quarta-feira, 26 de novembro de 2008

As flores estão caras


No domingo ouvi dizer que as flores estão caras. Foi numa conversa familiar. Tirei a frase do contexto em que foi dita e reconheço que devem estar. Há mais de duas décadas que não vou ao cemitério homenagear os mortos com flores. Na segunda metade da minha vida também nunca dei uma flor a uma mulher, assim como se vê nos filmes, que imitam muito bem a realidade. Julgo que sei avaliar tão bem o valor das flores em cima de um caixão como sei o valor do gesto de entrar numa florista e comprar um ramo de flores para levar para casa e oferecer, em dia especial, a quem se ama. A verdade é que não pratico. Se tivesse que me alimentar da carne dos animais que eu próprio teria de matar deixava de comer carne. Por mim as flores morreriam todas na terra onde nasceram depois de terem colorido as manhãs e perfumado o dias.


É difícil falar de dinheiro quando se tem dinheiro. Andei à volta do tema do dinheiro para uma crónica que conta uma história muito especial que gostaria de partilhar. Mas não tenho verbo nem coração para falar de dinheiro e do valor do dinheiro. Eu tenho dinheiro. Jamais serei capaz de me colocar na pele de um homem que perdeu o amor da sua vida porque não se serviu, na altura própria, do dinheiro que tinha, pensado que lhe poderia fazer falta para outra altura. Imagine alguém que poupou muito dinheiro uma vida inteira para as alturas difíceis da vida e, quando chega essa altura, não usa o dinheiro e deixa morrer a pessoa que mais contribuiu para o amealhar? Esta história é real e passou-se com um amigo meu que, passados quatro anos, ainda chora o dinheiro que tem no banco e a morte da mulher que era a única companheira da sua vida. É caso para dizer, já que vem a propósito: as flores estão caras mas é só para algumas pessoas.


Por mais que nos esforcemos há pessoas que nunca conseguirão entrar no nosso mundo. Nem com mais amizade, nem com mais atenção, nem com melhores exemplos, mesmo que as nossas palavras tivessem a sensibilidade das pétalas das flores, ou os nossos exemplos de vida fossem os mais admiráveis do mundo. Haveremos de encontrar sempre pessoas no nosso caminho que são de outro mundo. O problema é quando esse mundo não é racional. O problema é quando encontramos pessoas no nosso caminho que parece que foram arrancadas, à nascença, das raízes de uma planta e vivem literalmente num jarro cheio de água.
Conheço muita gente que me faz lembrar os objectos esquecidos anos e anos em cima do mármore das campas. E a minha vida é uma luta para nunca me sentir uma flor nas mãos de alguém que gosta de oferecer flores mas, verdadeiramente, nunca gostou de flores nem sabe apreciar a beleza das flores.

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