quinta-feira, 29 de agosto de 2019

Para onde vão os jornais em tempo de crise?

O Governo publicou um decreto-lei em 2004 que obriga o Estado a distribuir pela imprensa local e regional uma percentagem da publicidade que publica nos media nacionais. Está por cumprir em grande parte até hoje.

Os governos fazem gato sapato das leis e não as cumprem quando não lhes apetece. Dou um exemplo: em tempos que já lá vão (decreto-lei 231/2004) ficou escrito em Diário da República que o Governo português obriga-se a dar à imprensa local e regional uma percentagem significativa do valor da publicidade institucional que publica nos órgãos de comunicação nacionais. O resultado é desanimador. O Governo não cumpre a lei e assim prejudica uma parte importante do sector da comunicação social em Portugal. 
Quantos de nós é que aproveitam as páginas dos seus jornais para chamarem trafulhas aos governantes, desde Durão Barroso a Passos Coelho, passando por António Costa? Zero: não temos força editorial para abanar as estruturas partidárias, quanto mais um Governo. Não há um sacana de um deputado que se ponha do lado da imprensa regional e leve o assunto à Assembleia da República; não há com certeza advogados entre os patrões da comunicação social regional pois se houvesse certamente que algum mais empenhado já tinha resolvido o problema com uma queixa em tribunal que só podia acabar na condenação do Governo.
E por que é que os grandes grupos de comunicação social, que estão a morrer todos os dias um bocadinho, não se aliam aos mais pequenos e não dão o grito do Ipiranga de forma a fazerem mossa? Porque há muita gente pelo meio presa pelo pescoço? Como trabalho longe dos gabinetes do Poder não consigo perceber como se pode ser tão hipócrita a governar, um país ou uma associação de classe; como trabalho sempre no fio da navalha não entendo os que dormem em cima de brasas e acordam todos os dias no melhor dos mundos.
Estou longe de defender a intervenção do Governo para salvar jornais ou televisões; mas acho que vale a pena continuar a denunciar os que governam e alguns que são governados chamando-lhes hipócritas e mentirosos.
Um estudo sobre a imprensa regional e local, com data de 2009, mandado fazer e publicar pela ERC (Entidade Reguladora para a Comunicação Social), diz o seguinte no texto de apresentação de Azeredo Lopes, na altura presidente do Conselho Regulador da ERC (sim, esse que entretanto foi ministro da Defesa e vai ser arguido no roubo das armas em Tancos):  “A imprensa regional, pude comprová-lo se dúvidas tivesse, desempenha um papel notável de reforço de um conceito rico de cidadania. Cultiva a proximidade, é útil para quem a lê, estimula ou, pelo menos, conserva laços identitários, culturais e históricos da maior importância – e muitos exemplos concretos conheci. Acarinha o particular, numa altura em que só se prega o global. Cultiva a língua portuguesa, num plano cada vez mais raro na imprensa em geral. É, por isso, e não só por isso, fascinante e justifica, plenamente, que, sempre que possível, os poderes públicos – na ponderação de decisões – tenham estes aspectos presentes a pesar favoravelmente num dos pratos da balança”. O estudo tem quase 600 páginas e até agora só serviu para inglês ver. JAE

quinta-feira, 22 de agosto de 2019

Uma crónica sobre um livro de Henrique de Carvalho Dias

Escrever sobre os problemas da região, que não sejam a ligação ao rio Tejo, e a falta de tempo para ir dar um mergulho, parece desajustado de tudo.


Esta semana escrevi um texto para um álbum de imagens do fotógrafo Henrique de Carvalho Dias. Aproveitei para lembrar Fernando Lemos, de quem também sou amigo há muitos anos, que nesta altura tem três exposições em Lisboa e é mimado, justamente, por toda a imprensa e todas as instituições portuguesas e brasileiras. Nunca o visitei na sua casa de São Paulo mas a culpa é minha que não gosto da cidade e as vezes que lá fui desencontrámo-nos. O mesmo com Henrique de Carvalho Dias. Conhecemo-nos do nosso trabalho e das relações amistosas; da arte e do prazer que muitas vezes conseguimos retirar do trabalho árduo, desmedido mas quase sempre extraordinário.

