quinta-feira, 30 de dezembro de 2021

O Natal é todos os dias menos nas redes sociais

Para mim o Natal sempre foi sinónimo de paz e não de festa.

Festejei o Natal com um resfriado que me tirou o prazer de saborear o vinho e a aguardente na noite de Natal mas não os filhoses que foram os melhores que comi nos últimos anos e me fizeram lembrar aqueles que a minha mãe fritava quando era criança. Desta vez não fiz da água de cozer os grelos a melhor  bebida para acompanhar a refeição da noite de Natal porque encomendei grelos de nabos e venderam-me grelos de couves. Para mim o Natal sempre foi sinónimo de paz e não de festa. Uma contrariedade em tempo de Natal não me tira do sério. No Natal tenho menos fome e menos vontade de viajar. Se bem me lembro nunca passei um Natal ou festejei a passagem do ano fora de casa.  Há uma razão acima de todas as outras que tem a ver com a minha personalidade: sempre trabalhei quando os outros festejavam, mesmo quando era criança e adolescente; o trabalho para mim sempre foi sagrado tanto quanto os dias santos. Há prendas de Natal no meu imaginário mas não foram importantes para a minha infância; começaram a ser quando chegou o tempo de oferecer prendas aos meus filhos. Mesmo assim não me posso gabar de ter sido um bom Pai Natal.

Neste Natal vi uma pessoa apanhar uma beata do chão e levá-la directamente à boca e fumá-la com um prazer de quem tinha saudades de um cigarro. Fiquei a pensar no assunto; uma coisa é saber que há pessoas que fumam as beatas dos outros, outra coisa é presenciar uma situação de extrema pobreza e necessidade que, neste caso, também me pareceu derivada de transtornos psicológicos. Foi uma cena que me abanou. Ninguém sabe para o que está guardado.

Neste Natal ligaram-me a perguntar como me encontravam nas redes sociais. A resposta foi a mesma de sempre: eu estou lá mas não estou. De verdade nunca postei um texto ou uma foto numa rede social, nem sobre o meu trabalho nem sobre a minha vida, os meus gostos e preferências. As redes sociais são, regra geral, os lugares mais mal frequentados da nossa sociedade. É por lá que as pessoas destilam veneno, abusam dos direitos de autor, escrevem o que depois não são capazes de assumir publicamente e até lhes causa pesadelos; é nas redes sociais que as pessoas dão a ver o veneno da sua boca, mas também de quanta ignorância é feito o seu padecimento.  

Neste Natal, como em todos os outros, enviei uma dúzia de mensagens a uma dúzia de amigos para não ser mal agradecido; para mim o Natal é todos os dias; e para manter o espírito todo o ano preciso de viver o Natal como eu gosto e não como os outros vivem e gostavam que eu também o vivesse. Neste Natal reli e ofereci um dos livros do ano. Na próxima semana deixo a dica dos livros de 2021.



Na passada semana fiz aqui um elogio a Maria José Morgado que, entretanto, deu uma entrevista ao jornal Público e à rádio Renascença que merece ser lida por quem se interessa pelos fenómenos da Justiça. Deixo aqui um pequeno texto de resposta a uma pergunta que fala de “cultura de impunidade que existe há muitos anos, de nepotismo, amiguismo e que tem feito de Portugal um país pobre e atrasado, dominado por fenómenos de corrupção e fenómenos próximos da corrupção. A corrupção tem laços com outra criminalidade, é sempre instrumental. Em termos de legislação, tem sido feita uma legislação transbordante que em nada tem contribuído para a eficácia. Bem pelo contrário, tem contribuído para um hipergarantismo que conduz ao atraso, à morosidade mórbida dos processos, nomeadamente à dificuldade de recolha de prova e produção de prova em julgamento. Os próprios governos nunca estabeleceram um organismo com efectivos poderes de prevenção. Foi agora criado ( : ) o mecanismo nacional anticorrupção, que entrará em vigor em Maio. Segundo o decreto-lei que li, será uma coisa mastodôntica, ultraburocrática, um carro com rodas quadradas que visa substituir o Conselho para a Prevenção e Combate à Corrupção e que comete os mesmos erros. Tem no seu corpo a representação de todos os inspectores-gerais de todos os ministérios, o que conduz a uma governamentalização e dificuldade de funcionamento enorme”. Para bom entendedor meia palavra bastava. JAE.

quinta-feira, 23 de dezembro de 2021

Maria José Morgado é uma mulher admirável

Maria José Morgado pediu para que “libertem Portugal da corrupção” depois de receber uma distinção em que reconheceu sentir-se embaraçada “na medida em que a luta pela integridade, pela ética, é como o ar que respiro”, afirmou.

Sou admirador de Maria José Morgado que conheço há muitos anos mas com quem nunca falei. Leio o seu artigo semanal no Expresso, às vezes com semanas de atraso, mas leio sempre. Não há na sociedade portuguesa quem, melhor do que ela, publicamente, escreva e pense a Justiça e as questões do sector.

Há muitos anos que moramos no mesmo bairro e nos encontramos regularmente à saída do supermercado ou do ginásio. Maria José Morgado é uma figura admirável da sociedade portuguesa mas passa despercebida com facilidade nos locais por onde se movimenta. A sua figura discreta, singela, pequena mas elegante, também ajuda. Maria José Morgado tem um ar aparentemente impenetrável, mas só aparentemente; na realidade é uma pessoa de trato fácil, simples e directa, com essa qualidade humana, hoje quase fora de moda, de não se exibir nem ter comportamentos de figura mediática. O facto de nunca a ter abordado joga a seu favor: como não tenho nada de importante para lhe dizer, a não ser fazer-lhe o elogio que todos lhe devemos, limito-me a partilhar com ela o espaço público onde nos movimentamos e cada um procura ser feliz e sentir-se em liberdade.

Maria José Morgado acabou de ser premiada pelo seu trabalho no combate à corrupção numa cerimónia realizada na Fundação Champalimaud, em Lisboa, a magistrada recebeu o prémio “Tágides 2021”, promovido pela “All 4 Integrity”, o primeiro galardão anticorrupção atribuído em Portugal e que tem como finalidade e objectivo reconhecer o trabalho de pessoas activas no combate à corrupção. A magistrada do Ministério Público foi agraciada com dois prémios nas categorias “Iniciativa Política” e “Investigação” e dedicou a distinção “à sociedade civil anónima, sofredora, combativa”, que quer “lutar pela igualdade com critérios de ética e transparência”. A frase que marcou a cerimónia, e que foi notícia na grande maioria dos órgãos de comunicação social, espelha bem o seu carácter e a sua personalidade. “Libertem o meu país da corrupção”, pediu, depois de se reconhecer “embaraçada” por receber um prémio que lhe pareceu despropositado, “na medida em que a luta pela integridade, pela ética, é como o ar que respiro”, afirmou.

Entre os vencedores estão também Joana Marques Vidal, Procuradora-Geral da República entre 2012 e 2018, vencedora na categoria “Sociedade Civil”, Manuel Rui Nabeiro, na categoria “Iniciativa Empresarial”, e o informador Rui Pinto, que recebeu uma menção honrosa na categoria “Iniciativa Jovem”. JAE.

quinta-feira, 16 de dezembro de 2021

O que fazemos da vida que não seja só ler e escrever

Os sobreiros, que permitiam uma biodiversidade e uma geografia única do território ribatejano, estão a desaparecer lentamente e vão desaparecer definitivamente porque os nossos governantes não têm ideia de como se governa um país e os interesses das populações.

“Se surgir algum momento de plenitude, conclua sempre com a consciência de que o tempo o corrompe, assim como tudo corrompe”. Gozo o prazer de viver num hotel durante quase um mês a ler e reler os escritores da minha vida, alguns deles que também viveram em hotéis como se fossem o prolongamento dos personagens dos seus livros. A frase que inicia esta crónica é roubada de mil páginas de livros, jornais e revistas que abro diariamente no computador, e que me chegam de mãos que exercem o jornalismo mas também a crítica literária, o ensaio e a opinião, cada vez mais em todas as línguas porque o Google melhorou substancialmente a sua ferramenta de tradução.

É sobre isso que penso enquanto revejo o meu plano para replantar as minhas árvores à beira do Tejo, quando nesta altura durmo à beira do Guaíba. A informação que me é oferecida todos os dias e todas as semanas chega e sobra para ficar minimamente informado sobre o que se passa no mundo. Claro que é o mundo dos outros; nunca encontro nas pesquisas dos motores de busca os fenómenos do Entroncamento ou os problemas com as barreiras de Santarém ou a transformação da charneca ribatejana num território árido ou o assoreamento perigoso do Tejo devido à erosão dos territórios que são cada vez mais eucaliptais a perder de vista. Os sobreiros, que permitiam uma biodiversidade e uma geografia única do território ribatejano, estão a desaparecer lentamente e vão desaparecer definitivamente porque os nossos governantes não têm nenhuma ideia de como se governa um país e os interesses da população. E um dia destes a água do Tejo vai saltar do leito devido ao assoreamento do rio como a água sai da banheira lá de casa quando nos esquecemos da torneira aberta. O que se passa no Alentejo, e começa a ser notícia em todo o mundo, para nossa vergonha, devia servir de exemplo aos políticos da região ribatejana que deviam unir-se para termos uma região pensada, e um território organizado e governado segundo os nossos interesses e não os interesses do dinheiro sem rosto.

Enquanto leio as notícias actualizadas de O MIRANTE logo pela manhã, leio também as manchetes do Expresso e do El País e de outros jornais, depois de já ter lido no correio meia dúzia de resumos do que se publica pelo mundo e que era tão importante aprofundar se eu tivesse o dom de fazer parar o tempo.

Quando viajamos, e saímos da nossa zona de conforto, tudo se torna mais claro: a vida só vale a pena se não ficarmos parados no tempo a somar histórias de diminuir. Falo da vidinha a tratar dos assuntos que nos consomem os neurónios e são sempre os mesmos: gerir as poupanças, a beira no telhado, os amores filiais, enfim, aquilo que nos faz tropeçar embora não nos faça cair e partir o nariz.

Era aqui que queria chegar quando iniciei a escrita desta crónica; estou a preparar-me para partir o nariz quando regressar de novo ao trabalho; já tinha prometido que ia esperar que o Tejo saltasse as margens ou o Nabão virasse uma linha de esgoto, mas acho que não vou esperar nem que comecem a cair as chuvas do Inverno. Vou começar a sonhar tudo de novo para contrariar a ideia de que todos os momentos de plenitude, um dia, serão corrompidos. E para começar como iniciei, roubo do El País uma frase de um longo texto que me dá a conhecer os 50 melhores livros do ano, que fala do trabalho do escritor Luis Landero que, durante a escrita do seu novo livro, “Jardim de Emerson” “dá a impressão de não saber para onde vai, mas que volta, uma e outra vez, para nos contar sobre o mais importante: o complexo, emocionante, cansado e absurdo que é o trabalho de viver”. JAE.

quinta-feira, 9 de dezembro de 2021

A opinião também tem um preço

Estamos a mil à hora para as eleições legislativas e com pressa de despacharmos as listas dos deputados que vão gerir os lobys instalados. Aparentemente vai mudar tudo de alto a baixo; na realidade vai ficar tudo na mesma; esta é só mais uma contribuição para discutirmos a região e os interesses instalados nos partidos, onde faltam líderes locais carismáticos e sobram artistas e mágicos dos negócios.

Cada vez que se realizam eleições temos oportunidade de olhar melhor para dentro das organizações partidárias e perceber a evolução da democracia no nosso país. Não é preciso morar em Lisboa, no Largo do Rato, sede do PS, ou na Rua de S. Caetano, sede do PSD, para sabermos o estado da Nação: os partidos mantêm uma máquina dirigente que se eterniza porque estão endividados, falidos e não podem entregar as suas contas nas mãos de pessoas que não as percebem nem querem perceber. E é perigoso tirar o poder num partido a um dirigente que usou todas as estratégias possíveis e imaginárias, à margem da lei, para financiar campanhas e ter dinheiro para as empresas que ajudam a ganhar eleições e a promover as imagens dos líderes.

