quarta-feira, 31 de dezembro de 2014

Por amor aos livros

Fim de ano é tempo de revisitar livros e autores. Acabei de ler o novo livro de Miguel Sousa Tavares “Não se encontra o que se procura” e fiquei rendido. Fica aqui a sugestão de um livro novo. O resto são citações de livros relidos nos últimos tempos por amor à literatura e aos grandes escritores.
“Não se deve querer aparentar que se é mais do que aquilo que se é na realidade. Esta é a lição”  Es Excluidos - Elfriede Jelinek 
“Via os pintores da construção civil a deitarem os seus pincéis para o caixote do lixo. E dizia-lhes: Guardem-nos para mim. São mais vivos”. Esta é a cor dos meus sonhos. Miró
“Uma vez o Roberto Marinho dizia a mim a ao Mário: Vocês tomavam táxi até para atravessar a rua. Era uma verdade exagerada, violentada, mas era uma certa verdade”. A menina sem estrela. Nelson Rodrigues.
“Uma cidade torna-se um universo quando estamos apaixonados por uma pessoa.” Justine - Laurence Durrel
“Não admira que o fumo do cachimbo cheire como o arco-íris (:) Portugal levou o cachimbo e o tabaco a todas as partes do mundo”. O puro prazer de fumar. Guillermo Cabrera Infante.
“A veces todo esto me hace interrogarme sobre se seré, de hecho, un novelista, o mis livros no serán, en el fondo, ensayos com personajes”. José Saramago - Un retrato apasionado . Armando Baptista-Bastos
“Só partidos políticos podem promover mudanças (:) o senso de justiça de um artista não pode sujeitar-se ao pensamento único do militante. Impossível ser um bom político sem mentir. Já o artista, porque ama a verdade, não pode fascinar as massas, elas não querem intelectuais, preferem seus iguais.” Morte no Paraíso. A tragédia de Stefan Sweig. Alberto Dines.
“Vim para Lisboa quando publiquei “Aparição” e isso caiu mal nos meios Neo-Realistas. Só houve uma pessoa que tomou o meu partido na altura, o João Rui de Sousa. Ninguém mais. Foi tudo a arrear.” As polémicas de Virgílio Ferreira. Jorge Costa Lopes
“Foi um democrata impertérrito e frontal: passou por duas prisões e por outras tantas evasões rocambolescas, passou por três exílios, três conspirações antimonárquicas ou antifascistas, andou a monte, na clandestinidade (:)” Cifras do Tempo. Para uma nova leitura de Aquilino Ribeiro. Óscar Lopes.
“Deus deu o amor aos homens para que se suportassem a si próprios e ao mundo. No entanto quem ama sem humildade deposita um grande peso sobre os ombros do outro.” De Verdade. Sándor Márai
“A memória é importante para combater a solidão. Gostaria de morrer aos 90 anos como um cavalo exausto, 5 minutos antes de chegar à meta.” Maruja Torres. O que sentem as mulheres. Nativel Preciado.
“Cada vez sou menos teórico nas coisas da vida. É preciso palmilhar a terra de ponta a ponta para se lhe compreender o sentido.” Um Adeus aos Deuses - Ruben A.
JAE