Henrique de Carvalho Dias é um Homem e um artista diferente da grande maioria dos fotógrafos que hoje capta imagens nas trincheiras das praças de touros. Quando olho para ele vejo um poeta da imagem; um fotógrafo que quer mostrar numa só imagem o que um jornalista ou um escritor tentam mostrar num conjunto de palavras. Há 30 anos que o conheço muito bem e há mais de quatro décadas que trabalha apaixonadamente por amor à arte de fotografar e ao serviço dos artistas da festa brava.
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Trabalhar 12 horas por dia em Agosto é obra. E escrever sobre os problemas da região, que não sejam a ligação ao rio Tejo, e a falta de tempo para ir dar um mergulho, parece desajustado de tudo. Em Agosto toda a gente vai de férias menos os jornalistas e os homens do campo (passe o exagero).

Por causa da greve dos motoristas e do susto que apanharam alguns empresários com a corda na garganta, nomeadamente os agricultores, lembrei-me de um empresário que, um dia, ao telemóvel, guiando um BMW último modelo, numa viagem Lisboa-Porto, contou-me que podia falar tranquilamente porque ia a 110 à hora para não desperdiçar gasóleo. Dois anos antes desta conversa fez um investimento de 30 milhões de euros. Nesse dia reconheceu que o negócio estava a ir por água abaixo devido a problemas com as máquinas importadas que eram o coração da fábrica. E foi, passado alguns meses. Hoje é mais um desses barracões gigantes fechados e abandonados numa zona industrial; Entretanto começou a trabalhar como consultor; e nos intervalos vai sonhando que ainda tem idade e capacidade para voltar a juntar dinheiro e regenerar o antigo negócio. JAE

Uma greve de camionistas com dois advogados a guiarem as operações

Aveiras de Cima é um dos cenários principais de uma greve que pretende paralisar o país e que nasce de um clima de raiva e ódio entre patrões e empregados.


Pedro Pardal Henriques é o herói/vilão do momento; ele e os seus clientes, dois sindicatos independentes de camionistas de matérias perigosas, tomaram conta do país como se fossemos um principado ou um território em auto-gestão. Os debates nas televisões entre sindicalistas e representantes dos patrões têm sido lições de serviço público que vão ficar na História, pela negativa, e servem para adaptar às matérias do ensino sobre cidadania nas escolas. Ficamos a saber que a greve foi decretada sem que tenha havido negociações; a guerra entre camionistas e empresas é motivada apenas pela raiva, pelo ódio e pelo desprezo que existe entre uns e outros. Os ordenados baixos e a exploração da mão-de-obra barata nas horas extraordinárias, só para dar dois exemplos, ficaram para segundo plano. Ninguém contabilizou, até hoje, o número de sindicatos que ficaram de fora desta greve, nem tão pouco o número de camionistas que não aderiram nem estiveram solidários com os colegas destes dois sindicatos que comandam a luta.

O Governo de António Costa desta vez não dormiu em serviço; e todas as televisões mostraram reuniões de emergência de ministros, e conferências de imprensa, como se estivesse em causa a independência do território; e o caso não é para menos; com esta facilidade em parar um país de 10 milhões de pessoas, o mínimo que podemos esperar é que tenhamos um primeiro-ministro com os tomates no sítio.

Neste meio tempo os jornalistas da TVI tiveram vagar para descobrir os podres da vida de Pedro Pardal Henriques que, pelo vistos, nunca guiou um camião; foi um empresário falhado que ficou a dever dinheiro a muitos colaboradores; e apareceu como vice-presidente da direcção de um sindicato numa altura em que estava proibido pelo tribunal de exercer qualquer cargo público ou sequer de gerir empresas. Mas ninguém falou com os sindicatos que não aderiram à greve; e não houve tempo para ouvirmos as associações das gasolineiras, que são a parte importante deste negócio. Como todos sabemos, a Galp, a BP e a Repsol, só para citar três grandes marcas, são verdadeiros colossos da economia portuguesa e, aparentemente, tentaram passar à margem desta guerra como se não tivessem nada a ver com o conflito, que pretendia, e ainda pretende, levar a economia portuguesa a um coma profundo.

