na vida.
A edição de aniversário de O MIRANTE mostrou mais uma vez a força editorial da redacção deste jornal e a colaboração das pessoas e entidades que vivem e trabalham na região onde escolhemos mostrar serviço. Dá gosto trabalhar assim. O mérito também é da equipa comercial e de marketing que permite este serviço público que muito nos honra.
A página de O MIRANTE dos leitores é uma aposta ganha há muitos anos. Mas nunca fiando nos desafios dados como conquistados. Fica aqui o desafio a todos os leitores que gostam de escrever sobre os assuntos da sua terra ou da sua região. Usem e abusem da caneta ou do endereço electrónico do director do jornal; e ponham o dedo na ferida que nós ajudamos a dar-lhe visibilidade.

quinta-feira, 18 de novembro de 2010

Pela porta pequena

Amo e sou amigo de dois jovens em fases diferentes da sua integração no mundo dos adultos. Um está na idade de entrar na universidade e começou agora a aprender a tocar viola. Vi um ensaio recentemente, a um domingo à tarde, e revi-me há muitas décadas a fazer o mesmo embora em toda a minha vida nunca tivesse agarrado numa viola. Mas sonhei fazer aquilo tantas vezes quando era jovem que acho que, em sonhos, toquei viola para todos os meus amigos.
O outro, que é outra, acabou agora a universidade mas teve que ir trabalhar para a “estiva”. Ouvi-a contar num grupo de amigos como é viver com o ordenado em atraso, vendo os colegas de trabalho a insultarem o patrão quando ele passa de fato e gravata pelo meio da fábrica, mandam à fava o seu chefe e fumam um “charro” com a maior das descontracções atrás de uma máquina que não se cansa de parir objectos azuis. Tudo para suportarem melhor, ou “na maior”, a desilusão do ambiente fabril, o enjoo da falta de dinheiro em casa para os bens de primeira necessidade, e a angústia de terem que viver num país onde já nem os empresários conseguem ser heróis.
Confesso que amo os dois jovens amigos com a mesma intensidade e sinto-me rejuvenescido a viver com eles a alegria de os ver aprender a tocar viola, ou a viverem a surpresa, ou a tristeza, da entrada no mundo do trabalho pela porta pequena.
Um dia no jardim público da minha terra, frente à minha casa, ouvi uma mulher responder ao pedido de uma outra que a convidava a sentar-se no banco do jardim enquanto o Centro de Saúde não abria portas. “Ò mulher, eu vou lá sentar-me nesse banco de jardim. Que vergonha!” Reproduzo as palavras como ela as disse, e parece que a estou a ver de saia e blusa preta, com um carrapito igual ao que a minha avó Ilda usava, com umas mãos grossas à frente da barriga penduradas num saco preto a imitar pele de cobra.
Eu mesmo, aos 18 anos, embora fosse companhia dos copos e das noitadas de gente da média burguesia, muito mais velha que eu, não entrava nos dois principais cafés da minha terra, por achar que não tinha estatuto para isso. Foi a minha consciência de classe, seja lá isso o que for (os dias de hoje já não são o que eram) que me impedia naturalmente de entrar naqueles espaços que, alguns anos depois, já frequentava sem quaisquer constrangimentos.

Nota: José Saramago fazia anos no mesmo dia em que este jornal foi fundado. O documentário José e Pilar, que está aí para todos vermos e revermos, tem uma cena em que José avalia, de soslaio, o traseiro da sua mulher. Como vi escrito por aí nos jornais, nestas últimas semanas em que me perdi a viajar, “amar é olhar a bunda da nossa própria mulher”.

