quinta-feira, 28 de setembro de 2023

Reforma compulsiva é tão violenta como um despedimento

No final da passada semana participei activamente na organização, e depois na concretização, de uma mesa redonda sobre “Transições de vida em pessoas com mais de 50 anos”. Embora fizesse parte do painel do debate remeti-me ao silêncio porque a companhia era de peso e tinha muito para contar. Escrevi este texto que resume a iniciativa e pode interessar a quem está atento às novas realidades no mercado de trabalho, mas também na vida social e cultural.


A Constituição Portuguesa no seu artigo 13 diz que ninguém pode ser discriminado em razão da orientação sexual, religião, raça, situação económica e convicções políticas ou ideológicas. Mas pode ser em razão da idade e isso é a maior discriminação que se pode fazer a uma pessoa em vida, diz Maria João Valente Rosa, socióloga e demógrafa, que no dia 21 foi uma das que participou numa mesa redonda promovida pela InTransitus, moderada por Maria Ana Botelho Neves, professional activator. Rita Cunha, André Moreira e Vera Norte, completaram o painel que debateu o papel das transições de vida  em pessoas com mais de 50 anos. O objectivo era mapear tendências e desafios emergentes.

Foi a primeira iniciativa pública da InTransitus. Maria João Valente Rosa abriu a conversa e não foi meiga com os políticos que parecem desinteressados dos problemas das pessoas mais velhas, dando como exemplo a questão da reforma obrigatória aos 70 anos: “A discriminação pela idade e o facto de estar a ser ignorado que vivemos numa sociedade de vidas longas. André Moreira é director de operações e parcerias, Movimento 55+, Movimento e Plataforma 55+, que trabalha no mercado com mão-de-obra oferecida exactamente por pessoas que se reformaram e não querem ficar paradas. André contou vários episódios que demonstram as dificuldades que existem para as pessoas que querem ser úteis, mas também para aqueles que precisam de mão de obra e ainda gostam de recrutar pondo a idade como um motivo de escolha. André tem 34 anos, era de longe o mais novo de todos os participantes, e contou que tirou a carta de condução ao mesmo tempo que a sua avó, e frequentou a universidade ao mesmo tempo que o pai; Os exemplos serviram para contar que tem consciência que vive numa sociedade cada vez mais mudada e diferenciada e que não faz sentido discriminar as pessoas por serem mais velhas.

Vera Norte, assessora de comunicação e empresas da Associação dNovo, que também mobiliza pessoas em transição para o mercado de trabalho, contou a sua história pessoal e exemplificou: “quando me perguntam a idade digo que tenho um filho com 31 anos”. Depois contou que no seu tempo a maioria das mulheres não ia para as fábricas, mas ela foi tirar um curso e acabou em engenheira química; depois, contrariando tudo o que era norma, que era as mulheres não saírem de casa, emigrou para a Dinamarca e fez lá boa parte da sua carreira profissional. 

Rita Cunha, professora catedrática de Gestão de Recursos Humanos já tinha dado o mote mas mais tarde constatou a situação que marcou o debate; “Todos se indignam quando são vítimas de despedimento, ou sabem de alguém que sofreu essa situação traumática, mas a reforma compulsiva não deixa de ser também uma violência, e nos nossos dias pode ser considerada uma forma de violência tão grande ou ainda maior que a de um despedimento, porque as pessoas que sofrem essa situação não têm quem as apoie, está instituído que são uma carta fora do baralho, e mesmo que não sejam é assim que são vistas”, disse.

“As gerações vivem separadamente e as próprias sociedades, ou os seus representantes, organizam assim a nossa vida colectiva; esse é o mal. A educação tem um efeito mais diferenciador do que a nossa idade. Apenas cerca de trinta por cento do nosso envelhecimento é genético, o resto depende do nosso comportamento social, e pouca gente quer saber disto, preferem ignorar porque dá trabalho ajustar políticas públicas e privadas, mas não desisto de falar destes assuntos para que na União Europeia a questão da idade deixe de vir à cabeça em todos os estudos sobre discriminação”, insistiu Maria João Valente Rosa.