A nível local e regional a escolha de deputados para as listas é outra oportunidade para vermos e avaliarmos o que representa ser deputado nos dias de hoje; nada evoluiu nas últimas décadas; a Assembleia da República é como um clube de futebol rico. O plantel principal tem meia centena de jogadores mas só 11 é que jogam. No máximo o treinador conta com 20 jogadores. Os outros 30 foram negociados para alimentarem os agentes, para pagar favores a outros clubes, para manterem uma estrutura pesada e pouco dinâmica e assim os dirigentes terem margem de manobra para as suas manigâncias.

Já sabemos que a CDU vai ter o António Filipe como cabeça-de-lista, um jovem promissor que certamente vai ajudar a lançar muitos novos dirigentes locais e regionais em defesa das regiões e contra o centralismo. Estou a fazer humor, como é evidente: António Filipe é mais do mesmo; em vez de estar a passar a pasta para gente mais jovem, e envolver novos dirigentes, está agarrado ao poder como uma lapa: nada que não conheçamos dos outros partidos.

O PSD distrital tem uma malapata contra o deputado Duarte Marques, de Mação, que é de longe, nos últimos anos, um dos melhores deputados da região independentemente dos partidos. É um deputado com opinião, que não foge às polémicas, que é detestado por alguns dirigentes dos partidos adversários que vêem nele um tipo que mete o dedo na ferida e sabe usar os seus conhecimentos para fazer sangue. Nunca convivi com Duarte Marques, nem me sentei à mesa com ele, mas não sou cego; ele é o político da região que faz abanar o sistema, que se põe do lado dos opositores, que sabe tratar os assuntos que alguns deputados nem sabem que existem. Sei do que falo: Duarte Marques já levou à Assembleia da República questões relacionadas com a lei da publicidade e a falta de cumprimento do Governo que envergonha a democracia e os governantes socialistas. Por isso é que ele é detestado pelos socialistas, e dirigentes do seu próprio partido; os socialistas acham que ele é terrorista; os seus camaradas acham que ele é tão bom a fazer política que é um perigo para a sobrevivência da espécie daqueles que são deputados como poderiam ser carne para canhão.

O Bloco de Esquerda, que nas eleições locais não consegue fazer campanha de jeito, como aconteceu no Entroncamento, onde o PSD renasceu das cinzas embora com a mesma bruxa de sempre, e o BE perdeu o seu vereador, também volta a apostar na divisão contra o centralismo do partido a partir de Lisboa. Mas o Bloco é um caso à parte. O partido ainda é metade UDP e outra metade melancia com presunto, para usar um termo que ouvi ontem numa palestra sobre José Saramago, o escritor da Azinhaga, essa terra desconhecida, de uma região que não está no mapa. JAE.

quinta-feira, 2 de dezembro de 2021

Exercer a cidadania é ganhar batalhas para um dia vencermos a guerra

Está instalada na classe política, principalmente nos políticos do arco do poder, a ideia e a convicção de que a cidadania é ter as pessoas a meterem o nariz onde não devem. Nada mais errado.


O MIRANTE entregou os prémios Galardão Empresa do Ano e Personalidades do Ano com uma presença muito significativa de convidados apesar de ainda estarmos em pandemia. O êxito da nossa iniciativa está firmado. A prova foram as intervenções e o nível dos premiados.

O Galardão Empresa do Ano teve pela primeira vez um novo formato e a abrangência a toda a nossa área de influência. Não tivemos ministros na cerimónia, mas tivemos as pessoas importantes que trabalham no nosso território. A entrega dos prémios Galardão Empresa do Ano nunca foi uma cerimónia para lançar balões, trinchar carne à mesa ou fazer conversa de babete ao peito. Se alguma vez aconteceu não fomos nós que pagamos o jantar.

Apesar de sermos uma região onde trabalham grandes empresas, como é o caso da OGMA, que foi uma das premiadas, temos que reconhecer que somos uma grande maioria de pequenos e médios empresários que fazemos girar o país criando emprego e pagando impostos. É assim desde o 25 de Abril. Portugal não cresceu porque a SONAE e a Jerónimo Martins começaram a comprar aos produtores borregos e vitelos para engorda antes de os enviarem para o matadouro e a carne chegar aos talhos das suas lojas. Portugal não cresceu porque os chineses compraram a EDP e os bancos estão quase todos nas mãos de capital estrangeiro. Portugal cresceu porque os pequenos e médios empresários portugueses são gente de raça e têm ainda sangue celta nas veias. Não chega. Temos gente muito medíocre no Governo a tratar dos nossos assuntos nomeadamente no sector económico. Basta ver o que tem acontecido à região ribatejana antes e depois da pandemia. Temos aldeias desertificadas a 50 quilómetros de Lisboa. O concelho de Sintra continua a crescer exponencialmente e as freguesias de Azambuja, Cartaxo, Santarém, Alpiarça e Chamusca, só para citar algumas que ficam mais perto, estão a cair na pobreza confrangedora de falta de população e de serviços essenciais.

Anda muita gente inábil e distraída por aí, a representar-nos como dirigentes associativos, sem perceberem que não há, nem haverá,  empresas nem empresários de sucesso, onde não há poder de compra, e muito menos onde não há pessoas a viverem para sustentarem a mão-de-obra de que as empresas precisam. Quem são os dirigentes empresariais que têm coragem para se unirem e exigirem ao Governo que apoie os municípios a construírem habitação social para atraímos população, darmos vida às vilas e aldeias, revitalizarmos o país que nasceu com o 25 de Abril e está a ficar outra vez com os vícios dos tempos que cheirava a mofo?

Os empresários não são organizações do pontapé na bola; o que nos une é a luta contra o centralismo do Estado, os burocratas e os lobistas instalados no IEFP, no IAPMEI, em TODOS os organismos do Estado que seria fastidioso enumerar. Não esqueço o IEFP que é talvez o verdadeiro Ministério das Finanças dos organismos do Estado e que tem mais dinheiro para distribuir que, em certos anos, a Casa da Moeda. Infelizmente o IEFP é gerido por gente incompetente e funcionários pouco zelosos a confiar no que vamos sabendo.

Não tenho dúvida de que se os pequenos e médios empresários, que são a grande maioria da força empresarial em Portugal, estivessem melhor organizados em associação, outro galo cantaria nas repartições dos organismos públicos e, quem sabe, nos ministérios onde os chefes sem rosto mandam mais que os ministros. Os pequenos e médios empresários sempre foram e vão continuar a ser o farol da nossa economia; são eles que dão corpo às instituições de proximidade, que dão emprego, que proporcionam que o Governo não fuja com os médicos, com os centros de saúde, com o serviço público a que está obrigado, nas áreas que referi mas também nos transportes, no apoio ao ensino e à prática da cidadania. Está instalada na classe política, principalmente nos políticos do arco do poder, a ideia e a convicção de que a cidadania é ter as pessoas a meterem o nariz onde não devem.

A nossa missão como jornalistas, e cidadãos que têm o privilégio de acompanhar a vida pública, é demonstrar o contrário: trabalhar sem amarras e sem cedências àqueles que ficaram parados no tempo e não querem que os perturbemos na sua santa ignorância. JAE

quinta-feira, 25 de novembro de 2021

A pedra com que David matou Golias

De manhã tenho uma energia que sou capaz de combinar encontros e marcar trabalhos que enchem a agenda de uma semana. O problema depois é cumprir tudo o que agendei, combinei e imaginei que era capaz de realizar.

Um amigo de longa data, empresário de antiguidades (não sei bem se o ofendo chamando-lhe comerciante porque ele faz negócios vendendo desde quadros dos pintores mais famosos aos objectos mais raros em ouro e prata), contou-me que há muitos anos vendeu a um milionário, dono de umas termas, a pedra com que David matou Golias. As outras histórias, que lhe ouvi ao longo dos anos, fazem crer que esta é mais uma das suas invenções para me fazer passar a mensagem de que ainda está em idade de me ensinar muitas coisas como quando o conheci e aprendi com ele lições preciosas para o meu novo trabalho da altura. No dia da nossa conversa andei de volta das edições online do Público e do El País,  leituras em atraso que me levaram três horas da noite da véspera de terça-feira que é geralmente o dia em que tenho mais trabalho e o tempo não chega para um mergulho na piscina que é a minha bênção do dia.

Vai daí, depois de ter lido cinco edições do Ípsilon, o melhor suplemento literário dos jornais portugueses, e duas edições do Babélia, embora ainda ficassem outras tantas para ler, senti uma vontade de tirar de cima de mim o seirão com os problemas normais de um jornalista operário que passou a noite em branco à procura do nome de um mago, santo ou bruxo, que me pudesse ajudar a combater o vício do trabalho. Não dormi e, para castigo, na terça-feira, o dia a seguir a esta noite em branco, tive um dos dias mais trabalhosos da minha vida. Estávamos em vésperas da organização das cerimónias do Galardão Empresa do Ano e da entrega dos prémios às nossas Personalidades e alguém tinha que escrever os textos e, desta vez, mais uma vez, calhou-me a mim. 

Escrevo ao correr da pena, antes de dormir na tal noite de segunda-feira que, por acaso, é a última deste ano que passo o dia e a noite a trabalhar. Vou cruzar o Atlântico para gozar umas férias grandes e nos primeiros dias não andar a bater com a cabeça nas paredes sem saber muito bem como é que vou passar os dias sem atender o telefone, ajudar a organizar a agenda dos camaradas mais novos, ou mais novinhos, que adoram fingir que não acontece nada se não se sentirem apertados num sítio que só eu sei.

Fico por aqui neste texto que põe a nu o jornalista que sou cada vez menos e o operário em construção que sou cada vez mais, agora que entrei no mês em que posso pedir a reforma por limite de idade (tinha que deixar aqui esta informação para não pensarem que falo de boca cheia e que ainda tenho uma vida eterna pela frente).

De verdade, sem falsas juras, é o que sinto todos os dias. De manhã tenho uma energia que sou capaz de combinar encontros e marcar trabalhos que enchem a agenda de uma semana. O problema depois é cumprir tudo o que agendei, combinei e imaginei que era capaz de realizar.

Não acabo a crónica roubada ao sono sem dar conta que no dia do fecho desta edição, e no dia seguinte, em que o jornal chega a todos os leitores, vamos voltar a premiar os melhores empresários da região ribatejana e as personalidades do ano. Vai ser uma festa como sempre. E vamos mostrar que, embora sejamos boicotados por vivermos e trabalharmos longe dos poderes de Lisboa, conseguimos dar provas que Portugal resiste apesar dos Vieiras, dos Sócrates, dos Salgados e dos Rendeiros, para não falar daqueles seus apaniguados que formam um exército de libertação dos dinheiros dos impostos para os paraísos fiscais, que depois faltam no SNS e na Justiça, para haver juízes e funcionários suficientes que façam funcionar o Sistema.

Ainda a tempo; acabei a crónica sem satisfazer a curiosidade dos leitores que adoram conhecer lugares de férias maravilhosos. Infelizmente não posso desvendar o meu destino de férias porque o lugar não tem luz eléctrica e vou ter que pescar todos os dias para não morrer de fome. Quem me invejar que morda a língua que é o menor mal que sou capaz de desejar aos invejosos. JAE.

quinta-feira, 18 de novembro de 2021

Vai sair cara a resistência

Esta edição de O MIRANTE tem dois cadernos e comemora 34 anos de publicação ininterrupta sob o lema que nos inspira desde o primeiro número: “caminhante não há caminho, o caminho faz-se a andar”.

