quinta-feira, 30 de agosto de 2018

As elites que temos e não temos

O aeródromo de Tancos continua abandonado e as reuniões urgentes pedidas ao Presidente da República e ao Governo caíram em saco roto.

Estamos em Agosto mas há assuntos que não podem esperar pelos leitores que estão de férias.
O roubo das armas de Tancos, que trouxe a Chamusca e a região ribatejana para as capas dos jornais e a abertura dos telejornais, não foi o suficiente para despertar as nossas elites para a luta pelo aeródromo de Tancos, uma infraestrutura em elevado estado de degradação que não serve os interesses militares nem civis.
Há cerca de três meses a Comunidade Intermunicipal do Médio Tejo deu sinal de vida num comunicado muito mal distribuído e muito pouco aproveitado pela comunicação social. A sensação que tive na altura foi que o texto era para inglês ver e não para ter qualquer efeito ou cumprir qualquer pretensão.
Dizia o texto que os autarcas do Médio Tejo pediram reuniões urgentes ao Presidente da República, ao primeiro-ministro e ao chefe de Estado-Maior da Força Aérea, para pedirem que reinvistam na pista da base área de Tancos e a rentabilizem como meio de valorização do interior e de coesão territorial.
Tudo o que é dito no comunicado é uma amostra daquilo que os autarcas e outros responsáveis mais próximos da base área de Monte Real vêm defendendo, com unhas e dentes, desde há muito tempo e com outras armas, incluindo artigos de opinião nos jornais, organização de fóruns de discussão, mobilização dos formadores de opinião incluindo agentes políticos com responsabilidades governativas.
A proximidade com Fátima, a centralidade da região, o turismo, o combate à desertificação do interior, a proximidade com as fronteiras da vizinha Espanha, são, entre outros, argumentos que tanto servem as reivindicações dos defensores de um aeroporto em Monte Real como em Tancos.
A diferença está nas elites. No caso de Monte Real a luta está quase ganha embora continue a ser diária e a mobilizar várias forças que trabalham no terreno e sabem lutar pelos seus interesses; no Médio Tejo, para já, é só conversa fiada e pedidos de reuniões. JAE

quinta-feira, 23 de agosto de 2018

Roubaram a loja mas não levaram os donos

Chega sempre o dia em que somos protagonistas das histórias que contamos. Tenho dúvidas sobre o interesse editorial desta crónica mas vou dar ao teclado.
Assaltaram a Loja da Fátima da Chamusca com requintes de malvadez como é habitual em roubos a ourivesarias. Levaram o que tinham para levar mas ainda deixaram muita coisa, nomeadamente os donos da loja que, à hora do assalto, dormiam que nem santinhos.
O assalto foi numa noite em que morreu muita gente e outra tanta percebeu que vai morrer a curto prazo, e deixa cá tudo.
Sempre que afinamos a garganta, ou a caneta, a gritar que é uma merda perdermos os efectivos da GNR ou da PSP, não sabemos, tal como quando cantamos em coro com os sinos da igreja, que estamos a cantar no nosso próprio funeral ou, no caso, a falar da nossa própria desgraça.
Mesmo que nos roubem os vasos à porta de casa já dá para estragar o sono de algumas noites. Se nos assaltam a casa e levam o computador, ou as jóias de família, nunca mais dormimos descansados. Só quando nos assaltam a loja tudo fica na mesma se se der o caso de não levarem os donos junto com a mercadoria. Como diz o outro, as feridas que não nos matam tornam-nos mais fortes; Isto não serve para toda a gente, como é evidente, pelo que vamos vendo e vivendo. Mas quando serve para nós queremos lá saber que os outros existem.
Já fui roubado muitas vezes ao longo da vida e de algumas vezes aprendi muito com os gatunos. Aprendi essencialmente a defender-me para não ser roubado mais vezes e da mesma maneira; no caso da Loja da Fátima não aprendi nada depois do último roubo.
Mas se tivesse aprendido aceitava com o coração no lugar o infortúnio de hoje, ou era um pobre de Cristo desde metade da minha vida agarrado ao dinheiro e aos valores materiais? Que se fodam os anéis desde que fiquem os dedos. Quando chegamos a uma certa idade começamos a comer muito menos e a viver com muito pouco, exactamente como as crianças que também já fomos. E essa é uma lição que ninguém nos ensina; nem os pais nem os padres: somos nós que ao longo da vida vamos aprendendo, ou não, que a sabedoria é uma borboleta e não uma ave de rapina. JAE