Maria Ana Botelho Neves provocou ainda a discussão à volta de situações em que um profissional que vai para a reforma, ao cortar a relação com o trabalho corta também o interesse pela vida; O assunto foi pretexto para contar episódios de pessoas que ainda hoje, depois de serem despedidas, continuam meses e meses a esconder da família essa realidade, até que um dia, já em grande sofrimento, são obrigadas a deixar cair a máscara da vergonha. JAE.

quinta-feira, 21 de setembro de 2023

Viver no campo é um descanso e mais ainda se for perto da charneca

No campo já se fez a vindima, apanhou-se o trigo, o milho e o tomate, e a maioria das árvores de fruto já está a perder a folha

A litoralização do país e a desertificação dos territórios do interior só se explica porque vivemos num país governado por políticos impreparados, vaidosos, que facilmente se deixam manobrar pelo sistema capitalista e que, em alguns casos, não resistem à tentação de se deixarem corromper pelo sistema; não só por que alguns são mesmo corruptos, mas por que a maioria é incapaz, e não se rodeia de pessoas que os protejam das artimanhas dos oportunistas.

O melhor de Portugal está no interior e sempre esteve; é injusto o que está a acontecer no Alentejo e no centro do país, e o que já aconteceu e é irremediável numa boa parte do norte de Portugal, embora ainda seja a melhor parte do nosso território.

Fugi da cidade para o campo porque não suporto a vida citadina a tempo inteiro. Para fugir da cidade vale tudo, nem que seja ir à praia mesmo a chover ou caminhar à beira Tejo só para energizar as pernas.

Desta vez fui apanhar os últimos figos que os pardais deixaram para mim; são eles que estreiam os primeiros figos maduros e os que bicam os últimos que, embora de casca mais grossa, ainda são tão doces como os primeiros. No campo já se fez a vindima, apanhou-se o trigo, o milho e o tomate, e a maioria das árvores de fruto já está a perder a folha. Resta a oliveira onde os bagos de azeitona engrossam a olhos vistos, as romãzeiras, os dióspiros que em menos de uma semana vão ficar maduros demais, e os marmelos, principalmente das árvores da beira da estrada e dos valados, que ninguém apanha e acabam por apodrecer. Os marmelos e os figos que ficam nas árvores na nossa região são o melhor exemplo dos tempos que vivemos. Já não falo da azeitona que, em alguns casos, também não dá para a apanha; e muito menos falo do tempo em que os portugueses do Alentejo e do Ribatejo iam ao rabisco das uvas e do milho para matarem a fome e os marmelos e os figos da beira da estrada serviam para as nossas avós fazerem doce que durava para lá do Natal.

Agora que as uvas, o milho e as azeitonas se apanham com máquinas, o rabisco até se mete pelos olhos dentro; mas sou do tempo do rabisco da cortiça, o que quer dizer que já sou tão velho e enrugado que até fico com vergonha de escrever sobre temas que para alguns hão-de parecer ficção científica.  Viver no campo é um descanso e mais ainda se for perto da charneca ou da montanha; é aí que sabemos verdadeiramente que um dia "quando faltamos a nós próprios tudo nos falta". JAE .

quinta-feira, 14 de setembro de 2023

A leitura obrigatória de Rosa Montero e Ursula K. Le Guin

O novo livro de Rosa Montero é para maiores de 18 anos por tratar da loucura e do suicídio só para gente com juízo: Ursula K. Le Guin é outra conversa, mas vale a pena porque foi uma escritora excepcional e escreveu ficção científica que, lida agora, parece premonitória quanto aos que estamos a viver no planeta Terra.

Há algo

Do tamanho de uma ervilha seca

Que não escrevi.

Que não escrevi bem.

Não consigo dormir.