Quem ler esta edição de O MIRANTE, distribuída por dois cadernos, vai sentir o peso da leitura por mais que o seu espírito esteja folgado. Apesar da crise é a maior edição de aniversário de sempre e aquela que reúne mais investimento. 2021 tem sido um ano desafiante. Enquanto os jornais ditos nacionais vão caindo, alguns para tiragens insignificantes, O MIRANTE mantém os seus números na edição impressa e é lido na internet por mais de metade da população portuguesa. Certamente com a grande ajuda dos portugueses residentes no estrangeiro, e com o interesse dos seus familiares, mas não é isso que nos rouba a importância e o interesse que despertamos no mercado.

Vivemos um tempo de monopólio da informação; pior que isso: sofremos a concorrência de empresas e indivíduos que roubam a informação dos jornais como quem apanha amoras silvestres à beira da estrada. Começa nos facebooks e acaba no cidadão comum que distribui diariamente, em mensagens de telemóvel, dezenas de títulos de jornais roubados dos programas de assinaturas das editoras.

O sector da comunicação social vai resistir a tudo e a todas as contrariedades, inclusive aos governos que vêem o trabalho editorial das redacções por um canudo: querem os jornalistas e os jornais a fazerem serviço público mas depois fogem com a publicidade obrigatória e os deveres da transparência que uma boa governação exige. Vai sair cara a resistência. As bancas de venda de jornais são cada vez menos.  No mercado nacional só há uma distribuidora de jornais; e as dificuldades também apertam para quem vê as receitas diminuirem devido à quebra das vendas. Dos grandes jornais de referência O MIRANTE é dos poucos que aposta nas assinaturas da edição impressa. Os CTT vão cumprindo a sua missão embora em alguns pontos do país com problemas na distribuição. O papel aumentou 47 % nos últimos três meses assim como grande parte das matérias-primas associadas à impressão. As cativações e a lei da contratação pública, leis peregrinas que visam apenas dificultar a vida aos pequenos empresários, são aberrações do regime social-democrata em que vivemos, que privilegia descaradamente as grandes empresas e os grandes empresários que se escondem atrás de fundações e de offshores.

A pandemia, graças ao avanço da ciência, é uma brincadeira comparada com a desgraça que vai por aí no clima, com o drama dos refugiados, o avanço da China nos mercados internacioais com produtos a preços ridículos graças a tudo o que sabemos e, por fim, sem esgotar todas as grandes lutas das novas gerações, a falta de cultura democrática na administração dos organismos do Estado e, muitas vezes, nos gabinetes dos próprios governantes.

O MIRANTE comemora 34 anos de publicação ininterrupta. Chegamos aqui devido ao trabalho de uma equipa que nunca se dividiu, que criou raízes, que tem sabido adaptar-se aos novos tempos. Um dos grandes desafios de O MIRANTE é trabalhar em 23 concelhos onde as sensibilidades políticas e pessoais são variadas. Temos muitos mais parceiros que adversários; muitos mais aliados que inimigos; desde o primeiro número de O MIRANTE que trabalhamos em nome de um projecto editorial e nunca em favor de um projecto político, pessoal ou empresarial. E é assim que vamos continuar sob o lema que nos inspira desde o primeiro número: “caminhante não há caminho, o caminho faz-se a andar”. JAE.

quinta-feira, 4 de novembro de 2021

Um jornal para os vizinhos

Na última década extinguiram-se centenas de títulos de jornais locais e regionais. Em Portugal vive-se uma realidade que, por incrível que pareça, é antagónica à realidade do resto da Europa.

 

“Os verdadeiros meios de comunicação líderes são os jornais regionais”. O título é de um artigo de jornal que sintetiza um congresso sobre jornalismo realizado em Valladolid, que serviu ao jornal alemão Frankfurter Allgemeine como ponto de partida para analisar o estado da imprensa espanhola e onde é citado o chefe de redação do La Voz de Galicia, Xosé Luís Vilela, que afirma que “Nós fazemos o jornal para os vizinhos”.

Gosto da citação para substituir “jornalismo de proximidade” que costumamos usar nas campanhas de O MIRANTE para angariar leitores. Tenho que reconhecer, no entanto, que a realidade espanhola é substancialmente diferente da portuguesa. Há mais de três décadas que acompanho a evolução da imprensa em Portugal e os jornais regionais perderam importância em contra-ciclo com o resto da Europa. Na última década extinguiram-se centenas de títulos de jornais locais e regionais. Em Portugal vive-se uma realidade que, por incrível que pareça, é antagónica à realidade do resto da Europa. Em terras lusas tenta vender-se a ideia que temos o maior número de jornais centenários e alguns iluminados falam mesmo em candidatá-los a Património Imaterial da Humanidade. Nada contra se os jornais cumprissem a sua função, o que não é o caso na grande maioria, ou por falta de jornalistas ou por estarem a ser dirigidas por pessoas que estão a viver ainda nos anos de chumbo. É dificil olhar para um jornal que não tenha uma política editorial que faça com regularidade o escrutínio das instituições e dos seus protagonistas; que não dê prioridade aos assuntos de sociedade e não esteja do lado dos mais desvaforecidos da comunidade.

A falta de auto-critica e a subserviência das instituições do sector ao poder instituído, assim como a falta de interesse pelo associativismo da classe, faz de Portugal um país de caciques e de pobres diabos que continuam a fazer do jornalismo local e regional uma actividade para asilados. Entretanto as tiragens dos quatro jornais de referência em Portugal caíram para menos de metade nos últimos anos. A publicidade tradicional desapareceu e as consequências são o emagrecimento das redacções e, consequentemente, a falta de tempo para os jornalistas trabalharem na rua. Hoje, como ontem, a grande maioria dos profissionais das televisões e dos jornais de referência são poucos para acompanharem a classe política em Lisboa ou quando passeiam pelo país. 

90 por cento dos jornalistas que saem das universidades querem serem pivot de televisão; por isso passam anos sentados às secretárias a fazerem trabalho de escriturários, na maioria das vezes sem qualquer influência na qualidade da informação publicada. O resultado dessa ideia de que jornalismo é apresentar telejornais, mais tarde ou mais cedo, faz de jovens licenciados em comunicação maus caixas de supermercados, maus vendedores de imóveis e automóveis, etc, sendo que uma boa maioria deles acaba a trabalhar, em frente a um computador, para o Facebook, o Tik Tok a Google e a Amazon, as grandes empresas que já dominam o mundo através da internet.

Portugal é dos países da Europa desenvolvida o que menos se preocupa com o futuro dos seus jovens trabalhadores, sejam eles jornalistas, médicos, engenheiros, arquitectos, pedreiros ou mecânicos.

A bagunça na distribuição do dinheiro do orçamento do Estado favorece a especulação e a pobreza que se instalou na sociedade. A grande maioria das empresas que não depende de trabalho especializado tem que recorrer à emigração. A geração rasca, de que falava Vicente Jorge Silva, ainda não se extinguiu; pelo contrário, continua uma imensa maioria incentivada por um ensino universitário sem qualidade e sem ligação à realidade do mundo do trabalho.

Parafraseando a nossa (ainda) ministra da Agricultura, a pandemia ainda pode ser uma boa oportunidade para Portugal. A China já controla a luz eléctrica que nos ilumina as casas e faz trabalhar as fábricas; as barragens já foram vendidas à Engie; os bancos já são quase todos estrangeiros, e os que não são se-lo-ão a breve prazo; o Alentejo já é Marrocos aqui mais perto. Um dia destes vamos ter cientistas no Ribatejo a posicionarem-se para serem os primeiros a dissecarem os cadáveres dos antigos comunistas de Alpiarça, dos avós de José Saramago e, quem sabe, o de Ricardo Salgado, um antigo correeiro da Chamusca que tinha um nome famoso mas era, se fosse vivo, o honrado bisavô da Mafalda, que é minha neta e ainda não sabe ler. JAE.

quinta-feira, 28 de outubro de 2021

A Ponte da Chamusca é o maior exemplo do Portugal dos pequeninos

 O Instituto de Estradas mandou construir separadores na Ponte da Chamusca para salvaguardar a estrutura de ferro que foi inaugurada em 1909. Daí para cá a vida das pessoas que precisam daquele tabuleiro de ferro tornou-se um inferno. Os políticos locais comem e calam e assim contribuem para o país desigual em que vivemos.

A travessia da Ponte da Chamusca, baptizada com o nome de João Joaquim Isidro dos Reis, continua a ser um problema quase diário para centenas de pessoas que atravessam o Tejo nas mais variadas situações, certamente que uma boa parte delas por compromissos laborais. Na passada semana o telefone da redacção de O MIRANTE voltou a tocar; do outro lado voltamos a ouvir vozes inconformadas a pedirem que escrevêssemos sobre o assunto porque a travessia da ponte não pode ser um problema que estrague a vida às pessoas que compraram casa do lado errado do rio, ou que, por qualquer outra razão, dependem daquele caminho-de-ferro. A notícia acabou por não ser publicada, nem sequer na edição online, porque nem sempre os jornalistas estão atrás de um computador e o assunto é grave demais para escrevermos sobre ele do jeito em que se vai batendo no ceguinho, o que não é o caso, como todos sabemos.

Por causa da falta desse texto na edição online chegou-me também pelo telefone uma história desse dia que é exemplar e que merece ser contada. Um funcionário da Rodoviária do Tejo (RT), que mora na Golegã, saiu de casa 30 minutos antes de entrar ao serviço, na Chamusca, onde deveria conduzir o autocarro da manhã com destino a Lisboa. A distância entre a Golegã e a Chamusca são cinco quilómetros; se a ponte da Chamusca estiver interrompida por causa dos mesmos problemas de sempre pode demorar duas horas. Ao perceber que era isso que lhe ia acontecer na manhã desse dia o personagem desta história deu meiavolta com o carro, voltou a casa, pegou na moto e fez-se novamente ao caminho de forma a chegar a tempo e horas de cumprir os seus horários de trabalho e não deixar pendurados os passageiros da Rodoviária do Tejo.

Conto esta história para valorizar o acto de vestir a camisola deste funcionário da RT que bem podia escrever ao seu administrador a pedir-lhe que fizesse queixa ao Camões por ele não conseguir chegar a horas ao seu trabalho. Certamente que há outros exemplos a merecerem elogios; e haverá situações bem mais dramáticas de pessoas que faltam ao trabalho, e a outros compromissos importantes, por causa dos impedimentos no trânsito na ponte de ferro inaugurada em 1909, a quem foi dado o nome de João Joaquim Isidro dos Reis, que fez da sua construção uma das principais batalhas da sua vida.

Os autarcas da Chamusca acham que os problemas da Ponte da Chamusca se vão resolver por obra e graça do Espírito Santo. Imagino o presidente da câmara, Paulo Queimado, a ligar ao Padre Borga, prior da freguesia, para lhe meter uma cunha

Nenhum sacana que governa a autarquia tem coragem para marchar até Lisboa e meter pelos olhos dentro dos responsáveis do Instituto de Estradas que não se mexe na vida das pessoas como se vivêssemos numa anarquia. Não havendo alternativa aos separadores o IE tem que ter os semáforos a funcionar; se estão avariados os tribunais podem repor a legalidade; os cidadãos não são verbos de encher; os políticos de proximidade não podem ser bonecos ao serviço dos partidos em vez de ao serviço dos interesses dos seus munícipes. Está na hora do reeleito presidente da câmara, e seus vereadores, se amarrarem aos ferros da ponte, já que politicamente são invisíveis e ninguém lhes liga. JAE

quinta-feira, 14 de outubro de 2021

Cavaco Silva: falar e escrever para o boneco

Aníbal Cavaco Silva é o exemplo do país de manhosos em que vivemos. Cavaco diz que vivemos num país com uma “democracia amordaçada”, mas não fala dos “Pandora Papers”, das Fundações, dos políticos que usaram a banca para traficar influências e muito menos fala do seu falhanço como primeiro-ministro durante 10 anos. Curiosamente, um dos maiores actos de censura foi durante um dos seus governos e calhou a José Saramago. E ninguém esquecerá jamais a recusa da pensão a Salgueiro Maia, o herói do 25 de Abril.

