quarta-feira, 28 de setembro de 2011

“E depois do Adeus”


Numa daquelas conversas que fazem pé a um copo de vinho, e depois a outro, e a outro, guardo uma das melhores recordações de José Niza. Estava num país distante em férias convivendo quase todos os dias com um grupo de escritores de várias nacionalidades. Um dia a conversa foi sobre o 25 de Abril, Zeca Afonso, Adriano Correia de Oliveira, Joaquim Pessoa, Otelo Saraiva de Carvalho e Salgueiro Maia. A certa altura alguém falou de Paulo de Carvalho e da canção “E depois do Adeus” como uma das mais bonitas da música portuguesa. E elogiou a letra da música e disse que era um poema digno dos maiores e melhores trovadores portugueses. É da autoria do José Niza, meu amigo e conterrâneo, disse eu todo vaidade e orgulho. As reacções foram luminosas. Toda a gente pensava que a letra era de uma canção popular das muitas que engrandecem as tradições portuguesas e faz jus ao ditado de que somos um país de poetas.
Não conheço melhor forma de homenagear a memória de José Niza que confundir a sua Obra com o que há de melhor na cultura portuguesa. José Niza ainda tinha muitos anos de vida pela frente, e foi autor durante muito mais tempo, e alguma da sua Obra já fazia parte do património português desligada do seu nome tal era a sua popularidade e universalidade.
Numa das melhores fotos de arquivo de O MIRANTE (que não foi usada nesta edição) José Niza mostra ao repórter do jornal a sua horta biológica no quintal da sua casa em Perofilho (Santarém). Fui lá algumas vezes roubar-lhe conversa e pôr a escrita em dia. José Niza era um homem sem qualquer sombra de vaidade do percurso feito na política e na cultura portuguesa que lhe fica a dever do melhor que engrandece a nossa música e a nossa poesia. Curiosamente, nos últimos três anos, desde que publicamos “Poemas da Guerra”(Angola 1969-1971), recebemos algumas cartas na redacção a dizerem mal dele tentando provocar polémica. Cartas que procuravam atingir o homem público e o político que nunca vendeu a alma ao diabo e só ganhou para sobreviver no exercício da política. Há pessoas que não perdoam a outras pessoas o serem discretas e humildes, tão simples e valorosas.

Rir
é uma palavra capicua
que dá sorte


rir de tudo
até da morte


in Poemas da Guerra 
edição O MIRANTE 2008

quarta-feira, 21 de setembro de 2011

Escrito na testa


Escrever faz bem à saúde. Comer, beber, dormir e amar deviam ser os quatro pilares da felicidade humana e exercício obrigatório a partir de tenra idade. Escrever porquê? Porque obriga a pensar, apurar o gosto, a saber dar valor às palavras, olhar o mundo com os nossos próprios olhos, enfim, escrever porque escrever foi o ofício de Sócrates, Ovídeo, Platão, Rilke, Virgílio, Homero e tantos outros autores anónimos que foram geniais e escreveram em tempos antigos como muitos esculpiram e pintaram sem gravarem o seu nome para conhecimento e fama.
A palavra escrita é o maior inimigo dos corruptos, dos hipócritas, dos intelectuais sabujos, dos vendilhões do tempo e, acima de tudo, a palavra escrita é a verdadeira arma apontada aos espertos.
Confesso que muitas vezes escrevo por obrigação. Chega a ser doloroso. Escrevo também com preguiça e com o sentimento de que “palavras leva-as o vento”. Também escrevo com prazer. Às vezes salvo o meu dia quando ajudo a escrever uma boa estória, preparo uma entrevista ou simplesmente ajudo a pôr de pé um texto que parecia uma cepa torta.
No dia em que exercitei a escrita deste texto, para chegar até aqui, levantei-me às sete da manhã e deitei-me às duas do outro dia. Comecei o dia no campo e acabei a noite na cidade. De manhã mergulhei no Tejo. À tarde mergulhei no mar. De manhã fui à drogaria, ao estaleiro, ao café do centro da vila e ao supermercado e ainda tive tempo para apanhar e comer figos maduros da figueira do do meu quintal.
A meio da tarde comi uma salada ao lado das tias e dos tios de Cascais. Nadei no mar e mergulhei do cimo de um pontão com rapazes e raparigas que pareciam deuses. À noite andei a vagabundear numa cidade cheia de turistas e acabei a noite numa esplanada a apanhar banhos de vento.
Escrever também é omitir. O mais importante que me aconteceu neste dia ninguém vai saber por mim embora esteja escrito na minha testa.

