quarta-feira, 25 de junho de 2008

Todos somos escravos dos banqueiros


Em toda a minha vida de trabalho posso dizer com propriedade que nunca juntei dinheiro. Nos últimos dois anos resolvi começar a fazer um mealheiro. Passados trinta anos, depois das humilhações que sofri ao balcão da instituição bancária da minha terra para conseguir pequenos empréstimos, sinto-me outra vez nas mãos dos banqueiros que me pagam os juros que eles muito bem entendem e querem.
Escrevo sobre este assunto mas confesso que já me habituei a serenar a alma na relação com a banca. Graças aos governos socialistas e social democratas todos somos escravos dos banqueiros que, por sua vez, são donos dos escravos, dos amos dos escravos, dos traficantes dos escravos e por aí adiante até ao topo da hierarquia que ninguém sabe onde termina.
Há milhares de portugueses como eu, e milhões de pessoas em todo o mundo, com histórias iguais ou parecidas com a minha, que trabalham uma vida inteira e conseguem juntar uns patacos, mesmo continuando a vida de escravos do trabalho. A diferença fazem-na alguns que, depois do dinheiro amealhado ao fim de muitos anos de trabalho, não resistem à tentação das ofertas fáceis dos bancos, que incentivam a compra de acções na bolsa, que é um dos negócios mais duvidosos que conheço logo a seguir à droga.
Não falo assim por estar escaldado mas por conhecer quem investiu tanto em acções, julgando que estava a fazer o investimento da sua vida, e perdeu uma boa parte do que amealhou ao longo de anos de trabalho.
Se não perder o juízo nunca ganharei um cêntimo especulando com a compra e venda de acções. Até posso perder tudo o que ganhei a trabalhar com a compra errada de um palmo de terra, ou gastando euro a euro até ao ultimo cêntimo se me faltarem as forças para trabalhar. Mas procurarei nunca ir atrás da cantiga do mercado de capitais que faz criar a ilusão que quem souber investir pode ficar em pouco tempo tão rico como Belmiro de Azevedo ou a família Espírito Santo.
Nenhum pobre enriquece a trabalhar ou jogar na bolsa. Não tenho vergonha de continuar a trabalhar doze horas por dia mas tinha vergonha de ficar um dia todo a fazer contas aos valores das empresas dos outros, para gerir a minha carteira de acções, e assim alimentar a ideia de que mais tarde ou mais cedo me sairia a sorte grande.
Não vejo muita diferença entre o negócio dos casinos e o negócio da bolsa. Todos acabamos por perder tudo o que investimos. No casino pode ser numa noite de loucura. No mercado de acções será com certeza quando as nossas ilusões estiveram mais ao rubro. São duas formas superiores da sociedade capitalista controlar e explorar os cidadãos mais fracos e desprotegidos, os incautos e os pobres de espírito.

quarta-feira, 18 de junho de 2008

Espírito de equipa


No último fim-de-semana participei em mais uma edição do Challenger que a NERSANT organiza todos os anos. Esta edição teve uma vantagem em relação às anteriores: houve menos competição e mais confraternização e espírito de grupo. Pelo que sei, a organização, ao tentar mudar a filosofia do Challenger, encontrou mais dificuldade em mobilizar as empresas para constituírem as suas equipas. Mesmo assim estiveram envolvidas na iniciativa cerca de 200 pessoas.
Retenho desta aventura de três dias, em que para além de muitas outras actividades desci os rios Zêzere e Tejo de canoa, que sem espírito de equipa não há milagre que nos valha. Na descida do Tejo fiz parceria com o meu filho, de 17 anos, que já tem mais força do que eu. Juntos, a descer o Tejo, sem experiência na prática da canoagem, parecíamos dois galos arrufados a discutir as nossas azelhices. Em casa lá nos vamos entendendo a jogar snooker ou pingue-pongue. No rio, se tivéssemos que disputar alguma coisa, perdíamos ambos. Nascemos os dois com o Tejo ao pé da porta e ambos não sabemos navegar. Boa lição de vida que não esquecerei.
Quanto à falta de participação das empresas só podemos tirar uma conclusão: a maioria dos empresários ainda não percebeu que o espírito de equipa faz-se fora das quatro linhas; quero dizer: fora do ambiente de trabalho. Como passo a vida a estudar Recursos Humanos, e ainda não pesco nada do assunto, no final do passado domingo cheguei a outra conclusão importante para o meu futuro: já tenho uma boa idade para me dedicar à pesca, com o espírito do pescador que, depois de apanhar o peixe o devolve ao rio, sabendo que tem em casa comida suficiente para o dia seguinte.


Recebemos esta semana a notícia de que o Clube de Jornalistas resolveu dar a O MIRANTE o prémio de Gazeta de Imprensa Regional. Vamos recebê-lo com todo o gosto. Curiosamente deixamos de concorrer a este prémio há mais de dez anos. Agora alguém se lembrou de nós e resolveu premiar-nos. Nem foi preciso concorrer.
Este é o país que temos. Os jornalistas que estiveram por detrás destes prémios não conhecem o país em que vivem nem sabem nada das dificuldades da profissão fora dos grandes centros de Poder onde se movimentam.
A atitude mais inteligente seria recusar o Prémio. A mais sensata é ir recebê-lo e provar que não são os prémios que nos fazem trabalhar mais e melhor em nome de uma imprensa regional de qualidade e de prestígio.