A opinião de Cavaco Silva sobre o estado do país foi notícia a nível nacional. O artigo de opinião do ex-primeiro ministro e ex-Presidente da República, que marcou uma época em Portugal, ocupou uma página do jornal Expresso da passada semana e está cheia de opiniões mesquinhas que são o espelho da sua personalidade como político.

Cavaco Silva queixa-se de vivermos num país com uma “democracia amordaçada” onde o “controlo do aparelho de estado e a subserviência da comunicação social” contribuem para o “silenciamento e o empobrecimento” do país. Mas foi num Governo de Cavaco Silva que José Saramago conheceu a censura que o impediu de concorrer a um prémio literário. 

Quem viveu para contar o tempo em que Cavaco Silva dirigiu três governos durante uma década, e falhou redondamente a reforma administrativa do país, não pode ficar calado com tamanha pornografia opinativa. Miguel Cadilhe,  que dirigiu o ministério das finanças durante cinco anos, acusou publicamente o seu líder de ser o pai do “monstro”, ou seja, do défice, um dos epítetos pelos quais ficou conhecida a dimensão da ruptura das contas públicas portuguesas. Segundo Miguel Cadilhe, foi durante o Governo de Cavaco Silva que a Administração Pública portuguesa se transformou na terceira mais cara da Europa. Curiosamente, foi também o Expresso a publicar as declarações de Cadilhe que só podem ficar na História para quem acompanha a vida política das marionetas portuguesas. O facto de Cavaco Silva ainda hoje fazer opinião, ainda que ao nível de um Comendador, e de Miguel Cadilhe se ter eclipsado da vida pública e política, só abona a favor deste último, já que Cavaco Silva governou Portugal durante uma década (1985 a 1995) e só deixou alcatrão, algum dele pouco utilizado, que custa os olhos da cara ao Estado português, que tem que pagar às concessionárias a falta de receitas do tráfego automóvel. Faltam os estudos para sabermos quantos milhares de milhões é que ainda custam estes investimentos que apagaram do mapa as políticas de aposta nos caminhos-de-ferro e na navegabilidade dos rios como acontece na maior parte dos países bem governados.

Mais grave ainda; pouco antes da falência do BES Cavaco Silva fez declarações que são uma vergonha para um país onde a justiça ainda não cumpriu o seu papel para com os lesados dos bancos que foram enganados por funcionários ao serviço de uma “máfia”. Cavaco Silva podia e devia usar as páginas dos jornais para criticar os capitalistas associados às notícias dos “Pandora Papers”, ou de outros processos que fazem de Portugal um país de terceiro mundo, onde a responsabilidade política no governo de instituições bancárias, como a Caixa Geral de Depósitos, foi durante anos a fio um instrumento do tráfico de influências políticas, o lugar onde o Estado português se deixou manobrar em nome de uma rede de privilegiados sem honra ou sentimentos de dever público.

É verdade que a imprensa portuguesa está moribunda e aprisionada; falta-lhe o investimento publicitário e, pior que tudo, leitores. Cada dia que morre um velho é menos um jornal que se vende. E, como sabemos, todos os dias morrem velhos. Cavaco Silva sabe que a Google, o Facebook, a Amazon e a Apple tomaram conta do mercado que ninguém regula nem tem ferramentas para regular. Por último: Cavaco Silva não fica na História só por ter deixado censurar uma obra literária do nosso Nobel da Literatura; fica acima de tudo por ter negado uma pensão ao capitão de Abril, Salgueiro Maia, quando pouco tempo depois não negou o mesmo pedido a dois antigos inspectores da extinta PIDE. 20 anos depois, Cavaco Silva redimiu-se com uma homenagem ao homem que partiu de Santarem com as suas tropas para libertar Portugal de um regime fascista mas foi pior a emenda que o soneto: Salgueiro Maia já tinha morrido. JAE.

quinta-feira, 7 de outubro de 2021

Tomar é a cidade mais bonita da nossa região

Tomar é a cidade mais bela e bem frequentada da nossa região. Passei lá uma boa parte do dia de domingo a trabalhar e a viver as emoções da noite eleitoral.


No dia das últimas eleições autárquicas escolhi Tomar para acompanhar os resultados das eleições autárquicas. Fui a meio da tarde para ir aos figos e para visitar, ainda com a luz do dia a fazer o pino, a cidade e os seus recantos.

Tomar é a cidade onde todos gostávamos de viver ou de ter uma casa. Não é só a cidade que tem um encanto templário: à volta de Tomar há uma albufeira que faz toda a diferença com mil lugares de veraneio, de lazer e de excelência para passar o dia, o fim-de-semana ou até o resto da vida.

Tomar é a única cidade da região onde os restaurantes de qualidade se espalham pelas ruas da cidade, com as suas esplanadas, e os turistas, que não são os mesmos do Santuário de Fátima, se sentam com os olhos brilhantes de quem vê em cada estrela um milagre.

Já almocei e jantei na grande maioria dos restaurantes mas no domingo entrei pela primeira vez no espaço da sede da Nabantina onde o serviço foi demorado mas atencioso. Embora na cidade houvesse muitos restaurantes abertos, apesar de ser domingo, vi entrar e sair muitos clientes que não tiveram lugar apesar do espaço ter quatro salas, algumas delas bem espaçosas.

Sou de uma terra com metade das casas a cair, de costas voltadas para o Tejo, quase sem restaurantes, onde vivem cada vez menos almas e o que sobra são igrejas embora estejam quase sempre de portas fechadas como acontece com a mais bonita de todos situada no miradoiro de Igreja de Nossa Senhora do Pranto. Tomar tem mais vida na Rua da Corredoura, a um domingo ao fim da tarde, que a Chamusca durante toda a semana em todas as ruas.

Nos últimos anos tenho vivido mais em Lisboa e em Santarém do que na Chamusca ou em Tomar ou em Alhandra, onde também gosto de sentir a vida a passar. No domingo percebi melhor a importância de morarmos numa cidade com identidade, que não a grande Lisboa, onde nos perdemos; nem a Chamusca ou Santarém, onde todos olham para os nossos sapatos e vêem as solas rotas quando não se dá o caso de as verem forradas a ouro.

Há muito tempo que não ajudava a coordenar um trabalho em noite de eleições; há muito tempo que não saía à rua em trabalho, com o fato de repórter, e escrevia em cima do joelho e directamente no telemóvel, que é hoje a grande ferramenta de um jornalista. Não esqueci, entretanto, como se trabalha na rua, mas percebi melhor que agora é muito mais fácil mostrar trabalho do que antigamente. Tudo acontece muito mais rapidamente e à frente do nosso nariz. No domingo consegui trabalhar até às três da manhã em toda a área de abrangência de O MIRANTE, a partir de Tomar e de Abrantes, sabendo que éramos duas dezenas de profissionais a fazerem o melhor que sabem, que é o jornalismo de proximidade.

Este texto tem alguns dias no computador, quase tantos como os que já lá vão depois das eleições. A esta distância vale a pena acrescentar à crónica que soube de muitas candidaturas, de todos os partidos, que não saíram à rua para fazerem campanha eleitoral. Há pessoas em que os partidos confiam que acham que ganham eleições sem baterem às portas, sem saírem da sua rua ou da sua cidade ou aldeia. Percebe-se pelos resultados que houve candidatos que acharam que ganhavam eleições pelos seus lindos olhos; Daí as muitas surpresas destas eleições. Daqui a quatro anos veremos quem tem obra para mostrar e quem já começou a construir alternativas na oposição. JAE.

quinta-feira, 30 de setembro de 2021

A tirania das eleições

O PCP não liga aos seus quadros, nem aos novos nem aos velhos, nem procura mobilizar pessoas que não gostem do Partido Comunista Chinês ou do chefe do Governo venezuelano Nicolás Maduro.

As eleições autárquicas de domingo foram tiranas para o PCP e o Bloco de Esquerda. Se quanto a este último partido não há culpas para apontar, porque o BE é literalmente um partido de Lisboa e do Porto, que vive de meia dúzia de estrelas do firmamento da esquerda caviar (com raras excepções), já quanto ao PCP a coisa pia mais fino. Os comunistas coligados com os Verdes, que só existem graças ao PCP, têm uma tradição de poder nas autarquias que vai ficar na História deste último meio século. Infelizmente para o partido, e para a democracia, o PCP está a deixar-se morrer por culpa daquilo que era a sua grande mais valia: a proximidade dos dirigentes com as populações e com os seus interesses mais importantes e mais imediatos. Quase meio século depois do 25 de Abril os dirigentes nacionais do PCP aburguesaram-se e entregaram o partido no interior do país aos profissionais dos sindicatos, que são incapazes de organizar uma lista de compras de supermercado quanto mais uma força política para concorrer às autarquias.

No Ribatejo o PCP já só tem a Câmara de Benavente e, provavelmente, só até 2025. A história que ficou para trás com a reforma de Sérgio Carrinho, António Mendes e agora Carlos Coutinho (tão comunistas como eu (não) sou), é fácil de explicar. O PCP não liga aos seus quadros, nem aos novos nem aos velhos, nem procura mobilizar pessoas que não gostem do Partido Comunista Chinês ou do chefe do Governo venezuelano Nicolás Maduro. Na Chamusca e em Constância, para dar dois exemplos que citei, o PCP não soube renovar-se, os comunistas ou os simpatizantes do partido não mexem uma palha para recuperarem o prestígio ganho e acumulado ao longo dos anos de trabalho em favor das populações. Os gajos em que o PCP confia a tarefa de organizar as tropas vivem literalmente na clandestinidade nas suas próprias terras e, regra geral, são pessoas que não mostram os dentes nem trabalham em favor das associações ou colectividades, como sempre foi tradição nos militantes comunistas. Os que resistem parecem personagens de cinema: uns cheios de raiva e desesperados por lutarem contra moinhos de vento e os outros, os que andam com a foice e o martelo na testa, escondidos em casa onde montaram oficinas de recuperar imagens de Che Guevara, Fidel Castro e Catarina Eufémia.

Jerónimo de Sousa e António Filipe, para falar de dois dirigentes nacionais que estão a contribuir para levar o PCP à condição de partido insignificante a nível autárquico, são dois personagens de televisão como eram os bonecos do Contra Informação da RTP. Eles estão em todos os noticiários e programas de entrevista e de entretenimento das televisões, mas nunca estão no terreno; nem eles nem os camaradas do Comité Central que, segundo dizem os números, têm uma fortuna para gerir; o PCP é o partido mais rico do mundo em património e em dinheiro a prazo nos bancos; no resto está quase apagado do mapa pelo Chega e companhia; no Ribatejo mas também no Alentejo. Só no concelho de Lisboa, tal como o BE, o PCP ainda tem uma força que faz dele um partido respeitável. Álvaro Cunhal deve estar a mexer-se no túmulo.



Escolho Jorge Faria, que ganhou o Entroncamento por 62 votos, para deixar aqui um exemplo de um autarca que governa com os punhos e dialoga com a população com os cotovelos. Um político que faz dois mandatos numa cidade, que tem tudo para dar certo, e ao fim de oito anos só fica no poder graças a 62 eleitores e a Nossa Senhora de Fátima, ou vai acabar os quatro anos de poder a caminhar para o psicólogo ou é certo que vamos ter eleições antecipadas na cidade dos comboios. JAE. 

quinta-feira, 23 de setembro de 2021

Jorge Sampaio e as eleições autárquicas do próximo domingo

Que país é este onde as classes mais favorecidas, com um maior nível cultural e educacional, entregam o poder político da sua terra aos mais aventureiros e, por isso, aos mais incapazes, como se vivêssemos nos tempos do Zé do Telhado?