Pedro Pardal Henriques fugiu às câmaras de televisão durante alguns debates mas nunca saiu dos noticiários; a sua putativa candidatura a deputado no partido de Marinho e Pinto ainda é notícia. E o seu adversário, o igualmente advogado André Matias de Almeida, representante dos patrões, não fica melhor na fotografia de uma luta entre patrões e empregados que encontrou um chefe de Governo em forma, sereno mas determinado, no meio de um silêncio partidário que é único na vida política portuguesa. JAE

quinta-feira, 8 de agosto de 2019

Crónica ao jeito de um antigo director de jornal mas sem sexo pelo meio

Apontamentos de um jornalista que vive e trabalha no Ribatejo e que nunca se rendeu ao poder de Lisboa.

Fui amigo de uma pessoa com alguma importância na Caixa Geral de Depósitos que me contou que na instituição era normal encomendarem estudos de mercado, que custavam milhões de euros, que depois desapareciam nas gavetas porque a encomenda era só para dar dinheiro a ganhar às empresas amigas do Governo e dos administradores. Por essa altura falava regularmente com um elemento do gabinete do ministro do Ambiente, José Sócrates, que me confessava que o seu chefe detestava o presidente da Câmara de Santarém da altura, José Miguel Noras, e que não queria nada com ele nem com quem o acompanhava. E aproveitava para me pedir regularmente informações sobre a vida política local.


Um dos mais influentes jornalistas dessa altura, de quem ainda hoje sou amigo, dizia-me que Santarém ainda ia ser a quarta cidade do país a seguir a Lisboa, Porto e Coimbra, por estar tão perto da capital e ter um excelente património. E que Tomar disputaria essa capitalidade valorizando ainda mais a região ribatejana. As potencialidades estão à vista mas a Confederação dos Agricultores de Portugal (CAP), e outras associações de negócios, com conivência dos políticos locais, vivem no melhor dos mundos e, como não é demais repetir, o melhor de Santarém para eles são os caminhos para Lisboa. A última tentativa da dona do CNEMA de vender um terreno à Câmara de Santarém por 20 milhões de euros é de bradar aos céus e diz bem o que são as forças de bloqueio e para que servem.


Um dia senti-me de tal forma indignado com as políticas de um ministro com a pasta da Comunicação Social (Santos Silva), que fui atrás de um pedido de reunião até conseguir os meus objectivos. A primeira meia hora de conversa foi a ouvi-lo dizer os maiores disparates sobre o sector, sem direito a abrir a boca. Quando se cansou, e me deu a palavra, comecei o meu rol de perguntas em forma de críticas; passou o resto do tempo a pedir à Teresa (directora do Gabinete de Meios) que lhe traduzisse a conversa porque não estava por dentro da maioria dos assuntos.


O membro de um Governo que mais se serviu de nós para conhecer os meandros da luta associativa dos antigos patrões dos media foi aquele que mais prejudicou a imprensa regional (Alberto Arons de Carvalho). Recebia-me várias vezes por ano no seu gabinete, na Gomes Teixeira, para ficar por dentro daquilo que se falava nas reuniões. Nessa altura os patrões da comunicação social em Portugal faziam mossa no Governo quando decidiam juntar-se e falar a uma só voz. Foi com esse membro do Governo que tivemos a maior briga política; e deve-se a ele muito do que ainda hoje é o calcanhar de Aquiles da imprensa regional: por exemplo: os valores inflaccionados dos portes do correio uma vez que era o Governo que pagava e ninguém discutia preços. 