Estes versos são de uma escritora de ficção científica chamada Ursula K. Le Guin e foram transcritos do último livro de Rosa Montero com o título “O perigo de estar no meu perfeito juízo”. Rosa cita a autora várias vezes no seu último romance e já no final do livro conta algumas conversas que se enquadram no tema do seu novo e extraordinário romance sobre a loucura, principalmente a loucura dos escritores, que são muitos a encherem as 240 páginas do livro.

Ursula K. Le Guin, que eu nunca tinha lido nem sabia que existia (nunca tive interesse na leitura de ficção científica), escreveu “Os Despojados”, que já li, entretanto, e que é uma descoberta maravilhosa para quem nunca se interessou pelo tema. Ursula K. Le Guin perdeu a inspiração para escrever muito antes de morrer e Rosa Montero, que ainda escreve como uma louca, pergunta-se como é possível alguém perder a pulsão criativa, embora admita que também tem esse medo; depois concluiu: “Talvez a arte não seja mais que uma função física, um produto do estado dos nossos ossos, das nossas vísceras, dos nossos músculos. Digamos que a velhice nos vai roubando a energia, essa potência que, segundo todos os especialistas, é tão essencial no processo criativo. Digamos que a velhice nos apaga”.

“O perigo de estar no meu perfeito juízo” é um livro para maiores de 18 anos sem peneiras; uma leitura que é um perigo, ou pode transformar-se num milagre, para quem está a envelhecer e não sabe muito bem se vai ficar louco, e se é mesmo verdade que já “trazemos a escuridão dentro de nós. A morte já está no corpo enquanto vivemos. Somos seres transitórios”.

Li o livro como um adolescente que descobre uma gruta cheia de pontos luminosos, que afinal eram palavras, mas a determinada altura pareceu-me que a autora elogiava de tal modo a loucura, que leva ao suicídio, que nos ataca a todos a partir de certa idade, que tive medo de a levar a sério neste romance que é ao mesmo tempo ensaio e biografia.

Os versos iniciais deste texto são a súmula perfeita daquilo que retive deste último livro de Rosa Montero, cuja obra conheço de várias leituras. Mas há outra ainda mais extraordinária, e salvadora, no meio de tantas histórias de génios, loucos e suicidas que atravessam a cultura dos últimos séculos; Rosa Montero dá voz a Sancho Pança que diz para o seu Cavaleiro Andante: “Não morra vossa mercê, senhor meu amo, mas tome o meu conselho e viva muitos anos, porque a maior loucura que pode fazer um homem nesta vida é deixar-se morrer sem mais nem mais, sem ninguém nos matar, nem darem cabo de nós outras mãos que não sejam as da melancolia”.

Não vou fazer mais publicidade ao livro de Rosa Montero porque acho que todos reconhecem a escritora e a sua genialidade. Aproveito o espaço que me resta para contar que “Os Despojados” é um livro publicado há meio século, que conta a história de um homem em busca da reconciliação de dois mundos, em Anarres, um planeta conhecido pelas extensas áreas desérticas e habitado por uma comunidade proletária. Grande parte do romance é premonitório para o que se passa nos nossos dias e os diálogos não deixam mentir. Quem quiser espreitar a vida noutro planeta deve ler “Os Despojados”, um livro de ficção onde já se recicla a urina para matar a sede, a fome e a sede são assuntos mais importantes que a limpeza, existem três oceanos cheios de vida animal mas a terra está vazia e nem sequer há insectos para fecundar as plantas; as árvores de fruta importadas são todas fecundadas à mão. JAE.

quinta-feira, 7 de setembro de 2023

A política para os políticos e o jornalismo para os jornalistas

A política não se faz de comparações assim como o jornalismo não se compara com o trabalho de publicar informações oficiais. Pequena introdução para contar duas histórias que acho que têm sumo para serem espremidas.


Os políticos de proximidade com que os jornalistas de O MIRANTE lidam quase todos os dias são os melhores da nossa vida política e, para o bem e para o mal, têm de aceitar o escrutínio dos jornalistas que, tal como eles, trabalham no território onde também residem e têm a sua vida.