As eleições do próximo domingo são um bom pretexto para escrevermos sobre democracia e o exercício do poder. Jorge Sampaio tem uma biografia escrita por José Pedro Castanheira que é um espelho da sua vida política que nos deixa espreitar as suas qualidade pessoais. Conheço boa parte dos dois grossos volumes de memórias. E sou testemunha de outras histórias que não são contadas nos dois volumes da biografia e foram ouvidas no meio de grupo restrito contadas pelo seu ex-chefe de gabinete, António Fonseca Ferreira, quando Jorge Sampaio foi presidente da Câmara de Lisboa. Uma delas prende-se com a entrada fulgurante, e a matar, de Belmiro de Azevedo no gabinete de Jorge Sampaio fazendo pressão para resolver o problema na construção das torres do Centro Comercial Colombo. A história tem todos os ingredientes que sabemos existir entre poder económico e poder político: a luta de uns para construírem e desenvolverem as suas empresas e os seus impérios empresariais e a batalha de quem detém as rédeas do poder e tem a obrigação de moderar os exageros urbanísticos e a especulação imobiliária e comercial. Os arquivos de imprensa estão cheios de histórias que retratam bem uma época (1990-1995) de grande crescimento económico, mas também de grandes transformações que os nossos líderes não souberam aproveitar para nos aproximarmos dos melhores indicadores sócio-económicos dos países mais ricos da Europa. José Sócrates e Armando Vara são o melhor exemplo da italianização da política portuguesa e a queda da Portugal Telecom, e de gestores como Zeinal Bava e Henrique Granadeiro, a par da falência de alguns bancos, que culminou na queda estrondosa do BES, são o melhor exemplo da regressão da democracia e dos valores de um regime que pode estar em perigo com a ascensão da direita fascista em todo o mundo ocidental. 

Para quem tinha 18 anos no dia 25 de Abril de 1974, e participava em reuniões clandestinas de opositores ao regime (beneficiava do facto de trabalhar num estabelecimento comercial que era ponto de encontro dessa gente corajosa e destemida), o facto de nas últimas eleições mais de metade da população portuguesa se recusar a votar é um sinal que deveria deixar os políticos de cabelos em pé. 48 anos depois de nos libertarmos da ditadura, que nos cerceava a liberdade de reunião, o acesso ao conhecimento e à igualdade de direitos, vivemos um tempo em que metade das pessoas não vota no seu presidente de câmara ou junta de freguesia. O que é que os políticos locais esperam para merecerem a honra de desempenharem cargos públicos remunerados? Que país é este onde as classes mais favorecidas, com um maior nível cultural e educacional, entregam o poder político da sua terra aos mais aventureiros e, por isso, aos mais incapazes, como se vivêssemos nos tempos do Zé do Telhado?

Jorge Sampaio, o antigo Presidente da República, que faleceu a 10 de Setembro, é o exemplo de um político que muitos autarcas deviam tentar imitar para um dia poderem ser melhores do que os seus mestres como ensinava Picasso. É verdade que temos gente valorosa à frente das autarquias e do país, mas não temos razões para nos orgulharmos da nossa classe política actual quando vemos emergirem na vida pública políticos analfabetos, que não sabem lidar com a liberdade de imprensa, não respeitam nem sabem como lidar com os seus adversários políticos, não sabem reivindicar nem como funcionam as instituições e, pior do que isso, são autênticos caciques, com a vantagem, para eles, de pertencerem a partidos cujos dirigentes nacionais fomentam o clientelismo e a monarquia em vez de respeitarem os ideais da nossa República já mais que centenária. JAE.

quinta-feira, 16 de setembro de 2021

Agroglobal já não vai ser o grande exemplo para a Feira da Agricultura

Pedro Torres anunciou, de forma inesperada, no último dia da Agroglobal, o fim da feira no Cartaxo e a sua passagem para Santarém com organização da CAP, que também organiza a Feira Nacional de Agricultura.

De 2014 a 2021 Pedro Torres e Manuel Paim ergueram uma feira agrícola no campo do Cartaxo que se tornou um caso de estudo. Dois empresários agrícolas, sócios e amigos, deitaram mãos a uma feira que este ano teve uma adesão nunca vista. “Isto parecia uma guerra civil”, reconheceu Pedro Torres num dos discursos de encerramento onde anunciou a passagem de testemunho para a Confederação dos Agricultores de Portugal (CAP) e o fim da Agroglobal como a conhecemos até hoje.

Embora já há quatro anos se falasse na possibilidade de a CAP tomar conta da organização, o certo é que as conversações nunca surtiram efeito. Na altura O MIRANTE falou com as duas partes envolvidas no negócio: Pedro Torres admitiu as conversas mas pediu que guardássemos a informação privilegiada uma vez que as notícias podiam pôr em causa as conversações e um desfecho que, na sua opinião, seria bom para a cidade e para a Agroglobal.

Apesar de sondado noutras alturas nunca mais conseguimos actualizar a informação. De forma surpreendente, no final da maior edição de sempre da Agrobal, Pedro Torres e o presidente da CAP, Eduardo Oliveira e Sousa, subiram à vez ao palco para anunciar que o CNEMA vai tomar conta da feira.

Dos discursos que O MIRANTE publicou em vídeo, na notícia que escreveu na edição online, é fácil concluir que a cedência da organização da feira não foi tão simples como os organizadores fizeram parecer.

É certo que a feira vai passar para Santarém; e é certo e sabido que o CNEMA não tem estrutura nem pessoas para organizar uma boa Feira da Agricultura quanto mais uma Agroglobal que metia a Feira da Agricultura no bolso em termos de programa, de organização e participação dos agentes do sector. Não por acaso nasceu, cresceu e tornou-se uma das maiores organizações de sempre a promover o sector. A unanimidade gerada à volta desta organização nunca será possível com o CNEMA, gerido de costas viradas para a cidade e para as instituições da terra e da região.

Não é hora de pedir contas a quem tem a responsabilidade de organizar anualmente a Feira Nacional de Agricultura mas era meter a cabeça na areia não recordar que a CAP fez da Feira Nacional de Agricultura uma feira de vaidades. Manuel Paim e Pedro Torres mostram desde 2014 o que é uma feira agrícola e como se organiza e se ganha dinheiro sem cedências e facilidades (na feira da agricultura falasse em negócios paralelos no aluguer de pavilhões a artesãos, para além de outras manhas que foram instituídas ao longo dos anos e que fazem da Feira do Ribatejo um outro caso de estudo).

Pedro Torres reconheceu, no discurso em que entregou a Agroglobal ao CNEMA, que negoceia com os dirigentes da CAP desde a segunda edição da feira. Embora falem entre iguais (são pessoas que dominam o sector, andaram nas mesmas escolas, vão às mesmas festas, são parte de uma elite que domina uma parte da economia portuguesa), só cinco anos depois é que chegaram a um entendimento. Fica claro que esta cedência era a única forma do CNEMA não perder a curto prazo a Feira Nacional de Agricultura. Falta saber se Pedro Torres negociou a curto prazo a presidência do CNEMA como contrapartida por ter deixado de afrontar, com o seu trabalho a solo, a organização da Feira do Ribatejo.

Com o CNEMA a organizar a Agroglobal, certamente que a feira nunca mais atingirá a dimensão e o interesse das últimas edições; também é fácil concluir que quem organiza a Feira da Agricultura com um amadorismo desarmante não vai organizar a Agroglobal convidando os parceiros regionais e cativando aqueles que ao longo dos tempos se foram divorciando dos dirigentes da CAP.

Uma nota final que não devemos calar para darmos nomes aos bois, como se diz na gíria ribatejana: os dirigentes do CNEMA são tão bons a gerirem as suas organizações, e as suas azias pessoais, que ameaçam e retaliam contra empresários que falam a O MIRANTE de forma crítica nos suplementos que habitualmente editamos por ocasião da Feira da Agricultura. JAE.

Vêm aí as eleições autárquicas e tudo pode acontecer

Ferro Rodrigues e Marcelo Rebelo de Sousa, dois dos mais velhos protagonistas da nossa santa vida política, vieram a público manifestar solidariedade com os autarcas (...)  Depois desta corajosa tomada de posição destes dois “jovens”, o que é que têm a dizer os velhinhos das juventudes partidárias que se sentam nas cadeiras do poder? 


Pela primeira vez depois do 25 de Abril, depois do fenómeno PRD, de Hermínio Martinho e Pedro Canavarro, para citar dois escalabitanos que tiveram grande importância no partido, podemos ter umas eleições autárquicas que virem do avesso todo o espectro partidário. Não tenho desejos pessoais nem acho que aquilo que nós pensamos ou escrevemos pode influenciar umas eleições. De uma coisa estou certo; estas eleições vão baralhar a cabeça de muita gente se o PSD cair do cavalo abaixo e o PS e a CDU não mantiverem o seu eleitorado. Deixo de fora o Bloco de Esquerda que sempre foi um partido envergonhado nas eleições de proximidade e que, durante muitos e muitos anos, só teve como bandeira nacional uma senhora de Salvaterra de Magos, que desertou da CDU, e cujo nome esqueci completamente; eu e milhares de eleitores, incluídos os dos BE.


O facto de vivermos em pandemia durante tanto tempo tem os seus custos. Ninguém aguenta o ambiente de loucura que se vive em certas áreas da vida nacional. Toda a gente fala das mortes por Covid mas ninguém fala das mortes das pessoas com cancro que ficam meses e meses sem médico de família. Conheço algumas, e sei que são tão ingénuas e tão singulares que não sabem queixar-se; para elas Deus é grande e é Ele que as há-de ajudar. António Costa e Rui Rio sabem que o problema não é com Deus mas com a falta de médicos e de enfermeiros no SNS. Mas tanto um como outro vivem há meio século do mesmo que viveu Salazar e Marcelo Caetano: da renúncia natural do povo aos seus direitos quando, à sua volta, impera a mentira e uma administração pública falida, corrupta e incapaz de se reformar.

É imoral o que se passa na saúde pública depois de nos termos safo do pior da pandemia; os doentes com cancro e outras doenças graves parecem filhos de um Deus menor. Os candidatos às eleições autárquicas na Chamusca, Ourém, Carregado, Azambuja, entre muitos outros concelhos, deviam exigir ao governo políticas que permitam a formação de mais médicos e enfermeiros, e não o boicote da classe à criação de mais escolas de medicina e a entrada de mais alunos nos cursos. Não sei se alguns autarcas sabem do que estou a falar mas era bom que soubessem.


Ferro Rodrigues e Marcelo Rebelo de Sousa, dois dos mais velhos protagonistas da nossa santa vida política, vieram a público manifestar solidariedade com os autarcas que estão a ser prejudicados pela existência de uma lei eleitoral que os proíbe de fazerem campanha eleitoral ao mesmo nível dos políticos da oposição. Os deputados da Assembleia da República, muitos deles também autarcas ou ex-autarcas, conhecem de ginjeira este problema das leis eleitorais. E o que é que fazem aos longo das legislaturas? Tratam da sua vidinha e abafam diariamente os peidinhos nas almofadas das cadeiras do Parlamento para libertarem os gases provocados pelo stress de não terem nada para fazer. Depois desta corajosa tomada de posição destes dois “jovens” da nossa política, o que é que têm a dizer os velhinhos das juventudes partidárias que se sentam nas cadeiras do poder? JAE.

quinta-feira, 9 de setembro de 2021

O Tejo é um rio moribundo e está entregue à Iberdrola… mas é segredo

Perdi a certeza de que vale a pena falar do Tejo como rio, já que antes e depois das barragens do Fratel e de Belver, o Tejo é apenas um curso de água moribundo que os espanhóis deixam entrar em Portugal.