quinta-feira, 11 de novembro de 2010

À mão esquerda

O que circula na internet torna os jornalistas cada vez mais necessários. Quem manda num jornal não é o seu proprietário mas sim os seus jornalistas se não se conformarem, se se derem ao trabalho de pesquisarem, escreverem sobre boas matérias, se souberem descobrir o que interessa aos leitores, se se derem ao trabalho de pensar como deve ser o jornal do dia seguinte para não parecer mais velho do que o do dia anterior. Sílvio Waisbord (23 de Outubro 2010, auditório da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul).
Com algumas boas e honrosas excepções, o jornalismo que se pratica hoje em Portugal é uma farsa na grande maioria dos casos praticada por um bando de modelos da alta burguesia que ignora o povo. Dantes o jornalismo era feito por gente que vinha do povo e da classe média baixa, que conseguia transmitir objectivamente uma visão popular dos acontecimentos. Hoje é o que se pode ver: todos os dias os jornais noticiam as carnificinas que lhes são servidas de bandeja pelas autoridades policiais ao serviço do jornalismo sensacionalista ou, ao contrário, somos esmagados diariamente por notícias e reportagens da caserna, de onde só chegam as novidades que interessam aos vendilhões do templo (O que ficou no computador da crónica da passada semana intitulada “um país pouco seguro”)
“Um juiz não é um Deus. O seu dever é adaptar os factos aos princípios, julgar espécies infinitamente variadas servindo-se de uma medida determinada. Se um juiz tivesse o poder de ler na consciência e de identificar os motivos a fim de pronunciar sentenças equitativas, cada juiz seria um grande homem. Portugal tem necessidade de cerca de mais dois mil juízes. Nenhuma geração tem dois mil grandes homens ao seu serviço e com menos forte razão não pode encontrá-los para a sua magistratura” (adaptado de “Máximas e Pensamentos” de Honoré de Balzac).
“O que se constrói durante o dia à noite desmorona” (Balada do folclore da Transsilvânia).
“Feliz aquela que efabulou o romance depois de o ter vivido” (Sophia de Mello Breyner Andresen)
“Liberal é o sujeito que monta nas costas de outro, que quase esmaga com o seu peso, que diz que sente muito, que fará o possível e o impossível para o libertar da carga pesada, menos, é claro, sair das suas costas”. Tolstoi, definições sobre o liberalismo.
“Prefiro o paraíso por causa do clima e o inferno pela companhia” Mark Twain
“Se um homem não remover a causa dos seus erros continuará cometendo sempre os mesmos erros. Aliás, o mesmo vale para uma nação, e quem sabe para o próprio planeta que não sendo mais que um adolescente, como é o caso da terra, acabará por se destruir” “À Mão Esquerda”. Autobiografia romanceada de Fausto Wolf. Um romance denso, vigoroso, surpreendente, quase escandaloso, em que uma boa parte das personagens são as maiores figuras ainda vivas do jornalismo e da literatura brasileira.

quarta-feira, 3 de novembro de 2010

Um país pouco seguro

Há 28 meses um carro de reportagem de O MIRANTE foi abalroado num cruzamento em Almeirim por um condutor que não parou a um sinal de Stop. Mais de dois anos depois, apesar da culpa logo assumida no local na presença da GNR, a companhia de seguros do condutor que originou o acidente não assumiu de imediato as suas responsabilidades. Como acontece na generalidade das vezes neste país de brandos costumes, tivemos que ir atrás do prejuízo. E fomos mesmo. E até tivemos direito  a um pedido de desculpas do Provedor do Cliente da companhia. Mas estava escrito que íamos continuar a ser tratados como a generalidade das companhias de seguros tratam os cidadãos inocentes. A conversa começou e acabou sem um intermediário pelo meio a dar a cara e a negociar olhos nos olhos. Tudo começou e acabou, por enquanto, no papel. E para não variar há-de acabar no tribunal que é o grande justiceiro para as grandes empresas, como é o caso das companhias de seguros, que falham na sua missão de servirem os cidadãos como manda a Constituição Portuguesa, uma das mais modernas do mundo.
Mais de três décadas depois da revolução dos cravos, da revolta dos capitães como Salgueiro Maia, que honra Santarém, um tribunal da cidade decidiu amordaçar a redacção de O MIRANTE aceitando uma providência cautelar que roça o ridículo e seria gozada em qualquer tribunal do primeiro mundo. Em Portugal amordaçaram-nos e fizeram-nos sentir medo de continuarmos o serviço público a que nos propusemos na convicção de que ainda vale a pena ter ideais, lutar por eles, viver do que se ganha honradamente à margem do sistema, e lutar por uma sociedade que não seja apenas aquela que os capitalistas da banca, das sociedades de advogados e dos seguros, entre outras, dominam descaradamente com a ajuda da classe política que exerce a profissão de lobista.
Apesar de termos sido amordaçados , e de este ser um caso único em Portugal, segundo julgamos saber, apesar das várias tentativas junto de pessoas importantes e influentes nas redacções de vários jornais, não conseguimos até hoje passar uma informação sobre o caso num outro órgão de comunicação social.
É fácil comprovar que este caso envergonha as companhias de seguros: que estamos na presença de um braço de ferro com recurso a um grande gabinete de advogados e com um pedido de um indemnização milionária que assusta qualquer cidadão indefeso e sem dinheiro para se defender em igualdade de circunstâncias. Mas quem trabalha num órgão de comunicação social como O MIRANTE não pode tremer perante as adversidades. Devemos ser os últimos  a virar as costas às dificuldades que sabemos serem comuns à generalidade dos cidadãos. Se somos vistos pelos leitores como um exemplo de coragem e de cidadania no exercício da nossa profissão, como é que íamos admitir que uma companhia de seguros fizesse gato-sapato de nós como faz todos os dias do cidadão indefeso?
Portugal tem uma das mais modernas constituições dos regimes republicanos, onde os direitos dos cidadãos estão consagrados num texto que não deixa margem para dúvidas sobre os nossos direitos. Mas a verdade é que ainda há muitos políticos, jornalistas, advogados e juízes que, com facilidade, fazem do texto da Constituição Portuguesa uma folha de couve que, diariamente, se dá aos coelhos criados em cativeiro.