sexta-feira, 17 de agosto de 2018

O rapaz do Governo chamado Pedro Marques

O presidente da Câmara de Sintra, Basílio Horta, diz esta semana numa entrevista ao Expresso que o ministro Pedro Marques “é um rapaz muito esforçado e muito próximo das coisas”, para acrescentar que se ele não faz mais no seu ministério é porque não tem dinheiro.
A entrevista é sobre a bela Sintra, o concelho do país que mais cresce em Portugal desde há vários anos, e só se espanta com o à-vontade de Basílio Horta a tratar os ministros e os milhões do orçamento municipal por tu quem não conhece o ex-ministro que militou em quatro governos da República desde 25 de Abril de 1974.
A opinião sobre o rapaz que é ministro mostra o seu à-vontade na vida pública e política e a sua excelente forma na presidência da Câmara Municipal de Sintra.
Uma boa parte das pessoas que se instalam há anos no segundo concelho mais populoso do país demora de duas a quatro horas a sair e a regressar a casa ao fim de um dia de trabalho. A grande maioria desloca-se de automóvel e enfrenta filas de trânsito que nem os santos aguentariam. As casas custam o dobro ou o triplo do que custam a meia hora de Lisboa, por auto-estrada, e lá não há quintais, nem é possível criar galinhas ou ter uma barraca para o cão, quanto mais um espaço onde plantar umas flores ou uma árvore de fruto para as crianças sujarem as mãos de terra depois de regressarem da escola.
Enquanto na bela Sintra os prédios nascem como cogumelos e as pessoas se orgulham do novo apartamento, embora sem saberem ainda se o conseguem pagar, a pouco mais de meia hora de Lisboa, em Aveiras ou no Cartaxo, só para dar dois exemplos, as casas vão ficando em ruínas e o número de habitações à venda parece coisa de outro país. As casas degradadas e em risco de incêndio são às centenas. As lojas fecham a torto e a direito e os negócios não se aguentam por falta de clientes. É uma pescadinha de rabo na boca que nos deixa perplexos, e sem boca para abrir, porque se os exemplos não vêm de cima quem somos nós para nos substituirmos aos políticos colegas de Basílio Horta?
Deixamos de lado Santarém e o seu centro histórico entregue aos profissionais das autarquias que continuam a mandar mais que os políticos; esqueçamos os engenheiros e os arquitectos das câmaras, que são verdadeiros líderes na arte de complicar, para o que contam com as muitas agências tuteladas pelo Estado e pelos igualmente burocratas deste país que mandam mais nisto tudo que os banqueiros e os donos das empresas de distribuição. Fixemo-nos no essencial que é o casario das nossas cidades e aldeias e perguntemo-nos: como é possível que a pouco mais de meia hora de Lisboa sejamos aldeias em ruínas, tenhamos centros históricos ao abandono e estejamos entregues a rapazes? JAE

quinta-feira, 9 de agosto de 2018

A minha terra está entregue à malta. Não há um projecto em candidatura para criar qualidade de vida, atrair pessoas ou segurar as poucas que ainda se vão mantendo. O grande projecto do executivo socialista da Chamusca para os próximos anos é um denominado Parque dos Amores Impossíveis, obra para a pequena aldeia do Arrepiado onde vivem cerca de duas centenas de pessoas. É literalmente uma obra que não tem em conta uma política de desenvolvimento social de uma terra pobre e sem recursos. O nome diz tudo: o concelho da Chamusca é um caso de amores impossíveis entre pessoas mas também entre os interesses maiores da população e de quem a governa. Quando a dupla que governa a Câmara da Chamusca (Paulo Queimado e Cláudia Moreira) for responsabilizada pela falta de jeitinho para governarem o concelho, nos intervalos em que se passeiam de charrete, viajam para Espanha e coçam a micose, já vai ser tarde; o Padre Borga já terá rezado mais umas centenas de missas em funerais, a Terra Branca passará a denominar-se Terra Queimada, e os chamusquenses ficarão conhecidos no mundo pelo investimento cultural, único e exemplar, à volta do Castelo de Almourol. Merecíamos muito melhor.

