quinta-feira, 16 de dezembro de 2021

O que fazemos da vida que não seja só ler e escrever

Os sobreiros, que permitiam uma biodiversidade e uma geografia única do território ribatejano, estão a desaparecer lentamente e vão desaparecer definitivamente porque os nossos governantes não têm ideia de como se governa um país e os interesses das populações.

“Se surgir algum momento de plenitude, conclua sempre com a consciência de que o tempo o corrompe, assim como tudo corrompe”. Gozo o prazer de viver num hotel durante quase um mês a ler e reler os escritores da minha vida, alguns deles que também viveram em hotéis como se fossem o prolongamento dos personagens dos seus livros. A frase que inicia esta crónica é roubada de mil páginas de livros, jornais e revistas que abro diariamente no computador, e que me chegam de mãos que exercem o jornalismo mas também a crítica literária, o ensaio e a opinião, cada vez mais em todas as línguas porque o Google melhorou substancialmente a sua ferramenta de tradução.

É sobre isso que penso enquanto revejo o meu plano para replantar as minhas árvores à beira do Tejo, quando nesta altura durmo à beira do Guaíba. A informação que me é oferecida todos os dias e todas as semanas chega e sobra para ficar minimamente informado sobre o que se passa no mundo. Claro que é o mundo dos outros; nunca encontro nas pesquisas dos motores de busca os fenómenos do Entroncamento ou os problemas com as barreiras de Santarém ou a transformação da charneca ribatejana num território árido ou o assoreamento perigoso do Tejo devido à erosão dos territórios que são cada vez mais eucaliptais a perder de vista. Os sobreiros, que permitiam uma biodiversidade e uma geografia única do território ribatejano, estão a desaparecer lentamente e vão desaparecer definitivamente porque os nossos governantes não têm nenhuma ideia de como se governa um país e os interesses da população. E um dia destes a água do Tejo vai saltar do leito devido ao assoreamento do rio como a água sai da banheira lá de casa quando nos esquecemos da torneira aberta. O que se passa no Alentejo, e começa a ser notícia em todo o mundo, para nossa vergonha, devia servir de exemplo aos políticos da região ribatejana que deviam unir-se para termos uma região pensada, e um território organizado e governado segundo os nossos interesses e não os interesses do dinheiro sem rosto.

Enquanto leio as notícias actualizadas de O MIRANTE logo pela manhã, leio também as manchetes do Expresso e do El País e de outros jornais, depois de já ter lido no correio meia dúzia de resumos do que se publica pelo mundo e que era tão importante aprofundar se eu tivesse o dom de fazer parar o tempo.

Quando viajamos, e saímos da nossa zona de conforto, tudo se torna mais claro: a vida só vale a pena se não ficarmos parados no tempo a somar histórias de diminuir. Falo da vidinha a tratar dos assuntos que nos consomem os neurónios e são sempre os mesmos: gerir as poupanças, a beira no telhado, os amores filiais, enfim, aquilo que nos faz tropeçar embora não nos faça cair e partir o nariz.

Era aqui que queria chegar quando iniciei a escrita desta crónica; estou a preparar-me para partir o nariz quando regressar de novo ao trabalho; já tinha prometido que ia esperar que o Tejo saltasse as margens ou o Nabão virasse uma linha de esgoto, mas acho que não vou esperar nem que comecem a cair as chuvas do Inverno. Vou começar a sonhar tudo de novo para contrariar a ideia de que todos os momentos de plenitude, um dia, serão corrompidos. E para começar como iniciei, roubo do El País uma frase de um longo texto que me dá a conhecer os 50 melhores livros do ano, que fala do trabalho do escritor Luis Landero que, durante a escrita do seu novo livro, “Jardim de Emerson” “dá a impressão de não saber para onde vai, mas que volta, uma e outra vez, para nos contar sobre o mais importante: o complexo, emocionante, cansado e absurdo que é o trabalho de viver”. JAE.

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