“Ousemos pensar, ler, criticar e escrever. A velocidade a que a ciência está a alimentar a tecnologia não nos dá hipótese de prevermos o futuro tal são as surpresas que nos esperam. O que vai mudar as nossas vidas é a economia e não a ciência. O que temos pela frente é muito difícil de imaginar. Temos que preparar os jovens para o imprevisto. E não há treino possível que possamos preparar para os ajudarmos. A saúde para todos é uma falácia. Nas crises fica claro, como acontece hoje com a pandemia, que as políticas não resolvem nada, muito menos as políticas económicas. 70 por cento dos europeus querem um mundo diferente daquele que vivemos mais centralizado nas pessoas. O jornal The Economist e o Financial Times, jornais líderes de opinião, e desde sempre conservadores, andam a gritar pelo socialismo”.

Recupero parte de um discurso da cientista Maria do Carmo Fonseca, ouvido num lançamento de um livro do advogado Eduardo Paz Ferreira, e fico sem certezas sobre o que escrever quando viajo a um domingo pelo centro do país, e vou reconhecer uma parte do meu território, onde pontificam as barragens de Belver e do Fratel, as praias fluviais cheias de banhistas, e as figueiras à beira das estradas carregadas de figos maduros que me alimentam a guloseima a cada paragem para descobrir os mais maduros, já quase em passa, doces como mel, com pena de não levar um balde para apanhar os frutos do chão e recuperar um hábito de criança do tempo em que a lua era habitada por pastores e muitos rebanhos de ovelhas.

Para alimentar a nostalgia doutros tempos fui à Amieira do Tejo e percorri uma das aldeias mais tradicionais do território que melhor espelha a fronteira entre o Alentejo e o Ribatejo;  do lado de lá, junto ao rio, reconheço a casa do antigo funcionário da CP entretanto desactivada como apeadeiro, e onde há uma dúzia de anos morava o poeta e tradutor Miguel Serras Pereira, que entrevistei durante um fim de tarde para um trabalho editorial que foi publicado num suplemento que anunciava os prémios de Personalidade do Ano de O MIRANTE.

Abaixo das duas barragens o rio parece um ribeiro. Acima a água está cheia de lodo, embora proporcione passeios de mota de água, canoa, e uns mergulhos que fazem as delícias dos habitantes locais que aproveitam para gozarem o fim-de-semana o mais perto que podem do paraíso.

A autoestrada serve para fazer centenas de quilómetros num único dia. Serve também para regressar ainda a tempo a Lisboa, passando pela Chamusca, apanhando as ameixas e os abrunhos que ainda restavam nas árvores, e assistir a uma sessão de cinema no S. Jorge. Enquanto vejo o filme trabalho mentalmente num documentário em cima das imagens do dia onde pontificam as terras de restolho, os porcos e as cabras à solta em alguns quintais, e os semblantes dos moradores à passagem do carro por dentro da aldeia, a 10 à hora, tentando adivinhar quem é o sacana que se passeia pela hora do calor.

A viagem foi no passado domingo; as palavras fortes da cientista Maria do Carmo Fonseca são de há dois meses. Neste meio tempo perdi a certeza de que vale a pena falar do Tejo como rio, já que antes e depois das barragens do Fratel e de Belver, o Tejo é apenas um curso de água moribundo que os espanhóis deixam entrar em Portugal depois do transvase que alimenta as hortas das províncias de Alicante, Almeria e Múrcia, e das cinco barragens espanholas que são grandes instalações de armazenamento de água que, junto com a central nuclear de Almaraz, representam o grande negócio da Iberdrola, o operador hidroeléctrico mais conhecido do mercado.

Na noite em quem escrevo esta crónica o primeiro-ministro António Costa deu uma entrevista à TVI ao jornalista Miguel Sousa Tavares, e a conclusão é que ele está a governar o país mais importante da Europa, que se orgulha de ser o centro do mundo por estar na rota das áfricas, das ásias e dos “brasis”, e todos os cabos onde a tecnologia faz milagres estarem amarrados no Porto de Sines. Rendo-me e prometo que não volto a escrever poemas nos próximos tempos e, muito menos, saio de casa para ver a banda passar. JAE.

quinta-feira, 2 de setembro de 2021

Lei eleitoral estalinista e políticos que governam à moda de Salazar

Portugal é um país do terceiro mundo ao nível da lei eleitoral e verdadeiramente estalinista ao nível da justiça. Há tribunais administrativos onde a justiça serve para esconder o rasto de gente que governou como José Sócrates que deixou o país e algumas instituições da forma que todos conhecemos.

Portugal é um dos países mais antigos do mundo e o mais antigo da Europa. Temos uma democracia com quase meio século, já superior ao tempo da ditadura de Salazar e Marcelo Caetano. Devíamos ser um país exemplar no exercício da liberdade e do direito à informação. Não é isso que acontece ainda em boa parte dos casos. Há situações do nosso regime que são próprias de um país em ditadura; desde logo o controlo de alguns tribunais pelo Estado, ou por quem serve o Estado, como acontece com os tribunais administrativos onde, é sabido, os processos congelam nas prateleiras e só são resolvidos décadas depois quando a justiça já "prescreveu" ou as pessoas a quem era devida justiça já morreram. É uma situação vergonhosa que os dirigentes dos partidos calam e os membros da classe judicial omitem nas suas lutas pela dignificação da justiça. Uma vergonha nacional que faz de nós um país de terceiro mundo.

Apesar de termos uma democracia madura e amadurecida por meio século, em tempo de eleições Portugal quase que se torna um estado estalinista ao proibir, por exemplo, que os políticos se manifestem nas redes sociais, onde só lê e vê quem quer, permitindo, no entanto, meios de campanha completamente obscenos e desregrados, como é o caso dos cartazes espalhados por todas as principais rotundas, pondo em causa a segurança dos automobilistas e dos peões. Os órgãos de comunicação social estão sujeitos a um escrutínio que é de bradar aos céus tendo em conta aquilo que se passa noutros países da Europa e do mundo, onde a democracia funciona e os cidadãos não são tratados como atrasados mentais. A lei eleitoral proíbe que um candidato use as suas páginas nas redes sociais para se promover falando de si e do seu trabalho; e, mais grave do que isso, proíbe que os jornais e os jornalistas não se precipitem a dar notícias sobre obras ou outras iniciativas de uma autarquia, não vá escapar em alguma delas a promoção do poder instituído. A lei é uma aberração e trata os cidadãos abaixo de palermas. Não por acaso as pessoas de bom senso fogem da actividade política para não se sujeitarem a humilhações e a comportamentos literalmente próprios de uma sociedade de oportunistas.

A lei eleitoral portuguesa é uma caricatura de um sistema político a precisar de reforma. A percentagem de pessoas que não votam já é muito acima dos cinquenta por cento em boa parte do território onde as injustiças sociais são mais evidentes. Apesar de uma boa parte dos políticos no activo ainda terem memória do tempo do fascismo, estamos a gerir as leis como se nos preparássemos para entregar o país a uma classe dirigente ao nível de José Sócrates, Armando Vara e comparsas que tomaram conta do país durante décadas e deixaram o rasto que todos conhecemos. JAE.

quinta-feira, 26 de agosto de 2021

Ministério da Agricultura podia ser governado pelo Bispo de Fátima

Maria do Céu Antunes pode ficar na história como a pior ministra de um Governo depois de Salazar. A forma como fez a gestão do que se passou em Odemira, aliás, do que ainda se está a passar, e como ignora o que se passa nas explorações agrícolas, que se dedicam à agricultura de estufa, vai causar um desastre ambiental sem precedentes.

António Costa tem o maior Governo do país desde que há democracia em Portugal. Esperava-se por isso que tivéssemos uma governação de maior proximidade e um país com políticos preocupados em mostrar serviço. Nunca como hoje conhecemos tão mal quem nos governa. Dos cerca de setenta membros deste Governo só uma dúzia deles aparecem onde deviam e mostram trabalho; os restantes são figuras anónimas que nem a agência LUSA consegue acompanhar, nem os canais da RTP, suportados pelo dinheiro dos contribuintes, inclui nos seus programas de entrevistas ou comentários. À falta de melhor pretexto para aparecerem em público os ministros andam a inaugurar ecopontos. Como todos sabemos já não há fontanários e coretos para inaugurar e visitar empresas e instituições pode custar os olhos da cara aos governantes porque, nesta altura, só há dinheiro da bazuca e mais uma vez vai todo para os mesmos de sempre.

O MIRANTE descobriu na passada semana que as associações de agricultores não falam com a ministra da Agricultura. Descobrimos porque as associações mais pequenas gritaram por socorro perto das nossas secretárias de trabalho. As grandes associações, como é o caso da CAP, limitaram-se a cortar relações com a ministra e nem precisaram de fazer barulho. António Costa tem tudo controlado; facilmente dispensa uma ministra e aceita ser o interlocutor da associação mais representativa dos agricultores. Para ele o Ministério da Agricultura podia estar nas mãos do Bispo de Fátima que não estaria mal entregue.

A pandemia veio mostrar que a democracia pode ser posta em causa se, em primeiro lugar, estiver o pão para a boca e a satisfação das nossas necessidades essenciais. Talvez por isso os adversários políticos de António Costa estejam cagados de medo de falarem dos assuntos mais ricos da nossa vida política e colectiva porque dá muito trabalho fazer oposição em tempo de vacas magras.

Maria do Céu Antunes pode ficar na história como a pior ministra de um Governo depois de Salazar. A forma como fez a gestão do que se passou em Odemira, aliás, do que ainda se está a passar, e como ignora o que se passa nas explorações agrícolas, que se dedicam à agricultura de estufa, vai causar um desastre ambiental sem precedentes. Há barragens no Alentejo que estão a menos de 50% da sua capacidade máxima depois de termos tido um Inverno dos mais chuvosos dos últimos anos. Se a lógica ainda for uma batata, só daqui a meia dúzia de anos voltaremos a ter um ano de chuva como o do último Inverno. Até lá a barragem de Santa Clara, só para dar um exemplo, vai secar com o fluxo de explorações de agricultura de estufa que continuam a crescer no Alentejo depois da água ter faltado em Espanha e de uma boa parte dos seus territórios terem ficado desertos e ao abandono. JAE.

quinta-feira, 19 de agosto de 2021

Correio sentimental do Outono em pleno Verão

A crónica desta semana parece uma despedida mas é só uma forma de apresentação aos leitores mais jovens para me vingar das notícias da Segurança Social que deverão chegar no início do Outono.


Nas conversas solitárias com os botões da minha camisa sempre disse que nunca me reformava; e mantenho a decisão embora travestida, o que não me faz sentir mal; tal como mudo de camisa posso mudar de ideias, sem peso na consciência, se as ideias não são públicas ou publicadas. Estou a poucos meses de me reformar por limite de idade e nem acredito.

Quero voltar a Orlando para viajar nas montanhas russas mas agora sem os meus filhos; quero voltar a fazer trilho nos caminhos virgens da floresta amazónica, mas também na Ilha de Páscoa, onde deixei amigos, ou no deserto de São Pedro de Atacama, onde vivi sem luz e sem água da rede e cuja viagem de avião, para lá, acabou a meio por avaria e aterragem forçada. Quero voltar a viajar de comboio por lugares fantásticos, de navio por mares nunca antes navegados, e de barco para voltar a mergulhar no Índico e voltar a enjoar, ainda que seja a coisa mais terrível que pode acontecer a um ser humano.