quarta-feira, 14 de setembro de 2011

O “figurão” de Torres Novas


Num domingo muito recente S. Paulo recomendava aos cristãos pela voz do padre na missa: “Não devais nada a ninguém a não ser o amor de uns para com os outros”.
Fixo-me nestas palavras quando soube em números o valor das dívidas colossais de algumas instituições públicas e o que isso desespera, castiga, aniquila pela raiz milhares de pessoas, deixando certamente muitas delas à beira do desespero.
Não percebo como é que António Rodrigues, o autarca de Torres Novas, consegue ser um dos maiores caloteiros da região. É visível que o concelho deu um salto durante os seus mandatos. Percebe-se que os investidores que chegaram ao concelho nos últimos anos tiveram bons interlocutores nas autarquias e na comunidade para se fixarem em Torres Novas.
Mas o aparente sucesso do autarca António Rodrigues não justifica tudo e esconde, certamente, muitos segredos que talvez um dia ele consiga explicar. Não se percebe, por exemplo, como é que ele deve tanto dinheiro a pequenos fornecedores da autarquia que correm o risco de falência. Com o seu bigode de arame, a sua linguagem bestial, o seu jeitinho para a asneira, a verdade é que António Rodrigues tem conseguido alguns dos seus objectivos em termos políticos. E em Torres Novas, onde quase todos os políticos se dizem tão valentes como a espada de D. Sancho I, só António Rodrigues sabe o verdadeiro segredo da lâmina da arma do antigo Rei.
A última conquista política de Rodrigues foi a presidência da Associação de Municípios do Médio Tejo que é assim uma coisa parecida com um governo regional mas apenas com poderes para aproveitar a água da chuva.
António Rodrigues é o político das três pancadas. Cada vez que fala sai asneira; a única pessoa que o entende é o Xanana Gusmão; e tem tanto de descarado a dar para o malcriado como de medroso e traiçoeiro.
Se há coisas que eu gostava de saber por antecipação, como as bruxas, é quem vai pagar as dívidas colossais que António Rodrigues vai deixar quando largar o Poder na Câmara de Torres Novas, são e salvo, se os deuses estiverem do seu lado e for passear a sua ignorância e a sua arrogância, pessoal e política, para outras paragens, principalmente por ser muito amigo de Edite Estrela (alguns leitores não perceberão esta graça; no entanto, ela é o espelho do figurão que governa a Câmara de Torres Novas e não paga a quem deve).
Um dia, como é normal na política, António Rodrigues vai ser homenageado pelos serviços prestados ao concelho de Torres Novas e, quem sabe, alguns dos seus apaniguados vão propor uma estátua do autarca ao lado da de D. Sancho I. Na missa desse domingo, sim, a homenagem deverá ser a um domingo, o padre da terra há-de clamar que António Rodrigues foi o melhor exemplo da dedicação à causa pública. E citará S. Paulo que é um Santo que serve para todas as ocasiões.“A ninguém devais coisa alguma, a não ser o amor com que vos ameis uns aos outros”. E o diabo há-de rir-se dos políticos, dos padres, e do rebanho tresmalhado.

quinta-feira, 8 de setembro de 2011

Um porco e um homem


Por mais estranho que possa parecer a alguns dos meus leitores sou do tempo em que os porcos eram criados a beldroegas a mesma planta que era servida na sopa de muita boa família. Sou ainda do tempo em que se usava água das malvas para todos os males do corpo e do espírito à falta de dinheiro para a farmácia. Lembro-me de andar de joelhos no meio do olival à procura de uma erva doce que matava a fome mas já não me lembro do nome. Lembro-me ainda de roubar do balde as bolotas mais maduras e mais doces que também alimentavam porcos; e comi, mas já não me lembro do gosto, aqueles figos das piteiras que segundo me lembro também eram manjar de porcos criados em casa.
Em tempos comida de porcos não era assim uma coisa tão diferente da comida de pessoas. E em algumas pocilgas talvez se comesse melhor que à mesa de algumas casas de família.
Apesar da crise, das muitas crises que abalam o mundo de hoje, há mil razões para nos considerarmos uns felizardos; uns reais felizardos que se dão ao luxo de recusar comer carne de porco por causa das supostas hormonas que são atribuídas ás farinhas com que os produtores engordam os porcos que deixaram de ser crias de quintal.
Quanto à água das malvas e aos seus poderes curativos é certo e sabido que nem os que sofrem de hemorroidal conhecem os milagres da planta, e muito menos sabem que o dichote mais engraçado dos meus tempos de menino foi o de ouvir alguém perguntar-me se eu não queria “o cuzinho lavado com água das malvas” como a querer dizer-me que eu estava a pedir mais do que a conta.
Dantes toda a gente se esfalfava para ter casa própria e para montar um negócio. Lembro-me de trocar as ladainhas que me ensinavam para afastar os pesadelos por pensamentos positivos que giravam sempre à volta do mesmo: o sonho de construir casa própria e montar um negócio que me salvasse da escravidão do trabalho de dar serventia.
Ao conversar e partilhar com um filho de 20 anos percebo que os grandes objectivos da minha vida já não são mais os objectivos dos jovens de hoje. Comprar casa própria para pagar impostos e ficar endividado para o resto da vida? Montar um negócio para pagar impostos e dar trabalho aos outros que nem para eles sabem trabalhar? Quanto vale hoje ter uma vida liberta desses encargos e viver num mundo onde já não há fronteiras?
Deixei de ter respostas para tantas perguntas e ainda estou a sarar as feridas de mais uma queda em cima das novas realidades.
Nota. Não domino tão bem a escrita como domino o pensamento e algumas convicções que me ajudaram a formar a personalidade. Não sei por isso se esta crónica espelha o que me vai na alma. Se tivesse que resumir tudo em poucas palavras escreveria apenas que se não se desse o caso de ter criado três filhos nunca saberia o que sei hoje. E, no entanto, sou o mais desligado dos pais. E concluiria que, apesar da vida luxuriosa e ociosa que leva a grande maioria dos homens, é bom que não se esqueçam que, pelo menos no que respeita à alimentação, é muito pouco a diferença entre um homem e um porco.
Nota 2. Dedico esta crónica a um ex-amigo que esta semana me chamou cabrão numa mensagem de telemóvel e que depois foi obrigado a assumir que era engano embora se tenha esquecido de pedir desculpa.