quinta-feira, 8 de setembro de 2011

Um porco e um homem


Por mais estranho que possa parecer a alguns dos meus leitores sou do tempo em que os porcos eram criados a beldroegas a mesma planta que era servida na sopa de muita boa família. Sou ainda do tempo em que se usava água das malvas para todos os males do corpo e do espírito à falta de dinheiro para a farmácia. Lembro-me de andar de joelhos no meio do olival à procura de uma erva doce que matava a fome mas já não me lembro do nome. Lembro-me ainda de roubar do balde as bolotas mais maduras e mais doces que também alimentavam porcos; e comi, mas já não me lembro do gosto, aqueles figos das piteiras que segundo me lembro também eram manjar de porcos criados em casa.
Em tempos comida de porcos não era assim uma coisa tão diferente da comida de pessoas. E em algumas pocilgas talvez se comesse melhor que à mesa de algumas casas de família.
Apesar da crise, das muitas crises que abalam o mundo de hoje, há mil razões para nos considerarmos uns felizardos; uns reais felizardos que se dão ao luxo de recusar comer carne de porco por causa das supostas hormonas que são atribuídas ás farinhas com que os produtores engordam os porcos que deixaram de ser crias de quintal.
Quanto à água das malvas e aos seus poderes curativos é certo e sabido que nem os que sofrem de hemorroidal conhecem os milagres da planta, e muito menos sabem que o dichote mais engraçado dos meus tempos de menino foi o de ouvir alguém perguntar-me se eu não queria “o cuzinho lavado com água das malvas” como a querer dizer-me que eu estava a pedir mais do que a conta.
Dantes toda a gente se esfalfava para ter casa própria e para montar um negócio. Lembro-me de trocar as ladainhas que me ensinavam para afastar os pesadelos por pensamentos positivos que giravam sempre à volta do mesmo: o sonho de construir casa própria e montar um negócio que me salvasse da escravidão do trabalho de dar serventia.
Ao conversar e partilhar com um filho de 20 anos percebo que os grandes objectivos da minha vida já não são mais os objectivos dos jovens de hoje. Comprar casa própria para pagar impostos e ficar endividado para o resto da vida? Montar um negócio para pagar impostos e dar trabalho aos outros que nem para eles sabem trabalhar? Quanto vale hoje ter uma vida liberta desses encargos e viver num mundo onde já não há fronteiras?
Deixei de ter respostas para tantas perguntas e ainda estou a sarar as feridas de mais uma queda em cima das novas realidades.
Nota. Não domino tão bem a escrita como domino o pensamento e algumas convicções que me ajudaram a formar a personalidade. Não sei por isso se esta crónica espelha o que me vai na alma. Se tivesse que resumir tudo em poucas palavras escreveria apenas que se não se desse o caso de ter criado três filhos nunca saberia o que sei hoje. E, no entanto, sou o mais desligado dos pais. E concluiria que, apesar da vida luxuriosa e ociosa que leva a grande maioria dos homens, é bom que não se esqueçam que, pelo menos no que respeita à alimentação, é muito pouco a diferença entre um homem e um porco.
Nota 2. Dedico esta crónica a um ex-amigo que esta semana me chamou cabrão numa mensagem de telemóvel e que depois foi obrigado a assumir que era engano embora se tenha esquecido de pedir desculpa.

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