quarta-feira, 27 de agosto de 2008

É difícil ser prior de freguesia


Viver num meio pequeno obriga-nos a conhecer de perto a vida de muita gente. Muitas vezes são coisas que não nos interessam mas que mexem com os nossos sentimentos. A pequena comunidade que nos rodeia, por estar tão próxima da nossa porta de casa, acaba por ser a nossa segunda família. Sem querermos estamos a ser informados quase diariamente do estado de saúde de uma pessoa que começou a bater mal da cabeça, ou de alguém que apareceu com uma doença da moda, ou ainda de um conhecido que ainda ontem passou por nós e acenou com a mão e, no dia seguinte, já está a fazer tijolo. Muitas vezes sem querermos estamos a viver o drama da vida dos outros retirando sossego ao ambiente que existe na nossa casa. Aquilo que parece uma conversa banal acaba a incomodar-nos por ser tão triste e imprevisível. Ultimamente, por razões que não interessa explicar, tive conhecimento de zangas entre algumas famílias que me deixam perplexo. Falo de famílias da classe média alta, gente com estatuto na comunidade, que ainda há poucos anos formavam clãs verdadeiramente influentes e que até serviam de exemplo na missa de domingo.
A morte repentina de um membro forte da família ou, em muitos casos, dos dois membros mais importantes da família, deita por terra um amor e uma amizade entre irmãos, primos e parentes, de tal forma que a seguir ao amor vem o ódio mais indesejado.
Quase sempre a origem destas guerras entre familiares, que perdem as suas referências em termos de líderes, derivam das questões à volta da partilha dos bens. O ouro, as terras, as acções, e os prédios valem sempre muito mais do que a memória da infância, as recordações das ceias de natal, as férias na praia, as solidariedades nas alturas da vida mais difícil quando faltava a saúde ou o dinheiro. E o sangue, que dantes corria nas veias, e parecia suficiente para cada um dar a vida pelo outro, transforma-se em veneno. Já não há um médico de família mas um juiz de família. Já não há uma casa de família mas um tribunal de família. Aquilo que foi comprado com tanto sacrifício ao longo de anos, e que devia ser sagrado, de repente transforma-se no mais amaldiçoado dos patrimónios. Há quem prefira ver o castelo da família no chão que um seu irmão feliz entre as muralhas. Há quem prefira morrer pela conquista de mais um hectare de terra que gozar o resto da vida a cuidar dos dez hectares que já comprou ou lhe deixaram em herança.
É difícil ser prior na minha freguesia. Se eu estivesse no lugar do prior juro que lhes dava um sermão em todas as missas de domingo. Se não resultasse fechava-lhes a porta da igreja nas trombas que é o que eles todos merecem.

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