Recentemente, depois de meia dúzia de dias de férias cá dentro, saí de um hotel para o caminho de casa como quem sai de casa para ir ali ao campo apanhar laranjas. Para meu espanto foram-se as emoções da partida, do tempo que passou rápido demais, do desespero de não ter feito metade do que estava no programa. Senti ainda mais profundo o que tenho vindo a sentir nos últimos tempos e que talvez tenha começado numa manhã em que saí de uma suíte do Thomar Boutique Hotel para o caminho como se estivesse a sair para o trabalho do primeiro andar de um prédio na Chamusca.

Dei por mim a sair da praia, duas horas depois de lá ter chegado, com a sensação que já tinha passado um dia; o meu normal sempre foi ficar por lá o dia todo, fazendo questão de deixar passar a hora do almoço e viver do saco da fruta, de uma côdea de pão com queijo, de amendoins e uma garrafa de água. Acho que cheguei a uma esquina da vida que me impele a mudar de caminho. Sinto cada vez mais que já comprei todas as terras que tinha para comprar, todas as casas e todos os carros; agora o que mais falta fazer é marcar as viagens sonhadas, ler os livros e ver os filmes adiados, aproveitar, até durar, o melhor da minha juventude.

Há 2/3 anos deixei de fazer contas aos negócios dos outros como fazem 99% dos portugueses quando vêm um restaurante cheio ou um comércio que parece rentável. Há falta de assunto, e de projectos de vida consistentes, andamos sempre todos a invejar a galinha da vizinha. Sinto hoje, mais do que nunca, que as minhas vaidades estão satisfeitas, mas as minhas ruínas estão cheias de vida e algumas delas têm uma vista com mais luz que as ruínas da luminosa Itália ou da Grécia. Talvez tenha chegado a hora de viver a minha juventude no sentido em que afirmava Picasso: “é preciso viver muitos anos para nos tornar-nos jovens”.

Como é evidente este texto não é uma despedida; é só uma forma de me apresentar a alguns leitores mais jovens para me vingar das notícias da Segurança Social que deverão chegar no início do Outono. JAE.

sexta-feira, 13 de agosto de 2021

Marcelo, o presidente, e Francisco, o seu saudoso sobrinho e afilhado

 


A reinauguração do Museu da Língua Portuguesa é pretexto para falarmos do Brasil mas também de Portugal, de Marcelo Rebelo de Sousa e do seu sobrinho e afilhado, Francisco Themudo de Castro, que morreu tragicamente num acidente de viação e que era uma pessoa notável de quem esperávamos muito, não fosse o trágico e estúpido acidente em que faleceu.

Marcelo Rebelo de Sousa é o melhor Presidente da República pós-25 de Abril. Julgo que ninguém terá dúvidas. O homem fez um percurso notável até chegar a este lugar com larga maioria de votos dos portugueses. Embora seja um constitucionalista e professor universitário reputado, foi como colaborador e director do jornal Expresso durante nove anos que fez um brilharete, depois como candidato à Câmara de Lisboa e mais tarde como presidente do PSD. Ouvi algumas histórias de pessoas próximas que são uma delícia, que mostram a sua capacidade intelectual e de liderança. Curiosamente estou ligado a uma história dramática na vida de Marcelo Rebelo de Sousa. Um dos seus sobrinhos e afilhados, Francisco Themudo de Castro, que morreu no dia 11 de Junho de 2014, num desastre de mota, era um rosto da Associação Portuguesa de Imprensa (API) e tudo indicava que ia ser o novo presidente da associação mais representativa dos patrões da comunicação social em Portugal preparando-se para substituir João Palmeiro que, na altura, já se eternizava no lugar. Marcelo Rebelo de Sousa apoiava o sobrinho e afilhado, tinha interesse em saber do seu trabalho na associação e as pessoas que mexiam os cordelinhos por fora já ligavam a quem tinha opinião, como era o meu caso, sobre o que pensávamos do seu trabalho e da possibilidade de ele assumir a presidência.

Uma morte num acidente estúpido de mota, em Cascais, no dia 14 de Junho de 2014, deixou-nos mais pobres porque o Francisco, para além de um excelente executivo e dirigente, era uma pessoa cheia de virtudes, que faziam dele um homem e um amigo admirável. Com a sua morte a API perdeu a capacidade de se renovar, ficaram, e ainda lá estão os mesmos de sempre, descuidados, desfalcados, um espelho daquilo que a imprensa local, regional e nacional está a passar com a morte de muitos títulos. Como a API não tem solução, e os grandes patrões não se querem zangar no meio da desordem, criaram entretanto a denominada Plataforma de Meios; os cinco grandes grupos de comunicação social juntaram-se e mandaram às urtigas a associação presidida por João Palmeiro.

Resumindo; apesar dos cemitérios estarem cheios de gente insubstituível, a morte de um jovem de 38 anos, cheio de vontade de vencer na vida, preparado para uma missão, pode mudar para pior o mundo de muita gente. Neste caso mudou mesmo. A morte de Francisco Themudo de Castro foi um duro golpe nas aspirações daqueles que ainda acreditam no associativismo e na liderança de uma associação de jornais que defenda em igualdade de circunstâncias os grandes e os pequenos editores. Um homem faz a diferença no mundo e não precisa ser Gandhy, nem Mandela nem José Mujica; pode chamar-se Marcelo Rebelo de Sousa ou Francisco Themudo de Castro.

A visita do Presidente da República ao Brasil para a reinauguração do Museu de Língua Portuguesa em São Paulo foi um fiasco para a diplomacia portuguesa. A língua portuguesa não se valoriza com museus mas sim com políticas de educação, acordos bilaterais com editoras livreiras e discográficas, com apoios às universidades que tenham protocolos luso-brasileiros. Enfim, o Brasil é só a quinta economia do mundo e Portugal, que lhes empresta a língua, é só o país mais pobre da Europa ocidental, embora tenhamos uma democracia que funciona melhor do que em alguns países de África e da Europa de leste. Mas só às vezes. Ninguém faz nada para mudar o rumo desta relação entre irmãos que se conhecem mas não se falam nem querem saber uns dos outros.

Estive na inauguração do Museu no dia 20 de Março de 2006 e senti orgulho em ser português mas hoje reconheço que foi só um sentimento provocado pela emoção do momento e pela felicidade do reencontro em terras de Vera Cruz. Depois disso já me emocionei muito mais a conviver com brasileiros do Maranhão e do Ceará, mas também do Rio de Janeiro e do Rio Grande do Sul, alguns tão devotos de Nossa Senhora de Fátima como da memória de Pedro Álvares Cabral. JAE.

quinta-feira, 5 de agosto de 2021

Todos os dias ficamos um bocadinho mais pobres

 

Onde é que podemos ler, ou ouvir, um deputado da região a fazer ‘mea culpa’ ou a mobilizar os seus camaradas para que esta sangria no interior do país continue a este ritmo? E os autarcas que perdem 15 por cento da população em 10 anos onde é que vão fazer transfusões de sangue para andarem por aí sem se revoltarem e deitarem mãos à cabeça?

Saiu recentemente uma notícia a dar conta que as crianças já passam mais horas a jogar do que a dormir. Não admira. A internet veio revolucionar as nossas formas de vida.

Nas últimas duas semanas estive em tele-trabalho numa ilha da Grécia. Depois de ter apanhado o espírito do lugar comecei a trabalhar online nos meus projectos pessoais e profissionais como uma criança de volta dos jogos. Mal dava por mim já tinha passado a manhã. Saía de casa a correr para dar um mergulho e, a meio da tarde, quando o calor apertava, lá estava eu outra vez no ar condicionado a trabalhar doidinho pelos resultados que consigo alcançar depois de aprender a mexer em algumas ferramentas que ainda há pouco tempo considerava inacessíveis.

Com a mota à porta, o frigorífico cheio, 40 graus à sombra, o tradutor do telemóvel a provar que já sou um expert em língua inglesa, criei uma ilha dentro da ilha para onde voei que me rejuvenesceu alguns anos.

Foi lá que li a notícia dos resultados dos Censos, que é uma desgraça para todos nós, que não vendemos tudo o que temos nas nossas aldeias e vamos investir para o litoral. Os espertalhões que governam algumas das nossas autarquias não percebem que o absentismo deles é a nossa ruína. Todos os dias ficamos mais pobres com a desvalorização do nosso património (quem ainda tem alguma coisa de seu, como a casa da família, por exemplo), o fecho das colectividades, a falta de médicos, de policiamento, enfim, a falta de massa crítica para o desenvolvimento sócio-económico e cultural das nossas terras. E, acima de tudo, a oportunidade de darmos alternativas de vida aos nossos filhos e netos.

Onde é que podemos ler, ou ouvir, um deputado da região a fazer ‘mea culpa’ ou a mobilizar os seus camaradas para que esta sangria no interior do país continue a este ritmo? E os autarcas que perdem 15 por cento da população em 10 anos onde é que vão fazer transfusões de sangue para andarem por aí sem se revoltarem e deitarem mãos à cabeça?



Esta semana O MIRANTE dá mais um passo para consolidar a sua liderança na região e conquistar mais leitores. Acabamos de implementar um novo serviço de assinaturas, uma nova política de trabalho a nível editorial, e reforçamos, e vamos continuar a reforçar, a redacção e o sector comercial.

As nossas melhores histórias, as melhores entrevistas e reportagens continuam a fazer a programação de muitas televisões. É evidente que trabalhamos para os leitores mas não deixa de ser recompensador ver a concorrência atrás da nossa matéria editorial valorizando também as nossas escolhas e os protagonistas dos nossos trabalhos editoriais. As televisões fazem hoje um mau jornalismo, com algumas excepções, como é o caso da SIC e da RTP. Podermos contribuir para uma televisão de maior proximidade com o país real é um privilégio e não uma forma de sermos uma agência de notícias. Devemos parte desta postura de há mais de 20 anos no mercado ao antigo director de programas da SIC, Alcides Vieira, que esteve com a equipa de O MIRANTE em Tomar, num dos nossos aniversários, a falar do mercado das empresas de comunicação e da forma como cada profissional deve olhar para o meio em que vive e trabalha. Bons tempos! JAE.

quinta-feira, 29 de julho de 2021

No Ribatejo pegam-se os bois pelo rabo

 A região é governada por um grupo de gente que se assemelha a um grupo de forcados que, por não pegarem os bois pelos cornos, andam a tourear a vida deles e a nossa.


A ideia de que no Ribatejo os bois pegam-se pelos cornos não serve de exemplo para nada. Sim, é verdade que os bois pegam-se pelos cornos mas é na arena. Querer consignar essa arte da coragem e da ousadia à vida social política cultural e económica do Ribatejo é tão enganador como vender vinho azedo dentro de uma garrafa com um rótulo novo da marca Cartaxo, Almeirim ou Tramagal.

O Ribatejo não tem região de turismo que é a indústria do presente e do futuro. Estamos colados ao Alentejo que já é uma marca fortíssima que tem tudo o que precisa para vencer; o mesmo com a região de turismo do Centro que despreza literalmente os concelhos do Médio Tejo. O Ribatejo, ao contrário, é um território por arrotear, sem mar e com a maior parte dos seus rios poluídos, incluindo o Tejo que deverá ser o rio mais desprezado do mundo. Não há palavras que expliquem tamanha irresponsabilidade na gestão do leito e das margens do rio Tejo e muito menos no desprezo pela qualidade e aproveitamento da água.

Tomar, a cidade mais bem gerida da região, acabou de dar um exemplo de gestão acima de todas as expectativas, apoiando as unidades de turismo de uma forma que faz jus à qualidade da mesma e responde com admirável gestão aos empresários que apostaram no território ribatejano a partir da cidade templária.

São exemplos raros na nossa região. Aqui, na vida pública, ninguém pega os bois pelos cornos, ao contrário daquilo que se apregoa. Talvez por cobardia, e sentimento de culpa, usamos uma expressão que é exactamente contrária aos nossos hábitos e costumes.

