quarta-feira, 19 de setembro de 2012

Os burgueses morrem de fome e de sede; o povo morre revoltado


Os relatórios diários dos telefonemas que chegam à redacção davam para escrever um outro jornal. Esta semana foi pesada em alguns assuntos que nos preocupam. Gente mais idosa a desistir da assinatura por falta de dinheiro; dois leitores a desabafarem que não renovam porque temos o jornal cheio de publicidade; meia dúzia de leitores fartos de receberem o jornal oito dias depois dele já ter sido distribuído; um leitor descontente com uma notícia dizendo que nós somos terroristas a escrever. Pelo meio, e como sempre, muitos telefonemas a denunciarem situações que enchem a nossa agenda e que, infelizmente, nem sempre conseguimos dar a atenção que gostaríamos.

Na passada semana assisti a uma cerimónia que durou toda a tarde e onde estava um batalhão de jornalistas. Nesse dia à noite, e no outro dia, só consegui ouvir as declarações de Mário Soares a afirmar que este Governo não pode chegar ao fim da legislatura. Do acontecimento onde esteve Mário Soares e do que ele disse, que é bem mais importante que a declaração usada para abrir noticiário, não se escreveu ou publicou uma linha.
O jornalismo de secretária continua a imperar nas redacções. Os jornalistas passam horas a fazer a cobertura de um acontecimento e depois publicam meia dúzia de frases arrancadas no final do dia de trabalho quase sempre à margem daquilo que foi o verdadeiro acontecimento. Não vejo a classe jornalística preocupada com os interesses imediatos dos partidos que fazem o jogo político à custa da comunicação social. A coisa é demasiado vergonhosa para ser contada. As mudanças na rotunda do Marquês de Pombal são o retrato mais fiel do país em que vivemos. Nada justifica aquelas obras e a comunicação social acompanha o assunto como se o país estivesse permanentemente com os olhos postos nos problemas do trânsito naquela rotunda. O país parou por falta de dinheiro para que as autarquias e as pequenas e médias empresas mantenham sinais de vida nas classes mais pobres. A Câmara de Lisboa e a comunicação social de Lisboa têm uma grande margem de manobra para continuarem a fingir que o mundo gira à volta do Marquês de Pombal.

Senti as emoções das manifestações do passado sábado. Assisti ao corrupio para a praça José Fontana, em Lisboa, e observei alguns comportamentos que me fizeram lembrar tempos antigos em que a revolução estava na rua e as pessoas tinham os dentes e os punhos cerrados.
Sou visceralmente contra o Sistema que domina e corrompe a democracia. O Governo está a cortar nos vencimentos dos mais pobres e não corta nos altos funcionários que minam os serviços públicos. Há milhares de ex-secretários de Estado, ministros e directores disto e daquilo que, depois de terem passado por lugares dourados, nunca mais trabalharam. Estão em “prateleiras” a viverem à custa do orçamento. A maioria tem avenças com empresas privadas como consultores e, à boa maneira fascista, ganham o que querem e o que podem.
Os advogados/deputados da Assembleia da República continuam com escritórios abertos nas principais avenidas da capital. Ninguém sabe quantas empresas amigas dos políticos no Governo é que o Estado vai salvando com entradas de dinheiro fresco no capital social. É um fartar vilanagem.

Num país onde a justiça não funciona, ou funciona com dez anos de atraso, não há democracia que valha estes sacrifícios; num país onde os políticos se protegem desta forma vergonhosa não nos resta outra alternativa que as manifestações de rua. Ninguém faz milagres e o Governo parece estar a fazer o que pode. Mas do discurso à prática vai uma grande distância. Quem não sabe comunicar não sabe governar. E toda a gente também sabe que de boas intenções está o mundo cheio; e que quando começa a faltar o pão para a boca ou morremos de vergonha ou com a boca cheia de espuma. Em tempos de crise os burgueses, regra geral, morrem de fome e de sede; o povo morre revoltado.

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