quarta-feira, 24 de dezembro de 2014

Aretino e a vida corrupta dos Cardeais do nosso tempo

Aretino (nasceu em 1492 e morreu em 1556) foi o poeta satírico cujo talento fez do Pasquino uma verdadeira instituição. Com esse nome era conhecida uma estátua mutilada, grega de origem, que até hoje existe num canto de rua da Piazza Navona. As pasquinadas de Aretino, regularmente afixadas ao soclo da estátua para deleite de toda a população da cidade de Roma, acabaram por se transformar numa instituição. Parodiando os almanaques astrológicos muito em voga na época, Aretino fazia previsões humorísticas e julgamentos cáusticos sobre figuras e acontecimentos do dia. Impressos em folhas soltas, eram vendidos nas ruas, contribuindo decisivamente para popularizar o nome do poeta e formar-lhe a reputação de satírico terrível.
Aretino afirma-se como um emancipador da classe dos escritores condenados a viver única e exclusivamente da generosidade dos mecenas, sendo por eles relegados amiúde à mesma condição dos lacaios e serviçais de condição inferior. Se faço o que faço, e por tais meios, é porque eu perseguia a emancipação de toda uma classe; tomei a peito o rebaixamento dos escritores, obrigados a viver de caridade e de esmolas; e mostrei-lhes o caminho da independência”, escreveu o poeta de “Sonetos Luxuriosos”. Foi assim considerado “o precursor do jornalismo moderno por ter feito os poderosos do seu tempo temerem a força da palavra, a palavra que molda a opinião pública e é capaz de abalar tronos ou legitimar reis”.
Nos últimos tempos, duas figuras medonhas da política local, cujos nomes não cito por serem parecidos com os figurões da época de Aretino, referiram-se a O MIRANTE como o Pasquim da região. A comparação encheu-me de orgulho. Mas o orgulho não paga multas em tribunal a quem chama os bois pelos nomes em letra de imprensa. Até nisso os tempos são outros para pior. Aretino morreu como um príncipe rodeado de cortesãs,  protegido pelas doações em dinheiro que chegavam de Inglaterra, Portugal e Hungria. Até o Barba-Roxa, o temível pirata de Argel, lhe enviava presentes em dinheiro.
Falta contar, entre muitas coisas, que ele era considerado um mestre na chantagem pela forma como sabia ridicularizar e denegrir os figurões da época que se recusavam a pagar-lhe. A diferença para os dias de hoje também é medonha: Os jornalistas que ainda levam a profissão a sério um dia vão pagar do seu bolso para voltarem a escrever folhetos clandestinos de forma a poderem gozar, à boa maneira do antigo Pasquim, a vida corrupta dos Cardeais do nosso tempo. JAE

quarta-feira, 17 de dezembro de 2014

A História de Natal do Joaquim

Tive um amigo de escola que tinha a mania de roubar. Assaltava lojas, casas particulares e especialmente os bares das colectividades que exigiam esquemas fáceis. Quando havia um assalto na vila a GNR já sabia quem era o gatuno; era quase sempre o Joaquim já que ele carregava a culpa de ser sempre o ladrão fosse ou não o autor do roubo. Ouvi-o prometer algumas vezes, entre dois dedos de conversa, uma cerveja e um cigarro, que um dia venceria o vício de roubar. Até ao dia em que a prisão de Alcoentre começou a ser a sua residência permanente.
A primeira e única vez que entrei numa prisão foi para o visitar. Fui carregado de cigarros e de um espírito de Natal que só Deus poderá explicar. De verdade não acredito em Deus mas dá-me jeito que ele exista para personagem desta crónica e para justificar a lembrança do Joaquim num tempo de grandes bebedeiras e barrigadas.
Quando saiu da prisão o Joaquim voltou à velha vida de índio sem tenda. Não voltou a roubar, se bem me lembro, mas a sua vida era a de um animal feroz. Um dia entrou na igreja de Nossa Senhora das Dores, onde dormia algumas vezes sem que se soubesse, e pendurou uma corda onde enfiou o pescoço. O suicídio foi durante a noite e Nossa Senhora das Dores estava no altar a confeccionar o jantar para consolo das almas dos pobres e aflitos. Na altura em que terá ido à sacristia buscar salsa para temperar o refogado o Joaquim aproveitou para se fazer de morcego com uma corda presa ao pescoço.
Não acredito na reencarnação nem na vida depois da morte mas, a existir, seria uma grande alegria saber que o Joaquim anda por aí, disfarçado de Pai Natal, a distribuir brinquedos às crianças e esperança aos homens poucos iluminados que estão na cadeia, embora nunca tenham roubado por precisarem de dinheiro para o pão, ou para o tabaco, ou para esses vícios ainda mais comezinhos como o jogo e a vida licenciosa. JAE