Na casa dos meus pais guardou-se durante muitos e muitos anos uma garrafa de vinho do Porto oferecida por uma pessoa amiga. Era para ser aberta numa ocasião muito especial. Como nenhuma ocasião foi suficientemente boa durante tantos anos a garrafa de vinho perdeu-se pelo caminho.
Esta história ainda hoje me serve de exemplo para não deixar fugir o momento, para não perder o chão quando faço o caminho. É muito fácil encontrar histórias inusitadas como esta na literatura ou no cinema; mas são as da vida real que nos marcam a pele. Recordo a propósito uma frase que tenho guardada desde a altura em que nem acreditava no que lia: “a beleza é ser-se simples e recto, ter vinte anos e amar”.

Estou em casa, a um domingo, arrumando os papéis e os livros de muitos anos de preguiça: mas sempre desejoso de me dar a veneta e marcar uma nova viagem. Por enquanto fico no remanso da vila, que parece cada vez mais uma aldeia, entre a charneca e a lezíria, recordando o tempo, passado e presente, em que os olhos dos meus filhos eram o álbum da família. “O lugar onde vivemos deixa de ter muita importância a partir da altura em que transportamos o universo na bagagem” (Marguerite Yourcenar).
Tenho um projecto de trabalho, a que vou dando corda cada vez que me sento a arrumar papéis e livros. Quero fazer uma viagem pela região. Conhecer ainda mais pessoas e lugares. Viajar no meu próprio território. Já comprei a passagem e tenho o roteiro gravado na testa. Não marquei encontros para poder encontrar de verdade; não disse ainda a ninguém o que vou fazer para poder fazer à medida dos desafios que encontrar pelo caminho.
JAE

quinta-feira, 2 de agosto de 2018

Última página: O nosso interior de Abrantes a Santarém

Há um problema grave com o passa-peixe no açude de Abrantes mais ou menos parecido com o da praia fluvial de Santarém

Um dos maiores dramas da nossa democracia é o abandono do interior do país. O caso recente do aumento das vagas nos Politécnicos é uma medida sem nexo que em nada vai alterar as assimetrias que se agravam a cada ano.Trazer mais jovens para os concelhos desertificados, ou em processo de desertificação, exige medidas que não sejam servidas avulso. Qual é o papel dos autarcas na política de descentralização para os seus próprios concelhos? Onde é que está o Governo do país a impor ou a propor políticas conjuntas entre autarcas e associações de municípios? Que vozes do interior é que se fazem ouvir na Assembleia da República na defesa dessas estratégias que envolvam os autarcas das várias forças políticas? Quantos deputados da região é que têm para apresentar textos ou vídeos de intervenções a chamarem os bois pelos nomes apontando o dedo também aos camaradas ineptos politicamente e confortavelmente sentados nas cadeiras do poder? Quantos Senadores da política nacional e local é que são capazes de aparecerem num debate na televisão, ou nos jornais, a empertigarem-se contra a demagogia dos governos e dos governantes preguiçosos e acomodados? Vê-se a força das concelhias locais dos partidos na luta pelo fecho dos balcões dos bancos e dos correios? É só isto que sabemos fazer diariamente pelo interesses dos concelhos e da região em que vivemos?
Podemos dar-nos ao luxo de organizar debates sobre o problema da interioridade, como aconteceu recentemente em Abrantes, com os principais intervenientes a discursarem à pressa porque tinham as agendas cheias? Que gente é esta que gosta de molhar o pão na sopa mas foge a sete pés da conversa responsável à mesa e em família alargada? Os melhores autarcas do Médio Tejo ainda dizem à socapa que o melhor de Abrantes é o caminho para Coimbra? E os da Lezíria do Tejo que o melhor do território são as estradas para Lisboa? Se não dizem ainda pensam e é como se o dissessem para todos nós que damos o escalpe pelo nosso território?
Há um problema grave com o passa-peixe no açude de Abrantes mais ou menos parecido com o da praia fluvial de Santarém que foi por água abaixo. Não falo das responsabilidades políticas e criminais que deveriam ser assacadas a quem de direito; falo da incapacidade para resolverem os problemas; da falta de vergonha para nos andarem a apertar todos os dias com abraços de urso. Mação vai conseguir justiça do Governo no apoio à calamidade dos incêndios se os autarcas da região não forem solidários e não marcharem (de fato e gravata, claro) para a Assembleia da República ou para o Terreiro do Paço?
“A Revolução é um momento. O revolucionário todos os momentos”. Alguém quer saber, hoje, do espírito da revolução dos cravos que fez de nós, por alguns anos, o povo mais feliz do mundo? Ainda há gente por aqui que acredita no seu interior? JAE