Assisti de perto ao assalto aos grupos de comunicação social importantes, como o Diário de Notícias e o Jornal de Notícias, tomando nota de declarações, como as de António Oliveira, que a certa altura, referindo-se à compra do grupo destes dois jornais, disse que tinha comprado um porco e ia receber um bacorinho. A frase ficou, mas também ficou a saber-se que quase tudo o que comprou não foi com o dinheiro dele; O caso de José Berardo não é muito diferente. Os políticos destas últimas décadas vão ficar muito mal na fotografia da História de Portugal.


Nos tempos em que a imprensa vivia dias felizes fui convidado para fazer parte da estrutura accionista da agência Lusa. Faltei à chamada porque nesse dia, ao fim da tarde, caiu uma tempestade sobre Lisboa que me impediu de chegar a tempo e horas ao bairro da Lapa, em Lisboa, onde decorria a assembleia-geral. Ainda hoje as tempestades inesperadas fazem-me lembrar o dinheiro que poupei nesse ano; e nos dias em que gasto mal o meu dinheiro levo à conta desse investimento que não fiz, numa agência com maioria de capital do Estado, cujos jornalistas muitas vezes trabalham em cima das notícias que O MIRANTE publica em primeira mão. JAE

domingo, 4 de agosto de 2019

A tourada a Património Mundial da Humanidade

As corridas de toiros em Portugal têm um director de corrida que não manda nada. E os artistas fazem o que querem, para um público cada vez menor e menos entusiasmado com o espectáculo.

As corridas de toiros em Portugal, na grande maioria das praças, são uma brincadeira comparadas com os espectáculos na vizinha Espanha. Todos os aficionados sabem bem disso e os empresários sabem melhor do que ninguém; e os toureiros estão carecas de saber. Por isso é que em Espanha já há muitas cidades onde as touradas estão proibidas embora a aficion seja a sério e haja dez vezes mais aficionados que em Portugal.
As touradas são um espectáculo perigoso, que se gosta ou se detesta, como o boxe, por exemplo, e nos tempos que correm tornou-se bárbaro aos olhos da grande maioria da população por causa dos fracos empresários, e da falência do espectáculo como um todo, que não deixou de ser popular mas deixou de interessar ao povo.
Está na cara de qualquer republicano que matar o toiro na arena ou castigá-lo com os arpões das bandarilhas é coisa doutros séculos. Qualquer pobre de espírito que vá ver uma tourada percebe que não há leis a sério para cumprir dentro e fora de tábuas; que cada artista faz o que quer; que o director de corrida, vulgo “inteligente”, é uma figura de faz de conta, não manda nada nem vai querer mandar porque no outro dia é substituído por outro tão inteligente como ele mas mais permissivo aos abusos.
Os toureiros portugueses, na grande maioria, são gente boa mas militam nos partidos monárquicos e na cabeça deles, por exemplo, as mulheres jamais podem ter, em sociedade, os mesmos direitos dos homens, nem sequer como artistas da Festa: são os marialvas dos novos tempos; grandes artistas, sem dúvida, mas convencidos que são os herdeiros de um mundo que se mantém igual àquele que os avós viveram.
Não quero ser injusto com os artistas, principalmente com alguns que conheço, mas há muitos cuja mentalidade não é mais tolerante que a dos anti-taurinos, essa gente igualmente boa que de forma pornográfica se deixa enjaular a 70 metros da entrada da praça de toiros do Campo Pequeno, em dia ou noite de corrida. Se tivesse que protestar contra alguma coisa, enjaulado daquela forma, matava-me de vergonha.
Tourear é uma arte grande, corajosa, para poucos privilegiados. A arte de tourear, e de pegar o touro de caras, ou de cernelha, podia ser Património Mundial da Humanidade se o toiro fosse toureado sem sangue, os toureiros fossem admoestados em público quando são inábeis e violentos com o animal e o director de corrida tivesse autoridade para mandar prender ou expulsar da praça os artistas que infringissem as regras do espectáculo. JAE