quarta-feira, 6 de julho de 2011

Nossa Senhora de Fátima

Há gente a viver muito bem à custa da crise. Sempre foi assim e assim será; com o mal de uns estão outros bem. Há quase meio século o meu pai deu-me umas botas tão grosseiras e pesadas que eu recusei-me a calçá-las e preferia ir descalço para a escola. Tinha vergonha de usar o raio das botas que pareciam maiores do que eu e preferia o pé descalço mesmo de Inverno.
À luz dos nossos dias parece que estou a falar de um passado de séculos mas são de ontem as memórias dos pés descalços, frios e feridos das topadas, pendurados por debaixo da carteira da escola.
Por gostar tanto de mim a minha avó, por esta idade escolar, dava-me dois tostões para aviar numa garrafa de gasosa da Ramalha um decilitro de vinho na taberna do José Pedro. Era o meu sumo para acompanhar o almoço que era quase sempre açorda quando não era batata cozida com um ovo.
Sei agora, depois de ler alguns livros, que nessa altura em que eu ia descalço para a escola e bebia vinho às refeições para ficar mais inteligente, a Europa, nomeadamente a Áustria e a Alemanha, eram países do primeiro mundo e tinham uma população a viver ao nível que alguns portugueses ainda hoje não vivem.
Não sei como é que António Guterres, Durão Barroso e José Sócrates educam ou educaram os filhos e se ainda há avós naquelas famílias que tal como a minha, entendem que o vinho ajudava a formar o cérebro das crianças. A fazer fé na forma como todos eles governaram o país nestes últimos anos não tenho dúvidas que estamos ao nível dos anos em que eu andava descalço.
Dou um exemplo: o país gastou milhões nos estudos e nas políticas para a construção de um novo aeroporto. Foram anos a fio a gastar dinheiro e a entreter a malta. Tal como se esperava chegamos à conclusão que o aeroporto de Lisboa ainda vai durar muitos e muitos anos e que ainda há muito espaço para as companhias de baixo custo mandarem baixar os seus aviões sem recorrerem aos aeroportos de Faro, Porto ou Beja.
O que eu acho extraordinário, para além destas fantasias que só servem para encher de dinheiro o bolso de alguns, é não haver na classe política alguém que bata o pé para a construção de um aeroporto em Fátima. É só fazer as contas. Fátima está no centro do país a menos de uma hora de Lisboa de carro ou de comboio. Portugal tem mais turistas por ano do que população e mais de metade desse turismo desloca-se para Fátima. Alguém tem dúvidas que a construção de um aeroporto em Fátima atraía o dobro dos turistas a Portugal? É possível ignorar para a construção de um novo aeroporto um local turístico que tem mais potencialidades que os monumentos do resto do país todos juntos?
O loby por Lisboa e pela centralização chegou à situação que todos conhecemos. Nossa Senhora de Fátima fez tudo o que devia pelos portugueses. Os portugueses agradecem no 13 de Maio mas continuam o resto dos dias do ano a irem fazer a sua mijinha diária junto à Torre de Belém e ao Padrão dos Descobrimentos.

A conversa desviou-se. A lenga-lenga não me deixou espaço para dizer que estou quase na idade de voltar à condição física e espiritual de uma criança; por isso andar descalço e ver pouca comida no prato não é ameaça que me tire o sono.

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