quarta-feira, 28 de maio de 2014

“Portugal é um bordel em autogestão”

“Portugal é um bordel em autogestão”. De tanto ouvir esta afirmação um dia tinha que a escrever. Ouço-a repetidamente há cerca de duas dezenas de anos e voltei a ouvi-la na passada semana numa reunião de empresários e da boca da mesma pessoa. A frase é muito forte e apetece desligar da conversa quando se ouve alguém a extremar assim o discurso não deixando margem para sonharmos com a luz ao fundo do túnel. Da última vez reparei que os ouvintes, comparsas como eu, estavam mais atentos e menos chocados com as palavras. “Eu não quero nada com o António Saraiva, da CIP, porque jamais aceitarei que o patrão dos patrões portugueses seja um tipo que começou a vida como sindicalista na Lisnave”. Esta é outra das afirmações dezenas de vezes repetida e que, ao contrário do que é habitual, em vez de perder sentido com o passar do tempo ganha cada vez mais actualidade  porque os empresários, principalmente os pequenos e médios, estão cada vez mais na mão de meia dúzia de bancos e de uma dúzia de capitalistas. Hoje não é pobre quem tem um emprego certo e ganha um ordenado; é pobre quem tem uma empresa e não sabe como contratar mão-de-obra especializada e como resolver os problemas das dívidas acumuladas.
Duas palavras para os figurões dos políticos que nos governam já que eu acho que isto está mau mas ainda não é verdadeiramente “um bordel em autogestão”. As eleições são uma forma dos políticos disfarçarem as suas más intenções quanto à governação do “bordel”. De outra forma mudavam a lei eleitoral; limitavam os mandatos dos deputados e não só dos autarcas; taxavam mais os ricos e não roubavam das reformas; abriam mais tribunais e não fechavam os poucos que existem; formavam mais juízes e faziam de Portugal um país do primeiro mundo. “Bordel” é uma metáfora injusta para um país que foi pátria de Camões e Salgueiro Maia. Mas que cheira a “pocilga” isso não tenho dúvidas.  JAE

quarta-feira, 21 de maio de 2014

Tom Fleming em Tomar

A NERSANT levou a Tomar um conferencista daqueles que traz o mundo nos olhos e todas as manhãs pisa o chão novo das américas do mundo. Fui ouvi-lo para depois pedir contas aos autarcas que estivessem por lá. Sabia que ele ia falar de bibliotecas abertas ao público como se fossem mercados; que ia mostrar exemplos de como se podem cativar pessoas para os centros históricos; tinha a certeza que ia ouvir falar de inter-relações; criatividade cívica; “Não há milagres mas muitas oportunidades para milagres”, disse Tom Fleming, depois de dar paletes de exemplos de como se revigora e transforma culturalmente uma cidade.
Não vi autarcas com responsabilidades. Curiosamente a organização convidou o professor Manuel Reis Ferreira que para a sua intervenção elegeu Tomar e a marca Templária. Depois de informar que o Convento de Cristo recebe anualmente cerca de 180 mil turistas, que passado quarenta minutos estão a ser empurrados para os autocarros que os transportam de regresso a Lisboa, deixou o seguinte testemunho que diz bem da nossa pobreza franciscana no que respeita a politicas culturais e económicas.
 “O Convento de Cristo tem muitas portas para abrir, não só no sentido literal e material do termo, como no sentido estratégico e mesmo imaterial. Para este (dia) elegi abrir uma porta muito especial: a porta do Castelo Templário. Porque Templária é a marca da cidade e porque Templário é o início deste Convento de Cristo e desta bela cidade e porque, estranhamente, sem dizer mesmo, misteriosamente, este Castelo Templário tem sido um castelo esquecido, desconhecido de muitos cidadãos e do mundo. A importância do conjunto, Castelo e Charola Templária, representa uma época da história que nos leva a Jerusalém e à nossa nacionalidade. Porque é que um Castelo, que é um dos mais notáveis testemunhos da arquitectura militar e Templária (ibérica e europeia), de fundamental importância na definição das fronteiras de Portugal, como ainda hoje são das mais antigas do mundo, está fechado ao público?”. Não havia na sala quem pudesse responder. JAE

quinta-feira, 15 de maio de 2014

Encontros e desencontros

Nos últimos tempos falhei encontros importantes; com o Adelino Gomes em Abrantes;  com o Otelo em Santarém;  com o Tiago Guedes no Cartaxo. Estou sempre a falhar encontros importantes porque o meu sonho é cada vez mais estar em todas ao mesmo tempo e depois poder escrever, ou não, conforme a minha vontade. Faço bem a gestão destes desencontros porque tenho hábitos diários de leitura e viajo com alguma regularidade. O prazer de ler diariamente um bom livro, ou de abrir caminho, regularmente, numa nova viagem, são experiências que compensam o pesadelo do trabalho diário que muitas vezes é quase um castigo. O livro é mais sagrado; ficamos mais eternos cada vez que encontramos a matéria com que se fazem os sonhos. As viagens são os abdominais da vida; sem o desconcerto, e o desconforto de tudo o que nos acontece, antes e durante uma viagem, nunca conheceríamos os segredos do olhar das rainhas quando olham os servos com que se deitam.
De um livro quero aquilo que se pode ouvir num “jardim japonês”: “Ao minuto de gozo do que chamamos Deus, fazer silêncio ainda é ruído”. ( Adélia Prado). De uma viagem espero sempre a absolvição por tudo o que de mal fiz a mim próprio e me faz sofrer de todas as maleitas do século que vão desde o stress à falta de sono. E em cada viagem vou pedindo como quem esmola: “Ó meu corpo, protege-me da alma o mais que puderes. Come, bebe, engorda, torna-te espesso para que ela me seja menos pungente” (Maria Noel). JAE
Nota Final: Morreu José Manuel Cordeiro; empresário, dirigente associativo e, imagine-se, político. Se todos os políticos fossem como ele este mundo seria bem mais justo. A lembrança do seu nome chega para o homenagear; tenho a certeza que ele aprovaria, na hora da despedida, palavras simples e gestos comedidos.