quinta-feira, 11 de dezembro de 2014

Banqueiros à solta e políticos presos

Todas as semanas preparo o meu físico e cuido do meu espírito fazendo 200 piscinas. Cem são reais; as outras são imaginárias. Resolvi contar o devaneio. Há uns tempos que vou almoçar todos os dias da semana ao Complexo Aquático de Santarém. A mesa onde almoço tem vista privilegiada para a piscina olímpica interior. A Joana faz-me companhia. Trabalhamos na mesma empresa mas é à hora do almoço que fazemos as reuniões sobre os assuntos mais quentes e pomos a conversa em dia. A ordem de trabalhos começa assim que pomos os pés na rua e, regra geral, é quase sempre sobre o que fez abanar o telhado da casa ou varreu as telhas.
Quando chegamos à mesa do restaurante e os meus olhos caem na água azul da piscina dou o meu primeiro mergulho. Enquanto esperamos pela sopa e a Joana atende as chamadas de telemóvel vão mais dois ou três. Antes do prato principal nunca faço menos de cinco piscinas, ora de bruços ora de costas, sempre a grande velocidade e de forma olímpica com os olhos pendurados na água cristalina.
Cerca de meia hora depois de chegarmos, quando a sopa não vem a ferver ou o prato principal não tem espinhas, e o Marco serve o café curto e bem quente, já dei vinte mergulhos; mais coisa menos coisa. Há dias em que a Joana nunca se cala durante o almoço e atende o telefone dezenas de vezes fazendo acrobacias com o telemóvel e o i-Pad. Nessas alturas nado que me farto; É verdade que o exercício é todo espiritual; mas sem um espírito forte e fantasioso não somos homens nem somos nada nestes tempos tão conturbados de banqueiros à solta e políticos presos.  

O relatório da Mariana desta semana é só desgraças: telefonemas de mães desesperadas que precisam da ajuda da Comunicação Social para internarem os filhos malucos; recados por email de gente aflita a pedir a ajuda que jamais podemos dar e que compete às autoridades. Nem tudo são missões impossíveis. Na maioria dos casos os telefonemas e as dicas dos leitores para trabalhos editoriais são pertinentes e ajudam-nos a cumprir a nossa missão.

O surto da legionella e a forma como a população do concelho de Vila Franca de Xira tem sabido comportar-se prova que somos um povo bom e sereno. Ainda bem que a autarquia tem um presidente de câmara que não é de meias medidas. Ninguém quer olho por olho, dente por dente, mas a culpa não pode morrer solteira. Um crime é um crime, um crime, um crime, e já morreram muitas pessoas, e outras estão apavoradas e podem ficar com muitas marcas, só porque tiveram o azar de estar no lugar errado à hora errada. E não era suposto. O concelho de Vila Franca de Xira é um lugar seguro para viver, ou foi durante muito tempo, e agora já ninguém tem certezas. JAE

quinta-feira, 4 de dezembro de 2014

Os empresários que nos dignificam

Dirigir é o trabalho mais exigente do mundo; temos que saber tudo daquilo que mandamos fazer ou, no mínimo, temos que perceber de tudo sobre aquilo que temos em mãos e que damos nas mãos. Mesmo que a Economia seja o nosso fraco ai de nós se não soubermos entesar-nos com os homens do dinheiro. Mesmo que as contas não sejam o nosso forte ai de nós se não soubermos discutir o preço das mercadorias. Mesmo que as finanças sejam matemática pura e dura ai de nós se não soubermos fazer contas de cabeça. Um jornalista que é só jornalista e não tem que dirigir uma equipa nunca saberá que a conta bancária a zero é muito mais dramático que a página em branco.
Este texto é parte de uma intervenção na entrega do Galardão Empresa do Ano que O MIRANTE organiza há 14 anos em parceria com a NERSANT. Quem julga que estas iniciativas, que duram e ganham prestígio, nascem de boas vontades engana-se redondamente. Fica aqui a nota para ocupar espaço mas também para que as palavras não se percam no meio de tantas páginas e leituras.
Os empresários são os principais parceiros de O MIRANTE nesta longa caminhada. É com eles que temos o grande compromisso de continuarmos a editar este jornal. Sem a publicidade não haveria jornal a preço reduzido nem tiragens que ultrapassam a mediania da imprensa local e regional. É por isso que O MIRANTE faz a diferença e é reconhecidamente um caso de sucesso editorial e empresarial. Quem faz jornais com parceiros políticos ou ligados a interesses empresariais duvidosos fica pelo caminho ou vai sobrevivendo como é público e notório. JAE