Somos uma terra de majestades nuas, políticos fraquinhos, que se perdem nos gabinetes ministeriais e acabam a almoçar nas cantinas de Lisboa; empresários espertos que sabem ganhar dinheiro mas não sabem viver para a comunidade nem tão pouco imaginam que ainda há quem não precise de viver de mão estendida.

Políticos sem sangue nas veias, gerindo dinheiro fácil do orçamento, rendidos à turba que os rodeia e os protege e ao serviço daqueles que lhes fazem lavagens cerebrais.

Sei que estou a ser injusto com alguns políticos da região que fazem a diferença como é o caso de Pedro Ribeiro, presidente da Câmara de Almeirim, Ricardo Gonçalves, presidente da Câmara de Santarém, e Miguel Borges, presidente da Câmara do Sardoal. É gente séria que anda nesta vida há muitos anos e certamente não trabalham para um dia serem monta cargas num qualquer Governo do país. Mas é pouca, muito pouca, a diferença que fazem no meio da turba.

Esta história da nova NUT é areia para os nossos olhos. Daqui a uma dúzia de anos já metade de nós está na reforma. Precisamos de berrar agora, apoiar agora, jogar tudo por tudo agora, denunciar os manhosos agora, apertar o cerco aos contrabandistas agora. Amanhã já é tarde. Como toda a gente sabe 90 por cento dos forcados desistem de pegar toiros ao fim de três ou quatro anos e logo que constituem família.

A região é governada por um grupo de gente que se assemelha a um grupo de forcados que, por não pegarem os bois pelos cornos, andam a tourear a vida deles e a nossa. JAE.

sexta-feira, 23 de julho de 2021

Correio sentimental em tempo de eleições

 

Quem escolhe as rotundas da sua terra para se anunciar ao povo como o candidato ideal devia ser castigado nas urnas. Não vejo melhor forma de castigar a ignorância.

Esta semana recebemos no correio mensagens interessantes de denúncia de alguns casos políticos, de gestão política, que só podem derivar do facto de estarmos em vésperas de eleições. Quase todos chegaram meio anónimos, embora seja fácil identificar as fontes se formos à procura do rasto das denúncias. Uma delas é do Entroncamento e já tem barbas. Outra é de Fátima e tem sido notícia regular em O MIRANTE. O que se estranha é a falta de coragem para debater estes assuntos nos lugares próprios que são as assembleias municipais (AM) ou as reuniões do município onde a comunicação social local e regional está presente. Na última semana, que coincidiu com a chegada das missivas, realizaram-se sessões da AM nas duas cidades em causa, e ninguém tugiu nem mugiu. O 25 de Abril foi há quase meio século e as novas gerações de políticos não se sentem à vontade para discutirem publicamente os problemas das suas aldeias, vilas e cidades. É triste. Parece que o nosso espírito guerreiro só aparece quando nos apertam as ventas. Não devia ser assim; mas está aí a realidade para provar que é mesmo verdade. Em algumas câmaras e juntas de freguesia governa-se com muita falta de jeitinho e alguma impunidade; e aproveita-se ao máximo a falta de sentido cívico da população ou, em alguns casos, a dependência que as populações têm dos políticos para abusarem da sua confiança.

A prova que uma boa parte da classe política portuguesa está ao nível dos tempos de antanho é a forma como faz publicidade em campanha eleitoral. Que lugar é que os grandes candidatos escolhem para darem a ler as suas palavras de ordem e mostrarem os seus lindos olhos? As rotundas, pois claro. Exactamente o lugar onde não passam pessoas; o lugar ideal para os automobilistas fazerem umas avarias a conduzir e a decorarem a cara e as palavras de ordens dos candidatos. Já vi rotundas com cinco cartazes de partidos diferentes e alguns deles com imagens onde está toda a família candidata à câmara. Quem escolhe as rotundas da sua terra para se anunciar ao povo como o candidato ideal devia ser castigado nas urnas. Não vejo melhor forma de castigar a ignorância. Fazer publicidade nas rotundas já é proibido em cidades do terceiro mundo. Em Portugal é o melhor lugar para os políticos venderem as suas fuças.

A lei eleitoral que está em vigor é à medida das cabeças pensantes que querem mudar o mundo mas só enquanto procuram o sono e pensam nos problemas que estão por resolver há décadas e que lhes dão moleza. Nenhum órgão de comunicação social tem condições para acompanhar uma campanha eleitoral sem se sujeitar a multas pesadas e, até, ao fecho do seu jornal ou rádio. Os nossos políticos sabem isso há décadas. Mas o que fazem os socialistas e os social democratas que vão governando o país alternadamente? Assobiam para o lado. O MIRANTE, tal como tem acontecido nas eleições das últimas duas décadas, só fará notícia em campanha eleitoral quando o homem morder o cão. JAE.

quinta-feira, 22 de julho de 2021

Constância; Vila Pobre e mal governada

 

A chaminé poluidora do Caima, se fosse generosa, podia e devia ser a grande solução para o futuro da Casa Memória de Camões, se os milhões do negócio da fábrica dessem uma esmola para um projecto cultural que é de dimensão mundial, a confiar naqueles que entregaram ao poeta a honra de dar nome ao Dia de Portugal.

O caso do roubo das armas de Tancos está quase resolvido nos tribunais. O Ministério Público, que acusou o ministro Azeredo Lopes, agora já pede a sua absolvição. Os militares envolvidos, pelo que se leu na comunicação social, parecem vestir a farda de um país em auto-gestão, onde a autoridade e o respeito pela Constituição se podem tratar entre uma refeição e uma visita à Grécia para uma feira de armamento (este mês o ministro da tutela esteve em Atenas numa feira de armamento mas a comunicação social não escreveu uma linha sobre o assunto. Terá ido comprar as armas que ficaram em falta nos paióis de Tancos ou foi comprar os submarinos em falta depois do escândalo do tempo do Governo de Passos Coelho?)
O que não me sai da cabeça foram os telefonemas dos jornalistas de Lisboa para a redacção de O MIRANTE a tentarem que os orientássemos no caminho da charneca para encontrarem o local exacto onde as armas foram encontradas. Mal eles sabem que o lugar escolhido foi bem perto da povoação do Pinheiro Grande, na margem do ribeiro que corre ao lado da aldeia, onde qualquer um de nós podia ter tropeçado se nos aventurássemos para aquelas bandas para puxarmos pelo pulmão e pelas pernas.

O Google, a Amazon e o Facebook facturam cerca de 80% por cento da publicidade mundial. A imprensa tradicional está a morrer por falta de mercado publicitário e aos patrões da comunicação social não resta outra alternativa senão despedir, despedir, e trabalhar com a mão-de-obra mais barata que se encontra no mercado desde que sejam pessoas que saibam alinhavar uma notícia. Jornalistas sem medo, com amor pela profissão para fazerem o caminho das pedras, antes de aprenderem os segredos da profissão e as manhas dos influenciadores, são cada vez mais raros. Em poucos anos o jornalismo e os jornalistas que resistem ao poder do dinheiro, das mordomias e dos convites dos políticos para assessores, ficou reduzido a umas poucas centenas de profissionais. Não exagero. Os jornalistas do futuro vão ser os grandes heróis das sociedades modernas. Basta ver quantos escrevem hoje contra os interesses instalados e não têm medo dos analfabetos que dirigem associações empresariais, institutos públicos, associações controladas pelos políticos e tudo o resto que está explicado nas políticas de corrupção que a queda do BES arrastou para a lama em que vivemos.

O maior símbolo da vila de Constância é a chaminé da fábrica do Caima. Sei do que falo. Já senti o que é viver por ali com aquele cheiro permanente a vomitado. A direcção da Casa Memória de Camões, associação que atravessa grandes dificuldades, fez com que Constância ganhasse uma nova chaminé poluidora graças às divisões no seio da associação e às respostas que o presidente da direcção resolveu dar a quem o acusa de má gestão. Falta pouco, aparentemente, para que se perca pelo caminho a Obra de meio século de Manuela de Azevedo. Falta pouco, insisto, para que a luta, o empenho e os sonhos de Manuela de Azevedo se tornem coisa inglória. Curiosamente, a chaminé poluidora do Caima, se fosse generosa, podia e devia ser a grande solução para o futuro da Casa Memória de Camões, se os milhões do negócio da fábrica dessem uma esmola para um projecto cultural que é de dimensão mundial, a confiar naqueles que entregaram ao poeta a honra de dar nome ao Dia de Portugal.
Independentemente de quem governa a associação ou, neste caso, de quem a desgoverna, Constância merecia ter melhores políticos e dirigentes associativos; merecia acima de tudo ter gente que soubesse reindinvicar para a vila coisa melhor que chamar-lhe Vila Poema quando na verdade é Vila Pobre e mal governada. JAE.

quinta-feira, 15 de julho de 2021

A Justiça para ricos e a Justiça para pobres

 

Se os advogados Paulo Saragoça da Matta e Manuel Magalhães e Silva fossem advogados das vítimas do surto de legionella, que abalou o concelho de Vila Franca de Xira há quase sete anos, alguém acredita que um tribunal português produzia uma decisão em que o valor de uma vida são 22 mil e quinhentos euros?

Uma juíza do Tribunal de Loures propôs aos arguidos do caso legionella, sob pena de terem de ir a julgamento, o pagamento de uma indemnização de 22 mil e quinhentos euros a familiares de uma vítima mortal do surto de legionella, que atingiu 375 pessoas e provocou 12 vítimas mortais. Sejamos francos e directos: se os familiares desta vítima tivessem como advogados Paulo Saragoça da Matta (que nesta altura defende o milionário Joe Berardo) ou Manuel Magalhães e Silva (ilustre advogado que defende Luís Filipe Vieira) algum juiz de um tribunal português tinha coragem para decidir que a vida de uma pessoa só vale 22 mil e quinhentos euros? Não. É claro que não. Até a terra tremia e a água do Tejo chegava ao Castelo de São Jorge em Lisboa.

Uma boa parte dos juízes são homens como nós e sofrem do problema da sociedade portuguesa que continua prisioneira de valores muito antigos herdados do salazarismo. Portugal continua a ser um país de pobres onde algumas famílias muito ricas impõem a ordem económica e a justiça. Quem não concordar comigo que se ponha no lugar desta família a quem é proposto receber 22 mil e quinhentos euros de indemnização pela morte do seu familiar. Se a juíza que me lê achar que eu não soube dos seus recados, dirigidos aos jornalistas durante a leitura da decisão instrutória, que se ponha no lugar dos filhos deste pai de família; que imagine o seu próprio pai ou um dos seus filhos vítima da incúria de empresas que destruíram a vida de centenas de pessoas, causando a morte a algumas delas; e a outras lesões que vão ficar para toda a vida e que certamente causarão uma morte mais precoce.

Não é preciso ser jornalista, nem juiz, nem estudar muitos anos e em muitos livros, para aprender noções de justiça e de igualdade de direitos. Uma catástrofe como o surto de legionella, que abalou a comunidade de Vila Franca de Xira, não podia ficar praticamente sete anos nos tribunais; muito menos o Governo português podia deixar ao Deus dará tanta gente doente e desprotegida, que acabou injustiçada, ou porque não conseguiu provar que adoeceu por causa do surto ou porque aceitou ou vai aceitar valores ridículos para o que sofreram e ainda vão sofrer.

Há mil provérbios sobre a justiça. A maioria são daqueles que dizem que “a justiça não dorme” e que “a justiça tarda mas não falha”. Todos sabemos que é mentira. “Da justiça o pobre só conhece os castigos”. Só assim se explica que uma vida valha apenas 22.500 euros para um tribunal português em Julho do ano de 2021 (ler notícia desenvolvida nesta edição na página 16) JAE.