quarta-feira, 11 de junho de 2008

O caciquismo em Santarém em tempo de Feira


No dia da inauguração da Feira da Agricultura, que acompanhei de perto durante cerca de quatro horas fazendo trabalho de repórter, assisti à mais caricata de todas as cerimónias de inauguração da Feira.
As declarações de Moita Flores, que são reproduzidas nesta edição, espelham um pouco do ambiente que se vive na administração do Cnema, que foi muito mal disfarçado nas quatro horas de apertos de mão e cumprimentos aos expositores.
Nunca vi tanta arrogância e tão desmedida certeza de que os interesses do Cnema são os superiores interesses da autarquia de Santarém e do seu concelho. Moita Flores tem razão. Aquela gente sabe pisar até que do cacho das uvas fique apenas o engaço.
À luz da administração do Cnema, a Câmara de Santarém é gerida por um forasteiro que está por aqui de passagem; que não entende nada do que são os superiores interesses da cidade e do concelho. Nunca vi tanta arrogância, tanto caciquismo e tão desmedida certeza de que a autarquia escalabitana é um parceiro sem importância na organização e no prestígio da Feira do Ribatejo.
Francisco Moira Flores chegou à presidência da Câmara de Santarém e virou uma página na política local e regional. Falta virar todas as páginas para cumprir o seu trabalho. É por isso que tenho um especial prazer em observar no terreno a sua luta contra os poderes instituídos, e contra aqueles que sempre acharam que Santarém é uma cidade condenada ao fracasso e aos interesses inconfessáveis de meia dúzia de patos bravos com licenciatura, alguns com muito poder nos gabinetes de Lisboa, que alimentam a ilusão de que mais tarde ou mais cedo deixaremos cair por terra todas as ilusões de que é possível mudar o estado miserável da nossa política.
Se o meu trabalho não fosse ir para o terreno, fazer aquilo que já faço há vinte anos, não acreditaria que a instituição Câmara de Santarém pudesse ser tratada a tão baixo nível pelo facto de o actual executivo se recusar a dar cobertura aos interesses instalados no Cnema, em prejuízo da câmara e do concelho de Santarém.
Moita Flores precisa de mostrar obra para voltar a ganhar a Câmara de Santarém se resolver recandidatar-se. Coragem e um grande coração não lhe faltam. Resta saber se tem uma equipa forte para o ajudar numa missão (quase) impossível.
Na política ganham quase sempre os que têm mais poder de influência. É dos livros que os grandes exércitos podem perder muitas batalhas mas acabam quase sempre por ganhar a guerra.
Santarém tem as suas muralhas frágeis demais. Reconstruí-las é trabalho para gigantes. Há demasiados lilliputinianos nesta cidade para acreditarmos que a inteligência e a grande capacidade de trabalho, que Moita Flores já demonstrou, seja suficiente para sair vencedor da luta política em que os homens fortes da CAP são mestres e gostam de dar lições.

quarta-feira, 4 de junho de 2008

O que a gente vive nunca esquece


O meu avô materno, que morreu há mais de 30 anos, ficou no imaginário do povo da terra onde nasci. Com os copos dizia umas chalaças que pareciam inventadas no momento. E como tinha um estilo de vida à poeta, passava muito mais tempo na taberna do que a trabalhar, as suas piadas ainda hoje andam de boca em boca. “O Negrinha já dizia…”, “o Negrinha também dizia…”, “essa faz lembrar o Negrinha…”, são expressões que é comum ouvir antes de alguém filosofar sobre as desgraças ou as alegrias da vida.
Confesso que guardo dele boas lembranças. Mas não me entusiasmam as recordações dos seus ditos e chalaças já que alguns deles são inventados e atribuídos à sua personagem naquela lógica de quem conta um conto acrescenta-lhe sempre um ponto. As piadas mais picantes e menos conhecidas ouvi-as ainda há pouco tempo à minha mãe que, no entanto, confirma o que eu sempre também achei: o povo diz muita coisa que não é verdade.
Era ele que me aquecia os pés na cama nas longas noites de inverno. Mas também era ele que obrigava a minha avó a trabalhar para sustentar sozinha todas as bocas lá de casa. E guardo na memória as vezes, e foram dezenas, em que acompanhei a minha avó ao início da travessa do Porto do Carvão para carregar o meu avô ás costas, já que ele ficava pelo caminho perdido de bêbado, embora a distância entre a taberna do Pedro ou do António Cruz fosse de menos de duas centenas de metros da nossa casa.
Tão ou mais bêbado do que ele era o António Parguento. Embora não fosse da minha família, e vivesse numa barraca de tábuas junto ao cemitério, com uma mulher que era o único elemento do seu agregado familiar, guardo dele uma memória que jamais se apagará, e me é tão cara como a memória que guardo do meu avô. Com o António Parguento, tinha eu nove anos, estiquei arame no quintal da fábrica da cortiça do José Prior, na avenida Jesuino Magano, e na fábrica do José Martins, na rua Marques de Carvalho, também conhecida como Rua do Vale.
Levantava-me às seis e meia da manhã, no pico do inverno, e o meu trabalho era desenrolar o arame dos fardos da cortiça para depois ele os colocar no esticador e endireitar à força de braços.
Naquele tempo ainda se ganhava para o pão no rabisco da cortiça. E o arame usado valia o suficiente para pagar dois ordenados aos dois braços de trabalho mais baratos de todos os tempos: o da criança e o do homem que vive dos biscates.