Tenho duas histórias para contar que ilustram a personalidade de dois políticos jovens que são diferentes como o preto do branco, mas que definem o poder de liderança, a capacidade de desempenhar um cargo público, a resposta a uma comunidade que se não for informada não acredita na democracia nem quer ser parte activa da sua colectividade.

Recentemente fizemos notícia em Vila Franca de Xira que iam ser recuperados três pavilhões ao abandono para instalação de aviários. A concretizar-se o projecto a actividade vai pôr em risco a qualidade de vida das populações que moram por perto. Na altura procuramos confirmar a notícia junto do presidente da câmara Fernando Paulo Ferreira, que garantiu que a notícia não era verdadeira. O MIRANTE apoiou-se em fontes credíveis e avançou com a notícia. Fernando Paulo tinha iniciado o seu mandato há pouco tempo e desconhecia ainda alguns dossiês da sua autarquia. Quando soube que a notícia de O MIRANTE tinha fundamento ligou ao jornalista e sem lhe dizer o que queria pediu para lhe falar com urgência. Quando se encontraram foi para lhe pedir desculpa por lhe ter garantido uma coisa que afinal não era verdade e que só o fez por estar mal informado.

O pequeno e pobre concelho da Chamusca é governado por dois autarcas que se completam e complementam, Paulo Queimado e Cláudia Moreira, que são o exemplo dos políticos autocratas, que acham que o poder que têm dá-lhes imunidade às críticas e ao escrutínio dos jornalistas. Daí que cada notícia de O MIRANTE sobre a pobre liderança dos políticos locais chamusquenses seja um ataque à sua honra e dignidade. Está provado à saciedade que Paulo Queimado e Cláudia Moreira passam metade do tempo do seu trabalho a controlar os funcionários e a “educá-los” para a sua gestão de boca calada, já que se têm pouco trabalho e fazem pouco ao menos que paguem essas vantagens com a boca fechada. Paulo Queimado e Cláudia Moreira gerem o município da Chamusca em guerra aberta com os opositores, de costas voltadas para a população, contra todos os princípios básicos na política de proximidade. O MIRANTE tem noticiado exemplos chocantes de comportamentos dignos de políticos que não honram o Partido Socialista e muito menos a democracia portuguesa.

Pegando no bom exemplo de Fernando Paulo, recordo que Paulo Queimado já chamou filho de puta a um jornalista que estava a trabalhar enquanto ele se divertia e, no mesmo local e na mesma altura, o carro de trabalho do jornalista teve que ser rebocado porque os pneus foram atacados à navalhada. 

Recentemente a mulher do ex-presidente da Câmara da Chamusca, Elisete Gomes, indignou-se nas redes sociais por ter obras à porta de casa que não andam nem desandam e prejudicam a saída de casa do marido que tem graves dificuldades de locomoção. Diz ela que ele tem que ficar em casa fechado de forma injusta, dando a entender o que todos sabemos; a rua é curta e estreita e nada custava começar e acabar o trabalho de forma a que a Chamusca não ficasse um estaleiro de Obras interminável. Paulo Queimado e Cláudia Moreira devem estar de férias como sempre ou talvez entretidos a ler os relatórios sobre os funcionários que estão do lado deles ou contra eles.

A pequena vila da Chamusca tem cerca de três mil habitantes e o concelho menos de nove mil. Vila Franca de Xira tem mais de 140 mil habitantes e faz parte da Área Metropolitana de Lisboa, enquanto a Chamusca é um presépio quase no centro do país, entre a charneca e a lezíria, com o rio Tejo a deslizar por entre o território. Para nós, que somos da região e sentimos os problemas do território, as diferenças estão nas pessoas e não na dimensão das casas, do território ou nos orçamentos municipais. Por isso, não só promovemos a informação como incitamos ao debate, fazemos serviço público mas não somos funcionários públicos, não trabalhamos só atrás de uma secretária, vamos para a rua e depois escrevemos o que achamos justo, como devia ser regra no jornalismo, e às vezes também não é, principalmente no jornalismo de proximidade que é a melhor e a mais desafiante profissão do mundo. JAE.